5 minute read

Entre o ser e o sentir-se: a juventude como estado de espírito

Diante da falta de acessibilidade e de políticas públicas para a terceira idade, a vitalidade dos idosos de Fortaleza faz da arte sua principal forma de resistência

TexTO Keyss Morais DiagramaçãO Renan Nunes

Advertisement

A arte é algo que independe da idade. Alguns dizem se tratar de um dom, outros afirmam ser questão de prática. Provavelmente, os dois estão certos, mas a sabedoria adquirida com o passar dos anos parece deixar o artista mais sensível à criatividade. Essa matéria é um convite para conhecermos dois projetos de Fortaleza onde os idosos são protagonistas de suas criações. Nossa jornada começa à esquerda do aquário nunca inaugurado, por trás dos muros da Caixa Cultural, onde uma comunidade resiste há 116 anos. Localizada entre prédios luxuosos, o Poço da Draga faz da arte sua principal arma contra a selvageria da especulação imobiliária. Todas as segundas quintas do mês, uma cantoria simpática ecoa entre as ruas estreitas. Se você se deixar guiar pela canção vai acabar sendo levado para a área da casa de dona Francisca Pereira, chamada carinhosamente de dona Iolanda pelos moradores do Poço. Iolanda é a matriarca e em sua casa ela reúne a comunidade do Poço para o sarau. São suas filhas, as sogras de suas filhas, irmãs e amigas que ela também chama de família. Com a sala já lotada, Rodrigo Bezerra, o professor de música que atravessa a cidade para cantar com as jovens senhoras, saca seu violão e começa a afinar o instrumento. Minutos depois todas já estão envolvidos em cantar “Espumas ao Vento”.

“Tem muitas delas, minha mãe é uma, que pede para cantar as músicas do tempo de namoro, sabe? Então elas relembram o tempo de juventude, uma música que marcou a infância, adolescência Ivoneide Góis, 57 anos, filha de Iolanda

Ao fim do encontro dona Ivoneide serve orgulhosamente um bolo de laranja com suco de abacaxi que ela mesma fez. As senhoras aproveitavam do aconchego de um lanche feito com carinho para palpitar no repertório do próximo encontro. Foi consenso geral que um forrozinho não pode faltar. Reza a lenda que o Sarau do Poço da Draga é uma fonte da juventude. Todo aquele que visita os encontros rejuvenesce ao ouvir a cantoria daqueles jovens corações, guardados em corpos senis, sustentados por uma vida de arte e sabedoria.

Aprender, criar e colher Do outro lado da cidade, após pegar o ônibus 92: Antônio Bezerra / Papicu, ao passar pelo segundo terminal para pegar a linha 53: Grande Circular, indo até o fim da Whasigton Soares, chegamos a Casa José de Alencar. Ao entrar na sala de Inclusão Digital, se ouve uma pergunta: “O que é tecnologia?”.

“Uma forma de ajudar os mais necessitados” - responde uma das senhoras reunidas no círculo. A resposta atípica pega de surpresa dona Naná, gerontóloga e voluntária do Instituto Ser Amado, instituição sem fins lucrativos que combate o etarismo (preconceito contra a terceira idade) e busca resgatar a autoestima de pessoas idosas. A senhora não estava errada, afinal de que serve a tecnologia senão como forma de acessibilidade? Dona Maria do Socorro, de 59 anos, foi a aluna aplicada que deu tal resposta. Semianalfabeta, ela não mede esforços para se alfabetizar digitalmente, já que a tela do celular é a única forma que ela tem de matar a saudade da filha e neta que moram na Itália. “Mãe não chora não, a senhora vai ver como vai aprender bem direitinho. Todo dia a senhora tenta para não esquecer”. - Relembra dona Socorro as palavras da filha ao lhe ensinar a usar o celular. Após um tutorial de como ligar, desligar o notebook e fazer pesquisas no google é hora do tao esperado lanche. Empadinhas com suco de maracujá são servidos com zelo por Mariana Migliari, 40 anos, coordenadora do Núcleo Casa José de Alencar do Instituto. Entre uma empada e outra, se torna perceptível como os encontros do Instituto Ser Amado vão além da inclusão digital. São nestes momentos de troca que os idosos se sentem acolhidos por outros idosos, ao dividir problemas que seus filhos e netos jamais entenderiam. Mariana conta que a grande reclamação de muitos membros é a falta de apoio e carinho da família. Muitos deles encontram no Instituto Ser Amado uma corrente, onde podem fazer amizades, aprender coisas novas e expressar suas emoções por meio do artesanato e cuidado com a natureza.

“Eu conheci gente que tinha 70 anos e nunca tinha ouvido falar um ‘Eu te amo’ Relembra Mariana

Por conta disso, o Instituto oferece inúmeras oficinas artísticas, onde os idosos podem bordar, fazer toalhas de fuxico e bonecas de pano. Após a produção, os itens são vendidos em uma feirinha. Parte do lucro vai para o artesão que produziu aquela peça e parte é destinada à manutenção do Instituto. No entanto, o artesanato não é a única expressão de arte do Instituto. Tem ainda a horta, “Flor de Cactos”, onde os idosos plantam e cuidam das mudinhas, assim sempre que precisam podem levar verduras, ervas medicinais e qualquer planta que precisarem. Não só os membros, mas qualquer pessoa que passar pelo local pode fazer sua feira e levar o que for necessário.

Arte para quem? Ao ser questionada se considerava Fortaleza uma cidade com arte inclusiva para a terceira idade, Mariana discorda. Segundo ela, os idosos de baixa renda não possuem acessibilidade sequer para andar pelas ruas esburacadas de Fortaleza, quem dirá para acessar a arte.

“Quantas delas foram para o cinema? De 10, talvez duas ou três. São coisas bem simples mas que não têm acesso

Entre poesias, músicas, artesanato, jardinagem e claro, sem faltar uma boquinha feita com carinho no final, a vitalidade dos idosos de Fortaleza faz da arte sua principal forma de resistência.

†SERVIÇO

Doações Instituto Ser Amado

. Av. Washington Soares, 6055 W (85) 98826-1606 W @institutoseramado

This article is from: