Invisibilidade queer felipe gonçalves

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IN VISI BILI DADE QUEER





UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Felipe Pereira Gonçalves

INVISIBILIDADE QUEER

Uma análise da lógica da dinâmica e morfologia urbana dos empreendimentos LGBT noturnos da cidade do Recife

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do Prof. Dr. Luiz do Eirado Amorim e co-orientação da Prof. Dra. Maria de Jesus de Britto Leite.

Recife 2017


a gra deci men tos


A Helena, vovó, por sempre ter acreditado em mim mais do que eu mesmo. A Ladjane, mainha, que até onde pode faz o possível pela minha felicidade. A Francisco, painho, de quem nunca pensei que pudesse herdar tanto. A Fredson, irmão e melhor amigo nas piores horas. Ao meu orientador Luiz Amorim, pelo tempo oferecido, conhecimento compartilhado e por enfrentar o desafio temático da melhor maneira possível. A minha co-orientadora Juju, por estar sempre de braços abertos à ajudar. A Davi, pela melhor amizade entre todas do mundo. A Manoela, Ana Beatriz, Odara, Lígia, Felipe e Luan pelo companheirismo e ouvidos atentos às lamúrias constantes. A Grace, Renata, Angélica e Camyla que a distância nunca mudou nada. A Rafael, Mônica e Marcelo, pelo acolhimento por tantos anos. A Cátia Lubambo e a Fundação Joaquim Nabuco,

pelas oportunidades e confiança. A Cristiano Borba pelos conselhos bem-vindos. A Tiago Melo, pela solicitude e disponibilidade institucional. A FACEPE, que durante dois anos investiu no meu futuro. Ao CNPQ, por realizar o maior sonho. A todos aqueles que me ajudaram a crescer como pessoa, amigo, acadêmico e profissional, vocês têm uma parcela de culpa em quem me tornei. Talvez vocês não saibam mas são pequenas versões externas de mim mesmo. Quando criança costumava roubar características das caligrafias bonitas. Quando cresci fiz isso com personalidades. Sou um repositório, um recorte, um Frankenstein, de tudo de bom que vocês são e que do têm me ensinado. Obrigado por tudo!




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O preconceito, a vergonha, a hostilização e a violência são experiências comuns dentro da comunidade queer ocidental. Suas dimensões tomam inúmeros formatos. Uma delas é a espacial. Incômodos e abjetos para a sociedade heteronormativa, os queers buscam diferentes dispositivos espaciais para se proteger de ameaças homofóbicas e invisibilizar suas presenças no espaço urbano. Na história de muitas cidades podemos encontrar suas marcas na criação de espaços tolerantes e libertadores, muito embora, durante muito tempo, tenha sido obrigada a se esconder na noite e no interior de bares e boates. Exatamente por isso os empreedimentos noturnos são de grande importância para a comunidade queer. São Francisco, Londres, São Paulo e Rio de Janeiro são exemplos expostos neste trabalho. Cada cidade, à sua maneira e contextos sociais, econômicos e culturais, foi responsável por abrigar um espaço de resistência à heterossexualidade compulsória.

A cidade do Recife não é uma exceção. Os bairros da Boa Vista e da Soledade abarcam mais de 50% de todos os estabelecimentos LGBT da capital pernambucana. Eles se dividem em duas manchas localizadas na Avenida Manoel Borba e Rua Corredor do Bispo e somam entre si, até o momento, 11 iniciativas que têm como público-alvo gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. A partir do apreendido pelas cidades aqui expostas, este trabalho busca reconhecer os dispositivos e estratégias espaciais da dinâmica e da morfologia urbana de que lançaram mão os empreedimentos e a comunidade queer recifense a fim de se autopreservarem. Encontramos na Teoria da Lógica Social do Espaço e sua ferramenta, a Sintaxe Espacial, uma abordagem que pudesse desvendar as estruturas morfológicas das quais se apropriam os queers pela crença que o espaço carrega em si informações de cunho social e que o social carrega consigo ascpetos espaciais.


su mรก rio


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INTRODUÇÃO

OS ESTUDOS QUEERS Estudos Queers no Brasil

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ESPAÇO Espaço e gênero

34 Espaço e sexualidade

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41 São Francisco e o Castro 45 Londres e o Soho 50 São Paulo e a Frei Caneca 55 Rio de Janeiro

A TEORIA DA LÓGICA SOCIAL DO ESPAÇO A análise sintática da urbe

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A CIDADE DO RECIFE A presença queer

71 74 75 A macro-escala Os empreendimentos: A mancha Metrópole Os empreendimentos: A mancha MKB

75 A história 78 A mobilidade 80 O perfil social

83 A meso-escala 88 A micro-escala

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

APÊNDICE

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


in tro du~ ção

tais como “alegre, leve de coração, despreocupado”1. No final do século XIX, contudo, é deturpado e ganha sinônimo de promiscuidade. Por volta da metade do século seguinte já é encontrado na literatura como adjetivo de homossexuais, especialmente do sexo masculino, muito embora seja utilizado também para mulheres em algumas situações. O vínculo com homossexualidade derivou da expressão inglesa gay cat. Uma gíria norte-americana para “jovem vagabundo”, sem trabalho formal habitualmente 1  Fonte: http://www.etymonline.com/ index.php?term=gay

subordinado ou escravizado por outros trabalhadores informais mais experientes ou mais fortes com os quais relações sexuais não eram incomuns. Em oposição, costuma-se referir à algumas pessoas como gays no sentido original da palavra. Uma ironia inglesa ferina e inteligente Apesar de globalizado o vocábulo não chegou a alcançar uma gama de debates e significados tão amplos na academia quanto a palavra de origem anglo-saxônica queer. O termo deriva do alemão quer que significa oblíquo, peculiar, obstrutivo. Seu uso 1

Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a mor­te. Levítico 20:13 Gay, bicha, boiola, baitola, frango, veado, fresco, sapatão, traveco... Estes são alguns dos muitos xingamentos conhecidos pela comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) brasileira. A etimologia do vocábulo gay provém originalmente do velho francês mas foi disseminado mesmo pelos ingleses. Significava uma gama de adjetivos positivos INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 14


1 Cartaz de convite para uma exibição artística sobre lésbicas de movimentos ativistas no Plummer Park em Hollywood, EUA. Disponível em: <https://pride.weho.org/ one-city-one-17/2017/6/16/ lesbians-to-watch-out-for-90sla-activism-exhibit> Acesso em jan. 2017. 2 Cartaz de promoção da visibilidade queer do Queer Nation. Disponível em <https:// fontfolly.net/tag/pride/> Acesso em jan. 2017.

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no inglês foi encontrado pela primeira vez em um poema do século XVI do escritor escocês William Dunbar2, ainda sob a grafia antiga queir. O Dicionário de Inglês de Oxford (2016) apresenta a primeira definição de queer (na grafia atual) de maneira muito semelhante à alemã: “estranho, curioso, peculiar, excêntrico”, acrescido “também: de caráter questionável, suspeitoso, duvidoso”. Alguns anos mais tarde, por volta de 1970 (WHITTINGTON, 2012), a palavra ganha um segundo significado, o de “(gíria, especialmente para homens) homossexual. Também, de coisas: pertencentes à homossexuais ou homossexualidade” (Oxford English Dictionary, 2016). 2   “Off Edinburgh the boyis as beis owt thrawis / And cryis owt ‘Hay heir cumis our awin queir Clerk!’ / Than fleis thow lyk ane howlatchest with crawis / Quhill all the bichis at thy botingis does bark: / Than carlingis cryis, ‘Keipe curches in the merk, / Our galowis gaipis; lo! quhair an greceles gais’ / Ane uthir sayis, ‘I se him want ane sark, / I reid 3ow, cummer, tak in 3our lynning clais.’”(grifo meu)

O uso pejorativo da palavra demonstra como qualquer desvio de conduta heterossexual em todos os seus preceitos seria interpretado como um ato de desvio comportamental anárquico, uma verdadeira afronta à sociedade, um misto de doença e pecado. O que restava aos então rotulados queers era a margem da sociedade, a invisibilidade e, por muitas vezes, a morte. Queer, no entanto, percorreu um longo processo de ressignificação, tanto no contexto da comunidade lésbica e gay quanto na própria academia. Passou a ser adotado como gíria pela comunidade após a criação do Queer Nation, uma organização ativista fundada em março de 1990 na cidade de Nova York que luta pela visibilidade LGBT e contra a homofobia. O grito de ordem do grupo, We’re here! We’re queer! Get used to it!3, tornou-se internacionalmente conhecido. O poder do novo 3  “Estamos aqui! Somos peculiares! Acostume-se!” em tradução livre INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 15

significado reside justamente no fato de aludir às suas origens perniciosas como símbolo de luta e resistência (BUTLER, 2002).O que importa deixar nítido é que o tom desdenhoso do termo perdeu sua força e agora é não apenas aceito como também utilizado por dissidentes de gênero e sexuais assim também como estudiosos da área. A partir dos anos 90, começou a ser associado a outros movimentos fora da bolha lésbica e gay. Foram incorporados travestis, transexuais, transgêneros, bissexuais e outras identidades e afetividades que fugissem às regras sociais. Seu emprego passou a ser utilizado como um termo guarda-chuva que expressa uma posição política contra normativas e/ou modelos dominantes de pensamento (WHITTINGTON, 2012; JAGOSE, 1996; LESHER, 2008). É nesse sentido que a palavra está sendo aplicada neste trabalho. Está sendo utilizado


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contemporaneamente para designar um novo gênero, um terceiro, o gênero queer. Esta nova classificação não se apoia na construção binária dos gêneros existentes normalmente reconhecidos e socialmente aceitos. Marilyn Roxie4 (2011) escreve em What is ‘Genderqueer’? que o gênero queer é um termo utilizado para descrever aquelas pessoas cujo gênero não é normativo [...] ou que tornam seu gênero queer através da sua apresentação ou de outras formas (tradução minha)

4  Ativista pelos direitos dos nãobinários graduada em Mídias Digitais e Tecnologias Emergentes com curso em Estudos da Sexualidade, pela Universidade Estadual de São Francisco. Atualmente trabalha para o Centro de Sexo e Culturas; Boas Vibrações; Informações sobre Sexo de São Francisco e [SSEX BBOX] (projeto de justiça social multimídia criado para trazer ao mundo discussão global sobre gênero e sexualidade).

Os indivíduos que se identificam como gênero queer são aqueles que não se sentem representados plenamente nas concepções social, técnica e científica binarista de gênero feminino/masculino, sexo mulher/homem ou ainda sexualidade homossexual/ heterossexual. Roxie, de modo a facilitar a compreensão, divide em seis categorias os perfis que podem encaixar-se no gênero queer: Ambos homem e mulher (exemplo: andrógenos); Nem homem nem mulher (agêneros, neutros, sem gêneros) Entre dois ou mais gêneros (gênero fluido); Terceiro gênero ou outro gênero (inclusos aqueles que preferem gênero queer ou não-binários para descrever seus gêneros sem rotular-se); Sobreposição ou manchas de

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gênero e orientação e/ou sexo; Aqueles que brincam com o gênero, na apresentação ou não, que veem-se ou não como nãobinários ou tendo um gênero que é queer; essa categoria pode também incluir aqueles que são politicamente conscientes ou radicais na sua compreensão de ser do gênero queer (tradução minha) Vale salientar, contudo, que estas definições rompem com um princípio básico do movimento: o de esquivar-se de uma demasiada definição, limitação ou categorização do que viria a ser a representação da identidade queer. O que parece ser determinante à existência do indivíduo queer para Sedgwick (2007) é a experiência da vergonha. Para ele, seria ela o denominador comum do grupo e principal articulador em potencial de uma nova agenda política em prol das minorias. A palavra teve seu significado


refutado. Os queers apropriaramse do termo e subverteram-no com a irreverência necessária para lutar por suas demandas e contra as opressoras normas sociais vigentes. Passou a ser insígnia de orgulho e sinônimo de um movimento muito mais abrangente que procurava legitimização da diversidade social, de gênero, étnica e sexual. A repercussão foi tanta que o movimento advindo dos Estados Unidos inspirou pesquisas na academia. O conjunto de ideologias encontrou bases nos preceitos marxistas e feministas e foi batizado Teoria ou Estudos Queer. No campo das sexualidades, a nova denominação utilizaria a discursividade do sexo exposto por Michel Foucault, o método desconstrutivista de análise proposto por Jacques Derrida e pressupostos cunhados pela filósofa americana Judith Butler como performatividade do gênero e corpos abjetos para deslocar o foco das pesquisas científicas a fim

de dar visibilidade àqueles que nunca tiveram espaço nos debates científicos. Os estudiosos queers passaram a investigar a origem das normatividades sociais em vez de aceitá-las como verdades absolutas. Originário de um cruzamento dos Estudos Culturais estadunidenses com o pósestruturalismo francês, os Estudos Queers encontraram ressonância em outros campos do conhecimento além das Ciências Sociais, como a Antropologia, a Arquitetura e o Urbanismo, e a Geografia. Essa última disciplina foi a responsável pela inserção da dimensão espacial no âmbito queer. O interesse iniciou-se no movimento feminista. As estudiosas abordaram o espaço como uma estrutura criada pelo homem e para o homem, e aqui falamos de sexo e gênero e não como sinônimo de humanidade ou sociedade. Para elas a cidade foi conformada segundo cisão de papéis de gênero: aos homens o

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3 Sharon Needles, drag queen vencedora da quarta temporada do reality show Rupaul’s Drag Race. Disponível em <https://filthydreams. wordpress.com/2013/08/22/ capturing-the-beauty-in-queerpittsburgh-an-interview-withphotographer-caldwell-linker/> Acesso em maio 2017. 4 prvtdncr & bodega vendetta, Lucy, 2012, mídia mista em tela, 36” x 48”. Exibição Tilt-Shift na Galeria Luis De Jesus Los Angeles, EUA. Disponível em < http://www. huffingtonpost.com/noelalumit/queer-art_b_1283105. html> Acesso em maio 2017.

