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O segredo do imperador Copyright © 2016 by Daniel Pedrosa Copyright © 2016 by Novo Século Editora Ltda. coordenação editorial
Vitor Donofrio
gerente de aquisições
Renata de Mello do Vale
editorial
Giovanna Petrólio João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda
assistente de aquisições
Acácio Alves preparação
projeto gráfico e diagramação
revisão
capa
Ana Cristina Teixeira Josefina Neves Mello Rinaldo Milesi
João Paulo Putini Dimitry Uziel
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB‑8/7057 Pedrosa, Daniel O segredo do imperador Daniel Pedrosa – 2. ed. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2016. (Setor 27; 1) 1. Ficção brasileira 2. Ficção policial I. Título 16‑1050
cdd‑869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira 869.3
novo século editora ltda.
Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.novoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
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Para minha esposa Elizandra e minha filha LetĂcia.
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Este livro é uma obra de ficção. A participação de entidades e personagens históricos, bem como suas respectivas citações, são criações da imaginação do autor e não podem ser comprovadas ou encontradas em registro oficial. Quaisquer semelhanças com eventos reais, organizações ou pessoas também são mera coincidência.
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As decisões que defendemos ao longo da história são os alicerces do futuro que estamos construindo. Por isso, para que sejamos respeitados por nossas escolhas, devemos entender e compreender as premissas de cada geração, antes de julgar sob a ótica de “nossas verdades” as intenções que regeram seus atos. Só assim admitiremos uma nova sabedoria capaz de preservar o que já conquistamos e de construir o que chamamos de um futuro melhor. O Autor
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Bacia do Rio Paraná Bacia do Rio Paraná Brasil
Sete Quedas Paraguai
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Prólogo – FIlHO, VeNHa aTÉ aQuI – disse o homem de cabelos grisalhos, cujos olhos,
sombreados por uma mancha escura que predominava em grande parte do rosto, demonstrava claramente o cansaço das muitas noites que passara sem dormir. apesar de saber que seu mundo estava prestes a desaparecer por completo, continuava sentado em uma das cadeiras da cozinha, observando o filho que brincava com uma bola de pano a alguns passos à sua frente. por um breve momento o homem se sentiu feliz, contemplando a inocência do pequeno que ele criava com orgulho. depois, voltou‑se novamente para a realidade, que o perseguia de forma implacável, e continuou a chamá‑lo: – Venha filho, há algo que preciso lhe dizer. entre os poucos móveis que compunham o ambiente, alguns quadros e uma estante repleta de livros destacavam‑se no corredor apertado que dividia os três cômodos da pequena casa situada em um antigo bairro da cidade do Rio de Janeiro. Na cozinha, uma mesa encostada em uma das paredes acomodava um cesto com frutas e o jornal com a manchete que muito preocupava o homem. era a mesma notícia que consumira a atenção da mídia durante todo o dia: Decretado o recesso do Congresso Nacional GOVERNO BAIXA NOVO ATO O ministro da Justiça Sr. Gama e Silva anunciou ontem, próximo das 23 horas, duas medidas adotadas pelo governo da República, consubstanciadas no Ato Inconstitucional no 5, que entrou em vigor ontem, e o Ato Complementar, decorrente do Institucional, que decretou recesso do Congresso. O Ato Complementar não estipulou prazo de recesso.
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O menino de apenas onze anos, indiferente a tudo o que acontecia à sua volta, soltou a bola de pano sobre o piso rústico que se estendia por toda a casa e caminhou até seu pai. Puxou uma das cadeiras e atenciosamente esperou que ele continuasse: – Meu filho – disse o homem pausadamente –, estamos vivendo um momento muito difícil em nossa vida e também em nosso país. Não temos a prosperidade que o passado nos prometeu e nem a liberdade que tínhamos hoje nos é permitida. Por consequência de um ato político, a forma de vida que conhecemos está deixando de existir. Preciso que você entenda o que estou prestes a lhe dizer e guarde tudo em segredo, até o dia em que uma sociedade menos repressiva, em um momento diferente, permita revelá‑lo. O menino parecia confuso, tentava entender as pala‑ vras difíceis que seu pai lhe dizia; nunca antes o havia visto tão preocupado, tão sério. O homem respirou profundamente, concluiu sua pausa e continuou: – Durante muitos anos, nossa família serviu à monarquia deste país. Foram tempos muito especiais para meus pais e meus avós, tempos que, acredito, nunca mais viveremos. No passado, fomos escolhidos, entre muitos, para proteger um segredo, um segredo que algumas vezes nos levou a cometer erros, a agir em conflito com nossos princípios e tomar atitudes por muitos consideradas inex‑ plicáveis. Pela consequência desses atos, nos vimos afastados de nossas famílias, de nossos desejos e, por diversas vezes, de nossa própria vida. Assim, sob a justi‑ ficativa de um bem maior, por mais de setenta anos, cumprimos nossa tarefa de forma digna e honrosa. Mas, agora, esta nova sociedade que se impõe em nosso caminho, repres‑ siva, autoritária e obscura, não me deixa mais condições de proteger o segredo que me foi confiado por meus antecessores; e, por isso, tenho que encontrar uma forma de evitar que o que foi guardado por tantos anos caia em mãos erradas e, por fim, desapareça. Sendo assim, deixarei a você uma parte do que me foi atribuído. O caminho para um tesouro sem precedentes. O menino olhava fixamente o rosto do pai que, claramente nervoso, se esforçava ao máximo para ser compreendido. O homem sabia que um dia teria que dizer ao filho aquelas palavras, mas jamais imaginara que seria ali, em um momento como aquele, e para o menino ainda tão pequeno. Segurando sua mão, pediu que esperasse por alguns instantes. Levantou‑se e caminhou até o quarto. Voltou trazendo uma folha de papel amarelada, com cortes aparecendo nas 14
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bordas, e muito desgastada: resultado de décadas de armazenamento em local pouco adequado para aquele material: – Há quase três gerações – continuou o homem, entregando o papel ao menino –, este manuscrito foi entregue pelo imperador à nossa família, para que fosse guardado de forma segura e em segredo. Eu o tenho protegido por muitos anos e agora quero entregá‑lo a você, para que o mantenha em segurança. O menino pegou o papel das mãos do pai e, notando em seu rosto uma expressão preocupada, como nunca havia visto, apertou o papel com força con‑ tra o peito. Mesmo sem saber do que se tratava, pressentia a importância que algo tão frágil demonstrava ter. O pai continuou: – As histórias que tenho lhe contado durante todos esses anos irão ajudá‑lo a entender, no futuro, muito do que agora estou falando. O menino se lembrava das noites que passava acordado, ouvindo sobre as aventuras de seu pai; gostava daqueles momentos, pois era como se viajassem juntos para um mundo especial. – No momento certo, você saberá o que fazer com isto – continuou. – Até lá, não mostre este papel para ninguém. Nem sequer à pessoa em quem você imagina que mais confia. – Tudo bem, pai! – respondeu o garoto. – Eu te amo, filho – disse o homem, abraçando‑o fortemente. – Eu também te amo – respondeu o menino, retribuindo o abraço. Neste exato momento, um grande barulho ecoou pela casa. De repente, a porta de entrada, atingida por um grande cilindro de metal, foi ao chão. Três homens armados, vestidos com uniformes camuflados, entraram gritando pala‑ vras de ordem: – Quieto! Fique parado! – gritou um dos soldados, retirando o homem de perto de seu filho e jogando‑o ao chão, prendendo seu rosto entre a sola de sua bota e o que restara da porta. – Procurem! – ordenou – Tem que estar no meio de todo esse material subversivo. O menino apertou mais o papel contra o peito e correu para o quarto. O pequeno cômodo tinha apenas uma cama e um guarda‑roupa. Ele se ajoelhou no piso, colocou os braços sob a cama e puxou um pequeno carrinho de brin‑ quedo, feito de madeira, e que tinha seu nome gravado. Colocou o papel dentro do brinquedo e saiu. 15
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– Me soltem. Eu não fiz nada! – dizia seu pai, quando ele voltou à sala. – Cala a boca – respondeu o soldado, apertando ainda mais seu rosto contra o que havia sobrado da porta de madeira. A dor era latente e gotas de sangue brotavam por entre os pedaços da porta. – Você vai pra cadeia, seu arruaceiro. Não sabe obedecer às leis, e agora vai pagar! Assim que o soldado terminou sua frase, um quarto homem entrou na casa. Por sua postura, demonstrava ser de patente superior aos três primeiros que haviam invadido o lugar. Os olhos frios, um rosto inexpressivo e uma cicatriz recente, que lhe ocupava quase todo o antebraço esquerdo, marcava‑o de forma inconfundível. Olhou ao redor e com um tom de voz firme perguntou aos outros: – Encontraram? Os soldados, apreensivos, acenaram negativamente. – Então, o que estão esperando? – continuou. – Achem o que viemos buscar, e rápido! Imediatamente, dois homens reiniciaram a busca, dessa vez revirando todos os móveis da casa, a procura de um objeto em especial. O pai, caído ao chão, esti‑ cava o braço em direção ao filho que assistia assustado a tudo o que acontecia. O menino parecia paralisado, jamais vira algo semelhante em sua vida; era uma criança, não sabia o que fazer ou como ajudar. Depois de destruírem quase tudo que encontraram pela frente, um dos sol‑ dados retornou, trazendo um quadro com pouco mais de meio metro de altura, protegido por um vidro e com um brasão gravado em relevo. – Aqui está, senhor – disse o soldado, entregando‑o ao homem. Com um sorriso de satisfação, ele segurou o quadro e, puxando a toalha que cobria a mesa, embrulhou‑o como se fosse um produto frágil e especial: – Ótimo! – disse. – Agora queimem tudo o que sobrou; já temos o que vie‑ mos buscar. – Não! – gritou o menino. Havia saído de seu transe e, por um momento, imaginou que pudesse enfrentar o homem que atacava seu pai. Bateu com o car‑ rinho de madeira nas pernas do oficial que com um chute jogou‑o violentamente para fora da casa. – Vamos – disse –, não temos mais nada o que fazer aqui. Dois dos soldados foram até um dos carros que estava estacionado na frente da casa e voltaram munidos de alguns galões cheios de líquido inflamável. Um 16
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deles espalhou o material por todos os cômodos, enquanto o outro levantou o homem que estava caído ao chão e, com uma arma apontada para suas costas, fez com que ele caminhasse para o carro. Do lado de fora, a rua permanecia deserta. Os dois soldados saíram quando as chamas começavam a tomar conta de tudo. O menino, com um corte no rosto, e com o carrinho nos braços, observava assustado, encolhido num canto do quintal. Os quatro militares, levando o homem preso, entraram nos carros e partiram. Depois que dobraram a esquina, um dos vizinhos correu até o menino que permanecia paralisado e o levou. Um clarão cortava o céu, enquanto a casa se consumia em chamas. Era sábado, 14 de dezembro de 1968.
