Ano 01 Volume 01 Outubro 2011
O COMERCIALISTA Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco
Perfil
José Eduardo Faria
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A prática jurídica deve ser revista
Quem é que está produzindo pensamento jurídico de ponta hoje?
Eu não acho o estágio necessário
Há uma incapacidade de perceber que o mundo mudou
As faculdades de Direito, de um modo geral, estão um pouco atrofiadas
Eu acho que não, não tem sido
A capacidade que o Direito positivo tem de lidar com uma (...) essa não tem sido a sociedade complexa grande preocupação dos comercialistas se exauriu
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•Só Direito Basta? •Pra não dizer que não falei das flores •Conflito Aparente de Marcas •Inside Job •Conflito de Interesses em Operações com Partes Relacionadas
Editorial
Editorial Em sua mais recente obra - O Estado e o Direito Depois da Crise -, o Professor Titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, José Eduardo Faria, ao constatar que estamos inseridos hodiernamente “num contexto de muitas dúvidas e questões abertas, em que mudanças econômicas aceleradas levam as teorias a envelhecer em ritmo igualmente acelerado (...)”, chama a atenção da comunidade acadêmica “para a necessidade de teorias jurídicas novas e mais adequadas à realidade econômica contemporânea”. Além disso, ao antever possíveis cenários para “o arcabouço funcional do direito depois da crise financeira [de 2008]”, o professor do Largo de São Francisco ressalta ainda que, diante desse novo cenário composto por “um conjunto de inúmeros microssistemas legais e distintas cadeias normativas”, serão exigidos dos operadores e intérpretes do direito “conhecimentos especializados não apenas de direito positivo mas, igualmente, de macro e microeconomia, engenharia financeira, contabilidade e compliance, ciências atuariais, tecnologia de informações e análise de riscos de crédito, de mercado, de liquidez, regulador, ambiental, tecnológico, de reputação e sistêmico”. Não são poucos os que fazem coro com o diagnóstico acima. Segundo Otavio Yazbek, “os operadores do direito (e a academia) responderam virando as costas” ao movimento histórico, iniciado por volta da década de 1960, que transformou o Brasil de “república de bacharéis” em “república de economistas”. E acredite se quiser: já em 1941, Santiago Dantas “apontava para a necessidade de atualização dos advogados, tendo em vista as demandas trazidas pelo desenvolvimento econômico que se iniciava”, conforme lembra-nos ainda o Diretor da Comissão de Valores Mobiliários, em sua substanciosa obra Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. É com o objetivo (nada modesto) de contribuir para a reversão do cenário acima apontado que O Comercialista nasce. Cientes (i) das deficiências pedagógicas do ensino superior brasileiro no âmbito dos cursos de Direito; (ii) da falta de “diálogo” entre as Faculdades que compõe a Universidade de São Paulo; (iii) da pífia inserção de disciplinas de Economia, de Contabilidade e de Administração nas arcadas; (iv) da falta de estímulos e de veículos para fomentar a produção acadêmico-científica do corpo discente; e (v) de que os estudantes de hoje serão os juristas e operadores do direito de amanhã, damos nossa singela contribuição para melhorar, ainda que insuficientemente, a qualidade de nossa formação acadêmica. Mais do que despertar nos estudantes o interesse por temas novos, não abordados em aula, esperamos estimular a produção de artigos acadêmicos, disponibilizando-lhes um veículo de comunicação acessível, democrático e de publicações regulares. Só assim possibilitaremos a descoberta de novos talentos e, quiçá, o surgimento de “teorias jurídicas novas”. Motivos para não participar do projeto não há, pois como ensina o poeta chileno Pablo Neruda, “escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca idéias”. Vida longa a O Comercialista.
Os Editores
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O Comercialista - Outubro 2011
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editorial corpo
Índice 3 Reflexões Jurídicas
Editores Executivos Pedro Alves Lavacchini Ramunno Thyago Pereira Trairi
Só Direito Basta?
4 Mercado e Finanças Pra não dizer que não falei das flores
Articulistas desta edição André Rossetto Daudt Pedro Alves Lavacchini Ramunno
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Rafael Garcia Santana Martins
Filmes e Livros Inside Job
Renato CAS Iazul Thyago Pereira Trairi
9 Propriedade Intelectual Conflito Aparente de Marcas
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Repórter desta edição Rodrigo Fialho Borges Diretor de Relações Públicas
Perfil José Eduardo Faria
Daniel Berezin Stelzer
17 Direito Societário Conflito de Interesses em Operações com Partes Relacionadas
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contato@ocomercialista.com.br
A Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – O Comercialista – é uma publicação mensal da Associação Civil sem fins lucrativos O Comercialista Endereço Rua Tenente Rocha, 134, Santana – São Paulo – SP – CEP 02022110 Contatos (11) 73016756 – (11) 81335813 – contato@ocomercialista.com.br – www.ocomercialista.com.br Marketing Thyago Pereira Trairi – thyago.trairi@usp.br e Pedro Ramunno – pedro@ramunno.com.br Relações Publicas Daniel Berezin Stelzer – danielberezin@gmail.com Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as de O Comercialista nem das instituições em que atuam Reprodução É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia.
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Reflexões Jurídicas
Só Direito basta? Por Pedro Alves Lavacchini Ramunno No momento, julgo-me perdido e sem resposta Como uma folha em branco. Não gostaria de preenchê-la somente com Direito. Quero entender o porquê. Preciso de mais para isso. Quero, enfim, encontrar a resposta.
Admiro o Direito Comercial. Fico deslumbrado só de imaginar o poder do mercado e seu potencial para mudar: em um instante faz com que qualquer um possa alcançar o topo para, como em um passe de mágica, desaparecer momentos depois e cair na irrelevância - o pior destino que qualquer pessoa, entidade ou atitude pode ter. Estudamos as origens dessa máquina de criação-destruição, compreendemos ou ao menos pretendemos compreender o seu funcionamento, para finalmente chegarmos ao tão esperado ponto: entender a sua finalidade, a sua razão, o seu porquê... ... Ainda não encontrei a resposta. Por um lado diversos caminhos são traçados para tentar impedir abusos dos motores do mercado e dos dominadores de poder – é o que se observa no tema da concorrência por meio da vedação ao abuso do poder dominante ou, em matéria societária, nas formas de proteção do sócio minoritário (quando bem aplicadas, é claro). Por outro lado, vivencia-se o abre-alas às mais cruéis explorações a exemplo dos contratos empresariais sob o pretexto de que o empresário deve assumir os riscos inerentes à sua atividade e é presumido (sempre) experiente. Incrédulo seria afirmar que todos os comerciantes são sagazes como Bill Gates ou Steve Jobs, verdadeiros Príncipes capazes de unir à esperteza da raposa, a força do leão, mantendose em posição privilegiada no mercado. Defender que Direito Comercial é composto por diversos micro-sistemas distintos, devendo cada um ser analisado de uma forma própria, para mim não é o suficiente .Para que agrupá-los se os fins parecem tão diferentes? – e, mesmo que fosse, continuaria sem a resposta que procuro: o que se pretende através do Direito Comercial? Qual a sua essência? Não me parece plausível que ele se pretenda à proteção daquele que se encontra na relação de desequilibro ao mesmo tempo em que financia abusos em situações análogas às que propõe defender. Esta questão poderia ser levada a um grau acima, fazendo referência ao Direito como um todo, mas isto seria apelar a uma pergunta que todos fazem, muitos respondem, mas quase ninguém entende. O intuito não é esse. Classificamo-nos comercialistas, mas o que sabemos sobre o mercado? O que compreendemos sobre as conseqüências positivas e principalmente as negativas do mercado? O Direito ensaia resposta, sem dúvida. O mesmo faz a Economia, a Sociologia, a Antropologia e tantas outras áreas do conhecimento. O fato é: a base que temos sobre todas as outras ciências que partilham com o subsistema Direito a regulação das relações sociais é mais do que vergonhosa. Do que adianta saber vincular duas partes e estabelecer regras a serem seguidas por elas se não se tem noção de até onde essas mesmas determinações influenciarão o restante? O questionamento colocado no início deste texto é realmente muito complexo, mas tenho esperança quanto à existência de uma resposta – ainda que a capacidade para respondê-la seja questionável. Um dos objetivos de um periódico que versa sobre temas do direito comercial é a busca por respostas a questões como essa. Não se quer simplesmente falar o que acontece, já que mesmo os olhos menos treinados são capazes de verificar incongruências existentes. Quiçá um dia encontraremos um caminho para dar um primeiro passo na procura por esclarecimentos.
