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FOTO: ELTON LAUD/O ECO
FOTO: ELTON LAUD/O ECO
TRIO DE FERRO - Kely Fortunato, Clarissa Boso e Nilceia Pereira são exemplos de mulheres que se destacam em áreas com predominância masculina; tudo sem perder o charme, simpatia e beleza
A mulher, essa vitoriosa Em parceria total com o homem, ambos constroem o grande destino Jair Aceituno onta a história da humanidade que, nos primórdios da espécie, não havia diferença alguma entre homem e mulher. Ambos conviviam em
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absoluta igualdade, defendendo-se em grupos dos animais bravios de então. Eram nômades e se alimentavam da caça e da coleta de vegetais. Surgida a agricultura, puderam se fixar e aos poucos foi se definindo a
obrigação da mulher de cuidar dos filhos, domesticar os animais e realizar as atividades ditas “domésticas”, enquanto o homem se ocupava de caçar e trazer o resultado da caça para o sustento da família. Milhares de anos se passaram, a espécie humana supostamente surgida na África, espalhou-se pelos continentes e os povoou. Os problemas foram surgindo e encontrando solução através de desavenças, guerras, acordos e convenções. Mulher e homem sempre foram as peças fundamentais da sociedade que, aos trancos, surgiu. Até por uma questão de preservação da espécie, já que a continuidade depende da reprodução, até hoje (mesmo com toda a tecnolo-
gia) impossível sem o concurso do feminino e do masculino. A sociedade industrializada reservou ao homem a condição de chefe da família e à mulher o papel e “rainha do lar”, por ela própria rejeitado nas últimas décadas. Basta ler as publicações – livros, artigos e revistas – da primeira metade do século passado, que pregavam a submissão feminina. No Brasil as mulheres só puderam votar e ser votadas a partir de 1932, embora desde o começo do século, muitas transgredissem as convenções em busca da igualdade social. Aos poucos começaram a dirigir automóvel, pilotar avião e a fazer coisas até então tipicamente masculinas, como mostram as
histórias das três mulheres retratadas nesta edição. E assim foi conquistar o seu lugar ao sol numa sociedade constituída sob a ótica masculina. Na Constituição de 88, ora em vigor, é que ficou clara a efetiva igualdade entre homem e mulher, já que nas anteriores era apenas implícita. Nos anos 60, o mundo (inclusive o Brasil) foi varrido pela onda feminista provocada pela norte-americana Betty Friedan, que publicou o livro “A Mística Feminina”, abordando o papel da mulher na indústria e na função de dona-de-casa e suas implicações tanto para a sobrevivência do capitalismo quanto para a situação de desespero e depressão que grande parte das
mulheres submetidas a esse regime sofriam. Vem daí a sugerida “guerra dos sexos”, que chegou a ser tema de novela de sucesso. Embora impactada pelas influências vinda dos EUA, Europa e outros pontos do mundo, a mulher brasileira foi à luta e conseguiu lugar de destaque nos estudos, nas artes, no mercado de trabalho e na vida social, na condição de agente de sua própria história e não como partner do homem. Muito se avançou, mas ainda existem conquistas a se consolidar como, por exemplo, o direito de ganhar o mesmo salário do homem ao exercer a mesma função. Restam muitas discussões sobre temas polêmicos como abordo, disposição do próprio corpo, etc. A luta continua...
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Dia da Mulher FOTO: VITOR GODINHO/O ECO
Na boleia do caminhão
BRAÇO FORTE – Com jeitinho, Kely conseguiu se estabelecer em uma profissão dominada pelos homens; ‘hoje eles pedem que eu vá fazer o serviço’, brinca
Kely já trabalhou também como eletricista e instrutora de autoescola Vitor Godinho pesar de ter trabalhado em um supermercado quando era adolescente, o verdadeiro sonho da lençoense Kely Cristiana Fortunato do Vale era dirigir caminhão. E o sonho foi parcialmente alcançado, por que hoje ela trabalha operando o caminhão munch da empresa que tem junto com o marido, Marcos José do Vale. Parcialmente, porque sua vontade mesmo é guiar – como gostam de dizer- carreta.