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carro, a rua, a indústria e o salário; às mulheres o fogão, a casa, os filhos e a subserviência. Este construto demonstrou mais tarde não só apresentar um viés sexista mas também heteronormativo, conformado na ideia de uma estrutura em que um homem deveria ter relações monogâmicas com uma mulher e que deveriam ter, fruto desta relação, uma prole. Essa observação liderou um novo tipo de estudos envolvendo espaço e sexualidades em que o cerne girava em torno dos atributos, distribuições, propriedades, símbolos, significados e tantos outros aspectos dos espaços excluídos da matriz heteronormativa. O espaço, seja ele público ou privado, tem um importante papel na vida da comunidade queer. Os bares, boates, saunas, livrarias, cafés, sex shops, cinemas pornôs, parques, banheiros públicos são ambientes historicamente decisivos na construção das identidades e sociabilidades queers. No campo


da arquitetura e do urbanismo podemos encontrar diversos autores que abordam a temática sob este ponto de vista. Na arquitetura, Aaron Betsky (1997) em sua obra Queer Space: Architecture and same sex desire analisa como a homossexualidade tem influenciado na concepção de uma nova arquitetura em resistência à cultura heterossexual compulsória. Na esfera urbana, dois anos depois, David Higgs (1999) lança Queer Sites: Gay Urban Histories since 1600 em que relata a história da comunidade gay de diferentes cidades ao redor do mundo e seus espaços de apropriação, que variam de parques à igreja, desde a idade moderna até a década de 1990. José Miguel Garcia Cortés (2008) chama áreas da cidade das quais a comunidade LGBT se apropria de “espaços queers”. Teixeira (2013) por sua vez, apoiado em Brown (2000), nomeia-os “armários da cidade”. Outra grande maioria de estudiosos, como o sociólogo urbano Manuel Castells (1983), utiliza o termo gueto para se referir à estes espaços de resistência. Todos eles, neste trabalho, têm significados muito próximos e podem ser entendidos como sinônimos. É nesse sentido que apresentamos estudos desenvolvidos em quatro cidades de contextos sociais, econômicos e culturais diferentes. O primeiro é icônico: um estudo desenvolvido por Manuel Castells (1983) para analisar os padrões de escolha de moradia da comunidade gay e suas implicações na cidade de São Francisco, a cidade mais liberal dos Estados Unidos e capital gay do mundo. Collins

(2004), com uma abordagem economicista, apresenta muitos aspectos espaciais inerentes ao Soho que podem ter sido determinantes para a apropriação da comunidade queer londrina. Os outros dois são nacionais. Puccinelli (2010) analisa a região da Rua Frei Caneca, no bairro de Cerqueira César, São Paulo, enquanto Jesus (2017) detalha e analisa a disposição de empreendimentos noturnos LGBT no Rio de Janeiro. A metropolitana Recife não ficaria de fora na produção de seus guetos, armários urbanos ou espaços queers. Os bairros da Boa Vista e da Soledade apresentamse como áreas prósperas à ocupação LGBT. Uma pesquisa direcionada à população LGBT da cidade do Recife realizada através da internet pelo autor corrobora sua posição de destaque no cenário queer. De 184 respondentes 76 (41,30%) citaram o bairro da Boa Vista, 4 (2,17%) responderam frequentar também a Soledade e outros 16 (8,70%) ainda se referiram ao centro da cidade para fins de sociabilidade ou flerte queer. Isso significa que mais da metade dos entrevistados reconhecem os bairros como territórios sexualizados. Juntos eles abarcam mais da metade das iniciativas queers da cidade, dentre eles dois são de relevância pela resiliência no mercado do entretenimento: as boates MKB (Meu Kaso Bar), inaugurada no ano 2000, e o Club Metrópole, em funcionamento desde 2002. Os dois estabelecimentos tornaramse referência na sociabilidade queer recifense e agora englobam uma série de outras iniciativas voltadas para o público LGBT,

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criando duas manchas de influência queer nos bairros. A mancha do Club Metrópole é mais robusta sendo composta por uma série de outros bares que tomam o espaço público, além de uma sauna nas proximidades. A mancha da MKB é mais tímida e compreende apenas outros dois empreendimentos nos seus arredores. Existem similaridades nas escolhas de ocupação queer com os exemplos expostos de São Francisco, Soho, São Paulo e Rio de Janeiro? Quais são as características de ambos os bairros, Boa Vista e Soledade, que foram decisivas na adoção de sua região como principal foco de sociabilidade LGBT do Recife? Quais atributos morfológicos urbanos que justifiquem sua apropriação? Quais são as características da dinâmica urbana de seus espaços de acolhimento? Por fim, quais são as estratégias morfológicas e de dinâmica urbanas adotadas pela comunidade LGBT em uma sociedade tão preconceituosa e machista como ainda é a da cidade do Recife? Essas são algumas perguntas que esperamos responder a partir da análise dos bairros da Boa Vista e da Soledade. Para encontrar essas respostas foram realizadas análises inspiradas nos exemplos expostos. A começar com a identificação de estabelecimentos com foco nesse público. Depois disso dividimos os estudos em três escalas: macro-escala, mesoescala e micro-escala. A primeira escala consiste em um olhar mais amplo, da relação dos dados socioeconômicos dos bairros da Boa Vista e da Soledade e dos da cidade do Recife. A segunda, a


meso-escala, volta a atenção para os bairros propriamente ditos a fim de investigar as características da dinâmica e morfologia das regiões das duas localidades das manchas no contexto local. Tanto para a macro-escala quanto para a meso-escala, foram utilizados os trabalhos desenvolvidos por Bruno Lima (2013) e Larissa Menezes (2015), além de dados do Instituto Pelópidas Silveira e do censo do IBGE (2010). Na micro-escala será investigada a

dinâmica da vizinhança imediata do interior das manchas. A Teoria da Lógica Social do Espaço perpassa as três escalas de análise através de sua ferramenta, a Sintaxe Espacial. Ela é capaz de gerar um modelo conceitual capaz de expressar relações de conteúdo social do padrão espacial ao mesmo tempo que revela o conteúdo espacial do padrão social. Espera-se através de sua abordagem identificar os padrões de movimento a fim de

traçar paralelos com as ocupações queers.

MACRO

Meso

micro 5 Diagrama das escalas de análise: Macro-escala, Meso-escala e Micro-escala.

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1 Os Estudos Queers

ca pí tu lo 01

7 6 Revolta de Stonewall no Greenwich Village em Nova York, 1969. Disponível em <http://www. newnownext.com/stonewall-inn-trump-nationalmonument/04/2017/> Acesso em maio 2017. 7 Trecho de reportagem do The New York Times daquela noite. 29 de junho de 1969. Disponível em <http://www.columbia.edu/cu/lweb/eresources/ exhibitions/sw25/case1.html> Acesso em maio 2017.

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Os Estudos Queers nasceram nos Estados Unidos na segunda metade do século XX em meio a um conturbado processo de lutas de movimentos sociais americanos: o movimento negro contra o racismo; a terceira onda do movimento feminista de instabilidade e representação política do sujeito mulher; e o movimento homossexual que se posicionava contra a definição médicolegal de homossexualidade como transtorno psiquiátrico e perigo social (MISKOLCI, 2012). A problemática homossexual ganhou visibilidade devido a três eventos decisivos na história gay americana: o avanço da epidemia da aids nos anos de 1980, o consequente descaso americano com a saúde pública e a rebelião de Stonewall. Estes três marcos, “além de patologizados, criminalizados e pecaminosos” (BENETTI, 2013, p. 17), transformaram os homossexuais em seres políticos. A rebelião consistiu em um ato de resistência gay e lésbica a uma batida policial em um bar que deu origem ao seu nome, o Stonewall Inn, localizado na Rua Christopher no bairro de Greenwich Village, Nova York. As rondas noturnas eram comuns no ano de 1969. Os policiais procuravam homossexuais dançando juntos, quem os servisse bebida alcoólica, drag queens e mulheres que apresentassem menos de três peças femininas no corpo. No dia 28 de junho do mesmo ano um grupo de policiais enfrentou uma multidão enfurecida de


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frequentadores da região após agredirem fisicamente uma lésbica apreendida que reclamava de suas algemas muito apertadas. O bar foi destruído, treze pessoas foram detidas e muitas outras ficaram feridas. O ocorrido se repetiu no dia seguinte em proporções ainda maiores. O bar é hoje considerado o “local de nascimento” do movimento gay moderno5. Miskolci (2012) conta que diferentemente do que procurava o movimento gay, liderado por um grupo classista majoritariamente formado por homens brancos, cisgêneros, homossexuais de classe média e alto grau de escolaridade, a luta do movimento queer norte americano reivindicava não apenas inserção e aceitação na sociedade mas, principalmente, subverter as convenções sociais, culturais e valores, tidos como invioláveis, de modo que a sociedade fosse a que sofresse a real mudança de estigmas. O autor completa afirmando que

5  Fonte: http://www.thestonewallinnnyc.com/StonewallInnNYC/HISTORY. html

o queer, portanto, não é uma defesa da homossexualidade, é a recusa dos valores morais e violentos que instituem e fazem valer a linha da abjeção, essa fronteira rígida entre os que são socialmente aceitos e os que são relegados à humilhação e ao desprezo coletivo (MISKOLCI, 2012, p. 25). Como bem resume Louro (2001) o movimento queer figura claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora (LOURO, 2001, p. 546) O movimento encontrou nos ideais marxistas de luta contra a hegemonia do capital um aliado para combater outros modi operandi de opressão. Porém, como é possível perceber, a discussão girava com menos força em torno das questões economicistas e mais nas questões raciais, de gênero, de identidade de gênero e, finalmente, sexualidade. Foi a fim de destacar os

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Estudos Queers dos Estudos Gays e Lésbicos que, na Califórnia, em 1991, a publicação do artigo da socióloga inglesa Mary McIntosh (1991) intitulado Queer Theory: Lesbian and Gay Sexualities, é cunhada a denominação Teoria Queer6. O conjunto de ideias ganha notoriedade na academia - em outras áreas senão a Medicina, Biologia e a Psicanálise - com a identificação de publicações de outros autores interessados na temática, como os livros Entre homens: Literatura inglesa e o desejo do homem homossocial (1985) de David M. Halperin; Problemas de gênero: Feminino, Subversão da identidade (1990) de Judith Butler - publicação de suma importância para os Estudos Queers a qual iremos retomar mais adiante neste trabalho - e Cem anos de homossexualidade (1985) e A epistemologia do armário (1991) ambos de Eve Kosofsky Sedgwick (BENETTI, 2013). Nos anos 2000, é realizada a primeira publicação latina à respeito do tema: o Manifesto contrassexual (2002) do espanhol Paul B. Preciado. Mas afinal de contas, do que necessariamente a Teoria Queer trata? Para melhor entender o que é a Teoria Queer é importante deixar claro que nela os conceitos de sexo, gênero e sexualidade apresentam divergências. Fernando Benetti (2013) diz que [...]para pensar uma Teoria Queer, é necessário compreender que sexo, gênero e sexualidade são conceitos diferentes, construídos de maneiras diferentes durante o curso da história, e que sua pluralidade é 6  Alguns anos depois a criadora do termo renunciou-o por considerá-lo conceitualmente vazio (GARCIA e MIRANDA, 2012).


8 Revolta de Stonewall Inn no Greenwich Village em Nova York. 28 de junho de 1969. Disponível em <http://www. huffingtonpost. com/fandor/ myth-thing-whatewall_b_8186480. html> Acesso em maio 2017. 9 Protesto contra a opressão das rondas policiais em Nova York. Disponível em <http://gbmnews. com/wp/ archives/8638> Acesso em maio 2017.

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possível. O sexo se identificaria com o binômio “homem” e “mulher”; gênero com “masculino” e “feminino”; e sexualidade com “heterossexualidade” e “homossexualidade” (BENETTI, 2013, p. 11) Criada por feministas7, a Teoria Queer postula que as características atribuídas à feminino e ao masculino podem ser encontradas tanto em homens quanto em mulheres. Características estas que transfiguraram-se de diferentes formas levando em consideração o contexto temporal e societal no qual estamos inseridos. Do ponto de vista do arcabouço teórico e métodos a Teoria Queer recebeu influência direta da junção entre a Filosofia e Estudos Culturais na América do Norte com o Pós-estruturalismo francês (MISKOLCI, 2009). O movimento Queer nos 7  Essa aproximação entre feministas e homossexuais numa luta liberacionista foi permitida graças a um sentimento de empatia entre mulheres e gays/lésbicas, oprimidos por homens e heterossexuais, respectivamente (BENETTI, 2013, p. 17)

Estados Unidos teve sua origem em lutas sociais. Foi somente a partir do movimento emergente no Reino Unido e nos Estados Unidos entre as décadas de 1970 e 1980, os Estudos Subalternos (uma vertente dos Estudos Culturais compostos pelos Estudos Pós-Coloniais assim como a própria Teoria Queer), que tais questões foram absorvidas por acadêmicos. Eles refutavam a hierarquização da cultura erudita em detrimento da cultura popular, advinda de movimentos sociais. Afiliados ao marxismo, os Estudos Subalternos serviram como plataforma de lutas por demandas de grupos sociais como a classe operária, por exemplo. Uniramse ao coro a posteriori mulheres, estrangeiros, afro-descendentes, e homossexuais (MISKOLCI, 2009). O filósofo Michel Foucault foi um dos maiores influenciadores da Teoria Queer da maneira como se tem conhecimento hoje. Em História da Sexualidade I: A Vontade de Saber, publicado em 1976, o francês denuncia que

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no século XIX, em contraponto à liberdade do início do século XVII, a sexualidade foi “cuidadosamente encerrada”, “mudou-se para dentro de casa”, foi transformada “inteiramente, na seriedade da função de reproduzir” (FOUCAULT, 1999, p. 9). Conta também que o único espaço onde tornou-se permissível a prática sexual era dentro de casa, mais especificamente no quarto dos pais. As outras formas de sexo foram transferidas ao manicômio e ao rendez-vous. Com esse estudo, Foucault aponta a disciplinarização dos corpos através da discursividade do sexo. É a partir deste momento que a Teoria Queer indica que o modelo sexual mulher-homem foi tido como referencial na sociedade, criando assim o sujeito homossexual. Baseado nesse contexto, Michael Warner cunha o termo heteronormatividade em 1981. Benetti (2013, p. 21) explica-o como sendo a organização social, relacional e psicológica que parte do princípio


de que todos são ou deveriam ser heterossexuais (BENETTI, 2013, p. 21) que se faz imposta graças a este demasiado discurso e vontade de conhecer, catalogar e classificar os sexos que tanto nos conta Foucault. Ou ainda como coloca Miskolci (2009) é um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela não se refere apenas aos sujeitos legítimos e normalizados, mas é uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e “natural” da heterossexualidade (MISKOLCI, 2009, p. 3) Suas prescrições envolveriam a adoção de uma conduta monogâmica, patriarcal, biparental e unifamiliar, com rígidos papéis de gênero e dicotomia masculino/feminino (TEIXEIRA, 2013, p. 14) Por sua vez, o pósestruturalismo francês consiste em um movimento filosófico de ruptura com o estruturalismo, apesar de continuarem possuindo postulados em comum. Surgido na segunda metade do século XX, os pós-estruturalistas8 creem na relevância da exceção, do limite, do diferente. Não por compreenderem seus fenômenos como algo extraordinário mas pela percepção de que são produtos de uma normatização 8  Jacques Derrida, Michel Foucault, Gilles Deleuze são alguns dos pós-estruturalistas mais conhecidos.

constituída e portanto pertencentes ao próprio sistema (WILLIAMS, 2012). Dentro desta corrente destacam-se, para a Teoria Queer, os pensamentos do filósofo franco-argelino Jacques Derrida. Derrida inicia sua jornada filosófica na década de 1960 e foca sua discussão na linguagem ampliando a visão das teorias estruturalistas. As contribuições do francês para a discussão queer encontram-se em sua publicação Gramatologia (1967) em que o autor introduz os conceitos de suplementariedade ou différance9 e faz uso da análise estratégica desconstrutivista. Para se ter uma noção de suplementariedade ou différance derridiana é necessário compreender primeiro que o franco-argelino torce a noção binária significado/significante do filósofo suíço Ferdinand de Saussure. Saussure afirma inexistência da conciliação natural de determinada coisa e seu nome, concordando com Hermógenes e rejeitando a ideia de Crátilo no diálogo platônico Crátilo10. Ou seja, em Saussure, o signo é o responsável por fazer a ligação arbitrária entre 9  Différance é um neologismo criado pelo autor através da substituição da segunda vogal e da palavra francesa différence que significa diferença, em tradução livre. Derrida cria essa situação para provar seu ponto em afirmar a soberania da fala sobre a escrita (RODRIGUES, 2012). 10  Crátilo é escrito por Platão e consiste em um diálogo entre Sócrates, Hermógenes e Crátilo em que os filósofos debatiam sobre “a justeza dos nomes”, ou seja, a origem primeira dos nomes das coisas. Hermógenes defendia o conceito de pacto e convenção enquanto Crátilo acreditava na adequação natural dos nomes às coisas. Ao final do debate Sócrates escolhe a teoria de Crátilo e rejeita a de Hermógenes (RODRIGUES, 2012). INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 24

significado e significante, como é possível observar nos binarismos presentes na língua (cheio/vazio, presença/ausência, masculino/ feminino, heterossexualidade/ homossexualidade, etc). Desse modo, Derrida não consegue identificar, afinal, uma diferença entre significado e significante. Para ele, a compreensão de um significante é apenas possível quando já existem significantes anteriores e posteriores sendo o significado exatamente aquilo o que é extraído dessa gama de significantes em um infinito “jogo de referências” (RODRIGUES, 2012). Esse ininterrupto processo de diferenciação em que um conceito depende do outro para existir, de forma relacional, sem que haja uma diferença primeira, original ou hierárquica, é o que Derrida denomina différance ou, como alternativa aportuguesada, suplementariedade. Para se realizar o método de análise desconstrutivo proposto por Derrida bastaria, portanto, percorrer um caminho de interpretação inverso aos moldes tradicionais: apreender o contexto no texto, desviando os sentidos a fim de compreender as relações de interdependência existentes no discurso (LUGARINHO, 2001). Com auxílio do termo grego pharmakós o franco-argelino debateu noções de relativização nas análises literárias. O significado da palavra tanto pode significar veneno como antídoto, a depender do contexto empregado. Em outras palavras, desconstruir é evidenciar, subverter, questionar esse jogo de referências com o propósito de desestabilizar a lógica binária na qual estamos sempre fadados a cair. Demonstrando que uma ideia depende da outra para


sua existência e que dentro de cada uma delas ainda é possível identificar inúmeros outros pólos (LOURO, 2001; MISKOLCI, 2009). A partir dessas observações, Derrida sugere o desmonte ou a desconstrução da ideia de significado. Em seu lugar deveria ser adotada a noção “movimento de significação”. Esta conclusão é de suma importância para a Teoria Queer como poderemos ver mais adiante em Butler (2003). Apoiando-se na ideia de différance, no método desconstrutivista dos pósestruturalistas aplicando-o na análise social e, finalmente, recorrendo à discursividade extrema do sexo segundo Foucault, Judith Butler produz um dos mais profícuos Estudos Queers. A filósofa americana postula importantes noções para desmontar a supremacia heterossexual na sociedade contemporânea, como os conceitos de performatividade do gênero e corpo abjeto. O pilar fundacional da teoria feminista acredita que o gênero é fruto de uma construção sociocultural e em que o sexo é um aspecto biológico ou natural (RODRIGUES, 2005). Butler, no entanto, fundamentada na análise desconstrutivista, critica essa crença e remonta o binômio gênero/sexo. Para a filósofa, se o fim do sexo é a biologia e o do gênero a cultura, eles em nada se diferenciariam, assim como no caso significado/ significante derridiano. Logo em seu prefácio para Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade, Butler questiona se “ser mulher constituiria um ‘fato natural’ ou uma performance cultural” (BUTLER, 2003, p.

8). Partindo da célebre frase de Simone de Beauvoir “ninguém nasce mulher, torna-se uma”, a crítica de Butler encontra espaço à medida em que a americana entende que o sujeito mulher não nasce, necessariamente, fêmea. Para Butler “corpos carregam discursos” (BUTLER, 2002) e, portanto, ambas as características, masculinas e femininas, são construídas culturalmente à medida que convivemos em sociedade obedecendo às configurações já pressupostas de sexo e gênero - em sua esmagadora maioria: meninos devem ser masculinos e gostarem de vagina e meninas devem ser femininas e sentirem-se atraídas por pênis. A estas configurações repetidamente articuladas, como afirmou Foucault, que exercem um poder contínuo de produzir aquilo que o nomeia e, sendo assim, repetem e reiteram, constantemente, as normas de gênero na ótica heterossexual (LOURO, 2001, p. 548) Butler chama performatividade de gênero, desconstruindo uma noção de identidade de mulher delimitada pelo movimento feminista. A necessidade do processo de ratificação imposta continuadamente dessas normas de gênero denuncia a fragilidade na completude da materialização do sexo (LOURO, 2000). Na verdade, apesar do esforço em criar uma compulsoriedade heterossexual, alguns sujeitos, ou corpos, a como a filósofa americana Judith Butler se refere, não se encaixam nos padrões estabelecidos. Estes indivíduos são de especial interesse aos Estudos Queers por escaparem INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 25

à regra a ponto de perturbarem a ordem e a estabilidade sociais. Estes corpos, cujas vidas não importam, Butler denomina corpos abjetos11. Este regime ditatório sexual e de gênero garante a manutenção da desigualdade, assegura privilégios àqueles que preenchem os requisitos e exclui, escanteia e marginaliza os que não se encaixam nas normas. Por volta dos anos 1990, os Estudos Queers passaram não mais ocupar-se na dissecação ou desconstrução apenas das sexualidades, tampouco estão intimamente conectados aos Estudos Gays e Lésbicos (MISKOLCI, 2014). Eles procuram, através das reflexões demonstradas abalar ou desconstruir quaisquer soberanias tidas como último modelo político-social. Gough et al (2011) confirmam este pensamento ao afirmar que os Estudos Queers em vez de uma ordem de cima para baixo, em que fantasias de dominação e poder estão à espreita, sugerem um movimento diferente, o qual privilegia a pequenez e a invisibilidade (GOUGH et al, 2011, p. 245) Segundo os autores, Charles Darwin teria escrito, em nota de rodapé em uma de suas publicações, que jamais deveriam ser utilizadas as expressões superior ou inferior a fim de evitar uma hierarquização que 11  A ideia de abjeção foi cunhada por Julia Kristeva em 1982. A autora entendia por abjeção fobia daquilo que não se pode nomear ou conferir um significado. Para os Estudos Queers, portanto, os corpos abjetos são aqueles que não conseguem se encaixar nos padrões de gênero e sexualidade da sociedade nos quais estão inseridos (BENETTI, 2013).


justificasse primazia de um ou outro ser vivo. As discussões queers trazem essa noção de Darwin para dentro da espécie Homo Sapiens Sapiens com o propósito de encontrar legitimidade na diversidade. 1.1 Estudos Queers no Brasil No Brasil, as questões políticas das sexualidades ganham coro com o surgimento do Movimento de Libertação Sexual na segunda metade da década de 1970. Dentre tantos outros envolvidos, o Movimento Homossexual no Brasil contou com a participação de intelectuais exilados no período da ditadura. Eles acabaram por trazer experiências internacionais, não apenas queers mas também de outras discussões contemporâneas em curso naquele momento inspirados nos debates que aconteciam nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Como é o caso dos Estudos Culturais. As referências podiam ser encontradas na publicidade e nas artes. Principalmente nos grupos de teatro (LOURO, 2001). Os mais conhecidos são os Dzi Croquettes (fig. 10) no Rio de Janeiro e o pernambucano Vivencial Diversiones (fig. 11), ambos retratados no cinema, o primeiro de mesmo nome do grupo (2010) com direção de Raphael Alvarez e Tatiana Issa e o segundo sob o título de Tatuagem (2013), dirigido e escrito por Hilton Lacerda. Nesta mesma época aparecem veículos impressos focados neste tema, como o carioca O Lampião da Esquina. Também são promovidas reuniões militantes aos moldes americanos, como o Somos: Grupo de Afirmação Homossexual formado no fim da ditadura militar, em 1979 em São Paulo. Ambos criados para difundir informação e constituir

uma base social militante (MATOS, 2015). Apesar dessa expressão popular, Miskolci (2011) revela que foi mesmo a academia a principal porta de entrada das discussões queers no Brasil, realizando exatamente o caminho contrário dos Estados Unidos onde encontrou ascensão a partir de movimentos sociais. Em 1959, é realizada a defesa de dissertação de José Fábio Barbosa sob o título de Aspectos Sociológicos do Homossexualismo em São Paulo, primeiro registro acerca do tema. Ainda que nove anos adiantado, foi o artigo da britânica Mary McIntosh, The Homossexual Role, de 1968, tido como o pioneiro a enxergar a homossexualidade do ponto de vista social e não biológico (MISKOLCI, 2014). A leitura das obras no âmbito do gênero e da sexualidade da americana Judith Butler, no final do século XX, parece ter sido imprescindível para sua 10

10 Grupo teatral carioca Dzi Croquettes. Disponível em <http://www. satisfeitayolanda.com. br/blog/ tag/dzi-croquettes/> Acesso em maio 2017.

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11 Grupo teatral recifense Vivencial Diversiones. Disponível em <http:// henriquecelibi. blogspot.com. br/2013/04/blogpost.html> Acesso em maio 2017.

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incorporação no Brasil. Guacira Lopes Louro inaugura o tema no país com a publicação do seu artigo Teoria Queer: Uma política pós-identitária para a educação em 2001 na Revista Estudos Feministas, a partir do qual seguiram-se importantes autores aqui citados como Larissa Pelúcio e Richard Miskolci. Existe, entretanto, um debate em curso no país à respeito da importação dos Estudos Queers e se haveria uma tradução adequada do termo que possa refletir o contexto nacional e problematizando se esse conhecimento se trataria mais uma vez de uma construção teórica das centralidades para a periferia (PELÚCIO, 2014; PEREIRA, 2012). Em terras tupiniquins a Teoria Queer se junta à novas frentes políticas, além da sexual de luta pelo casamento igualitário e adoção. Aqui, os cruzamentos se dão de maneiras mais complexas devido ao diverso cenário social,

político, econômico e cultural. Pereira (2012) escancara essa relativização ao dissecar a realidade de travestis brasileiras adeptas das religiões de matriz africana na cidade gaúcha de Santa Maria. Ele percebe inúmeras nuances relacionadas ao ato político queer e à religião a que aderiram. Entre elas a construção de novas gramáticas uma vez que as travestis, que performatizam como mulheres, podem ser instituídas pais de santo, contrariando qualquer construção da heterossexualidade compulsória. Através da observação deste e de outros arranjos sociais o autor apela para uma conscientização de se levar em consideração aspectos locais nos Estudos Queers brasileiros e não apenas aplicar o conhecimento que se chega alheio às peculiaridades tropicais. O termo queer também é alvo de críticas por muitos teóricos nacionais. Alguns estudiosos

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utilizam “cuir” ou “cuier” a fim de nacionalizar a escrita da expressão sem perder as características fonéticas da língua de origem. No entanto, para muitos outros, isso não é suficiente. É importante atentar para o fato de que, mesmo com essa tentativa, a palavra não gera nos lusófonos o incômodo que causa nos anglófonos. O desconforto que o termo causa em países de língua inglesa se dissolve aqui na maciez das vogais que nós brasileiros insistimos em colocar por toda parte (PELÚCIO, 2014, p. 4). Queer não estar sendo traduzido neste trabalho, portanto, se deve ao fato de que não existe, até o momento, na língua portuguesa, uma palavra tão depreciativa quanto queer o é para o inglês (LUGARINHO apud BENETTI, 2013, p. 20).


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ca pí tu lo 02 2 Espaço

12 Foliões no espaço público no Carnaval do Recife.. Disponível em <https:// upload.wikimedia. org/wikipedia/ commons/0/04/ Recife_Carnival_-_ Recife%2C_ Pernambuco%2C_ Brazil.jpg> Acesso em maio 2017.

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Muitas são as áreas do conhecimento que abrangem essa temática e ocupam-se em definí-la e, apesar de ser este um trabalho fundamentado no âmbito da Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, cabe admitir que muito se foi emprestado da Geografia, das Ciências Sociais e da Antropologia, constituindo assim numa construção multidisciplinar. Para ambientar-se nas discussões propostas a seguir e a fim de evitar quaisquer enganos epistemológicos à respeito do tema, cabe conceituar a definição de espaço com que trabalhamos


e assim nortear o leitor para o objetivo deste trabalho. Leitão e Lacerda (2016) dissertam sobre o percalço do espaço como objeto de estudo distinguindo seus conceitos geográficos dos da arquitetura. Para as autoras é evidente que os geógrafos se debruçam sobre o seu objeto de estudo – o espaço – de modo analítico (interpretativo e crítico), mas não projetado (LEITÃO & LACERDA, 2016, p. 809) cujo ofício é competência do arquiteto, urbanista e paisagista. A Geografia nasce como uma arte para descrever os aspectos físicos que compõem o planeta Terra. O termo vem da junção de dois radicais gregos: geo que significa terra e graphein que quer dizer descrever. No final do século XIX foi cunhada como ciência e institucionalizada nas universidades europeias. O debate crítico de espaço só foi ampliado no seu âmbito tardiamente, no final do século XX. É apenas na década de 1970 que ressurge como protagonista das discussões ao integrar o método de análise marxista e a rejeição historicista, o que acabou por originar a Geografia Crítica. Neste novo período foram fortemente utilizados os discursos de Henri Lefebvre em sua obra A produção do Espaço (1974), que, apesar do foco de sua teoria não ser o espaço em si nem sobre a disposição de artefatos arquitetônicos nele e sim nas relações existentes entre as forças atuantes na sua construção, principalmente as sociais e as do capital, muito acrescentou às discussões relacionadas com a arquitetura, urbanismo e paisagismo ao adicionar essas

dimensões ao seu objeto de interesse: o ambiente construído. O filósofo e sociólogo marxista francês admite ser o espaço um produto e um produtor social e, portanto, capaz de ser apreendido através de análises de base histórica-contextual, de conflitos e de relações de poder. Para ele à sua maneira produtivo e produtor, o espaço (mal ou bem organizado) entra nas relações de produção e nas forças produtivas [...] Ele se dialetiza: produto-produtor, suporte de relações econômicas e sociais (LEFEBVRE, 2000, p. 5). Tendo em vista os conflitos sociais existentes na construção da cidade, quem são os vencedores na corrida da produção do espaço urbano? Quais são os atores que o fabricam e quais suas demandas? Para David Harvey (2012) a resposta para essas perguntas está no modo de produção capitalista: os que mais retém capital são os que influenciam na conformação da cidade. Segundo o autor a urbanização sempre foi um fenômeno de classe, já que o excedente é extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o controle sobre sua distribuição repousa em umas poucas mãos (HARVEY, 2012, p. 74). Estas declarações são extremamente relevantes para a construção das retóricas de muitas teorias urbanas e estudos envolvendo espaço e gênero e, consequentemente, espaço e sexualidade, cerne de análise deste trabalho como poderemos ver mais adiante nas próximas subseções deste capítulo. Na arquitetura, a noção de espaço como elemento fundamental foi INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 30

introduzida recentemente, na ocasião do movimento da Arquitetura Moderna (AMORIM, LOUREIRO & NASCIMENTO, 2007). Forty (2000 apud AMORIM, LOUREIRO & NASCIMENTO, 2007) sugere que a palavra espaço começou a ser utilizada na Arquitetura somente no final do século XIX e que, segundo ele, pode ser compreendido de duas maneiras. A primeira deriva da noção de que a gênese da arquitetura deu-se do impulso humano da delimitação espacial, desenvolvida pelo arquiteto e teórico Gottfried Semper. Para Semper os componentes materiais empregados na construção dessa demarcação viriam em segundo plano. Esse ato transformaria o espaço na primazia arquitetônica. A segunda, de Immanuel Kant e sua Critic of pure reason, vem da compreensão de que a concepção de espaço é intuitiva e exclusivamente humana. Ele o enxerga como um receptáculo de artefatos que devem estar dispostos em algum lugar de alguma maneira. Apesar de todo o saber emprestado por outros campos do conhecimento, o espaço que aqui nos interessa é o espaço criado pela sociedade para a sociedade. Mais especificamente os espaços da cidade. São eles o palco, a cena das práticas sociais dos seres urbanos. São os artefatos e suas composições que dão, paradoxalmente, materialidade ao vazio, que é, ao mesmo tempo, espaço exterior e interior. Exterior à arquitetura e interior à cidade, por isso mesmo, pertencente ao ofício do arquiteto, urbanista e paisagista, como bem lembra Bruno Zevi


(1979) ao escrever [...] a “distinção” entre o “espaço interno” próprio da arquitetura e o “espaço exterior” que define a urbanística é justificada só num ponto de vista didático, pois o vazio de uma praça ou de uma estrada, exterior em relação aos edifícios que o ladeiam, é interior em relação à cidade. [E mais:] Os métodos que caracterizam [o projeto de] uma praça ou uma rua não são diferentes daqueles que se usam para definir as salas, as galerias, os pórticos ou os pátios de um salão. (ZEVI, 1979, p. 72-73 apud LEITÃO & LACERDA, 2016, p. 814) É importante notar, no entanto, que a noção de espaço no contexto da sintaxe espacial, ferramenta proveniente da Teoria da Lógica Social do Espaço da qual fazemos uso nas análises, é distinta. Para ela o espaço carrega consigo atributos morfológicos responsáveis pelos padrões de encontro e esquivança. Uma análise da configuração espacial poderia ser capaz de desmistificar a influência da organização espacial sobre a vida

social, e de encontrar estruturas tanto no espaço urbano quanto no arquitetônico e evidenciar a continuidade dessas escalas (NETTO, 2013). A Sintaxe Espacial goza de um capítulo à parte neste trabalho onde lá suas definições serão mais aprofundadas. 2.1 Espaço e gênero O espaço, como visto, é um campo de estudo multidisciplinar e sua interseccionalidade com as questões de gênero não é tão nova quanto aparenta. A primeira disciplina a refletir à respeito da relação existente entre as problemáticas envolvendo gênero e espaço foi a Geografia a partir do surgimento da Geografia Feminista, muito embora sob a ótica de suas especificidades teórico-metodológicas. Até a década de 1980 as pesquisas na área da Geografia Humana excluíam de seus estudos metade da população do planeta (ORNAT, 2008). A urgência da Geografia Feminista deu-se no momento da segunda

onda do movimento feminista de luta contra a opressão masculina e a favor de igualdade civil e direitos como educação, trabalho formal e voto. Ela nasceu com o objetivo de compreender de que maneira a figura feminina é incorporada frente às estruturas hegemônicas sócio-espaciais ao mesmo tempo em que procura dar visibilidade às problemáticas enfrentadas pelas mulheres, tanto renegadas pela ciência graças à dominação masculina do saber. Foi neste contexto que, em 1980, foi fundado o Women and Geography Study Group do Instituto de Geógrafos Britânicos. O grupo divide os estudos da nova disciplina em quatro grandes áreas: modificações na estrutura urbana, acessibilidade aos serviços, afinidades entre mulheres e desenvolvimento e, finalmente, geografia econômica e gênero (BORGHI, 2015). Quatro anos depois de seu surgimento foi publicado o livro Geography and Gender: An introduction to Feminist Geography que viria a legitimar a Geografia

12 Americana é assediada por homens no espaço público na Itália. Foto de Ruth Orkin, 1951. Disponível em <http://cristinamingot. com/2009/03/02/ruthorkin-american-girl-initaly/> Acesso em maio 2017.

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Feminista como ciência. O cerne da disciplina que emergia estaria na percepção da divisão sexual do trabalho dentro da sociedade ocidental em sua visão de polarização de mundo entre masculino e feminino, com a finalidade de tecer uma crítica ao sexismo vigente. A segregação dos papéis sociais de homens e mulheres foi fortemente delineado no período da Revolução Industrial inglesa e no avanço do modo de produção capitalista, apontada pela arquiteta feminista Dolores Hayden em um de seus mais célebres artigos intitulado What would a non-sexist city be like:

Speculations on housing, urban design, and human work (1980). Enquanto aos homens ficavam os encargos da produção econômica, exercendo o papel de provedor do lar, às mulheres restavam as responsabilidades do domicílio e o dever dos cuidados com a prole. A casa então passou a ser o centro da vida social e o trabalho da mulher, além de não remunerado, inferiorizado. Essa condição separatista foi ratificada pelo movimento urbanista moderno. Ao dividir a cidade em habitar, trabalhar, circular e recrear os urbanistas racionalistas delimitam o espaço da mulher ao domínio privado,

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aqui entendido como os típicos subúrbios norte-americanos, transformando a casa no “lugar da mulher”. O novo modo de vida alterou as perspectivas econômicas e políticas americanas (HARVEY, 2012). Morar nos subúrbios demandava mais dispêndios na medida em que foram introduzidos novos eletrodomésticos e elevado o consumo de combustível. Além disso, o american dream da casa própria potencializou o individualismo da população e a defesa da propriedade privada. Isso transformou os subúrbios americanos nas áreas com a maior quantidade de votos republicanos,


partido conservador dos Estados Unidos da América. Bill Hillier e Julienne Hanson (1984), no desenvolvimento da Teoria da Lógica Social do Espaço, também reconhecem o subúrbio como caracterizado por valores que são mais fortemente realizados na manutenção de uma ordem categórica específica no interior doméstico (HILLIER & HANSON, 1984, p.20, tradução minha). Bondi (1992), geógrafa feminista que faz uma leitura semiótica da arquitetura através dos símbolos de masculinidade

e feminilidade dos quais os edifícios, diz a autora, estão impregnados, corrobora essa afirmativa ao entender que é possível realizar a interpretação do contexto urbano como um produto cultural de um meio social. Para ela [...] o subúrbio ressoa com suposições sobre a beneficência da vida familiar nuclear, papéis de gênero complementares e heterossexualidade. [...] esses códigos interpretam diferenças de gênero como naturais e assim universalizam e legitimam uma versão particular de diferenciação de gênero e sexualidade (BONDI, 1992, p. 160, tradução e grifos meus) Esta seção nas funções da vida cotidiana a partir do gênero no interior de uma família considerada “tradicional” (homem/marido, mulher/ esposa e filhos) acabou por refletir na construção de um contexto urbano de domínio público voltado para aqueles que nele mais circulam, os homens. O filósofo, antropólogo e sociólogo Pierre Bourdieu (2011) compreende a hegemonia masculina nos espaços urbanos ao acrescentar que no próprio objeto que nos esforçamos por apreender [o espaço], incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina; arriscamo-nos, pois, a recorrer, para pensar a dominação masculina, a modos de pensamento que são eles próprios produto da dominação (BOURDIEU, 2011, p.13)

12 Típico subúrbio norte americano. Disponível em <http://www.wikiwand.com/pt/ Sub%C3%BArbio> Acesso em maio 2017.

Apesar dos estudiosos da área alcançarem muitos pontos em comum em seus pensamentos,

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podemos encontrar algumas considerações realizadas à respeito dos métodos adotados pela Geografia Clássica no que diz respeito à falta de inclusão da perspectiva feminina. A Geografia Feminista não reconhece dentro das metodologias aplicadas pela disciplina clássica na elaboração do conhecimento científico, até meados do século XX, a relevância da mulher na produção espacial. Em primeira instância é preciso considerar que os homens eram os sujeitos que fabricavam a ciência, uma vez que às mulheres era negado o direito da educação formal. Esse fato cooperou para a construção de visão de mundo da versão de um ser homogêneo tido como sujeito universal, que se mantém alheio às questões contemporâneas a si mesmo, sem levar em conta aspectos tais como etnia, classe, gênero e sexualidade. Em segundo lugar, a insistência em atingir uma imparcialidade tomando como premissas as análises de características tangíveis do espaço, a afeição por informações quantitativas e aos arquivos oficiais, além de focar nas problemáticas masculinas, desprezam a participação das mulheres na construção do espaço (SILVA, 2003). Assim sendo, novos métodos precisariam ser apontados para que a interface feminina fosse acrescentada ao universo investigativo. Silva (2003) diz que é necessário voltar a atenção para o cotidiano, ao que considera micro-social e aos grupos marginalizados. Para a autora, os grupos e atores sociais tendem a atribuir significados distintos para espaços distintos em diferentes períodos de tempo.


É no dia a dia também em que ficam nítidas as discrepâncias socioeconômicas e espaciais entre homens e mulheres, posto que são as práticas rotineiras que reforçam os hábitos e garantem a manutenção das desigualdades de gênero (SILVA, 1998). No Brasil, Ornat e Silva (2007), por exemplo, observaram os destinos, frequência e razão dos deslocamentos intra-urbanos de dois grupos de homens e mulheres chefes de família com mesma situação sócio-econômica provenientes de bairros diferentes da cidade de Ponta Grossa, no estado do Paraná. O estudo demonstrou que as famílias apresentavam padrões de deslocamentos similares não fosse pelo fator sexo biológico. Os pesquisadores perceberam que os homens percorriam distâncias maiores em grandes quantidades ao passo que as mulheres realizavam viagens curtas em números reduzidos. Estes dados, aliados à entrevistas, permitiram chegar à conclusão de que esse paradigma estava relacionado ao fato de que os homens realizavam deslocamentos pendulares para o trabalho à medida que as mulheres ocupavam-se dos afazeres domésticos tais como realizar compras, pagar contas, levar e buscar os filhos na escola ou médico. Este estudo, acompanhando a rotina das famílias observadas, revela as diferenças espaciais do gênero: aos homens o domínio público, as rodovias, a cidade e às mulheres o íntimo, as ruas adjacentes à casa e a família. Existem autores que não distinguem os estudos feministas dos estudos de gênero, eles acreditam que ambas as nomenclaturas designam uma

mesma base teórica. Borghi (2015), no entanto, diferencia as duas vertentes pela primeira ser uma incorporação das “contribuições teóricas do feminismo para a explicação e para a interpretação dos fatos [geográficos]” e a segunda se articula a partir de uma “análise mais estruturada das relações de gênero como construção social e aos seus efeitos no espaço” entendendo suas desigualdades como “fenômenos ligados às lógicas de poder” (BORGHI, 2015, p. 135). Os estudiosos das questões de gênero em todos os campos do conhecimento, inclusive dos da Arquitetura e Urbanismo, preocupam-se majoritariamente com os grupos sociais que foram por tanto tempo excluídos e invisibilizados pela sociedade e pelas pesquisas acadêmicas. Eles abrangem temas como gênero e o mercado de trabalho formal ou informal, educação e gênero, espaço urbano e gênero e espaço e sexualidades. 2.2 Espaço e sexualidade Alguns indivíduos por não se sentirem inteiramente satisfeitos com as imposições da sociedade heteronormativa capitalista aqui dissertadas até o momento acabam por subverter a normatividade da máquina social. Os corpos abjetos, como já vimos, por não serem reconhecidos no arquétipo de gêneros e sexualidades, formulam seus próprios códigos de linguagem, comportamento, vestuário e, consequentemente, ocupam, apropriam-se e criam seus próprios espaços. Reconhecendo a espacialidade diferenciada das sexualidades e

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dos gêneros dissidentes foi que, a partir do tangenciamento com os estudos de gênero, nasceu o interesse pela interseccionalidade existente entre espaço e sexualidade. A Geografia, assim como a Antropologia, Filosofia e as Ciências Sociais, muito contribuiu para a construção do conhecimento das imbricações existentes entre o espaço e sexualidade, constituindo-se assim, mais uma vez, em uma estrutura multidisciplinar. A Geografia das Sexualidades, por exemplo, é um campo disciplinar que cresce no final da década de 1970 com a publicação de inúmeros trabalhos sobre mapeamento de corpos dissidentes nas cidades (TEIXEIRA,2013). Binnie e Valentine (1999 apud ORNAT, 2008) expõem dados levantados de trabalhos publicados sobre a temática. Segundo os pesquisadores, das publicações datadas entre 1978 e 1997 mais de 85% foram da década de 90, sendo a principal abordagem de seus conteúdos as desigualdades urbanas e rurais, e geografias da cidadania e urbana. Mapping Desire: Geographies of Sexuality é considerado o precursor da disciplina da Geografia das Sexualidades. No compêndio de textos os autores David Bell e Gill Valentine (1995) exploram as perspectivas teóricas e empíricas dos espaços de diferentes partes do mundo como produtos e produtores de sexualidades, não só da ótica da Geografia mas também de outros campos do conhecimento. Os geógrafos começaram a discutir, dados os seus contextos epistemológicos, a impossibilidade de compreender as relações entre os desejos sexuais e a criação de


13 Lésbicas motociclistas no Castro, Estados Unidos, 1985. Disponível em:<http://www. featureshoot. com/2014/03/ thomasalleman/> Acesso em jun 2017.

subjetividades sem acrescentar as dimensões espaciais nos quais se dão seus exercícios, uma vez que são os espaços um fabrico de conflitos, requisitos e normatividades sexuais. É com a convergência da Geografia das Sexualidades e Teoria Queer que os vínculos entre espaço e sexualidades dissidentes são abordados amplamente, apurando os modos adotados para controlar e disciplinar os corpos abjetos. Utilizando-se da premissa criada por Judith Butler, a da performatividade do gênero, os geógrafos das sexualidades passaram a admitir a performatividade em sua extensão física, afirmando que não só os gêneros são performativos mas também os são os espaços. Isso se daria através de práticas corporais que acabam por selar significados, comportamentos e identidades a determinado espaço, ou seja: determinados espaços não

existem por si só, requerendo determinadas performances para poderem vir à tona (TEIXEIRA, 2013, p. 14). O filósofo com doutorado em arquitetura pela Universidade de Princeton Paul Beatriz Preciado afirma que [...] a arquitetura não pode ser a expressão de uma ordem natural e sexual preestabelecida, mas, pelo contrário, essa ordem sexual se produz performativamente através da repetição de convenções arquitetônicas: criando marcos de visibilidade, permitindo ou negando acesso, distribuindo espaços, criando segmentações entre público e privado (PRECIADO, 2010, p. 128 apud TEIXEIRA, 2013, p. 20) Dito isso, para os geógrafos queers, corpos, performatividades e heteronormatividade se constituem como produtores de espaços em diferentes

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escalas, desde a corpórea até a transnacional. Os espaços dos normativos sexuais, os cisgêneros heterossexuais, seriam universais ao passo que os espaços das outras formas de afetividades seriam diminuídos, invisibilizados e muitas vezes suprimidos. O interesse pela interseccionalidade sexual e espaço se espalha por outros campos do conhecimento. Por volta de 1995 é a vez da Arquitetura e do Urbanismo repensar a produção do espaço através dos seus vieses teóricometodológicos sob a ótica queer. Porque seria relevante falar de arquitetura, urbanismo, paisagismo e sexualidade? De que maneira estaria a disciplina contribuindo para o sustento da heteronormatividade? As afinidades, e divergências, entre a geografia e a arquitetura, urbanismo e paisagismo permitem tal reflexão? Teixeira (2013) afirma ser


o corpo a matriz de percepção da existência do ser no mundo físico. Para ele, os corpos não são dotados de uma neutralidade, mas inerentes às experiências sexuais das quais não podem ser destacadas as projeções de feminilidade e masculinidade da sociedade ocidental. O corpo e sexo, portanto, são indissociáveis na formação da memória de um grupo e do indivíduo. Entendendo o desenho do espaço urbano como fruto de uma heterossexualidade normativa responsável pela cisão e engessamento dos papéis de gênero e sexo na sociedade ocidental, apontado pelas feministas e estudiosos queers, é compreensível que os corpos abjetos encontrem suas próprias espacialidades na procura de espaços libertadores. A tríade identificada por Teixeira (2013), memória, corpo e sexualidade, estaria diretamente relacionada às experiências espaciais. De modo que

[...] memória, corpo e sexualidade estariam interconectados, influenciando em nossa experiência espacial. Assim, se a sexualidade seria uma formação espacial que ultrapassaria os limites dos corpos e os espaços urbanos privilegiariam representações da heterossexualidade, os corpos dissidentes teriam memórias construídas espacialmente pela experiência das próprias cismas em relação ao espaço heterossexualizado circundante (TEIXEIRA, 2013, p. 3) Para ele, a relação da experiência do corpo sexuado e os centros urbanos são intrínsecos. As cidades oferecem uma condição de anonimato ideal que reveste moradores e visitantes de uma fachada de inúmeros significados, entre eles os sexuais. Segundo o autor, a urbe seria facilitadora de encontros de múltiplas personalidades e similitudes comunitárias, assim como seria também palco de conflitos.

14 Parada do Orgulho Gay, Castro, Estados Unidos, década de 1980. Disponível em:< http://www. huffpostbrasil. com/entry/thomasalleman_n_4915182 > Acesso em jun 2017.

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Seriam nas cidades onde reconhecimentos, controles e subversões são exercidos por e nos corpos sexuados. Seria no espaço urbano que nossos entendimentos sobre sexualidades são desenvolvidos e desempenhados, onde nossos preconceitos seriam praticados e/ou enfrentados, onde nossos desejos seriam permitidos, configurados ou reprimidos (TEIXEIRA, 2013, p. 39) Kramer (1995) estuda os desafios encontrados por gays e lésbicas americanos em áreas não-metropolitanas e rurais a fim de encontrar as diferenças existentes no processo de construção de suas identidades dos daqueles que vivem em um ambiente urbano. O autor considera a área rural um ambiente socialmente hostil que tende a amplificar a invisibilidade da comunidade queer por não garantir características inerentes às cidades: anonimato, existência de estabelecimentos e instituições LGBTs, fácil


15, 16, 17, 18 e 19 Boom Commnuity. Condomínio para LGBT’s americanos aposentados. Disponível em < http://www.archdaily. com/111253/boomcommunity> Acesso em maio 2017.

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acesso à literatura temática e, finalmente, o lugar onde existe “uma maior probabilidade de encontrar homossexuais ou homossexualidade, mesmo que acidentalmente” (KRAMER, 1995, p. 191). Teixeira (2013) revela que dentro das disciplinas da arquitetura e urbanismo e do planejamento urbano existem estratégias heterossexistas que regulam o espaço aos moldes dos ditames normativos. Sob o pretexto da “neutralidade artística e técnica” (TEIXEIRA, 2013, p. 11) elas podem ser responsáveis pela perpetuação da reprodução espacial heteronormativa, não levando em consideração ou até mesmo excluindo propositalmente outras afetividades. O autor conta, por exemplo, da empreitada de casais homoafetivos na aquisição de uso de lotes regularizados que, graças à existência do decreto de número 23592/03-DF e por ocasião da falta de dependentes, têm seus pedidos recorrentemente negados. O impacto e a demanda das sexualidades e sua relação com o espaço são tantos que surge um nicho mercadológico imobiliário voltado para a comunidade queer. Em Palm Springs, na Califórnia, Estados Unidos, foi criado um master plan focado na comunidade gay aposentada (fig. 15, 16, 17, 18 e 19). O discurso de vendas, porém, não negava a compra por parte de heterossexuais. A iniciaiva contará com hotel, academia, spa, complexo de entretenimento e um centro de saúde e bem-estar. A proposta procura atender à comunidade gay americana que seria pioneira em novas formas de viver. A equipe de


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20 e 21 Condomínio gay em Midi, França. Disponível em <http:// igay.ig.com.br/2013-08-13/ condominimo-para-aposentadosgays-gera-polemica-na-franca. html> Acesso em maio 2017. 22 Publicidade Tecnisa. Disponível em <https:// marketinggls.wordpress.com/ tag/tecnisa/> Acesso em maio 2017.

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profissionais envolvida afirma que o projeto visa inclusão e uma nova maneira de aposentar-se sem cair no ostracismo. A BOOM Community foi desenhada por 10 escritórios de arquitetura americanos e está orçada em 250 milhões de dólares. A primeira fase da implementação do projeto iniciou-se em 2012 com a construção de 300 unidades residenciais distribuídas em oito quadras, de autoria de escritórios diferentes. A previsão é de que o conjunto abrigue mais de 700 casas12. Outro caso importante notar é o de um empreendimento cogitado no sudoeste da França, junto ao Canal do Midi e ao vilarejo de Sallèles d’Aude (fig. 20 e 21). Originalmente sua criação não foi concebida para gays e lésbicas aposentados mas sua jogada de marketing na afirmação que se tratava sim de uma iniciativa para esse público rendeu em três dias uma procura equivalente aos três meses anteriores. Circundado por um muro e tendo um investimento previsto em 25 milhões de euros, o projeto do condomínio conta com 107 casas sustentáveis, piscinas, quadra de tênis, campo de golfe, sauna, centros de lazer, hotel e restaurante abertos a visitantes. Apesar da alta procura a ideia da existência desse tipo de empreendimento não agradou todos os segmentos da sociedade. Nem mesmo o presidente da associação francesa de gays aposentados, Michel Germain, crítico a sua construção. Em entrevista à BBC ele afirmou que não aprovava “a ideia de viver em gueto como ocorre nos Estados 12  Fonte: archdaily.com/111253/ boom-community

Unidos ou na Alemanha, onde há condomínios desse tipo. Os gays não devem criar um grupo à parte”13. No Brasil, a construtora Tecnisa (fig. 22) publiciza lofts duplex de luxo em Itaim, bairro nobre da capital paulista. A propaganda sugere que um casal homossexual masculino adquira um imóvel e inicie sua vida conjugal em um de seus empreendimentos. De maneira geral, para a comunidade LGBT, o espaço parece ser de suma importância já que o preconceito, a repressão e a política de violência encurralou sua existência à invisibilidade, à margem e ao gueto. Enquanto gays são espancados e mortos por conta de quem amam, mesmo dentro da cidade, o lugar onde dividem o poder, eles vão precisar do gueto (CASTELLS, 1983). A expressão gueto nasceu de um bairro chamado Ghetto Novo localizado em Veneza, na Itália. No século XVI os judeus residentes na cidade foram obrigados a viver neste bairro e tiveram suas cidadanias italianas cassadas. As aberturas das casas voltadas para fora de suas premissas eram cerradas e a conexão com o exterior era possível apenas por dois portões fechados à noite embora fosse permitido que trabalhassem em outras partes da cidade ao longo do dia. A medida evitava que os judeus vagassem fora de seus limites. O bairro teve suas barreiras físicas destruídas e sua malha integrada à cidade sem dispositivos de controle 13  Fonte: bbc.com/portuguese/celular/ noticias/2013/08/130812_condominio_ gay_df_cc.shtml. INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 39

apenas no final do século XVIII, através de um decreto. O gueto então, da maneira descrita, pode ser compreendido como o espaço restrito em que se força um grupo de pessoas com fins segregacionistas físicos e sociais com o intuito de proteger a maioria de uma minoria (LESHER, 2008). O gueto LGBT, por outro lado, não consiste em um espaço delimitado em que a comunidade queer é forçada a viver. Principalmente no Brasil, na contramão de casos estrangeiros, de acordo com Simões e França (2005), ele consiste em um espaço urbano existente de apropriação em que os corpos abjetos podem circular sem opressões. É no gueto onde as “regras são quebradas”, onde os personagens do “mundo real” se desmontam e os desejos podem ser expressados sem represálias. São espaços de auto-reconhecimento que tem a capacidade de conjugar, em um único território, identidades semelhantes com objetivos em comum, aliviando destes corpos a sensação de incômodo e pesar impostos pela sociedade heteronormativa (SIMÕES & FRANÇA, 2005). Dessa maneira, os empreendimentos voltados para a comunidade LGBT configuram, da maneira como estão distribuídos na cidade, diferentes guetos para diferentes sujeitos que carregam consigo múltiplas demandas. Em sua obra Políticas do Espaço: Arquitetura, Gênero e Controle Social, José Miguel G. Cortés (2008) expõe as relações existentes entre os espaços urbanos e os poderes econômico, político e social, assim também como a perspectiva submissa dos habitantes da urbe frente


às estruturas de dominação espacial de cunho familiar, moral, político e social, através de uma leitura da forma urbana e da arquitetura contemporânea (MENDES, 2011). Apoiado em Foucault, que conta o processo de normalização social a fim de redirecionar energias do desejo para o ciclo produção-consumoreprodução, Cortés introduz ao leitor a ideia de que a Arquitetura e o Urbanismo podem funcionar como ferramenta de opressão e autoritarismo com o objetivo de moldar o comportamento social. Segundo Cortés, a insistência em alcançar uma homogeneização racional urbana em prol da nova ordem econômica mundial no processo de transmutação da cidade fordista para a cidade do consumo pós-industrial (SOMEHK, 2010) transformou as ruas, “espaços públicos por excelência” (LEITÃO, 2009), em corredores de lojas bem aos moldes dos malls norte americanos. Esses centros comerciais privados que aparentam ser domínio público, mas que na verdade são, assim como também são os condomínios de luxo, simulacros de cidades. Mendes concorda quando (2011) diz que Todo o elemento construído ajuda a estabilizar uma ordem e uma identidade espacial e, inevitavelmente, envolve autoridade e capital simbólico. As formas urbanas são um espelho social e por meio dele ajudam a constituir, reproduzir ou a transformar a realidade socioespacial (MENDES, 2011, p. 154) Essas conjecturas espacialmente segregacionistas do capital privado excluem os dissidentes

muito embora, para Hocquenghem (1978 apud TEIXEIRA, 2013), tenha sido ele próprio o responsável pela criação do ser homossexual. O autor acredita que o inchaço populacional urbano ocasionado pela busca de emprego formal consentiu a emancipação familiar e com ela a libertação da vigilância sobre os corpos. O anonimato proporcionado pela massa urbana permitiu a construção da identidade LGBT de modo que passaram a ser exemplos da modernidade urbana. Para José Miguel G. Cortés (2008), a morfologia urbana apresenta fissões engessadas nos ambientes recreativos, comerciais, residenciais e de trabalho baseadas em classe, etnia e gênero, reiterando o status quo urbano da nova ordem econômica mundial, masculina, branca e heterossexual (MENDES, 2011). Nessa conjuntura, o autor vislumbra espaços subversivos, que não pretendem mesclar-se com as estruturas normativas. Um destes espaços são os apropriados pela comunidade LGBT, os espaços que chama de espaços queers. Eles são lugares de resistência, caracterizam-se principalmente por serem libertadores e de natureza efêmera, cuja principal força reside exatamente na momentaneidade de sua existência e se reconhecidos como tais, classificados e institucionalizados, acabam por perder seu significado anárquico, subversivo14 (SOMEKH, 2010;

14  Como no caso do Autorama paulista em que a prefeitura da cidade, devido às atividades sexuais homossexuais noturnas, decidiu transformá-lo oficialmente em “Espaço de Convivência Homossexual”. A medida causou desconforto entre os LGBTs e na

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MENDES, 2011). Ele é um espaço que não deseja ter nenhuma moral nem uso específico concreto, que vive apenas para as experiências e que se apropria dos códigos da cidade para pervertê-los; um espaço [...] que se recusa a aceitar uma única condição, e que admite estar sempre em trânsito, no meio, inacabado (CORTÉS, 2008, p. 207 apud MENDES, 2011) Teixeira (2013), por sua vez, chama os mesmos espaços de “armários da cidade”, uma interpretação da obra de Michael Brown (2000) Closet Space: Geographies of metaphor from the body to the globe, àqueles espaços apropriados pela população queer em uma metáfora arquitetônica que extrapola os limites corpóreos e se solidifica no espaço construído. A expressão é emprestada do inglês in the closet15 em que é dito quando uma pessoa é LGBT mas ainda não assumiu publicamente sua orientação sexual, provavelmente por vergonha ou medo de reprovação da família e da sociedade. Para Brown e Teixeira os armários são espaços opressores que funcionam como táticas e estratégias de poderes heteronormativos sobre a cidade, com o objetivo de minimizar a visibilidade de corpos dissidentes na urbes (TEIXEIRA, 2013, p. 56). Mas ele também seria um artifício de autopreservação da comunidade queer. Consistem nos espaços em que as formas de controle e vigilância são ineficazes, que permitem vizinhança de seu entorno (SIMÕES & FRANÇA, 2005). 15  “No armário” em tradução livre.