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Mercado e Finanças
Pra não dizer que não falei das flores Entenda como o mercado de tulipas do século XVII explica as crises financeiras
Por Thyago Pereira Trairi As crises, sustentamos, não são nem as ocorrências inesperadas descritas pela economia moderna, nem os raros “cisnes-negros” em que as transformaram outros analistas. Na verdade, ocorrem regularmente, e são relativamente fáceis de prever e compreender. Vamos chamá-las de “cisnesbrancos”. (Nouriel Roubini e Stephen Mihm) Na história do capitalismo moderno, as crises são a norma, não a exceção. (Ibidem)
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Semper_Augustus_Tulip_17th_century.jpg
Boom de crédito. Bolha de ativos. Intenso Esse era o mercado da compra e venda de interesse especulativo. Acúmulo excessivo de tulipas na Holanda do século XVII. Trazidas da endividamento. Oferta maior do Turquia, essas flores eram a que a demanda. Queda dos preços. “última moda” na ornamentação Credores amedrontados. Escassez das casas dos endinheirados da ‘‘[...]Tinha até gente de crédito. Pânico. “Corrida para a Europa. Não demorou muito para saída”. Falências. Intervenção dos largando o trabalho para que os holandeses, com seu tino “Bancos Centrais” para evitar um ficar só especulando no para fazer dinheiro, percebessem mercado financeiro. E q u e s e t r a t a v a d e ó t i m a prejuízo maior. dava certo’’ O que está sendo descrito oportunidade de negócio, e deram não ocorreu há pouco tempo. Não logo início à sua plantação. se trata da crise financeira que Havia uma espécie de assolou o mundo em 2008, nem da continuação dos tulipa, a Semper Augustus, que era a mais valiosa de seus efeitos com a atual crise da dívida soberana na todas por sua beleza única. O que poucos sabiam, zona do euro. Ocorreu há aproximadamente quatro porém, é que tal beleza era resultado da séculos. contaminação da tulipa por um vírus, o que fazia dela Trata-se da “Mania das Tulipas”, expressão uma variedade rara, exclusiva. Não se fazia idéia, pela qual ficou conhecida a crise financeira que entretanto, de quando e sob quais condições os vírus “chacoalhou” a Holanda, primeiro dínamo capitalista atacariam as plantas, pois a vida microscópica era do mundo nos séculos XVI e XVII, quando desconhecida àquela época. especuladores fizeram com que os preços das tulipas raras alcançassem níveis estratosféricos. Ocorrida na década de 1630, até hoje é considerada a precursora das crises financeiras originadas em bolhas de ativos. Aquarela anônima do “Era uma beleza: você aplicava o que tinha século XVII que retrata a guardado pra dar entrada numa casa e, em pouco Semper Augustus, famosa tempo, já tinha o suficiente para comprá-la. À vista. por ser a tulipa mais cara Nunca tinha sido tão fácil fazer dinheiro. Todo vendida durante a "mania mundo queria entrar nessa. Tinha até gente largando das tulipas". o trabalho para ficar só especulando no mercado financeiro. E dava certo”, descomplica o jornalista Alexandre Versignassi, em seu fascinante livro Crash: Uma Breve História da Economia – Da Grécia Antiga ao Século XXI.
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Mercado e Finanças
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Tulip_price_index1.svg
viver disso. Segundo Versignassi, em 1624, um botão Para se ter uma noção mais precisa da custava o mesmo que uma casa em Amsterdã, ou o intensidade da especulação, no auge do boom, em equivalente a R$ 200 mil, o que provocou um efeito 1636, a Semper Augustus subiu 300%, enquanto as cascata no preço de todas as outras espécies de tulipa. flores menos raras chegaram Bastava ser tulipa para o preço a oscilar 1.125%. ser alto. Como se costuma No início, os floristas dizer apenas negociavam na época no jargão em que os bulbos floresciam, financeiro, os Acontece que esse ou seja, na primavera. Em preços sobem de mercado só se sustentaria se seguida, descobriram que era escada, os preços continuassem mais interessante levantar o mas descem de subindo eternamente, para capital vendendo o próprio elevador que fosse sempre possível bulbo, a qualquer tempo, e o revender com lucro. cliente que esperasse a flor Entretanto, os preços das “nascer”. tulipas já não possuíam mais qualquer relação com Não passou muito tempo, e os especuladores sua verdadeira demanda, pois não havia tanta gente logo pensaram o seguinte: já que os preços não param disposta a pagar o preço de uma mansão por uma flor de subir, o negócio é comprar vários bulbos e para decorar a casa. revendê-los bem mais caro quando as flores Quando a oferta passa a superar a procura, e aparecerem. começam a faltar compradores, já se tem um Esse mercado ficou tão sofisticado que os “ingrediente da receita” para preparar uma crise especuladores já nem precisavam mais levar os financeira. Em seguida viria mais um importante bulbos pra casa, pois foi criado um “título” que lhes elemento: a descoberta de fraudes. dava direito ao valor pelo qual a flor fosse vendida. Logo veio à tona que os floristas estavam Agora, o que era negociado diretamente já não era o negociando títulos sem a respectiva correspondência bulbo, mas os próprios “títulos”, que passavam de em número de bulbos em estoque. Além disso, mão em mão. muitos investidores haviam ‘‘comprado gato’’ por O negócio aparentava ser tão incrível, e a lebre, pois as tulipas que não foram infectadas pelo crença de que os preços continuariam subindo vírus nasceram como uma flor comum. eternamente era tão forte, que muitos começaram a Após essa série de eventos, a desconfiança operar “alavancados”, ou seja, em poucas palavras, passou a reinar no mercado. E há poucas “doenças” operar com um capital que não se possui. Assim, tão prejudiciais ao mercado quanto a “desconfiança”. pessoas recorriam a empréstimos para participar do Como se costuma dizer no jargão financeiro, os negócio. preços sobem de escada, mas descem de elevador. Os títulos viraram pó, ou, como preferem os economistas, “títulos podres”. O final foi semelhante ao de inúmeras crises recentes: intervenção do governo para perdoar a dívida dos falidos, e a condenação da economia a crescimentos pífios pelos anos subsequentes. Para quem acompanhou o desenrolar do antes, do durante e do depois da crise financeira de 2008, é possível notar muitos pontos em comum com Índice de preço dos "títulos" criado por Earl Thompson. a crise originada da “Mania das Tulipas”. Notem como os preços "sobem de escada", e "descem de Há um velho adágio que ilustra muito bem o elevador". que se pretende mostrar aqui: embora raramente se repita, a história faz rimas. Em palavras atuais, é Era possível que um indivíduo tomasse um possível dizer que as crises financeiras são como empréstimo de 1.000 florins pela manhã, comprasse show de fim de ano do Roberto Carlos: o repertório títulos pelos mesmos 1.000 florins ao meio-dia, praticamente não muda, e mesmo assim há os que revendesse por 1.300 à tarde, reembolsasse o credor defendem que cada evento é único. com 1.100 à noite, e ainda fosse dormir com 200 O professor de Economia da Universidade de florins de lucro no mesmo dia. Muitos passaram a
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Mercado e Finanças
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Bollenveld_Hillegom.JPG
Nova Iorque, Nouriel Roubini, um dos poucos economistas a prever com precisão e antecedência a fatídica crise financeira de 2008, autor do livro A Economia das Crises – Um Curso Relâmpago sobre o Futuro do Sistema Financeiro Internacional, em co-autoria com Stephen Mihm, combate a crença simplória de que as crises são “acontecimentos altamente improváveis, extremamente raros, bastante imprevisíveis e efêmeros em suas conseqüências”. Diferentemente, defende o economista que “longe de serem exceção, as crises são a norma, não somente nas economias emergentes, como também nas industrialmente avançadas”. Reconhece o autor que, embora as crises tenham precedido a ascensão do capitalismo, “elas têm com ele um relacionamento particular”. E mais do que isso, acredita que as crises são entidades metódicas, que seguem um roteiro familiar, sempre repetido. Há certos “ingredientes” que são comuns a inúmeros desastres financeiros, como por exemplo, a euforia irracional, as pirâmides de alavancagem, as inovações financeiras, as bolhas de ativos, o pânico, as corridas aos bancos e a outras instituições financeiras, enfim. Características essas que podem ser observadas, mutatis mutandis, na “Mania das Tulipas”.
Produção de Tulipas na Holanda de hoje. Essa flores ainda são um símbolo popular do país.
A tese não é de toda inédita. Sua abordagem, que colhe elementos de correntes de pensamentos muitas vezes díspares, como o intervencionismo estatal de Keynes e a “destruição criativa” de Schumpeter, visa elaborar uma teoria unificada das crises, evitando ao máximo incorrer em uma dicotomia simplista entre o bem e o mal, que o Professor Titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, José Eduardo Faria, em sua mais recente obra – O Estado e o Direito depois da Crise – qualifica como uma dicotomia “entre keynesianismo de
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segunda mão e schumpeterianismo vulgar”. Segundo Roubini, a alta frequência com que as crises ocorrem torna sua compreensão de vital importância para que se possa antever eventos econômicos futuros, bem como evitá-los. Afinal, as crises são capazes de causar perdas surpreendentes, devastando indústrias, destruindo riquezas, provocando desemprego em massa e sobrecarregando governos com altos custos fiscais, além de precipitar guerras, como ocorreu com a Segunda Guerra Mundial, que teve a Grande Depressão como alicerce. Só nos resta torcer para que nossas autoridades governamentais da área econômica façam a lição de casa, pois, quando da próxima crise econômica, não podemos mais tolerar argumentos como o do vice-presidente norte-americano Dick Cheney, que, em janeiro de 2009, ao ser questionado por que o governo não previu a maior crise financeira desde a Grande Depressão, respondeu: “ninguém, em lugar algum, foi suficientemente atento para percebê-la”, “acho que ninguém a viu se aproximar”. Seria lamentável assistirmos novamente à imprensa referindo-se ao conservadorismo e à inércia das autoridades financeiras nacionais e internacionais – que nada fazem para antever e amenizar os efeitos das crises – por meio da seguinte passagem de Santo Agostinho: “Senhor, dá-me a castidade, mas não agora”, conforme lembra-nos o professor do Largo de São Francisco, José Eduardo Faria, na obra supramencionada. Na próxima edição, chega de assunto “tenso”. Após abordarmos um tema responsável pelo infortúnio de vários povos, trataremos de uma invenção que impediu que o mundo acabasse: o dinheiro falso. Para isso, teremos que voltar até à Grécia Antiga. Saudações Comercialistas.
Referências Bibliográficas ROUBINI, Nouriel; MIHM, Stephen. A economia das crises: Um curso-relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010. VERSIGNASSI, Alexandre. Crash: Uma breve história da economia: da Grécia Antiga ao século XXI. São Paulo: Leya, 2011. FARIA, José Eduardo. O Estado e o Direito Depois da Crise. São Paulo: Saraiva, 2011.
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Filmes e Livros
Inside Job Enquanto a deregulation propicia uma fácil crítica política, a cultura de Wall Street lida com vícios rapidamente identificáveis com a reação moral dos expectadores
Por Renato CAS Iazul
‘‘Se você não ficar revoltado ao final do filme, você não estava prestando atenção’’ Frase promocional
Ficha Técnica EUA, 2010 Documentário, 120min Diretor: Charles Ferguson Narração: Matt Damon “Todo discurso, ilógico que seja, tem, como seu duplo personificado, um leitor ideal capaz de compreendê-lo. Raras vezes este e o autor parecem coincidir.” A citação, cujo autor infelizmente perdi entre minhas anotações, relembra-nos a crença com que assistimos às entrevistas de grandes nomes: ansiosos por enfim desvendar a verdade por trás de seus atos. Lembra-nos também, porém, como não são poucas as vezes em que nos decepcionamos – enxergando pouca ou nenhuma sintonia entre suas explicações e o que dos fatos apreendemos. Indisponíveis à busca por esse místico leitor, antes creditado ao autor e que bem pode nunca existir, vemo-nos confrontados com a necessidade de o sermos nós mesmos, ainda que apenas parcialmente: retomar aos fatos com afinco e a eles creditar a intenção do autor, não como sua explicação última, mas como ponto de partida para onde quer que possamos chegar. Julgadas por essa perspectiva, dá-se novo valor às frívolas entrevistas: são nossos mapas de evidências que, como papel vegetal a uma carta, sobrepomos aos fatos que queremos entender. É dessa forma que “Inside Job” nos serve como a mais bem sucedida fotografia da crise de 2008: evitando o
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excesso de apelo emocional e recheado de entrevistas objetivas, mas cheias de palavras, gestos, constrangimentos e dados que não devemos aceitar como lógicos, mas como pontos de partida à compreensão daquele fenômeno que até hoje marca a realidade econômica internacional. Sinopse Baseado em uma extensa pesquisa e séries de entrevistas com políticos, economistas e jornalistas, o filme, indicado ao Oscar de melhor documentário, revela as relações de governantes, agentes reguladores e, o mais interessante do filme, a Academia. “Inside Job” expõe também uma teia de mentiras e condutas que prejudicaram seriamente a vida de milhões de pessoas, principalmente por conta de cobiça, cinismo e mentiras – personagens importantes na tentativa do diretor de demonstrar verdades incômodas e obscuras de Wall Street. Extremamente bem-orquestrado, o documentário se aproveita de sua própria estrutura didática e narração direta, esta sob a voz de Matt Damon, para simplificar a crise a uma abordagem sensível às audiências, que acredita conter todos os fatos necessários à compreensão do fenômeno.
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Filmes e Livros Cumpre esse objetivo a redução de fatores determinantes da crise: ganham especial relevância a deregulation e a cultura de risco e relaxamento ético cultuados em Wall Street - por outro lado, passa-se superficialmente sobre a questão das agências de avaliação de risco de crédito ou sobre os empréstimos predatórios, e mesmo sem menção alguma sobre as políticas de facilitação de crédito do Federal Reserve. Não são escolhas arbitrárias; evitam-se aqueles fatores de natureza mais árida, comumente com implicações contábeis ou tributárias complexas, e privilegiam-se aqueles de maior apelo: enquanto a deregulation propicia uma fácil crítica política, a cultura de Wall Street lida com vícios rapidamente identificáveis com a reação moral dos expectadores. Desenvolve assim Charles Ferguson, cineasta já nomeado ao Oscar por No End in Sight, fascinante empreitada: reduzindo as razões a serem abordadas e se permitindo ruminá-las com uma astuta edição trajada de recursos didáticos, conta uma fábula de compreensão com que seu público pode se identificar, sedento pelo entendimento de uma crise que foge ao entendimento vulgar mesmo daqueles versados em Economia. Incrível que o faz sem a banal sentimentalização dos efeitos da crise – reveste as cinco partes de sua obra de uma pretensa objetividade e simplicidade com as quais conquista certo tom de elegância e evita comparações com o já consolidado Michael Moore – esse sim capaz de apelar sem qualquer tentativa de sutileza. Filme sem dúvida merecedor dos prêmios e crítica favorável conquistada, cumpriu seu papel como mapa de evidências a nos guiar pelos fatos, ainda que de início nos pretenda enganar como explicação total de fenômeno muito mais complexo – exceção talvez de sua introdução em que, numa quase mítica Islândia, contentamo-nos com a breve dramatização de um paraíso corrompido. A Crise Construído nosso ponto de partida, quais seriam nossos fatos a serem analisados? Infelizmente, ao pavor de qualquer que tente, são eles toda a crise que, como fenômeno não só complexo como historicamente próximo, explica-se pelas mais diversas e divergentes teorias, muitas delas conflitantes entre si. Sem intenção de ver a matéria esmiuçada, ao menos busquemos alguma conclusão. Não havendo outra forma de prosseguir, melhor logo começar: a causa imediata da crise, alegam, foi a bolha imobiliária. De 1890 a 1996, os preços reais da moradia americana subiram 27%, ao passo que entre 1996 e 2006, o aumento foi de 92%. Mas o que teria causado a bolha? Fácil seria seguir ao filme e nos contentar com as hipotecas subprime, mas há quem duvide: outros países sem subprime tiveram bolhas imobiliárias. E
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mesmo que nos EUA fossem as culpadas, quem é responsável pelo seu descontrole? Aqui filme e especialistas nos propõem uma longa lista de suspeitos: o Federal Reserve, os órgãos reguladores do governo, as agências de avaliação de crédito, a Securities and Exchange Commission (SEC), os credores e tomadores das chamadas hipotecas podres (subprime) e até mesmo escolas de negócios podem ser acusadas. Muitos deles prováveis co-autores, cabe perguntar-lhes uns sobres os outros – e, por seus depoimentos e teóricos, podemos ouvir que o governo não assumiu totalmente a responsabilidade por seus malfeitos, pelos desequilíbrios observados no capital mundial, pelas estruturas regulatórias ultrapassadas, pela política monetária frouxa, pelas malfeitorias ao setor privado e pela ganância de Wall Street. Cada uma dessas razões nos levaria ainda mais longe: às taxas de juros baixas por muito tempo, à disputa do capital entre Londres e Nova York por políticas de desregulação ou ao fatídico Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act – ato em que, mesmo antes de Ronald Reagan, Carter já assinava o caminho da deregulation. Porém, como se diz que cada leitura é um convite a uma próxima leitura, tomemos conclusivo foco e fôlego: independente de que caminho trilhemos, parece sempre comum aceitar que, houvesse um sistema voltado a impedir esse descontrole, este falhou. Pois, ao menos na teoria, ele existe e deve ser fortalecido: comunhão das pouco a pouco abandonadas leis regulatórias com as até então fragmentadas entidades de fiscalização. E assim, independentemente do que causou a crise, o combate a u m no vo d e s c o nt ro l e f inanc e iro p as s a inevitavelmente pela punição e restrição de qualquer desvio, seja econômico ou comportamental, tanto nos Estados Unidos, como onde quer que haja circulação - única forma de impedir a disputa ou evasão do capital.
Referências Bibliográficas KRUGMAN, Paul R. A Crise de 2008 e a Economia da Depressão ALLVINE, Fred. Deregulation and Competition
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Propriedade Intelectual
Conflito aparente de marcas Decolar, Gol e Veja: entenda um pouco sobre a regulação dos casos em que a distinção das marcas é tênue e passível de confusão
Por André Rossetto Daudt
No ordenamento jurídico brasileiro, as marcas podem ser de três tipos: (i) de certificação, (ii) coletivas ou (iii) de produtos ou serviços. O presente artigo pretende abordar brevemente a questão da possibilidade de coexistência harmônica entre marcas de produtos ou serviços no mercado. Tais marcas abrangem todos os sinais que possuem como função identificar e distinguir um produto ou um serviço. É necessário que tal diferenciação se dê por meio visual. Não se pode registrar um sinal olfativo, gustativo, sonoro ou táctil. Pode-se dizer que possuem uma função de proteção mútua: acolhem simultaneamenteos interesses do empresário, que dispõe de um meio para especificar seu produto, e do consumidor, a fim de evitar qualquer tipo de confusão. Por fim, constituem uma maneira de reduzir os custos de informação sobre o produto e sua origem. Entretanto, existem situações em que a distinção entre as marcas se torna tênue, casos em que sinais aparentemente semelhantes convivem em um mercado. Justamente para esses casos que é importante procurar maneiras de tutelar as relações entre as marcas. A resposta da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial - LPI) para estes casos encontra-se no artigo 129, que estabelece que a propriedade da marca é adquirida através de registro, concedendo direito de uso exclusivo em todo o território nacional, excepcionados os casos em que outra pessoa, de boa-fé, já utilizava a marca há pelo menos 6 meses. Desta forma, apenas a marca registrada gozaria de proteção. Ainda assim, as marcas possuem uma característica muito interessante: elas estão sujeitas ao princípio da especialidade, que limita a eficácia da proteção ao gênero da atividade do serviço prestado ou do produto vendido. Exceção feita ao caso das marcas de alto renome, protegidas em todos os ramos do mercado. A partir das constatações feitas até o momento, a impressão é de que duas marcas semelhantes não podem conviver. Porém, a experiência demonstra que tal afirmação não é
verdadeira. Basta que tomemos como exemplo a empresa de turismo Decolar Viagens e Turismo Ltda. e o site de vendas Decolar.com Ltda., ou da marca de alto renome Veja, que constitui tanto o sinal distintivo de uma revista como de um produto de limpeza. Outra ilustração é a da coexistência entre o automóvel Gol, da Volkswagen, e a companhia aérea Gol. Seria possível que todos esses casos caracterizassem violações à legislação?
Fonte: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/gol
Logo da Decolar Viagens e Turismo Ltda. Fonte: http://www.decolartur.com/site/
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Fonte: http://prosperabank.com/images/_notes/
Claro que a resposta para essa pergunta é “não”. Em alguns casos as marcas simplesmente não são de alto renome e, por representarem atividades de ramos diversos entre si, simplesmente não violam qualquer direito de exclusivo. Uma decisão do STJ (REsp 773126/SP) sobre a matéria também ilustra outros casos em que é admitida a coexistência. Trata-se justamente do caso em que a Decolar Viagens e Turismo Ltda. alegou que a Decolar.com Ltda. estava infringindo seu direito de exclusivo sobre a marca. Em seu voto, o Ministro Fernando Gonçalves frisou que o registro da marca Decolar Viagens e Turismo não possui direito a uso restrito dos elementos nominativos e que, dessa forma, a marca não possui exclusividade sobre termos comuns, como “turismo”, “viagens” e “decolar”, mas apenas sobre a reprodução completa do nome. Ainda assim diferenciou o mercado de atuação das empresas, chegando à conclusão de que não há possibilidade de confusão ou indução do consumidor ao erro.
Logo da Decolar.com Ltda. Fonte: http://www.decolar.com
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Propriedade Intelectual Também existe uma via alternativa para o convívio harmônico entre duas marcas no mercado que se baseia na autonomia da vontade das empresas. Decorre da celebração de um acordo de coexistência que busca, através do acordo de vontades, maneiras de diferenciar marcas em aparente confronto. É importante ressaltar que nesses casos existe uma limitação na liberdade de contratar a partir do momento em que o acordo vai de encontro ao interesse público, mais especificamente quando acaba por confundir o consumidor.
Fonte: http://www.matrizdesenho.com.br/pt/veja/
Fonte: http://veja.abril.com.br/busca/resultado-capas.shtml?Vyear=2011
Quanto a sua natureza jurídica, constitui parte do direito obrigacional. É um caso de transação, regulado a partir do artigo 840 do Código Civil que dispõe: " É lícito aos interessados previnirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas". Nota-se ainda que os acordos de coexistência surgiram no ordenamento jurídico brasileiro através da resolução 51/97 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, como alternativa ao disposto no inciso XIX do artigo 124 da LPI: " Art. 124. Não são registráveis como marca: … XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia". Assim, através do acordo de coexistência, as empresas de certa maneira declaram que suas marcas não causarão qualquer forma de confusão no mercado, possibilitando a existência e proteção de ambas. Porém, adveio a resolução 260/2010 que alterou as diretrizes do INPI em relação ao registro de marcas e, essa resolução, não mais citou os acordos de coexistência, deixando de aceitá-los. Como alternativa, as partes contratantes tem se socorrido no Judiciário, como meio de dar eficácia aos acordos, que são sujeitos a uma análise casuística pelo juiz, tendo em vista o Interesse Público. Com isso, constata-se a possibilidade de convívio harmônico entre duas marcas em aparente conflito. Todavia, faz-se importante que a análise seja realizada sempre à luz do Interesse Público, tendo em vista a manutenção das funções protetivas e informativas da marca.
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Referências Bibliográficas REsp 773.126-SP - Ministro Relator Fernando Gonçalves MARCAS: Estratégias para Escolha e Proteção de Marcas – Garantindo Lucros para a Empresa, 2003, Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira. E n c o n t r a d o e m : http://www.ids.org.br/files/20030828_dts.pdf (acesso em 01.10.2011) ABRANTES, Guilherme de Mattos.INPI pode desconsiderar acordos de marcas existentes. Encontrado em: http://www.conjur.com.br/2011-jul-21/acordoscoexistencia-marcas-podem-desconsiderados-inpi (acesso em 01.10.2011) Acordos de coexistência de marcas. Braril, Brandão & Brofman Advogados Associados. Encontrado em: http://www.conjur.com.br/2011-jul-21/acordoscoexistencia-marcas-podem-desconsiderados-inpi (acesso em 01.10.2011) SOUZA, Pratrícia A. de. Quarta turma do STJ decide que é possível a coexistência de marcas homônimas no mercado. Publicação em: 28.05.2009. Encontrado em:http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story =20090527213931812&mode=print (acesso em: 01.10.2011)
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Perfil
Perfil: José Eduardo Faria Por Rodrigo Fialho Borges Professor José Eduardo Campos de Oliveira Faria, graduado, mestre, doutor, livre docente e titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Cursou, ainda, pós-doutorado na Wisconsin University, tendo como orientador o Professor David Trubek, líder do movimento Law and Development. Turma: 141, de 1968. Turma da Tomada da Faculdade. Profissão: Professor universitário, jornalista, ex-executivo de grande instituição financeira, consultor jurídico, pesquisador. Frase marcante: como eu lido com informação, todos os dias tenho uma frase marcante. Livro: muda conforme meu estado de humor e minha idade. Ultimamente, redescobri a leitura de romances e biografias. Admiro romances ingleses. Filme: os filmes do Frank Capra ainda me tocam. Música: gosto do site Íntima Fracção, que permite um trabalho de mixagem, reinventando músicas. Evento: Movimento Estudantil de 1968. Sonho: um país com menos disparidades.
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1. Perguntas genéricas sobre a Faculdade, os estudos e a profissão:
Faculdade, pois participei de quase todas as comissões desta Escola.
Qual a situação mais marcante por que o senhor passou dentro da São Francisco? Passei por algumas experiências interessantes. Como aluno, participei da chamada “Tomada da Faculdade de Direito”, quando houve a apropriação da Faculdade pelos estudantes, durante as lutas do Movimento Estudantil de 1968. Os estudantes fecharam as portas da Faculdade com tijolos, exigindo uma reforma pedagógica, o que resultou na ida de uma comissão de professores aos Estados Unidos para conhecerem o sistema americano e tentarem mexer no projeto. Como professor, posso dizer que me decepcionei com um concurso que prestei aqui na Faculdade, no qual houve problemas. Por perceber, naquele momento, um pouco de falta de lisura (termo pesado, mas adequado), modifiquei o meu modo de olhar a universidade e a maneira de me inserir nos órgãos colegiados da
Esta Academia prepara bem o estudante para encarar o mercado de trabalho? Falta prática jurídica? A grade curricular, em sua opinião, é boa? Não. Eu não acho que o problema seja com a grade, mas com a falta de um projeto pedagógico. A prática jurídica deve ser revista, pois é confundida, aqui na Faculdade, com prática forense. Na realidade, a prática jurídica vai além da prática forense, que é necessária, mas não suficiente. Você pode fazer um trabalho de prática jurídica no departamento jurídico de uma entidade empresarial, de um sindicato, de um movimento social, do governo, da administração indireta etc. Essa é a primeira observação, mas há uma segunda: parece que o modelo de formação diferida ao longo do tempo esgotou-se, ou seja, ter, no primeiro ano, uma grande introdução; nos segundo e terceiro anos, as grandes teorias gerais (Direito civil, Direito público,
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Perfil processo etc.); e, ao fim, prática jurídica e estágio, não parece suportar a velocidade alcançada pelo processo schumpeteriano de Destruição Criadora. Em um momento, você começa a perceber que, nas áreas sensíveis à instrumentalização tecnológica, a vida útil de um modelo tecnológico, às vezes, dura dois anos, enquanto se gasta de quatro a seis para formar um profissional. Gasta-se mais tempo formando uma pessoa para operar um modelo tecnológico que a sua vida útil. Isso modifica o papel da universidade, obrigando a revisão da grade curricular. Nesse sentido, temos duas alternativas: (a) M e s t r a d o s e q ü e n c i a l . E n c u r t a - s e drasticamente a graduação, suprimindo as disciplinas teóricas, fornecendo ao aluno o paradigma tecnológico dominante. Gasto dois ou três anos para formar um profissional para operar uma tecnologia que vai durar o mesmo tempo. Esgotando-se a tecnologia, esse profissional volta para a universidade e faz um novo curso, um mestrado técnico de seis meses, após os quais a pessoa volta ao mercado e trabalha mais dois ou três anos, até que a tecnologia se esgote novamente. É um retorno periódico, regular, à universidade para manter o profissional atualizado tecnologicamente no mercado. (b) Dar ao aluno uma formação teórica tão sofisticada que lhe permita lidar com o novo, de forma que ele saberá enfrentar qualquer inovação tecnológica, pois terá uma capacidade de auto-aprendizagem. A duração do curso é mantida, mas a preocupação com a dimensão técnica (de prática jurídica ou forense) é eliminada. Essa é uma tendência que eu tenho visto em algumas universidades européias. Pessoalmente, invisto na idéia de uma formação teórica sofisticada. Qual a importância de atividades extracurriculares durante a graduação? Intercâmbio e pós-graduação no exterior são ideais? Acima de tudo, o que eu tenho percebido não só na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, mas em todas as faculdades de Direito do Brasil, é uma falta de informação por parte do alunado e do corpo docente. Há uma incapacidade de perceber que o mundo mudou, que a tecnologia de informação se globalizou e que temos, hoje, uma série de cortes transversais, os quais são fundamentais para você compreender o mundo contemporâneo, o papel da universidade, para você se compreender como cidadão e para optar profissionalmente e construir a sua carreira. O que mais chama atenção, no meu modesto ponto de vista, é o descompasso existente entre a quantidade de informações produzidas diariamente e o baixo consumo de informações nas faculdades de Direito, as quais ficaram fechadas, olhando para o passado, cultivando perigosa e excessivamente uma tradição.
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Com isso, elas foram se distanciando cada vez mais do mundo contemporâneo. Ao entrar numa faculdade de Direito, percebe-se certa incapacidade no processamento de informações e um desconhecimento com o que acontece no resto do mundo. Esse fechamento para a tradição a leva a não notar a necessidade de se modernizar, de buscar um diálogo com outras universidades, com outras áreas do conhecimento, de caminhar numa linha de crescente interdisciplinaridade. Por exemplo, esta Escola e a USP, de um modo geral, falam o tempo todo na necessidade de um projeto de internacionalização do ensino, no entanto, neste prédio, nós não temos internet. No Brasil, devemos ter por volta de onze mil professores de Direito. Deles, de mil e quinhentos a dois mil possuem curso de pós-graduação, ou seja, mais ou menos 80% do professores de Direito do Brasil não fizeram mestrado ou doutorado. São professores que reproduzem a sua experiência como juízes, promotores, delegados, advogados, procuradores do Estado, procuradores do Município, o que significa que eles introduzem uma mentalidade excessivamente forense, não conseguindo transcender essa visão tribunalícia, e falta massa crítica. No momento em que temos a crise da Justiça (estamos vivendo isso agora com o caso do CNJ) e começa-se a cobrar mudança no perfil dos juízes e dos tribunais, no sentido de converter a Justiça num prestador de serviço público eficiente, você começa a perceber que esses professores acabam deixando se levar por uma leitura corporativa, ou seja, eles têm muito medo de que uma reforma do Judiciário comprometa a instituição na qual eles trabalham. Dessa forma, eles são naturalmente resistentes ou conservadores, o que influencia em suas condutas na faculdade, pois vêm buscar, na universidade, argumento de autoridade para, no fundo, resistir às reformas do Judiciário. Essa tentativa de liquidação do Conselho Nacional de Justiça está dentro de uma perspectiva nitidamente corporativa do Supremo Tribunal Federal. Ele lidera uma visão de hostilidade com qualquer tipo de controle, lidera o status quo de um Judiciário que foi desenhado para o século XIX, incapaz de perceber a desterritorialização do Direito, a internacionalização das decisões econômicas, a necessidade que o Direito tem de liberar espaço para que a sociedade se autoregule, ou seja, incapaz de perceber que o mundo mudou. Estágio: necessário? Quando? Eu não acho o estágio necessário. Na medida em que você verifica que as especializações vão se sucedendo, de forma que algumas se tornam anacrônicas e surgem novas, eu acho que o estágio, principalmente o precoce, do aluno que sai do terceiro ano para estagiar, leva o aluno a perder o foco, tirando dele a capacidade de ter uma formação teórica maior. Em vez do estágio, valeria o intercâmbio. Aqui na Faculdade de Direito, tenho assinado cada vez mais
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Perfil cartas de apresentação para universidades européias. Esses alunos passam um ano, num primeiro momento, aprendendo língua estrangeira, mas fazem outro curso de graduação. Voltam com a cabeça aberta e absolutamente críticos e conscientes de que o que se aprende aqui é pouco e insuficiente, ou seja, voltam conscientizados da necessidade de uma formação mais sofisticada e mais interdisciplinar, com uma bagagem teórica que esta Faculdade não dá. Recentemente, eu li um relatório mostrando que os estudantes estrangeiros que vieram para o Brasil em intercâmbio têm a percepção da universidade brasileira como fraca, leniente, onde não se tem atividade didática ou de pesquisa, mas prova. E o aluno só estuda para prova, quando não cola. Esses estudantes estrangeiros dizem estar amargamente arrependidos de terem vindo para o Brasil. Os nossos estudantes que vão para fora, diferentemente, voltam outros. Na pós-graduação, substitui-se o doutorado pleno no exterior pelas bolsas sanduíche. O doutorado pleno no exterior custava por volta de duzentos e vinte mil dólares. O CNPq disponibilizava, para a área de Direito, cinco ou dez bolsas de doutorado todos os anos. Muitas vezes, esse doutor, uma vez formando fora, vinha para o Brasil e era absorvido por uma universidade ou empresa privada ou ficava no exterior, ou seja, não replicava, na universidade pública brasileira, o que aprendeu. Dessa forma, o CNPq começou a substituir esse tipo de doutorado pelas bolsas sanduíche, o que significa que você tem a possibilidade de concluir o doutorado no Brasil e pleitear passar um ano no exterior, no qual você não vai obter crédito ou fazer curso, mas pesquisa e leitura, tendo, ainda, a interlocução com outros professores. Todos os meus alunos que passaram um ano no exterior voltaram outros: cresceram, tornaram-se cosmopolitas, abandonaram uma visão de mundo provinciana, perceberam a necessidade de um diálogo interdisciplinar, de aumentar o seu rigor metodológico em termos de tese. Portanto, eu diria que a experiência do intercâmbio é muito importante, diferentemente da experiência com o estágio. 2. Novo Código Comercial e panorama socioeconômico brasileiro: Quais conseqüências a aprovação de um novo Código Comercial poderia trazer ao Judiciário e à sociedade brasileira? Por ser principiológico, como defendido pelo seu idealizador, o Professor Fábio Ulhoa Coelho, geraria insegurança jurídica? Temos dois aspectos a considerar. O primeiro aspecto é de natureza conceitual. Código, por princípio, é um corpo geral de regras basicamente padronizadoras. O problema é que vivemos em uma sociedade cada vez mais socialmente diferenciada, ou seja, cada vez mais complexa. Com isso, temos uma economia diversificada que vai se subdividindo em sistemas e subsistemas especializados, de forma a ter
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tanta diferenciação funcional que dificilmente você consegue dar conta dessa economia e dessa sociedade por meio de um código. A idéia de código, a meu ver, está posta em xeque. Esse fenômeno não é novo; no século XX, notadamente depois do término da Segunda Guerra Mundial e, principalmente, depois dos Estados Keynesianos e das sociedades afluentes, período de forte taxa de crescimento econômico e de expansão capitalista, você vai perceber que a economia ganhou tal velocidade e complexidade que ela passou a exigir um processo de descodificação e substituição do código por leis especiais. Nesse sentido, percebemos o segundo aspecto. No Brasil, você tem a Lei das Sociedades Anônimas, que é uma lei estabilizada, considerada muito boa, feita por pessoas que tinham capacidade técnica e boa formação teórica; a Lei de Recuperação de Empresas, que substituiu a antiga Lei de Falência e Concordata, a qual foi também feita já dentro da perspectiva de uma economia integrada em termos mundiais; e o Código Civil de 2002, que incorporou dispositivos que deveriam ser tratados por um Código Comercial. Dessa forma, eu diria que o novo Código Comercial não seria necessário. A idéia de código, em si, pode ser questionada. Em seguida, nós temos, no Brasil, leis especiais já sistematizadas e estabilizadas. Mexer nessa legislação, agora, seria desnecessário, seria dificultar a vida forense. Afora isso, você tem de perceber que o Brasil está atrasado no processo de renovação dos seus institutos jurídicos. Temos, nesse momento, a reforma do Código de Processo Civil, do Código de Processo Penal, do Código Penal, do Código de Defesa do Consumidor, da legislação florestal, da legislação mineral. Se for introduzida a reforma do Código Comercial, que implica no desmembramento do Código Civil e na alteração de duas leis especiais bem aceitas pela área jurídica, você vai gerar muita incerteza jurídica com tantas reformas simultâneas num contexto em que temos grande mudança social e econômica. Para ser feita uma boa mudança jurídica, tem-se que trabalhar num contexto de estabilidade social, econômica e política. Temos estabilidade política, mas não temos estabilidade social e econômica. Eu não acho que seja o momento para reformarmos, simultaneamente, cinco, seis ou sete códigos. É perigoso, é desnecessário. O problema brasileiro não é apenas reformar esse ou aquele código, acho que está na hora de pensarmos um pouco melhor no arcabouço do sistema jurídico. Não é um trabalho de engenharia, é um trabalho de arquitetura. Vivemos um momento de esgotamento de um padrão de intervenção jurídica na sociedade, determinado pelo aparecimento de uma sociedade cada vez mais reticular, de um policentrismo decisório cada vez mais nítido, de uma internacionalização da economia, de uma crescente e preocupante desnacionalização da economia brasileira, ou seja, antes de pensar novos códigos, eu teria de repensar o arcabouço do sistema jurídico.