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Para lembrar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, o jornal O ECO traz histórias de mulheres que, como Kely, conseguiram se estabelecer em profissões que são dominadas por homens. E o fato de Kely dirigir um caminhão munck (guincho) não é sua única “invasão” em uma área masculina. Ela também foi eletricista e instrutora de autoescola, outras duas áreas com pouca participação da mulher. “Quando meu marido saiu da CPFL, ele começou a trabalhar como autônomo na área de elétrica e eu comecei ajuda-lo. Depois, para garantir uma renda extra eu fiz o curso e me tornei instrutora de autoescola, uma coisa que era difícil você ver mulher. Comecei
na Autoescola Marinho, fiquei algum tempo nessa área e agora voltei trabalhar com meu marido, dirigindo o munck, algo que eu adoro fazer”, diz Kely. E se engana quem pensa que Kely faz esse trabalho apenas para ajudar o marido, ou para complementar a renda familiar. “Eu curto muito esse negócio de caminhão”, frisa. Ela conta que desde a infância tem esse desejo de dirigir veículos grandes. Kely lembrou, emocionada, de duas histórias que a marcaram muito quando era pequena. A primeira foi quando seu tio, que era caminhoneiro, veio para Lençóis para visitar sua avó. “Ele chegou na cidade com uma carreta 113, cor vinho, linda, maravi-
lhosa, eu me lembro até hoje dele descendo da carreta e aquilo me marcou. Depois, ele levou a gente para dar uma volta e eu fiquei maravilhada com aquilo”, recorda. Outro fato que a marcou, foi um incêndio no Orsi, em que seu pai ajudou a tirar os caminhões de dentro da fábrica. “Eu não lembro o ano ao certo, mas quando teve o incêndio no Orsi, nossa família morava perto. Naquela noite foi um negócio terrível e eu vi meu pai tirando as carretas do local. Meu pai é mecânico de manutenção, mas naquela noite ele ajudou a tirar os caminhões da fábrica e aquilo também ficou na minha memória. Acho que foi dai que surgiu minha vontade de dirigir caminhão”, completa.
Kely lembrou que sua trajetória ao volante, como muitas pessoas de sua geração, começou na autoescola, com o saudoso seo Orlando. “Eu aprendi a dirigir com o seo Orlando, que pelo menos o pessoal da minha idade, muita gente passou pelas suas mãos. E o jeito dele também me motivou a entrar nessa área. Eu resolvi então fazer o curso e comecei a trabalhar na autoescola. E eu brinco que além de me ensinar a dirigir o seo Orlando também me ensinou a trabalhar”, disse. PRECONCEITO Com relação ao preconceito de uma mulher estar fazendo um trabalho que é feito quase sempre por homens, Kely diz que já tira
de letra essas situações. “Tens alguns casos que a pessoa pede o munck e quando eu chego para fazer o serviço, eles falam: Mas o Marquinho não vai vir ai? Eu respondo que sim, que daqui a pouco ele vem e vou fazendo o trabalho. Hoje, muitas pessoas que me conhecem, fazem o oposto com o Marcos, perguntam onde está a sua mulher” (risos). E essa resistência ela também sentiu quando fez trabalhos na área de elétrica com o marido. “As pessoas diziam: mas é você que vai fazer o serviço? Ela tem curso? Mas onde ela aprendeu isso? Você finge que não escuta e toca o barco para frente. Acredito que isso já foi pior e hoje está melhorando um pouco”, completa.
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Dia da Mulher
Sexo Frágil?
Acho que não
PARCERIA - Nilceia Pereira se prepara para as competições treinando junto com o filho Gabriel
Elton Laud uem também atua em uma área dominada predominantemente pelo sexo masculino é Nilceia Pereira de Souza, de 33 anos, que é lutadora de Sanda, uma modalidade de combate do Kung Fu. A lençoense, que pratica o esporte há pouco mais de três anos, conta que no início começou a frequentar as aulas apenas para acompanhar o filho Gabriel Consalter, hoje com 15 anos, mas tomou gosto pela coisa e não pensa mais em parar. “Eu achava um esporte muito violento. Quando meu filho decidiu fazer, eu quis vir para ver como era direito. Me convidaram para fazer uma aula e não parei mais”, lembra. Mesmo com o gosto pelo
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Conciliando a vida de dona de casa, esposa, mãe e lutadora, Nilceia Pereira, atual campeã brasileira de Sanda, é um exemplo claro da força feminina esporte, lutar em competições nunca foi um desejo de Nilceia. Treinou durante muito tempo apenas pela atividade física, mas em 2014 foi convencida pelo professor, Adriano Pitoli, a participar de uma seletiva para o Campeonato Paulista daquele ano.”Acabei indo disputar, mas depois da luta ele (Pitoli) achou que eu nunca mais fosse voltar. Já de cara tive que enfrentar a campeã pan-americana da minha categoria(adulto feminino até 52 quilos).Apanhei muito aquele dia”, brinca. Mas engana-se quem pensa que ela desistiu. “Desde o início eu sabia que não ia parar. Se eu vencesse ia querer continuar
por causa da vitória e se eu perdesse, como eu perdi, iria querer continuar para vencer. Eu já sabia disso”, completa. E a derrota já na estreia parece ter motivado ainda mais a lutadora. De lá para cá ela tem se superado a cada nova competição que disputa e conquistado diversos títulos, como no Campeonato Paulista, no Torneio Internacional Tat Wong e no Campeonato Brasileiro, onde ganhou seu mais recente - e mais importante -, título. A conquista foi em dezembro do ano passado, na cidade de São José dos Campos. Na ocasião, a lutadora, que representa a Associação Garra
de Tigre de Lençóis Paulista, derrotou uma adversária de Pernambuco na decisão. “Foi uma conquista muito gratificante. Em 2015 eu já tinha perdido para a balança e ficado de fora por não ter conseguido bater o peso. Mas me dediquei bastante e atingi meu objetivo de terminar 2015 com o título”, destaca Nilceia. A paixão da lençoense pelo Sanda e os bons resultados conquistados têm servido de inspiração para outras mulheres. Quando começou a treinar, em 2012, a academia tinha cerca de cinco mulheres que praticavam o esporte. Hoje, o número quase que triplicou. Nilceia,
inclusive, já dá aulas para uma turma de alunas iniciantes. Até o marido, Paulo Fernandes Consalter, com quem é casada há 17 anos, entrou na onda e se juntou a ela e ao filho Gabriel. “Desde o início ele sempre me apoiou, mas sempre acompanhou meio que de longe. Mas no ano passado consegui convencer ele a vir fazer uma aula e ele gostou. Agora, por conta de um acidente de trabalho ele precisou parar, mas assim que se recuperar ele pretende voltar”, comenta. E dessa maneira, com o apoio da família dentro e fora do tatame, Nilceia segue almejando novas conquistas. Conci-
liando a vida de dona de casa, esposa, mãe e lutadora. Cuidando dos afazeres domésticos, ajudando o marido no trabalho, treinando seis dias por semana e ainda encontrando tempo para ser simplesmente mulher. O próximo desafio da lutadora é conquistar uma vaga na seleção brasileira da modalidade para disputar o Campeonato Pan-Americano, que acontece em agosto deste ano, no Texas, nos Estados Unidos. Hoje, inclusive, ela está na cidade de Campinas, onde a Confederação Brasileira de Kung Fu/ Wushu realiza o primeiro dos três treinos que definem quais lutadores defenderão as cores do país na competição internacional. Os próximos encontros acontecem nos meses de abril e junho.