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a invisibilização proposital conseguindo com isso protegerse de ameaças. Aspectos tais como “espaços, distância, acessibilidade, interação social, visibilidade corporal e comunitária” (TEIXEIRA, 2013, p. 57) podem vir a dificultar, ou facilitar, já que é uma via de mão dupla, a expressão dos desejos da comunidade queer. Cortés (2008) recorre a inúmeros exemplos para ilustrar sua definição de Espaço Queer como os bairros de Chueca em Madri, o parisiense Les Marais e o East Village no sudeste de Manhattan. Neste trabalho foram relevantes alguns dos mais conhecidos espaços queers de contextos diferentes sob a ótica de diferentes estudiosos e abordagens metodológicas, um norte americano, um europeu e dois nacionais: o distrito do Castro em São Francisco, Estados Unidos (CASTELLS, 1983); Soho em Londres, Reino Unido (COLLINS, 2004); a região da Rua Frei Caneca, no bairro

23 O Castro, São Francisco, Estados Unidos. Disponível em <http://viajarnews.com/ destinos-turismo-gay/> Acesso em maio 2017. 24 Faixa de pedestres sendo pintada nas cores do arco-íris no Castro em uma parceria com o comércio local e o poder público. Disponível em <https://uptownalmanac. com/2014/09/rainbowsidewalks-come-castro> Acesso em maio 2017.

de Cerqueira César, São Paulo (PUCCINELLI, 2010), e os bairros da Zona Sul e Centro do Rio de Janeiro ( JESUS, 2017). 2.2.1 São Francisco e O Castro Casa da famosa ponte Golden

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Gate, São Francisco é a única cidade-condado do estado da Califórnia, noroeste dos Estados Unidos. Ocupada por espanhóis que aportaram na Baía de São Francisco no início do século XVI, ela apresenta-se hoje como a cidade mais densamente povoada, ultrapassando a capital


do estado Sacramento, e a quarta mais populosa de seu estado. É a segunda cidade mais densamente povoada e a 13ª mais populosa do país. Em meados de 1800 São Francisco presenciou uma corrida desenfreada por ouro, ganhando o apelido de El Dorado. Em menos de um ano a cidade recebeu mais de 50.000 novos habitantes, inclusive chineses, ávidos por enriquecimento. Em 1906, a cidade foi devastada por um terremoto seguido de um incêndio de imensas proporções. Mais tarde, por volta de 1950, depois de reconstruída, passa por transformações sociais e culturais significativas com os movimentos que surgem no cenário alternativo. Sendo um dos mais espacialmente representativos o estabelecimento da comunidade gay16. Manuel Castells em The City and the Grassroots (1983) reconstitui a história da ocupação gay masculina na cidade. O motivo de especificar o estudo com base nas ações masculinas é que para o autor homens, intuitivamente, precisam de territórios espacialmente demarcados ao passo que as mulheres se ocupam mais nas redes sociais de relacionamento. O autor conta que no início dos anos de 1940 os gays ocupavam a cidade de maneira difusa, vivendo furtivamente e encontrandose em bares. especialmente no Black Cat, situado no Tenderloin, uma red light zone próxima ao centro da cidade. O bar ficou conhecido graças ao ativista político e performista Jose Sarria. Vestido de drag queen o artista pregava à respeito dos direitos 16  Fonte: http://www.sanfrancisco. com/history.

dos homossexuais depois de suas apresentações. Sob constantes represálias da polícia local, em 1963, apesar de em 1951 a Corte Suprema da Califórnia proibir o fechamento de bares pelo simples motivo de homossexuais o frequentarem, o Black Cat encerrou suas atividades. Na década de 1950, contudo, a comunidade gay se fortaleceu e encontrou no North Beach um ambiente acolhedor com muitos estabelecimentos tolerantes como livrarias e cafés. Foi nessa época que se deu o processo de câmbio do privado, do ambiente fechado, dos bares, da noite e da invisibilidade para as ruas, para os espaços públicos e notoriedade. Este foi, segundo Castells (1983), o momento mais delicado da história da cidade e do movimento gay. O bairro tornou-se terreno fértil para a disseminação de jovens literários alternativos que ficaram conhecidos como a geração beatnik. Foram eles os responsáveis pelas publicações de inúmeros livros e revistas acerca de sexualidade e homossexualidade como as revistas The Advocate e Ladder Magazine (esta última criada por uma organização lésbica) que tanto incomodaram a sociedade conservadora americana. A publicidade de uma comunidade alternativa crescente gerada pela mídia rendeu à cidade ainda mais migrantes gays vindos de todas as partes do país. Essa nova massa sentia a necessidade de ocupar um espaço próprio e criar laços não só espaciais como também sociais, econômicos e culturais. Alguns tentaram fundar comunidades alternativas em áreas rurais da cidade mas logo desistiram depois de inúmeros

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incêndios criminosos às suas instalações. Castells (1983) nota que, já na década de 1960, a comunidade gay começa a ocupar as áreas mais integradas da cidade portanto as mais visíveis à moradores e visitantes. Segundo ele além do Tenderloin e do North Beach, os bares começaram a ocupar um novo eixo, Polk e Van Ness, que eram mais integradas à cidade. Pela primeira vez, uma área residencial gay independente desenvolveu-se em torno dos locais de encontro na rua Polk (CASTELLS, 1983, p. 155, tradução minha) O sociólogo urbano desenvolveu uma pesquisa sobre a ocupação gay na cidade de São Francisco. O resultado encontrado foi a existência de um território gay que supria todas as necessidades de um ser urbano: habitar, trabalhar, entreterse, comprar, comer, além de colaborar para o fortalecimento político. A pesquisa demonstrou que a escolha de residência da comunidade gay seguia sentido contrário aos espaços em que seriam possíveis encontrar um “triunvirato do conservadorismo”, como denomina o autor, sendo eles a propriedade privada, a “família tradicional” e a presença das altas classes econômicas, como podemos observar no mapa fruto da investigação (fig. 25). Embora tenham passado a ocupar os arredores dos bairros citados, parecem ter encontrado no distrito do Castro as perfeitas condições para se assentar definitivamente. O distrito do Castro, hoje conhecido apenas como O Castro, é um sub-bairro do Eureka Valley. A região era ocupada inicialmente por


operários irlandeses que trabalhavam nas indústrias locais. Logo após a depressão econômica que assolou o país ao término da II Guerra Mundial sua paisagem sofreu severas modificações. Muitos operários perderam seus empregos e mudaram-se para os subúrbios enquanto o distrito começou a presenciar a massiva migração de homossexuais expulsos dos serviços militares por conta de

sua sexualidade desviante. Foram esses personagens que deram início à primeira comunidade gay americana. Muitas famílias que viviam no distrito não receberam os novos moradores com muito entusiasmo e também mudaramse dos seus arredores para os subúrbios em um fenômeno que ficou conhecido como “Vôo Branco”17, em um movimento 17   Traduzido do original White Flight.

semelhante ao que acontecera em Detroit por razões étnicas. Este evento favoreceu ainda mais a ocupação dos militares gays marginalizados: como o distrito havia sido esvaziado os preços dos aluguéis e vendas dos imóveis foram barateados e os migrantes puderam se instalar nas residências em estilo vitoriano locais, muitas ainda em ruínas. O primeiro bar gay da região foi inaugurado em 1963, o Missoure

Altos índices na proporção de múltiplos agregados familiares masculinos (indicador de residência gay) Alta proporção de população abaixo de 18 anos (família) Alto nível de aluguéis altos em casas alugadas (aluguel alto) Alta proporção de proprietários de imóveis (propriedade privada) Sobreposição de propriedade privada e alugel alto O Castro

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25 Mapa de famílias, pobreza, aluguéis altos e áreas gays residenciais. Adaptado de CASTELLS, 1983 (tradução minha).


Mule, seguido do Libra e do I-doknow. O festival cultural Summer of Love, que ocorreu em HaightAshbury, distrito vizinho, em 1967, impulsionou ainda mais a

instalação de uma comunidade gay economicamente estável na região do Castro graças à chegada dos hippies que se estabeleceram no local do evento devido à grande visibilidade adquirida.

Em maior número, os homens gays caucasianos e com alto grau de escolaridade que habitavam o Haight viram no Castro uma saída para uma vida mais tranquila e economicamente

26 Um exemplo de melhoria implementada pela comunidade gay em casa de estilo vitoriano no Castro, São Francisco (foto de F. Sabbah). Extraído de: CASTELLS, 1983.

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acessível (BOYD, 2011). Foi essa população que revitalizou a área do Castro ao intervir nas construções residenciais em péssimo estado e ao investir no comércio local com a criação de lojas, cafés, restaurantes e livrarias. Além também de presenciarem a reinauguração do que se tornaria o símbolo do bairro, o cinema The Castro (fig 23). Os hippies também influenciaram sua ocupação com a adoção de um estilo de vida alternativo. Muitos formaram coletivos para comprar as casas deterioradas e passaram a morar juntos em uma única residência. Castells (1983) conta que os dons artísticos da comunidade gay foram responsáveis pela renovação urbana mais bonita da América do Norte. Os cuidados foram além das pinturas realizadas nas fachadas das casas vitorianas. Eles alcançaram os interiores com as decorações arrojadas e com os jardins frontais das residências (fig. 26). O sociólogo acredita que significado urbano tenha sido o maior legado gay para o Castro. Com a comunidade relativamente em ordem faltavalhe representação política para legitimar os interesses dos novos habitantes. Alguns anos depois o distrito foi mais uma vez pioneiro ao eleger o primeiro político norte-americano assumidamente homossexual. Milk Harvey, o dono da loja Castro Camera, que acabou por se tornar sua base de comício, foi eleito pela comunidade gay, em 1977, na sua terceira candidatura ao cargo de Supervisor da Cidadecondado de São Francisco. A agenda política de Milk ia além da proteção aos direitos gays e humanos, ele também defendia

a criação de creches para mães empregadas, conversão de abrigos militares em residências de baixo custo, redução de impostos para as indústrias que se instalassem em armazéns abandonados, além de pressionar o prefeito para melhorias nas áreas de segurança e educação. Juntamente a um grupo de comerciantes da Rua Castro, a Eureka Valley Promotion Association, foi criada The Castro Street Fair. A feira de rua teve grandes repercussões e passou a receber um grande número de turistas que procuravam-na para compras e entretenimento com shows de drag queens, comediantes e músicos. Foi durante sua gestão que o Castro alcançou sucesso e tornou-se um grande centro de comércio, cultura e entretenimento da cidade. O resultado da revitalização do bairro não poderia ser outro senão a valorização imobiliária. Isso elevou o custo de vida dos moradores, o que deu início a sua gentrificação. Até mesmo Milk foi expulso de sua loja que teve o aluguel reajustado em 400% (BOYD, 2011). Como precaução de que as coisas pudessem fugir do controle, o supervisor tomou medidas para frear, ou pelo menos estabilizar, o boom que o Castro vinha experienciando. Determinou proibida a conversão de apartamentos da rua em lojas e escritórios e a construção de novos bares e restaurantes no seu entorno. As providências, no entanto, não reprimiram o ritmo do desenvolvimento econômico do bairro que passou a faturar milhões de dólares em um curto intervalo de tempo. O mandato de Milk foi brutalmente encerrado na ocasião de seu assassinato. Um ex-

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supervisor da cidade atirou, por rivalidade política, no ativista e no prefeito George Moscone em 1978 em seus próprios gabinetes. Sua vida foi retratada em livros biográficos e chegou até o cinema com o filme Milk dirigido por Gus Van Sant, em 2008. O elenco contava com Sean Penn interpretando o supervisor e James Franco como seu parceiro Scott Smith. 2.2.2 Londres e o Soho Londres é a capital do Reino Unido. É uma cidade alfa18 e uma das mais financeiramente, culturalmente e politicamente influentes do mundo. Banhada pelo rio Tâmisa (fig. 27), a região metropolitana londrina abriga cerca de 14 milhões de pessoas, muitas delas imigrantes de diferentes partes do mundo, constituindo-se assim no município mais populoso de toda a Europa. O sistema de metrô, apelidado pelos locais de tube, é o maior e mais antigo do mundo. O que acabou por torná-lo num dos símbolos da cidade ao lado de importantes monumentos arquitetônicos, como o Parlamento, o Big Ben, o Palácio de Buckingham, a Abadia de Westminster, a Tower Bridge e diversos outros. Uma lista feita pela companhia Mastercard, o Índice de Destinos Globais, calculou Londres como a segunda cidade mais visitada no mundo 18 O Globalization and World Cities and Research Network, do Departamento de Geografia da Universidade de Loughborough da Inglaterra, divide as cidades em três diferentes níveis: alfa, beta e gama, levando em consideração o grau de conectividade internacional. As cidades alfa são consideradas extremamente proeminentes no cenário econômico mundial. Os alcances de suas decisões têm repercussões globais nos meios sócio-econômicos (NUNES, 2014).


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com quase 20 milhões de turistas em 2016, perdendo apenas para Bangcoc na Tailândia. A atmosfera tolerante e cosmopolita londrina atrai LGBTs do mundo inteiro. Ela figura na maioria das listas como uma das cidades mais gay-friendly19 do mundo. Londres, como uma grande cidade capitalista ocidental, abriga um bairro repleto de atrações LGBT, o Soho. Allan Collins (2004) traça um panorama usando a perspectiva da geografia econômica da origem e desenvolvimento do que chama de vilas gays no Reino Unido, tendo como principal estudo de caso o bairro londrino Soho. Para o autor, a característica mais importante para a manutenção de uma vila gay é a necessidade de uma massa LGBT consumidora em um raio de distância relativamente 19  A expressão significa amigáveis a gays e é utilizada para designar lugares, políticas, pessoas ou instituições que sejam receptivas a LGBTs, sem preconceitos.

confortável para ir e vir. Apesar da disciplina não ter como foco os aspectos espaciais levados em consideração pelos LGBTs londrinos, as alterações no ambiente construído que foram realizadas para incorporá-la, tampouco suas consequências, como regeneração urbana, ressurgimento e gentrificação, Collins (2004) indica uma série de aspectos espaciais que podem ter levado o Soho a ser adotado como ponto de convergência LGBT na cidade europeia. O Soho era, originalmente, utilizado como território de caça pela realeza britânica e sua corte. Foi devido ao grande incêndio que acometeu Londres em 1666 que, assim como boa parte da cidade, foi submetido à readequação urbana para prover segurança contra futuros incêndios e criar uma área de amenidade populacional aos citadinos. No final do século XVII foi ocupada majoritariamente pelas classes INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 46

inglesas mais abastadas. Mais tarde, devido à imigração em massa de europeus de diversas partes, especialmente refugiados gregos da perseguição otomana e franceses fugindo do reinado de Luís XVI, ela transformou-se em um vívido centro comercial e industrial (COLLINS, 2004). O burburinho, a presença estrangeira e a aparição de ocupações irregulares em seus arredores fez com que os aristocratas se mudassem para os subúrbios. Na década de 1950 a prostituição tornou-se comum nos espaços públicos do bairro. Uma lei que proibia e punia a atividade nas ruas de Londres fez com que o número de flats destinados para seu uso se multiplicassem. Em meados de 1960 cresceram com isso as casas de prostituição chefiadas por mafiosos italianos e malteses. A imagem do Soho foi estigmatizada então como “miserável, empoeirada e nublada


27 Paisagem londrina. Disponível em < https:// www.timeout.com/london/things-to-do/day-tripsfrom-london> Acesso em maio 2017. 28, 29 e 30 Coleção de zooms de empreendimentos queers espalhados pela cidade de Londres. A maioria dos estabelecimentos ficam concentrados no centro da cidade, no bairro do Soho, especialmente na Old Compton Street ou em seus arredores imediatos. Adaptado de: <https:// www.travelgayeurope.com/gay-map-of-london/> Acesso em maio 2017.

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em uma névoa de liminaridade legal e sexual” (COLLINS, 2004, p. 1796). Devido à sua fama apresentou drásticas quedas nos preços dos aluguéis de suas propriedades. A ambiência e os atraentes custos de moradia acabou por seduzir boêmios e artistas que fundaram diversos estabelecimentos comerciais e iniciaram uma agitada vida cultural underground e avantgarde no bairro. Esse cenário durou até por volta de 1980 quando muitas das casas de entretenimento sexual foram fechadas e residências desocupadas por medidas moralistas e higienistas. O bairro encontrava-se naquele momento abandonado e carregava consigo uma péssima reputação, assim como tinham também os dissidentes sexuais naquela época, cujas relações eram criminalizadas. É na década anterior, 1970, que é retratada, de acordo

com Collins (2004), o início da ocupação queer no Soho20, cerca de três anos depois da descriminalização de práticas homossexuais consensuais entre homens maiores de 21 anos no Reino Unido, a Lei de Reforma do Ato Homossexual, promulgada em 1967. Mesmo que seu processo não fosse ainda tão perceptível, são abertos mais estabelecimentos comerciais voltados para os homossexuais. De qualquer maneira, foi nesse intervalo de tempo, entre as décadas de 1970 e 1990, que surgem diversos empreendimentos queers na localidade devido à disponibilidade de propriedades comerciais financeiramente acessíveis. O Westminster City Council, principal órgão responsável 20  Binnie (1995, apud COLLINS, 2004), por outro lado, data o marco de sua apropriação em 1991 com a inauguração do bar Village Soho.

pelo planejamento urbano da cidade, nunca reconheceu a área na qualidade de uma vila gay, referindo-se a ela em seus documentos como uma área “vibrante e cosmopolita” (COLLINS, 2004), na contramão de outras cidades britânicas como Manchester e Birmingham que caracterizam suas vilas gays e as incluem nos processos de planejamento urbano. O autor do estudo acredita que a descrição do conselho seja devido à presença de estabelecimentos de entretenimento LGBT: pubs, bares, cafés, restaurantes, boates, lojas de acessórios fetichistas, saunas, academias e uma série de outros não necessariamente comandados ou pertencidos por gays. Eles formam o que pode ser chamado de um circuito, um espaço que “une equipamentos não contíguos na paisagem urbana, mas que são reconhecidos pelos seus freqüentadores” (MAGNANI,

26 Em 2016 milhares de pessoas se reuniram na Old Compton Street, símbolo da ocupação queer londrina para velar as vítimas da chacina da boate gay Pulse em Orlando, Estados Unidos. Há um ano um atentado deixou 49 mortos. Disponível em <http:// www.independent. co.uk/news/uk/ home-news/orlandoshooting-thousandsgather-in-soho-s-oldcompton-street-forvigil-remembering-49victims-of-a7080316. html> Acesso em junho 2017.

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2000 apud NASCIMENTO & FERNANDES, 2010, p. 5), LGBT com 56 iniciativas somente em 2003 totalmente caminháveis entre si. O circuito, se espalha atualmente em direção ao West End e chega a alcançar o Covent Garden e Strand, mas sua base é mesmo na rua Old Compton. A localização privilegiada, as melhorias na infraestrutura e vitalidade urbanas implementadas pela presença homossexual e seus negócios juntamente à supressão da prostituição e da indústria pornô, tornaram o Soho um atrativo para todos os tipos de negócios, visitantes e moradores, LGBTs ou não. A fama fez com que os custos para se viver no Soho aumentassem vertiginosamente se comparado a outras áreas da cidade. Collins (2004), ao fim das suas observações, identifica e resume as características que considerou relevantes para a evolução de uma vila gay urbana em um quadro dividido em quatro estágios. O primeiro apresenta pré-condições urbanas que não são exclusivos do Soho mas se repetem em outras vilas gays do Reino Unido como as de Brighton, Newcastle, Birmingham e Manchester. O segundo diz respeito às oportunidades de lazer e aglomeração espacial de homens gays. O seguinte está atrelado ao anterior e é relacionado à expansão dos estabelecimentos existentes e criação de novos pontos comerciais voltados para a clientela específica. O quarto e último conta do processo de assimilação do espaço urbano à toda a sociedade, LGBT ou não (quadro 1).

Estágios no desenvolvimento de uma vila gay urbana na Inglaterra Estágio 1: ‘Pré-condições’ - área urbana em declínio: local de atividades e comportamentos legais liminares e sexuais Principal características 1 Área marginal que apresenta uma expressiva deterioração urbana física; 2 Presença de prostituição no espaço público ou nas ruas adjacentes (predominantemente heterossexual) 3 Significante estoque vago de instalações comerciais 4 Baixo preço nas propriedades ou nos valores dos aluguéis; 5 Típica presença de pelo menos uma casa gay pública licenciada Estágio 2: ‘Emergência’ - Agrupamento de oportunidades sociais e recreativas homossexuais masculinas Principais características 1 Conversão de algumas outras casas públicas em pubs comandados por gays; 2 Aumento nas aplicações feitas para licenças de bebidas alcoólicas para apoiar a conversão de algumas outras instalações comerciais existentes em clubes gays ou casas públicas licenciadas adicionais; 3 Atualização ou renovação de pub (s) gay existente(s) na área 4 Aumento substancial na base de clientes masculinos gays e no fluxo de receita do pub Estágio 3: ‘Expansão e diversificação’ - Alargamento da base de serviços empresariais gays Principais características 1 Conversão de algumas outras instalações comerciais existentes para empresas do setor de serviços gays: clubes de saúde gay/saunas, lojas de acessório de estilo de vida gay, café-bar gay; 2 Outras aplicações para licenças de bebidas alcoólicas e permissão de planejamento para discotecas gays adicionais; 3 Aumento da densidade familiar homossexual no estoque existente de unidades residenciais na localidade da vila gay; 4 Aumento da visibilidade física e da consciência pública da aldeia gay urbana para a sociedade convencional; 5 Crescimento de comerciantes gays e práticas profissionais que operam na ou perto da aldeia gay, ou através da sua mídia comunitária; 6 Uma contribuição cada vez mais significativa e sustentada para os fluxos de receitas das empresas do setor de serviços gays advindo de turistas gays; Estágio 4: ‘Integração’ - assimilação na cena convencional do entretenimento Principais características 1 Aumento da presença costumeira de heterossexuais em bares ostensivamente gays; 2 Conversão de algumas instalações comerciais existentes para o novo setor de serviços da sociedade convencional (bares, clubes, restaurantes); 3 Afluxo de jovens profissionais urbanos para o estoque existente de unidades residenciais na aldeia gay e seus arredores; 4 Saída e suburbanização dos primeiros colonizadores residenciais gays; 5 Aumento de aplicações e construção de unidades residenciais de nova construção (apartamento) na vila gay e seus arredores; 6 Contribuição cada vez mais significativa e sustentada para os fluxos de receitas das empresas do setor de serviços gays da comunidade heterossexual

QUADRO 1 Estágios de evolução de uma vila gay urbana na Inglaterra. Extraído de: COLLINS (2004) (tradução minha)

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2.2.2 São Paulo e a Frei Caneca São Paulo, cidade que tem mesmo nome de seu estado, é o centro financeiro da América Latina e a cidade mais populosa do Brasil, das Américas, dos países de língua portuguesa e do hemisfério sul do globo. Foi fundada pelos padres jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta que, em 1554, subiram a Serra do Mar em busca de segurança. No assentamento cnstruíram um colégio com o intuito de catequizar os índios da região, o Pateo do Collegio, berço da cidade. Piratininga viria

a se tornar São Paulo apenas quase dois séculos depois de sua ocupação, durante as expedições conhecidas como bandeiras rumo à oeste do território brasileiro com o objetivo de encontrar pedras raras e escravizar os índios que encontravam. É decretada capital da província em 1815 e em 1827 recebe sua primeira Faculdade de Direito, transformando-se em um importante cenário político, intelectual e cultural do país. Esse quadro firmou-se em decorrência do sucesso econômico graças à cafeicultura desenvolvida no fim do século XIX. É nesse momento que São Paulo se mescla de

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imigrantes de todo o mundo que procuravam trabalhos nas lavouras de café. Portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, turcos e muitos outros de diversas nacionalidades vieram buscar na cidade paulista melhores condições de vida através da produção e comercialização da semente. Mais tarde, por volta da década de 1930, São Paulo tornase uma cidade industrial. À massa imigrante estrangeira unem-se migrantes brasileiros de todas as regiões do país, especialmente nordestinos21. Hoje, com mais de 12 milhões de habitantes, metrópole, cosmopólita, 21  Fonte: http://cidadedesaopaulo. com/sp/br/a-cidade-de-sao-paulo


dissidentes sexuais. O shopping Frei Caneca, “Gay Caneca” ou ainda “Frei Boneca”, como foi apelidado devido à recorrente presença abjeta, transformou-se em palco da luta LGBT da cidade de São Paulo. Em 2003 um casal homoafetivo foi hostilizado por seguranças do estabelecimento por conta de trocas de carícias em público. Devido à postura, o shopping foi processado por violar a lei anti-discriminatória estadual de número 10.948, promulgada pelo governador Geraldo Alckmin em 05 de novembro de 2001, e alvo de protestos públicos como o “beijaço”22 em sua praça de alimentação. Desde então o shopping, um empreendimento privado, tem convivido de maneira relativamente harmônica com o grupo, garantindo sua segurança e até espaços voltados para encontros sexuais. 27 Avenida Paulista, São Paulo. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/ wiki/Avenida_Paulista> Acesso em junho 2017.

megalópole e cidade global alfa, assim como Londres, São Paulo não foge à regra e constrói seus próprios espaços de tolerância sexual: a região da Frei Caneca, na presença do shopping que leva o mesmo nome, e que se expande ainda pelas Avenidas Vieira de Carvalho, São João, Ipiranga e Amaral Gurgel, Ruas da Aurora, Vitória, Marquês de Itu, Rego Freitas, Martinho Prado e Santo Antônio, Praça da República e Largo do Arouche, englobando os bairros de Cerqueira César, Bela Vista, Vila Buarque e Bexiga (SIMÕES & FRANÇA, 2005). A área, região central da cidade de São Paulo especialmente

próximo à Praça da República na Cinelândia, sofreu na década de 1980 a “Operação Rondão”, coordenada pelo delegado José Wilson Richetti e fomentado pelos setores conservadores paulistanos através dos artigos impetuosos publicados pelo jornal O Estado de São Paulo (MATOS, 2015; MACRAE, 1983). A ação tinha como principal foco a higienização do centro através da remoção de presenças incômodas, perigosas e abjetas: homossexuais, travestis, meretrizes e afrodescendentes. A resistência veio alguns anos depois quando a região é, definitivamente, ocupada pelos

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Há um aspecto simultaneamente público e privado dos shopping centers, permitindo um acesso de determinadas pessoas e ao mesmo tempo limitando-o a outras [...] espera-se estar neste espaço “fechado” sem se ser importunado por outrem. Essa perspectiva informa também um dos usos do shopping feito por vários frequentadores homossexuais, qual seja o de andarem livremente com seus companheiros, travarem contatos de paquera e conhecimento mútuo [...], contatos sexuais furtivos em espaços específicos, por se encontrarem livres de infortúnios, garantido pela segurança do local, um dos agentes que garante a existência deste espaço aberto, mas proibido a certos grupos indesejáveis, como moradores de rua; tal dinâmica, no entanto, não está isenta de ambiguidades 22  Um tipo de protesto anti-homofobia praticado pela comunidade LGBT em que casais homoafetivos beijam-se nos locais identificados como intolerantes.