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Perfil O Direito transforma a sociedade ou a sociedade transforma o Direito? Essa é uma pergunta clássica que foi objeto de uma parte de minha vida acadêmica, quando eu trabalhei, durante quase dez anos, com a questão do Direito como instrumento de desenvolvimento. Tenho uma série de trabalhos sobre Direito e desenvolvimento, meu orientador no pós-doutorado nos Estados Unidos foi o Professor David Trubek, líder do movimento Law and Development. Nós trabalhávamos exatamente como essa pergunta que você levantou: qual é a capacidade que o Direito tem de modificar comportamentos sociais, modernizar a economia e promover justiça social? É difícil responder em tese essa pergunta, eu teria de fazer uma série de exemplificações, buscar estudos históricos para poder justificar o momento em que o Direito pode ou não apresentar alguns resultados. É possível, sim, utilizar o Direito como instrumento de justiça social, mas você precisa ter um Estado forte (isso não quer dizer um Estado autoritário) e capaz de utilizar elementos fiscais que transfiram renda do ponto de vista setorial, trabalhando uma justiça distributiva. Então você tem, sim, a possibilidade de usar o Direito como instrumento de modernização social do ponto de vista fiscal. Contudo, você também tem experiências desastrosas e autoritárias de tentar modernizar a sociedade, impondo, de cima para baixo, contra os usos e costumes, valores e expectativas, a utilização do Direito como forma quase que arbitrária, ditatorial, de imposição de um novo padrão social. Você verifica isso, entre os anos de 1960 e 1970, no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Peru. As ditaduras militares da América Latina se deixaram levar pela idéia de que elas poderiam modernizar as suas respectivas economias e sociedades, impondo, autoritariamente, um novo arcabouço jurídico. Fizeram isso de uma maneira absolutamente ilegítima, com custos sociais e econômicos altíssimos. A segunda experiência que temos é a dos países africanos que se descolonizaram nos anos 60. Esses países, quando ganharam independência e foram construir as suas instituições estatais, governamentais e jurídicas, mantiveram a concepção de Estado e Direito de seus colonizadores, mas ainda eram sociedades tribais. Os países colonizadores tinham a habilidade em manter o Direito oficial, mas aceitavam um Direito oficioso nos seguimentos mais tribais. O que os Estados africanos tornados independentes fizeram foi tentar impor o seu Direito oficial, de um Estado recém independente, para toda a sociedade, ignorando os usos e costumes. Com isso, eles acabaram buscando ocidentalizar sociedades tribais, impondo institutos jurídicos dos países colonizadores, e os resultados foram absolutamente desastrosos. Eu fui consultor da ONU na África e ajudei a repensar a Escola de Magistratura de Moçambique. O que mais me impressionou lá foi justamente a tentativa de reproduzir, ali dentro, o Estado português, o qual era
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incompatível com aquela realidade social e econômica. Eu diria que a utilização do Direito para provocar mudança social é importante, mas deve ser vista com cuidado. Atualmente, verificamos o retorno das questões do Law and Development relativamente à crise financeira. É uma experiência interessante, mas eu tenho uma visão pessimista, acho que o movimento já deu o que tinha de dar. O senhor acredita que a economia brasileira segue uma “Destruição Criadora”? A formação de conglomerados como a Brasil Foods ou a possível fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour são etapas desse processo? Sim, são etapas desse processo, que está bastante avançado, mas você tem uma situação curiosa no Brasil: não se pode falar em termos gerais. Pão de Açúcar, Walmart e Carrefour mostram que a área de supermercados praticamente foi internacionalizada. Ao olhar a Brasil Foods, você vê a internacionalização da economia brasileira. Trata-se de um nítido processo de desnacionalização da economia, o qual tem problemas complicados: como controlar essas empresas mundiais pelos nossos mecanismos tradicionais? A nossa democracia representativa é um conceito que tem uma base territorial, ou seja, é representativa dos limites de um território, mas eu começo a perceber que as decisões econômicas são cada vez mais transterritoriais. Tenho aí, então, o problema de repensar o controle político dessas decisões. Por outro lado, olho o Brasil em seu conjunto e vejo, ainda, nas regiões Norte e Nordeste, bolsões de um Brasil pré-moderno. O Professor Roberto Mangabeira Unger, que leciona há anos em Harvard, quando Secretário de Assuntos Estratégicos, levantou a questão de como administrar um país com tantas desigualdades e como corrigir essas disparidades. Como resposta, temos a necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento brasileiro, ou seja, não se pode aceitar a idéia de que o nordeste replique o que ocorreu no sul e no sudeste, e também não posso ter, no Brasil, um Estado autoritário, como foi o Estado coreano, principalmente a Coréia do Sul. Temos, então, de repensar um projeto para o nordeste, mas também temos de pensar nas condições de implementação. E aí a pergunta levantada pelo Professor Mangabeira Unger faz todo o sentido: dentro das estruturas jurídicas brasileiras tradicionais, formalistas, de um processo lento, diante de uma visão de mundo eminentemente forense, será que teríamos um Estado plástico suficientemente eficiente e funcional para implementar um programa que permita ao nordeste se desenvolver sem precisar passar pelo estágio de São Paulo? Ou seja, quero evitar a transição do Pré-fordismo para o Fordismo até chegar ao trabalho Pós-fordista, quero queimar etapas para integrar o Brasil. Como isso é possível hoje sem um Estado com a mínima capacidade de planejamento?! Acho que essa tem de ser a discussão.
