Jornal Cinemateca

Page 7

outubro 2019

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20ª FESTA DO CINEMA FRANCÊS: JEAN-LOUIS TRINTIGNANT

JEAN-LOUIS TRINTIGNANT Jean-Louis Trintignant é um dos atores mais transversais e prolíficos do cinema sob o efeito da Nouvelle Vague, tendo atravessado cinematografias diversas de nomes importantes do cinema de autor europeu, sobretudo francês e italiano, sem perder de vista uma certa marca distintiva. Entre os italianos Bernardo Bertolucci, Dino Risi, Sergio Corbucci, Valerio Zurlini e os franceses Alain Robbe-Grillet, Claude Chabrol, Éric Rohmer, François Truffaut, Roger Vadim, entre o polaco Krzysztof Kieślowski e, nos anos mais recentes, o austríaco Michael Haneke, os papéis variam, mas há uma presença, uma cara, um olhar e uma voz que ficam. Não são raros os momentos em que o rosto de Trintignant serve de caixa de ressonância a uma angústia que faz retrair, silenciar ou imobilizar (o seu rosto espanta-se e enregela-se muitas vezes). O dilema teórico e metafísico que o assalta é jogado até à loucura. Trintignant é, muitas vezes, o homem que se combate internamente na procura, dentro do possível, de uma melhor versão de si mesmo e quiçá dos outros. Ele reage de modo tímido – assiste às circunstâncias e, ferido, derrotado, foge, esconde-se, conforma-se ou deixa-se guiar por... – muito mais do que age de forma heroica. Aos 88 anos, Trintignant olha nos olhos o envelhecimento, tendo encontrado na parceria com Haneke um espaço para renovar todos esses conflitos que já identificamos no passado. Depois de AMOUR e HAPPY END, a estrada da vida desenha um “U” perfeito no seu mais recente filme. O novíssimo e inédito em Portugal LES PLUS BELLES ANNÉES D’UNE VIE, de Claude Lelouch, entra neste pequeno Ciclo de homenagem por vontade expressa do ator, atestando a absoluta vitalidade e generosidade do seu exemplo.

f fQuinta-feira [10] 15:30 | Sala M. Félix Ribeiro f fTerça-feira [15] 19:00 | Sala M. Félix Ribeiro

MA NUIT CHEZ MAUD A Minha Noite em Casa de Maud de Eric Rohmer com Jean-Louis Trintignant, Françoise Fabian, Marie-Christine Barrault, Antoine Vitez França, 1969 – 110 min / legendado eletronicamente em português | M/12

Realizado a preto e branco, o que era muito minoritário em 1969, MA NUIT CHEZ MAUD é o terceiro dos contos morais e também o mais abstrato e austero. Rohmer representa o dualismo entre a retidão moral e a imprevisibilidade do humano, num confronto ético, mas também cinematográfico. O filme é ambientado em ClermontFerrand, terra natal do filósofo e matemático setecentista Blaise Pascal, cuja famosa teoria da “aposta” (simplificando muito: é melhor “apostar” que Deus existe) é discutida no filme por pessoas que refletem se estas teorias podem e devem ser aplicadas às suas próprias vidas. No centro do debate está o engenheiro de 34 anos Jean-Louis – o nome da personagem confunde-se com o do ator, Jean-Louis Trintignant, também porque esta será porventura a sua interpretação mais paradigmática. No sentido da loucura ou da santidade, o protagonista procura aplicar o catolicismo, qual receita de vida, às “apostas” românticas e sexuais. Foi o primeiro êxito comercial de Rohmer, que chegava então à casa dos 50 anos. A apresentar em cópia digital. f fSexta-feira [11] 21:30 | Sala M. Félix Ribeiro f fSegunda-feira [14] 18:30 | Sala Luis de Pina

VIVEMENT DIMANCHE! Finalmente Domingo de François Truffaut com Fanny Ardant, Jean-Louis Trintignant, Jean-Pierre Kalfon França, 1983 – 109 min / legendado em português | M/12

LES PLUS BELLES ANNÉES D’UNE VIE

f fSegunda-feira [7] 21:30 | Sala M. Félix Ribeiro f fTerça-feira [8] 18:30 | Sala Luís de Pina

f fQuarta-feira [9] 18:30 | Sala Luis de Pina f fQuinta-feira [10] 19:00 | Sala M. Félix Ribeiro

AMOUR

TROIS COULEURS: ROUGE

Amor de Michael Haneke com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Hupert, Rita Blanco

Três Cores: Vermelho de Krzysztof Kieślowski com Irène Jacob, Jean-Louis Trintignant, Frédérique Feder, Jean-Pierre Lorit

Áustria, França, Alemanha, 2012 – 127 min / legendado em português | M/16

Suíça, França, Polónia, 1994 – 97 min / legendado em português | M/12

Ficção dura sobre o envelhecimento e a morte que é também, e essencialmente, uma dedicatória do realizador austríaco Michael Haneke a dois “monstros sagrados” do cinema francês e europeu: os atores Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva. Georges e Anne são um casal de professores de música reformados que mantém uma saudável relação de amor. Um súbito acidente vascular cerebral de Anne durante o pequeno-almoço mudará tudo nas suas vidas. Georges (Haneke terá escrito o argumento a pensar em Trintignant) depara-se com a angustiante dúvida em relação à possibilidade de recuperação da mulher. Esta obra, privada de qualquer sentimentalismo mas repleta de sinceridade e subtileza, obteve a distinção máxima de Cannes pelas mãos do presidente do júri Nanni Moretti. Nos discursos de consagração, Haneke considerou os dois atores a essência do seu filme e Trintignant citou, em jeito de prova da capacidade de resistência da sua personagem, um pequeno poema de Jacques Prévert: “É preciso tentar ser feliz, nem que seja apenas para dar o exemplo.” Primeira exibição na Cinemateca.

Há uma carga testamentária neste ROUGE que se pode verificar em duas dimensões simultâneas: foi a última longametragem para cinema rodada pelo mestre do cinema polaco e francês, Krzysztof Kieślowski; foi também o derradeiro ponto de convergência (e resolução?) da famosa “Trilogia das Cores”, que se baseou conceptualmente nas três cores da bandeira francesa e no lema da Revolução Francesa, ou seja, liberdade (BLEU), igualdade (BLANC) e fraternidade (ROUGE). Este filme, que levou Kieślowski a precipitar o anúncio do fim da sua carreira, conta a história de uma inusitada cumplicidade entre a perspicaz modelo Valentine (Irène Jacob) e um velho juiz (Jean-Louis Trintignant) “retirado do mundo” e com o estranho hábito de espiar a vida dos outros. A relação fraterna nasce no sentimento de piedade de Valentine, ela que, como escreveu Manuel Cintra Ferreira, “é a personagem ‘salvífica’ por excelência”, neste que é “o melhor dos filmes [da Trilogia] e um dos melhores de toda a filmografia de Kieślowski”. A apresentar em cópia digital.

O último filme de Truffaut, que morreria prematuramente cerca de um ano depois do seu lançamento, faz eco à sua segunda longa-metragem, TIREZ SUR LE PIANISTE. Se o filme de 1960 é uma espécie de “pastiche” do filme negro americano, VIVEMENT DIMANCHE! pode ser visto como uma paródia do filme negro, com uma intriga sombria e misteriosa, que acaba por se resolver a bem. Filme claustrofóbico, com a ação quase toda noturna, filmado num preto e branco elegante e estilizado, VIVEMENT DIMANCHE! oferece a Fanny Ardant uma personagem, a secretária Barbara, totalmente diferente das mulheres venenosas e venais do filme negro americano. Neste filme de “falso culpado”, onde abundam piscadelas de olho a Hitchcock, o homem, o patrão fugido encarnado por Jean-Louis Trintignant, poderá ter em Barbara os olhos e pernas de que necessita para se provar inocente. f fSábado [12] 21:30 | Sala M. Félix Ribeiro

LES PLUS BELLES ANNÉES D’UNE VIE de Claude Lelouch com Jean-Louis Trintignant, Anouk Aimée, Souad Amidou, Antoine Sire, Monica Bellucci França, 2019 – 90 min / legendado eletronicamente em português | M/12

com a presença de Jean-Louis Trintignant Os aplausos a UN HOMME ET UNE FEMME (1966) no Festival de Cannes (Palma de Ouro) e nos Óscares (Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Argumento Original) foram proporcionais à sua receção popular, mas também à gravidade das vozes discordantes que viram nesta história de amor, com tiques de uma Nouvelle Vague de “pronto-a-vestir”, o definitivo sintoma de decadência do cinema moderno. Não obstante, a obra estilizada de Lelouch, protagonizada por dois dos atores mais charmosos do cinema francês, Anouk Aimée e Jean-Louis Trintignant, deixou a sua marca em toda uma geração de espectadores. 53 anos depois do intenso e turbulento romance eivado de “chabadabada” e 33 anos após o reencontro em UN HOMME ET UNE FEMME, 20 ANS DÉJÀ (1986), de novo com Lelouch na realização, ela, Anne, vai ao encontro dele, JeanLouis, para retomar o que ficou suspenso no passado. “Será uma celebração do viver, um ensaio sobre a resistência da vida na luta contra a morte, por via do prazer e da alegria”, perspetivou assim Lelouch esta sequela nostálgica. Primeira exibição em Portugal.


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