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CAPÍTULO
1
Uma surpresa perigosa MIlHÕeS de lITROS de ÁGua banhavam as paredes daquela que é considerada
pela engenharia mundial uma das maiores construções já realizadas pelo homem em todos os tempos. Com uma área de inundação superior a 4 mil quilômetros quadrados e capacidade de produção de mais de 12 mil megawatts, Itaipu pode ser considerada por muitos uma afronta à natureza, mas, ao longo dos anos, tornou‑se responsável pelo abastecimento de grande parte da energia utilizada no país. Fernando, um defensor público de prestígio em São paulo, jamais havia ima‑ ginado, até aquele dia, que a energia de tudo que funcionava à sua volta provinha de um ambiente dotado de tanta tecnologia e imponência. enquanto caminhava pela estreita calçada de concreto que saía do estacionamento principal da hidre‑ létrica, o homem, com pouco mais de trinta anos, um metro e oitenta de altura e curtos cabelos castanhos, lembrava o motivo que o trouxera até ali. por insistência de um grande amigo, engenheiro, que há muito tempo havia visitado a região, decidira conhecer a usina de Itaipu em suas primeiras férias desde que assumira seu atual cargo, há exatos quatro anos. O amigo, que compartilhava com Fernando um gosto especial por tecnologia, informou‑ ‑lhe sobre a existência de uma excursão diferente, uma atividade mantida pela companhia, com o objetivo de levar alguns visitantes selecionados para conhe‑ cer as entranhas da usina, por meio de um contato monitorado por um guia experiente. O passeio, considerado um privilégio por aqueles que dele par‑ ticipavam, mostrava a verdadeira grandiosidade de uma construção nascida da união de dois países em busca de um objetivo comum – garantir o futuro. Conforme o amigo lhe havia contado, tudo parecia diferente e curioso. Mesmo em fotos, panfletos de viagem e sites da internet, as imagens não deixavam a desejar quando comparadas ao que tinha lido e ouvido. Restava a ele, agora, 19
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conferir de perto. A viagem, adiada por muitas vezes, fora batizada por seus companheiros de trabalho de o evento do ano, já que Fernando, um homem obcecado pelo trabalho, extremamente dedicado e persistente, raramente se afastava de seus afazeres, e sempre estava trabalhando até quando todos os outros funcionários do seu setor estavam em férias ou em licenças coletivas. Junto com ele, um casal de meia idade, duas jovens estudantes de engenharia e um homem moreno, com uma mochila nas costas e longos cabelos negros, completavam o grupo que chegara à portaria exatamente às quatorze horas, como havia sido determinado, após o contato telefônico que tiveram com a guia. Era um dia quente, o sol cortava o céu, e a brisa era quase imperceptível. Enquanto aguardava, Fernando observava no quadro de avisos um cartaz informando que há pouco mais de dois meses a unidade completara 24 anos de funcionamento. “1984‑2008 – Ajudando o país a crescer.” Esse era o slogan principal da campanha. Após poucos minutos de espera, um funcionário da segurança, unifor‑ mizado, aproximou‑se e, educadamente, perguntou se todos faziam parte do grupo destinado à visita das quatorze horas. Todos responderam posi‑ tivamente. O homem conferiu seus nomes em uma prancheta, entregou o crachá‑padrão de visitante a cada um e, após uma breve revista, guiou‑os ao anfiteatro. Os seis visitantes sentaram‑se em cadeiras confortáveis, colocadas à frente de um grande palco que abrigava uma moderna tela de projeção. Alguns banners fixados nas paredes laterais da sala mostravam etapas da construção da usina desde a primeira escavação, e todos olhavam curiosos àquelas impressionan‑ tes imagens da obra. Não demorou muito para que uma jovem, vestida com um terno preto, que trazia em relevo o emblema da usina, entrasse na sala para recepcioná‑los: – Bom dia a todos! – disse a jovem. – Meu nome é Raquel, sou a guia que falou com vocês por telefone. Gostaria de dizer que é um prazer recebê‑los e que são todos bem‑vindos à maior hidrelétrica do mundo. Os visitantes sorriram, enquanto ela continuou: – Hoje, vocês terão a oportunidade de conhecer um pouco da tecnologia capaz de fornecer energia para o país crescer e se desenvolver. Energia renovável e não poluente que garante conforto e segurança, abastecendo cidades inteiras, 20