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A igualdade que é de direito Advogada Clarissa Boso fala das conquistas das mulheres no mercado de trabalho Elton Laud o longo das últimas décadas a luta feminina por mais espaço no mercado de trabalho e mais igualdade de direitos vem surtindo efeito, ainda que lentamente. Hoje em dia é muito mais comum vê-las atuando, diga-se, competentemente, em seguimentos antes quase que exclusivamente masculinos. A área jurídica é um bom exemplo disso. Se antes a quantidade de mulheres exercendo alguma atividade ligada ao setor era irrisória, hoje, segundo a advogada Clarissa Cesquini Boso Giroldo, de 39 anos, a proporção está quase que equiparada, pelo menos em Lençóis Paulista. Advogando há quase 20 anos, desde que se formou em direito na ITE, em Bauru, em 1997, Clarissa presenciou boa parte desta mudança. Ela conta que o preconceito ainda existe, mas não representa nada, se comparado ao cenário de 20 ou 30 anos atrás. “Percebo que este é um processo que acontece bem devagar, mas a mulher está cada vez mais conquistando seu espaço entre os homens. Hoje se encara isso com mais naturalidade”, destaca.
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A escolha pelo direito foi um processo que para ela começou desde cedo, apesar de não ter tido nenhuma inspiração dentro da família, que tinha o pai, dentista, e a mãe, psicóloga. “Sempre gostei de lutar por causas ditas como perdidas. Buscar aquilo que era impossível. Sempre fui meio que defensora dos fracos e oprimidos. Sempre tive isso dentro de mim”, ressalta. Sua identificação era com a matemática, chegou até a prestar vestibular, mas não levou a ideia adiante. A empolgação pela área jurídica veio quando começou a namorar Alessandro Grandi Giroldo, de 45 anos, de quem é sócia e esposa há 16 anos. “Na época ele trabalhava no Fórum e contava um pouco daquela rotina e aos poucos eu fui descobrindo, de fato, que era aquilo que eu queria. Adoro o que eu faço. Não sei fazer outra coisa”, revela. Hoje, com uma carreira consolidada, atuando nas áreas cível e criminal, Clarissa, que também é conciliadora voluntária no Cejusc e membro do Conselho Municipal Antidrogas, diz ter conquistado seu espaço, mas lembra que no início, pelo simples fato de ser
uma mulher, sua competência profissional chegou ser colocada em dúvida. “O número de mulheres advogadas era muito pequeno, na área criminal nem se fala. Não sentia tanto preconceito entre os colegas de profissão e sim por parte dos próprios clientes que achavam que uma mulher não tinha capacidade de conduzir determinada causa. É uma questão de cultura. Mas este preconceito existe até que você mostre seu trabalho. As pessoas passam a te respeitar quando você mostra o que sabe”, comenta. Ainda hoje, infelizmente, a sociedade parece obrigar as mulheres a mostrarem que
são capazes. Muitas vivem em uma luta constante por reconhecimento. Clarissa, no entanto, avalia que é preciso saber conciliar todas as coisas e não deixar o trabalho tomar conta. O tempo que tem livre, ela diz que prefere passar ao lado do marido e dos filhos Isabella, de 14 anos, e Thiago, de 12 anos. Além disso, para fugir da rotina, às vezes estressante, do trabalho, ela frequenta a academia e joga vôlei como hobby. “Eu me cobro muito, realmente. Quero ser 100% em tudo o que eu faço. Como mãe, esposa, profissional. As vezes a gente entra até em conflito, mas é preciso saber dosar. Temos que ter as responsabilidades,
mas é preciso ter uma válvula de escape também. Procuro sempre manter uma certa qualidade de vida”, ressalta. A advogada, assim como muitas outras mulheres, acredita que muito já foi conquistado, mas vê ainda um longo caminho pela frente. “Antigamente ser mulher era cuidar de filhos, ser uma boa esposa, saber cozinhar, lavar, passar, cuidar de casa, do marido, hoje, ela ainda sonha em casar e ter filhos, mas quer sua independência, sonha em ter seu respeito na sociedade, também como profissional. Tudo se completa. A tendência é que a mulher ganhe cada vez mais o seu espaço, porém, esse ainda será um processo lento”, completa.
DIREITOS IGUAIS - A advogada Clarissa Boso diz que número de mulheres na advocacia tem aumentado e, com isso, tem diminuído também o preconceito