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Perfil Eu continuo dizendo que a gente vive um paradoxo, uma armadilha perigosíssima. O crescimento da economia brasileira depende muito da sua inserção externa. O Brasil não tem, hoje, capacidade de autosustentar o seu crescimento. Se o país quiser promover inclusão social, ele tem de crescer; mas para crescer, tem de exportar; mas para aumentar a sua presença no exterior, ele tem de se inserir em novas regras globais. O problema dessas regras é que elas têm um custo social muito alto, abrem caminho para cortes de gastos, direitos e programas sociais. Abusos e explorações, às vezes, não são vistos como verdadeiros absurdos aos olhos do Direito Comercial. São, na realidade, práticas corriqueiras e até aceitáveis, as quais visam ao “funcionamento ideal do mercado”. Diante disso, é correto afirmar que há um afastamento desse ramo do Direito em relação à moral? Sim. Se você analisar o que vem ocorrendo com o aumento da velocidade do processo schumpeteriano de Destruição Criadora, notará que isso abre caminho para o que alguns sociólogos europeus vão chamar de monetarização das esferas da vida, a qual ocorre quando você reduz tudo à agregação de valor para o acionista, aos ganhos de produtividade, de competitividade, de lucratividade. Num determinado momento, você canoniza essas questões de tal maneira que joga na lata do lixo qualquer compromisso com valores como a solidariedade ou qualquer discussão de natureza ética ou moral. Esse processo de fusão e incorporação que nós discutimos na pergunta anterior tem um custo social altíssimo. Quando Sadia e Perdigão são justapostas, haverá um momento em que você vai ter de fazer um corte drástico de pessoal. Quando bancos se fundem, eles justapõem estruturas administrativas. Para dar um exemplo, em 1989 e 1990, arredondando, deveríamos ter uma geração, no sistema financeiro brasileiro, de oitocentos e vinte mil empregos diretos. Para cada emprego direto, a estimativa é que você tenha, além do empregado, um cônjuge e dois filhos, o que dá três milhões e duzentas mil pessoas dependendo do sistema financeiro. Vinte anos depois, devemos ter uns trezentos e setenta mil empregados, ou seja, o número de empregos gerados pelo sistema financeiro caiu pela metade. O mesmo ocorreu com os metalúrgicos do ABC. Alguns economistas vão dizer que temos de realocar, pois não posso deixar de ter uma economia que se inove tecnologicamente, sob pena de não ser competitiva. Contudo, o preço da inovação é, muitas vezes, informatizar as linhas de produção e desempregar ou trabalhar na linha da terceirização, na qual você só fica com o empregado com carteira assinada na atividade fim. Os economistas dizem que a história nos mostra que os desempregados vão sendo realocados em outros setores da economia. O problema é que temos uma economia que muda de padrão tecnológico numa velocidade cada vez maior. Quando eu expulso o bancário ou o metalúrgico, e ele
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vai para o setor de serviços, ele não está preparado. Eu não tenho um sistema de educação que requalifique esse sujeito para que ele seja realocado. Ele vai ter dificuldade de se inserir e provavelmente entrará para economia informal, sem nenhuma rede jurídica de proteção, sem fundo de garantia, carteira assinada, descanso semanal remunerado etc. Isso não é um fenômeno brasileiro, mas do Capitalismo globalizado. Em algumas regiões da Europa, esse fenômeno gera o fechamento de fábricas das quais comunidades dependem. Algumas substituem o trabalho braçal pelo robotizado, outras são transferidas para a Ásia em busca de benefícios fiscais e de mão-de-obra. A comunidade que dependia daquela fábrica entra numa causação circular negativa, ou seja, torna-se um cemitério de empregos, enfrentando uma enorme crise social. Isso gera o que a Europa imaginava ter superado desde a reconstrução da Segunda Guerrra Mundial. Alguns sociólogos chamam esse processo de brasileirização da Europa, a qual estaria se marcando pelas disparidades que temos no Brasil. No caso do Direito Comercial, talvez com algumas exceções, percebo que essa não tem sido a grande preocupação dos comercialistas. O Direito tem perdido espaço no âmbito da regulação das relações sociais para outras ciências, como a Economia. O senhor concorda com essa afirmação? Eu acho que não é só a Economia, não. A capacidade que o Direito positivo tem de lidar com uma sociedade complexa se exauriu. As virtualidades do Direito positivo sobre a forma de códigos e de leis especiais se esgotaram. A sociedade é variada demais, complexa demais, e, ao tentar padronizá-la por meio de códigos – corpos padronizadores – vou atuar como uma camisade-força, frente à natural expansão da Economia e da sociedade. Para tanto, preciso abrir mão dos códigos e acabo, assim, por substituí-los por leis complementares. Contudo, como tenho uma diversificação de cadeia produtiva que vai se subdividindo em sub-cadeias produtivas cada vez mais especializadas, terei a necessidade de tantas leis especiais que, em um determinado momento terei o que chamamos de hiperjuridificação – inflação normativa. Ao invés de ter segurança, terei incerteza jurídica. Nesse momento, o que percebe o Estado? Percebe que ele não se moraliza enquanto não intervier. Começo a perceber, então, a partir 1980, 1990, uma tendência do Estado de não intervir, através de um processo de deslegalização, de desconstitucionalização de direitos, de flexibilização,, de desregulamentação econômica, de descriminalização de determinados comportamentos... O Estado enxuga o Direito e diminui seu alcance. O resultado é uma situação de “vazio” que atende aos seus interesses, porque no momento em que ele, Estado, sai de algumas áreas em que se espera que ele intervenha, ele sabe (e gera estímulos para isso) que ou a sociedade se auto-
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Perfil organiza ou teremos uma situação de hobbesianismo. O Estado estimula, para tanto, o aparecimento de organizações não governamentais, de movimentos sociais ( a exemplo de associações comunitárias). Estimula, em outras palavras, o processo de autoordenação social, auto-estruturação social. Nesse estágio, o Estado mantém um pouco do Direito Positivo e, por saber que com esse Direito Positivo não consegue lidar com uma sociedade complexa, gera espaços para que a sociedade se auto-regule. Fixará, assim, marcos para essa auto-regulação, ao mesmo tempo em que é pressionado por uma Economia que se internacionaliza, fazendo com que seja obrigado a aceitar institutos jurídicos impostos por organismos supranacionais. Teremos o que se chama de direito multi-nível: algumas coisas o Estado mantém, outras deixa com a sociedade e uma terceira parcela é mandada para fora. O resultado é um policentrismo decisório, uma situação de pluralismo jurídico (governança jurídica de múltiplos níveis). Em um mesmo ambiente coexistirão, por exemplo, Lex mercatoria, direito costumeiro, direito internacional, direito técnico-produtivo, direito de blocos regionais, ou seja, uma situação de enorme complexidade normativa, aquilo que na Sociologia do Direito chamamos de campos normativos semi-autônomos: o Estado dá autonomia, mas retém para si os marcos regulatórios. Falta, no Direito Comercial, um aprofundamento sociológico? Falta um aprofundamento sociológico e um aprofundamento econômico. Volto a dizer que há exceções, mas não tenho visto trabalhos originais na área de Direito Comercial, com a intenção de romper o paradigma. Quando você olha as produções do professor Fábio Konder Comparato, percebe-se que ele tem essa preocupação social, ética, moral e, ao mesmo tempo, uma enorme capacidade técnica de entender o Direito Comercial. O Poder de Controle na Sociedade Anônima é um livro que impactou a minha geração. Porém, quando eu vejo, hoje, teses de mestrado e doutorado em Direito Comercial, é mais do mesmo, projetos absolutamente repetitivos, sem criatividade, salvo poucas exceções. O profissional da área do Direito é de fato preparado para os desafios impostos pelo mercado de trabalho? Eu acho que não, não tem sido. Primeiramente, eu acho que a sua pergunta tem de levantar uma questão importante: o que estamos chamando de mercado de trabalho? Há uma convenção que diz que mercado de trabalho é mercado para escritório, banco ou empresa. De outro lado, percebo que tenho as carreiras jurídicas estatais. Quando eu olho, na Congregação ou em alguns debates aqui na Faculdade, a discussão sobre mercado de trabalho, eu vejo professores admitindo uma separação
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entre o mercado de trabalho da iniciativa privada e as carreiras do Estado, quase como se não incluíssem essas carreiras como mercado de trabalho. Dessa maneira, não percebem que no campo estatal, onde formamos juízes, promotores, procuradores do Estado, procuradores do Município, surgem áreas novas com profissionais jurídicos que não formamos. Por exemplo, a Secretaria de Direito Econômico, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários etc. Essas agências reguladoras e órgãos não conseguem trazer, por meio de concursos, profissionais com uma formação menos forense, ou seja, profissionais que saibam sentar e trabalhar com uma equipe interdisciplinar para formatar políticas públicas, novos tipos de contrato, novas formas de intervenção do Estado, novas relações público-privadas. Nesse sentido, continuo achando que estamos com uma visão de mundo, nas faculdades de Direito, excessivamente forense, porque temos um forte coeficiente de professores que são juízes, promotores e procuradores. Como eu imagino um processualista que seja juiz e, num determinado momento, ele seja obrigado a se submeter a uma reforma do Judiciário que diminua o número de recursos, introduza uma súmula vinculante e abra espaço para a arbitragem? De alguma maneira, na cabeça dele, ele está perdendo prestígio, a instituição dele está sendo esvaziada. Ele começa a lutar pela continuidade dessas prerrogativas institucionais, sem perceber que o mundo mudou. Então, nesse momento, ele tem uma visão corporativa que embota a sensibilidade dele para qualquer tipo de reforma pedagógica. Há uma pergunta que eu vi num debate europeu. A Espanha vinha sofrendo reformas do Código de Processo Civil e os professores de Direito processual resistiam a toda e qualquer mudança do Judiciário. O locutor do debate, em um determinado momento, levantou-se e disse: 'Senhores, eu trouxe três processualistas e todos eles são contra a reforma do Judiciário. A minha pergunta é: será que vocês não estão resistindo por serem juízes? Será que não seria mais útil e eficaz fazer uma reforma dos códigos de processo civil e penal da Espanha sem a presença de processualistas?'. Discussões como essa são necessárias para que a gente possa pensar no ensino do Direito. Quem é que está produzindo pensamento jurídico de ponta hoje? Nas faculdades de Direito, temos um ou outro professor. Isso é um fenômeno mundial. No Brasil, quem mais discute Direito é o Departamento de Filosofia da USP, pois eles descobriram Rawls, Dworkin, Hart, Kelsen... Quem discute Teoria do Estado é o Núcleo de Direito e Democracia do CEBRAP. Quem discute práticas jurídicas é o Grupo de Direito e Economia da Universidade de Brasília. Quer dizer, as faculdades de Direito, de um modo geral, estão um pouco atrofiadas, elas não são criativas.
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Direito Societário
Conflito de interesses em operações com partes relacionadas Uma breve reflexão
Por Rafael Garcia Santana Martins É muito comum vermos, no âmbito empresarial brasileiro, pessoas que exercem simultaneamente cargos de Conselho de Administração, nas Sociedades Anônimas, e de Diretoria, nas Sociedades Limitadas e Sociedades Anônimas (“S.A.'s”), em mais de uma sociedade, sendo todas elas do mesmo grupo e estando submetidas a um controle comum. Também é praxe de sociedades de um mesmo grupo, que estas mantenham operações econômicas entre si (e.g. mútuos, compras de títulos de dívidas, etc.). Tomando esses dois fatos em conjunto, surge uma questão importante a ser analisada, qual seja, o potencial surgimento de situações de conflitos de interesses em casos em que uma pessoa seja administradora ou diretora de mais de uma sociedade do mesmo grupo e estas realizem negócios jurídicos umas com as outras. Antes de chegar a essa análise propriamente dita, é interessante verificar se é possível juridicamente que uma mesma pessoa exerça cargos de diretoria ou administração de sociedades em um mesmo grupo. Para tanto, devemos proceder à análise separada para as Sociedades Limitadas e para as S.A.'s. O regime jurídico que se aplica à administração de uma Sociedade Limitada são os artigos 1.060 a 1.065 do Código Civil. Entretanto, tais dispositivos legais não impõem restrição alguma quanto à designação dos diretores, no que toca ao exercício simultâneo de mais de um cargo de diretoria ou administração, uma vez que a lei apenas estabelece que os administradores devem ser nomeados no contrato social ou em ato separado, não especificando outros requisitos quanto à pessoa do administrador. Já para as Sociedades Limitadas regidas supletiva e subsidiariamente pela Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“LSA”) e para as S.A.'s, aplicam-se os dispositivos do Capítulo XII dessa lei. Dentre eles, destaca-se o art. 147, em especial os incisos I e II do seu § 3º. Como se vê, o inciso primeiro do § 3o do art. 147, LSA, se refere à inelegibilidade, para cargos do Conselho de Administração, de pessoas que ocupem cargos em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado. Numa interpretação a contrariu sensu deste dispositivo, extrai-se que não é inelegível, isto é, pode ser eleito um administrador que ocupe um cargo em uma sociedade que não é concorrente no mercado, desde que não tenha ele
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interesse conflitante com a sociedade. “Art. 147. Quando a lei exigir certos requisitos para a investidura em cargo de administração da companhia, a assembléia-geral somente poderá eleger quem tenha exibido os necessários comprovantes, dos quais se arquivará cópia autêntica na sede social. [...] § 3o O conselheiro deve ter reputação ilibada, não podendo ser eleito, salvo dispensa da assembléia-geral, aquele que: I - ocupar cargos em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado, em especial, em conselhos consultivos, de administração ou fiscal; e II - tiver interesse conflitante com a sociedade.”
Um reforço para tal posicionamento pode ser encontrado no posicionamento de Modesto Carvalhosa, o qual afirma que “em nossa lei de 2001 a limitação de exercício simultâneo [de cargo de conselho de administração] em diferentes companhias foi restringida na medida em que não pode ocorrer eleição em sociedades concorrentes, ex vi do art. 147, § 3o, I”. Ou seja, a única restrição para exercício simultâneo em diferentes companhias seria a da hipótese do referido inciso primeiro aqui tratado. Empresas do mesmo grupo, por estarem submetidas a controle comum e às mesmas diretrizes na condução de suas atividades, dificilmente seriam consideradas concorrentes. A hipótese descrita no inciso II do § 3º do art. 147, LSA, demanda uma análise um pouco mais profunda acerca do conflito de interesses. Quanto a esse tema, Modesto Carvalhosa faz a distinção entre dois tipos de conflito de interesse entre administrador/diretor e companhia: o conflito formal e o conflito substancial. Para o autor, o conflito formal tem relação com o fato de haver confusão de pessoas entre as partes contratantes – o administrador/diretor e a companhia. Tal tipo de conflito tem caráter apriorístico, ou seja, não demanda a verificação, no caso concreto, de efetivo prejuízo à companhia, mas de mero fato de haver a confusão de partes numa relação contratual: o administrador ser, por exemplo, ao mesmo tempo parte devedora e representante da companhia em determinado contrato. Segundo Carvalhosa, o tipo de conflito verificado no caso do art. 147, § 3o, II da LSA é de conflito formal e, portanto, a interpretação a respeito do termo “conflito de interesse” como condição de inelegibilidade de membros do conselho de
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Direito Societário administração deve, na opinião do doutrinador, ser restrita ao critério formal. Também hipótese de conflito formal seria o do art. 156, caput, em que o administrador, conselheiro ou diretor tem a obrigação de informar ao Conselho de Administração ou à Diretoria sobre seu conflito e de não deliberar em votações relacionadas à matéria em que tenha interesse. “Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse. § 1º Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros. § 2º O negócio contratado com infração do disposto no § 1º é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido.”
Já o conflito substancial, no direito societário, se dá “quando a satisfação do interesse do administrador faz-se com o sacrifício do interesse social”, para Carvalhosa. Dessa maneira, tal tipo de conflito é verificado posteriormente à realização do contrato, analisando-se se, de fato, houve prejuízo à sociedade. O conflito substancial é o caso do art. 156, § 2º, uma vez que se permite a contratação entre administrador e a companhia em condições razoáveis e equitativas. Caso se verifique, posteriormente, que o negócio jurídico trouxe prejuízos efetivos à companhia, por causa do conflito de interesses entre a companhia e seu administrador, poderá ele ser anulado. Agora que já analisamos o conceito e classificações de conflito de interesses, passamos a tratar de partes relacionadas. Para tanto, interessante é a definição de partes relacionadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), feita na Deliberação Nº 26, de 5 de fevereiro de 1986, visando dar mais transparência a esse tipo de operação e, portanto, protegendo a sociedade e os acionistas: “Partes relacionadas podem ser definidas, de um modo amplo, como aquelas entidades, físicas ou jurídicas, com as quais uma companhia tenha possibilidade de contratar, no sentido lato deste termo, em condições que não sejam as de comutatividade e independência que caracterizam as transações com terceiros alheios à companhia, ao seu controle gerencial ou a qualquer outra área de influência. Os termos "contrato" e "transações" referem-se, neste contexto, a operações tais como: comprar, vender, emprestar, tomar emprestado, remunerar, prestar ou receber serviços, condições de
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operações, dar ou receber em consignação, integralizar capital, exercer opções, distribuir lucros etc. Em geral, a referida possibilidade de contratar em condições que não as de comutatividade e independência se dá entre entidades nas quais uma delas, ou seus acionistas controladores, detém participação a lhes assegurar preponderância nas deliberações sociais da outra. Mas o conceito de partes relacionadas deve estender-se, também, ao relacionamento econômico: (i) entre empresas que, por via direta ou indireta, respondam ao mesmo controle societário; (ii) entre empresas com administradores comuns ou que possam influenciar e/ou se beneficiar de determinadas decisões nas referidas empresas, tomadas em conjunto ou individualmente; (iii) de uma empresa com seus acionistas, cotistas e administradores (quaisquer que sejam as denominações dos cargos), e com membros da família, até o terceiro grau, dos indivíduos antes relacionados; (iv) de uma empresa com suas controladas diretas ou indiretas e coligadas ou, com acionistas, cotistas ou administradores de suas controladoras e coligadas e vice-versa; e (v) de uma empresa com fornecedores, clientes ou financiadores com os quais mantenham uma relação de dependência econômica e/ou financeira, ou de outra natureza que permita essas transações.” (grifo nosso)
A partir dessa definição, que leva em consideração também a relação econômica entre partes, fica fácil deduzir que, ao tratarmos de operações com partes relacionadas, é possível que venham a surgir situações de conflito de interesses, nas quais, por meio de deliberações discricionárias dos administradores, prejuízos sejam trazidos à sociedade e aos seus acionistas. Portanto, pode-se concluir que, embora esse tipo de operação com partes relacionadas não seja proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, devese, em cada caso concreto em que haja operações com partes relacionadas e administradores em comum, proceder a uma investigação criteriosa para que se determine se houve o surgimento de alguma situação de conflito de interesses (substancial), em que o administrador (bem como seus parentes, sociedades sujeitas a seu controle acionário, etc.) tenha obtido alguma vantagem. Referências Bibliográficas CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, volume 3, 4ª ed,, São Paulo, Saraiva, 2009. http://www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/atos/exiato. asp?File=/deli/deli026.htm (acesso em 30.09.11).
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André Rossetto Daudt ardkayy@hotmail.com Graduando do terceiro ano da Faculdade de Direito da USP e estagiário do departamento jurídico da Microsoft
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Rafael Garcia Santana Martins rgsmartins@gmail.com Graduando do terceiro ano da Faculdade de Direito da USP e estagiário da área de Direito Empresarial do Pinheiro Neto Advogados Associados
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