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através da potência dos geradores instalados ao longo dos grandes muros que protegem esta usina. Vocês farão parte de um seleto grupo de visitantes que teve acesso a todas as áreas de operação da unidade, sem restrições ou limites. Nossa visita terá duração de duas horas e durante esse período peço a todos que fiquem próximos a mim, e sempre juntos. Caso algum de vocês se perca do grupo, aguarde onde estiver para que possamos encontrá‑lo. Nossas normas de segu‑ rança são rígidas, e espero contar com a colaboração de todos para que tenhamos uma tarde instrutiva e bastante agradável. Alguma dúvida? – perguntou. – Não – responderam todos, indicando com clareza que haviam compreendido. – Ótimo. Peço, por favor, para que peguem os capacetes que estão sobre as mesas, ao fundo. Todos devem colocar o equipamento, que é obrigatório para a circulação no interior da usina; assim que estiverem prontos, poderemos iniciar a visita. Os visitantes colocaram os capacetes e, obedecendo à orientação da guia, caminharam até a porta de saída. Um micro‑ônibus aguardava o grupo em frente ao portão principal do prédio. Todos entraram no veículo que, seguindo pela estrada principal, se dirigiu à base da represa. A primeira visão parecia realmente inacreditável. Fernando desceu ao pé de uma das dezoito tubulações que conduziam água às turbinas geradoras de energia. As enormes estruturas metálicas, cada qual com um diâmetro externo de vinte metros, levavam, juntas, mais de 10 mil litros de água por segundo. A vibração, possível de ser sentida sob a sola dos sapatos, surpreen‑ dia e empolgava. O grupo tirou algumas fotos da grande parede de concreto e, segundos depois, seguiu adiante, através de uma pequena porta que levava ao interior da construção. Fernando percebeu que o homem de cabelos longos olhava impacientemente para todos os lados e, assim como ele, mostrava‑se admirado com a grandiosidade de tudo à sua volta. Não pôde deixar de notar que as jovens estudantes discutiam números e capacidades teóricas, ilustradas em um panfleto que haviam recebido, e o casal, sorrindo timidamente, demonstrava um interesse menor pela tecnologia do que o restante do grupo. Ele, que era apaixonado pela capacidade humana em realizar tais maravilhas, se entusiasmava a cada novidade. E a guia, atenciosa, não perdia de vista nenhum dos visitantes que transitavam sob sua responsabilidade.
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O potente smartphone que Fernando carregava nas mãos registrava fotos e vídeos sempre que algo o interessava. A cada estágio da visita, a jovem Raquel demonstrava ter um vasto conheci‑ mento: detalhes estruturais, ações ecológicas promovidas pela companhia para evitar impactos ao meio ambiente, futuras instalação para aumento de capaci‑ dade; enfim, vários assuntos eram apresentados por ela e se tornavam tema das discussões entre o grupo durante a excursão. Com certeza, a visita correspondia a todas as expectativas criadas pela con‑ versa que Fernando havia tido com seu amigo engenheiro. Uma das melhores partes, com certeza, seria a visita ao topo da barragem, local apropriado para se observar a construção de forma completa e absoluta. O grupo deixou o elevador no vigésimo quinto andar e seguiu mais três andares pela escada até a porta que levava à superfície. Um mar de água doce, recostado pacificamente à beira do concreto, parecia uma visão ainda mais magnífica do que havia imaginado. Pássaros voando sobre a água serena enriqueciam o contraste entre a natureza e a tecnologia criada pelo homem. Fernando admirava a paisagem e, enfim, se dava conta de que a esta viagem, tão incentivada por seus amigos, parecia ter sido uma excelente ideia. Uma brisa suave batia‑lhe no rosto e a sensação era realmente relaxante. Há muito tempo o jovem advogado não se afastava da rotina que lhe trazia ao mesmo tempo satisfação e cansaço; este era, portanto, um providencial descanso em sua vida atribulada. A guia, eficiente em seu trabalho, continuava a tecer comentários sobre o complexo: – Esta é a fonte de toda a energia gerada em nossa usina. Cem bilhões de litros de água, em uma represa com milhares de quilômetros quadrados e profundidade média de 150 metros, fornecem a cada uma das turbinas mais de mil megawatts de potência. É uma visão verdadeiramente maravilhosa – disse a moça. – Foi por isso que vocês destruíram para sempre uma das maiores belezas naturais da humanidade – retrucou o homem de cabelos longos. Fernando foi de maneira abrupta afastado de seu momento de reflexão pelas palavras do homem que possuía um sotaque nada familiar. Sua voz soava num tom irônico e numa entonação diferente do que ele esperava ouvir durante uma excursão. 22
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– Desculpe‑me, senhor, mas o que posso dizer é que faz parte do direito de cada um enxergar o progresso à sua maneira, e não estamos aqui para discutir quem está certo ou quem está errado. Estamos aqui para conhecer mais sobre a usina e é isso que faremos – Reagindo rapidamente, Raquel demonstrou que já havia presenciado manifestações semelhantes em outras excursões e, de forma tranquila, contornou a situação. – Se pudermos seguir em frente, ainda temos muito para ver. Fernando não entendeu o que ocorria, mas percebeu entre todos os visitantes um ambiente desconfortável por consequência da cena no mínimo indelicada. Apesar de a resposta formulada pela guia ter inibido qualquer outro comentário do homem, tal comportamento lhe parecia pouco justificável. Uma das jovens estudantes de engenharia demonstrou timidamente concordar com o homem e, notando esse detalhe, Fernando perguntou‑lhe: – Será que eu perdi alguma coisa, ou parece haver algo errado por aqui? – Não – disse a moça em um tom de voz baixo, para que só ele pudesse escutar. – Já estive nesta visita por duas vezes e, pelo que sei, sempre acontece de alguém se lembrar das Sete Quedas. – Sete Quedas? – perguntou Fernando. – Sim! – respondeu a jovem. – Digamos que era talvez uma das maio‑ res belezas de nosso país. Um conjunto de cachoeiras com muitas quedas, um lugar maravilhoso, conhecido pela beleza e harmonia de um conjunto de corredeiras naturais, mas considerado diferente e realmente especial, pelo fato de abrigar uma imagem única. Uma cachoeira com 114 metros de altura, a maior queda d’água do mundo. – A jovem fez uma pausa. – Um paraíso ecológico destruído pela ação do homem; inundado para garantir a construção desta usina. – E o que isto tem a ver com esta excursão? – insistiu Fernando. – Muitas manifestações populares aconteceram no início da construção da usina. Motivadas por grandes organizações ambientais, essas manifestações pro‑ testavam contra a construção da barragem e afirmavam que o impacto ao meio ambiente seria incalculável. Mas o próprio contrato que a construtora assinou com o governo previa a compensação das áreas perdidas por meio de indeniza‑ ções, projetos, ações de reconstrução da flora local e preservação de quase todas as espécies nativas que habitavam a região. Animais foram recolhidos, canais 23
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para piracema foram construídos, cidades foram compensadas por suas perdas e quando todos esses trabalhos foram finalizados, os manifestantes, que já não eram tão ativos nessa época, foram perdendo ainda mais sua força, reduzindo seu protesto a pequenos atos isolados como este. Por fim, mesmo com parte desse impacto sanado pelas ações da companhia, as Sete Quedas, que atraíam a maior parte dos movimentos contra a construção da usina, não resistiram e, infelizmente, acabaram sendo destruídas. – Vejo que conhece bem essa história – disse Fernando, surpreso com a riqueza de detalhes com que a jovem havia descrito o assunto. – Eu diria que sou uma das maiores fãs desta construção – respondeu ela, olhando de forma carinhosa tudo à sua volta. – Apesar dos impactos causados à região para proporcionar sua existência, é uma obra maravilhosa! Agradecendo a aula de história, Fernando se afastou da jovem e passou a observar mais de perto o comportamento do homem que havia se manifestado. Sua habilidade e experiência, adquiridas durante o exercício de sua profissão, durante a defesa de astutos clientes em processos judiciais dos mais variados, o ajudavam a concluir que o comportamento inquieto que havia percebido no homem minutos antes, na verdade, não se tratava de curiosidade ou admiração pelo ambiente que estavam visitando, e, sim, de puro nervosismo. Uma sensação estranha lhe indicava que algo poderia estar acontecendo e resolveu acompa‑ nhar cada passo dele com mais atenção. Seu pressentimento o avisava de que a “colaboração” do homem para a excursão não havia acabado e que alguma nova surpresa poderia surgir. O grupo deixou a parte superior da usina em direção a uma das dezoito tur‑ binas de 3 mil toneladas, localizadas na base da construção. Enquanto o elevador interno descia, Fernando continuava atento a cada movimento do homem. Raquel, que permanecera tranquila durante todo o trajeto, minutos depois do ocorrido, já conversava de forma segura e natural. Enquanto apresentava alguns quadros de informações técnicas em um dos corredores pelo qual passavam, não demonstrava qualquer receio ou temor pelo, agora, indesejável convidado. Em pouco tempo de caminhada, puderam avistar uma porta e uma placa, indicando a entrada de serviço para o rotor principal da turbina quatro. Uma sala construída sob medida, sem janelas e com apenas uma saída, abrigava a grande turbina. O barulho contínuo da máquina rodando em alta 24
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velocidade indicava que, a cada segundo, mais de seiscentos litros de água passa‑ vam sob os pés dos seis visitantes. Um rotor gigante e vários painéis eletrônicos demonstravam a força descomunal absorvida pelo gerador e forneciam uma sensação da incalculável capacidade humana em evoluir. Fernando observou que o sinal de seu celular havia desaparecido por com‑ pleto, o que indicava que, ali, as paredes apresentavam uma espessura no mínimo surpreendente. Tirou algumas fotos e guardou o aparelho no bolso. Percebeu quando o homem se aproximou mais uma vez da jovem guia, sem que houvesse qualquer motivo. Sua percepção não estava errada, pois certamente ele preten‑ dia criar problemas e este parecia o momento mais oportuno. Ele se dirigiu à jovem, dessa vez desferindo suas palavras em um tom ainda mais agressivo: – Tudo isto é fruto da ganância de homens que se acham donos de nossas vidas. Vocês não sabem o que eles fizeram aos inocentes que morreram para que isto fosse construído – vociferou. – Senhor! Tenha calma ou terei que chamar a segurança – retrucou Raquel, agora assustada com a ousadia do homem. – Faça isso – disse ele, tirando da sua mochila uma caixa metálica com um cronômetro preso à tampa. – Na verdade vou lhe dar um bom motivo para cha‑ mar a segurança. – O que é isso? – perguntou Fernando, interrompendo a discussão, pois perce‑ bera que o homem estava disposto a fazer algo muito mais grave do que imaginava. – Isto – disse o homem, passando a mão sobre o rosto, pois o suor lhe escorria pela testa e sua expressão era verdadeiramente assustadora –, isto é a liberdade para todos os males que este símbolo da dominação moderna causou para os que viviam à margem de sua grandiosidade. A impunidade acaba aqui! – Calma, o que vai fazer? – perguntou Fernando, tentando ganhar tempo enquanto pensava em como poderia agir frente àquela situação. – Vê este relógio? – disse o homem apontando para a caixa. – Está programado para detonar os explosivos que estão nesta caixa, capazes de abrir um buraco para destruir as paredes desta usina e devolver a nós aquilo que nos é de direito. – Calma, vamos conversar – insistiu Fernando. – Temos três minutos para conversar – disse o homem, acionando um botão na lateral da caixa. – Pode começar quando quiser. O visor do relógio digital preso à caixa acendeu uma luz vermelha e brilhante. 25
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A contagem havia iniciado. O cenário que se formara poderia ser comparado às reportagens interna‑ cionais vistas por Fernando em noticiários de TV. Na verdade, se não estivesse frente a frente com o homem, vendo com seus próprios olhos o que se iniciara ali, jamais acreditaria que algo semelhante pudesse estar acontecendo. Todos estavam imóveis quando Fernando decidiu reagir e, percebendo um segundo de distração, se atirou sobre o homem, derrubando a caixa e imobilizando‑o. Raquel teve medo de que o objeto explodisse, mas notando que nada acontecera, acionou um dos botões preso à parede, disparando os alarmes da usina. O terceiro homem que acompanhava o grupo decidiu ajudar e arran‑ cou as alças da mochila que o terrorista carregava; utilizando‑as como cordas, amarrou suas mãos de forma firme e segura. Fernando correu até a caixa que havia caído sobre a grade do piso e, segurando‑a, procurou por algum botão capaz de cancelar a contagem. Inútil, o relógio prosseguia, independentemente dos botões que ele apertasse. – Como se desliga isto? – perguntou Fernando. – Não tem como desligar – o outro respondeu. – Vamos morrer todos jun‑ tos, como soldados de uma grande causa. – O único “soldado de uma grande causa” aqui, é você – retrucou Fernando. – E eu não quero morrer, pelo menos não hoje. O jovem advogado pensou por alguns segundos, e lembrando‑se do trajeto que haviam feito, percebeu que havia uma chance. Correu pelo corredor com a caixa na mão, seguido por Raquel, enquanto os outros, levando o homem, pro‑ curavam uma maneira de sair da usina. – O que vai fazer? – perguntou a guia. – Você acha que esta construção suporta um impacto como este? – respon‑ deu Fernando, devolvendo‑lhe a pergunta. – A estrutura está protegida por muitos sensores, monitorados constante‑ mente. Está preparada para suportar pressões imensas, mas o impacto de uma explosão é algo que acredito não ter sido prevista pelos engenheiros. – Então temos que nos livrar desta caixa o quanto antes, e acho que sei de que forma podemos fazer isto. – Como? – Precisamos subir até a superfície da represa. 26
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Os dois correram ao elevador, que por sorte ainda permanecia parado no mesmo andar. Entraram quando o relógio marcava menos de dois minutos para que o explosivo fosse acionado. O elevador levava exatos quarenta segundos para subir até o último pavi‑ mento da usina e os dois chegaram ao início das escadas quando o relógio marcava menos de um minuto para ocorrer a explosão. Subiram as escadas e abriram a porta. Fernando correu até a beirada da represa e atirou a caixa o mais longe que pôde. Ambos se jogaram ao chão, seguidos por uma explosão que fez com que a construção tremesse por alguns segundos. Uma nuvem de água emergiu da superfície da represa molhando‑os por completo. Enquanto o alarme de evacuação soava e pessoas corriam em direção a um local possivelmente seguro, Fernando se levantou e olhou ao redor. Seu ouvido zunia de forma ininterrupta, mas, fora isso, tudo parecia normal. A jovem, assustada, esperou em silêncio alguns minutos por uma reação da estrutura que indicasse um problema maior do que podiam observar. Nada aconteceu. Um carro vinha na direção aos dois, enquanto o alarme era desligado.
cc A alguns quilômetros de distância, do outro lado da fronteira, um homem observava a agitação por meio de um potente binóculo. A seu lado, uma maleta e uma garrafa de água faziam‑lhe companhia, diante do grande descampado no qual se encontrava. Assim que a névoa causada pela explosão se dissipou, cerrou seu punho quase instantaneamente. A represa ainda estava de pé, intacta. Seu plano havia falhado. Depois de muitos meses de planejamento, algo havia saído errado. No topo da represa, duas pessoas se levantavam, enquanto um carro vinha ao seu encontro. Uma delas era a conhecida guia da usina, e a outra, um pos‑ sível visitante. O homem conteve sua raiva e esperou por alguns minutos. Em seguida, pegou um aparelho celular que carregava em um dos bolsos, discou e esperou que alguém atendesse: 27
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– O que aconteceu? – perguntou ao homem do outro lado da linha. – Não sei, alguém retirou a bomba da sala da turbina; acho que foi um dos visitantes. – Quem? – Não sei exatamente, parece que é um advogado, um defensor público de São Paulo. – Se não sabe quem é, descubra! – Assim que chegarem por aqui, eu descubro. – E o índio? – Está preso na sala principal. Eles vão interrogá‑lo sobre o que aconteceu. Você não disse nada a ele sobre mim, disse? – É claro que não. – Isso não está saindo como planejamos. Parece que a coisa vai complicar. Eu estou saindo, vou sumir por uns tempos. Nem toda a grana que você me pagou vale este risco. Agora está por sua conta. Vou te mandar uma mensagem com o nome do cara e, depois, adeus. – Não foi o que combinamos. – Não importa, para mim acaba aqui. O homem desligou. Minutos depois seu telefone voltaria a tocar, dessa vez com uma mensagem que trazia o nome do homem que adiara seu futuro.
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