(PUCCINELLI, 2011, p. 137) Puccinelli (2011) aponta um deslocamento da mancha de ocupação da comunidade LGBT em São Paulo. Antes a apropriação envolvia os entornos da Rua da Consolação, no trecho pertencente às proximidades da República, que também migrou para perto da Avenida Paulista. Ali, agora, restou a fama de vulgar e decadente. A ocupação das áreas, próximas à Paulista, são apontadas como responsáveis pelo restabelecimento da região, graças à dois fatores: a presença homossexual e a construção de empreendimentos imobiliários, bares e boates voltados a esse público. Nesse sentido, Matos (2015) identifica um circuito LGBT como definido por Magnani. A ocupação por parte dos

estabelecimentos voltados para o público queer na Frei Caneca deu-se início na década de 1990 com a abertura das pioneiras boates Massivo, Nostromondo e Aloka (MATOS, 2015). A mudança da República para a atual localidade pode ter se dado, segundo Puccinelli (2011), devido à instalação do capital financeiro na Avenida Paulista, principal avenida de São Paulo, retirando o título de centralidade do bairro da Sé que agora passa ser obsoleto, e se fortalecendo como cartão postal da cidade e símbolo do capitalismo brasileiro. As novas iniciativas adequam-se ao novo contexto e oferecem serviços e instalações diferenciados daqueles existentes anteriormente obedecendo “às lógicas de rentabilidade formuladas através da especulação imobiliária que

visa à reprodução ampliada do capital” (MATOS, 2015, p. 46). Esse movimento demonstra na prática como o espaço é um produto social (LEFEBVRE, 2000), na contemporaneidade torna-se mercadoria de consumo (HARVEY, 2005) e ratificam o ser homossexual através do consumo (CORTÉS, 2008; HOCQUENGHEM, 1978). Matos (2015) identifica, assim, quatro fatores relevantes que podem comprovar a guetização queer da Frei Caneca. O primeiro deles é a manutenção da presença do grupo abjeto no espaço público do entorno por mais de 20 anos. O seguinte fator é a presença do shopping. O empreendimento ofereceu serviços de padrões elevados e isso atraiu, particularmente, homossexuais solteiros. Por não terem gastos familiares, o grupo 28

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28 Mapa de concentração de estabelecimentos voltados para o público queer paulistano. Rua Frei Caneca. Extraído de: MATOS (2015) 29, 30, 31 e 32 Ilustrações do projeto urbano para a rua Frei Caneca do escritório FMC. Disponível em <http://www.fmc-arquitetura.com.br/pt-br/ noticias/75-reurbanizacao-da-rua-frei-caneca-saopaulo-sp> Acesso em junho 2017.

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investe muito mais em lazer e serviços. O terceiro consiste no nível de tolerância dos residentes quando comparado às outras áreas da cidade conquistado pela constante circulação queer no local. Isso acaba por criar uma falsa sensação de liberdade da comunidade LGBT, que só se sente segura a partir da segregação sócio-espacial. Finalmente, fatores como a proximidade com a Avenida Paulista, o fácil acesso às estações de metrô, a concentração de novos empreendimentos imobiliários e de entretenimento

LGBT ratificaram a existência e a manutenção do grupo abjeto no local. O Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB/SP), juntamente com a associação GLS Casarão Brasil, em fevereiro do ano de 2010, realizou o Concurso Público de Projeto de Reurbanização da Rua Frei Caneca. A premiação do primeiro colocado foi de R$5.000,00. O projeto transformaria a rua oficialmente em um espaço público voltado para a comunidade LGBT. Tendo como partido Integração do Espaço

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Público, a proposta vencedora (fig. 29, 30, 31 e 32) dentre as 31 inscritas, do escritório FMC Arquitetura e coordenada pelo arquiteto Conrado García Ferrés manteve o fluxo de automóveis aumentando os espaços destinados aos pedestres. Ele previa calçadas mais largas e tratamento adequado do piso para ambos os tipos de circulação. O projeto contava ainda com equipamentos e mobiliários urbanos, além da recuperação da cobertura vegetal da via. A ideia principal do escritório era a de destacar os aspectos comerciais


e residenciais transformando a rua em um boulevard. Parte do financiamento da obra viria da iniciativa privada, dos empresários, comerciantes locais e outros patrocinadores. Em um processo parecido com o que ocorreu na Oscar Freire. A subprefeitura da cidade de São Paulo se comprometeu a realizar as intervenções subterrâneas23. A ideia não passou incólume. A Sociedade dos Amigos 23  Fonte: g1.globo.com/Noticias/ SaoPaulo/0,,MUL1535859-5605,00-ON G+GAY+ANUNCIA+PROJETO+DE+ REURBANIZACAO+DA+FREI+CANE CA.html).

e Moradores de Cerqueira César (Samorcc), foi contrária a sua implementação. Sob o discurso de que nem todos os moradores identificam-se como gay, lésbica, bissexual, transexual ou transgênero, enfim, como queers, e de que o espaço público é para todos e não uma parcela da sociedade, a representante do bairro, Célia Marcondes, opôs-se à construção do que julgou ser um gueto homossexual (PUCCINELLI, 2011). Argumentou que existiam crianças, idosos e instituições religiosas na área que não podiam

conviver com essa imagem. A Associação da Parada LGBT de São Paulo também foi contra sua criação. Para ela, de maneira distinta ao que pensa a presidente da associação, em vez de criar espaços segregados de convívio queer na cidade, a comunidade teria que conquistar e combater o preconceito em todos os ambientes urbanos. Até o presente momento a intervenção não foi iniciada. 2.2.3 O Rio de Janeiro e os empreendimentos noturnos LGBTs

33 Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em < https:// pt.wikipedia. org/wiki/Rio_de_ Janeiro_(cidade)> Acesso em junho 2017

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Situada no sudeste brasileiro, no estado homônimo, o Rio de Janeiro é a segunda maior metrópole do país e representa também o segundo maior Produto Interno Bruto nacional, PIB, perdendo apenas para a cidade de São Paulo. Foi capital federal enquanto colônia portuguesa e hoje é considerada uma cidade global beta. Sedia as duas maiores companhias públicas do Brasil, a Vale e a Petrobrás. Sua paisagem deslumbrante com praias e morros, arquitetura, clima, boemia e cultura atraem turistas do mundo todo. A Cidade Maravilhosa, apelido que conquistou, é o destino turístico internacional mais procurado de todo o hemisfério sul. É, inclusive, comumente eleita um dos melhores destinos gayfriendly do Brasil. De acordo com dados da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, a Riotur, no carnaval carioca de 2014 o turista LGBT contribuiu com R$ 461.250.00,00, o que representa 30,75% do total apurado com turistas no período. 137.700.000 visitantes queers gastaram na capital em média 50%, entre os viajantes nacionais, e 270%, dos internacionais, a mais do que os turistas mainstreams. No final de 2016 o Rio de Janeiro recebeu o prêmio de melhor destino de praia LGBT da América Latina. Jesus (2017) destrincha o contraste da disposição espacial dos empreendimentos noturnos voltados para o público LGBT carioca. Para o autor, a economia gerada pelo lazer noturno pode aumentar a clientela em busca de entretenimento, renda e empregabilidade. Os clubs e as boates voltados ao público

queers funcionam como uma espécide de lobby urbano. Seus investidores, gestores e operadores representam uma fatia significativa no desenvolvimento econômico da cidade, inclusive por meio do turismo. Essas características, segundo o autor, são capazes de criar visibilidade e estimular a melhoria de determinadas áreas através da chegada de novas iniciativas e de diversas atividades sociais e culturais além de se estabelecer como um ímã para segmentos criativos da sociedade. Na medida em que o Centro e a Zona Sul da cidade parecem ser regiões férteis para abrigar tais estabelecimentos, o Norte e o Oeste parecem afastá-los. Uma série de acontecimentos pode ter dado início a essa conformação. No início do século XX, no período compreendido entre 1903 e 1906, o Centro da ainda capital brasileira passou por uma reforma urbanística empreendida pelo então prefeito Francisco Pereira Passos, sob a égide das melhorias da imagem, sanidade e economia da cidade. Inspirado no desenho haussmaniano parisiense, o propósito da reformulação consistia traçar corredores de conexão com o centro (AZEVEDO, 2003). As ruas projetadas para a nova capital carioca afetaram diretamente áreas antes povoadas. A população mais abastada acometida pela intervenção refugiou-se na faixa litorânea dando origem aos bairros de Copacabana, Ipanema e Barra da Tijuca. Os menos afortunados afastaram-se para a periferia ou ocuparam os morros. Mais tarde, outros eventos ratificaram seu declínio: a extinção da

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Lapa como ponto de encontro dos boêmios em 1940, na Era Vargas; a derrocada dos cinemas localizados no bairro da Cinelândia aproximadamente em 1970 e, finalmente, a tomada da prostituição na Praça Tiradentes ( JESUS, 2017). É apenas a partir da década de 1980 que a prefeitura, frente ao estado em que o Centro se encontrava, implementa medidas para sua recuperação, juntamente com muitas outras ações que gerassem vitalidade noturna na cidade. As medidas adotadas foram as criações do Corredor Cultural (1979), Rio Orla (1992) e Rio Ruas Comerciais ( JESUS, 2017). O primeiro projeto dispunha aos proprietários diversos benefícios fiscais caso eles se comprometessem com a reabilitação de seus respectivos imóveis a fim de transformá-los em edifícios comerciais. A área abrangente envolvia a Praça 15 de Novembro, Cinelândia, Largo da Carioca, Largo da Lapa e um trecho que vai da Rua Araguaiana até a Praça Tiradentes (LIMA, 2007). Para atrair moradores e turistas à orla no período noturno o Rio Orla, em 1992, reformou as calçadas dotando-lhes de quiosques bem iluminados dando prioridade à pedestres (BRANDÃO, 2006). Em adição, garantiu a existência de mobiliário urbano esportivo e proviu ciclovias que conectavam as praias, igualmente alumiados. Por último, o Rio Ruas Comerciais, através de instrumentos de incentivo comercial, encorajava a existência de pólos de entretenimento a fim de reunir consumidores em um único território. É nesse contexto mercantilista que ressurgem os bairros como a Lapa nos


TABELA 1 Bairros com menor rendimento nominal médio domiciliar no Rio de Janeiro (2010). . Extraído de: JESUS (2017).

TABELA 2 Bairros com maior rendimento nominal médio domiciliar no Rio de Janeiro dados do censo IBGE (2010). Extraído de: JESUS (2017).

TABELA 3 Distribuição de estabelecimentos de entretenimento queer e LGBTfriendly no Rio de Janeiro em 2015 retirados do Guia Gay. Extraído de: JESUS (2017).

circuitos de lazer e a aparição de empreendimentos como o Circo Voador e o Teatro Odisseia. Foi visando uma maior margem de lucratividade, oportunidade de revitalização urbana de áreas degradadas e consolidação do turismo que empresários e poder público miraram na comunidade queer (HERZOG, 2007 apud JESUS, 2017). Não é possível afirmar, porém, que o pink money24 tenha tido repercussões no Brasil, como pontua Jesus (2017). O autor indica que o país tem uma alta taxa de desigualdade social, o que significa que nem toda a comunidade LGBT tem as mesmas oportunidades de acesso à bens e serviços como um todo. As tabelas 1 e 2 mostram a disposição geográfica

24  Pink money é a denominação dada ao poder de compra da comunidade LGBT. No Reino Unido pode ser ainda pink pound e nos Estados Unidos Dorothy dollar.

do rendimento nominal médio por domicílio a partir de dados do censo do IBGE de 2010 recolhidos pelo estudioso. Os moradores mais ricos chegam a receber de 10 a 18 vezes mais do que os mais pobres. Esses dados reforçam a particularidade brasileira de periferia do capitalismo, em que apenas uma pequena parcela da sociedade tem condições financeiras de usufruir as disponibilidades do mercado. E mesmo dentro da comunidade LGBT é possível observar esse fenômeno. A parcela com maiores poderes aquisitivos é composta majoritariamente, segundo o autor, de homens homossexuais, brancos, cisgêneros, de educação elevada e classe média alta e alta. E é entorno desse público que, no caso do Rio de Janeiro, o empresariado do segmento se arranja espacialmente e consequentemente reabilitam INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 57

seus contextos urbanos. Um levantamento dos empreendimentos queers e LGBT-friendly realizado pelo Guia Gay edição Rio de Janeiro em 2015 expõe essa realidade. Dos 39 estabelecimentos existentes na cidade do Rio de Janeiro, 31 ficam concentrados no Centro e na Zona Sul. Isso significa que apenas duas zonas, umas das mais ricas, abrigam quase 80% dos bares, cafés, restaurantes, clubes, termas, saunas, cinemas pornôs e clubes de sexo queers da cidade (tabela 3). O motivo se deve ao fato de que os usuários procuram os locais mais seguros, iluminados, policiados e bem monitorados da cidade ( JESUS, 2017). Elementos que parecem não encontrar em outras regiões. Após o anúncio de que o Rio de Janeiro sediaria as Olimpíadas 2016 e que receberia investimentos para revitalização


34 Mapa de boates LGBT-friendly na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Rio Gay Guide. Disponível em <https:// www.google.com/maps/d/u/0/viewer? mid=17fAxLQoXIdsbbTs6SSDqTixpL8g &hl=en&ll=-22.92979805961496%2C43.21652431909183&z=12> Acesso em junho 2017.

35 Mapa de saunas na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Rio Gay Guide. Disponível em <https://www.google.com/maps/d/u/0/vi ewer?mid=1f4c1GGre9F20gGOzyhQwKep5 dfo&hl=en&ll=-22.930084567178074%2C43.216283848388684&z=12> Acesso em junho 2017.

36 Mapa de bares e cafés LGBTs na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Rio Gay Guide. Disponível em <https://www. google.com/maps/d/u/0/viewer?mid=1pq0FswldSFqtOiCCQlWimFmwpQ&h l=en&ll=-22.92980506282424%2C43.21654938481447&z=12> Acesso em junho 2017.

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de seu porto com o projeto Porto Maravilha a boate carioca The Week, que fechara em 2013, reabre no seu antigo local de funcionamento, na Rua Sacadura Cabral. A apenas 3 quarteirões de distância do porto e a 600 metros de distância do Museu do Amanhã, que leva assinatura de Santiago Calatrava. Ela é predominantemente frequentada por homossexuais masculinos, brancos, cisgêneros e de classe média alta. Na Lapa acontece ainda a festa gay-friendly Chá da Alice na Fundição Progresso, que tem o mesmo público. O Buraco da Lacraia oferece uma opção mais acessível com shows de drag queens. No bairro, as lésbicas se encontram na boate Sinônimo. Ainda no centro, é perceptível a presença do Bar das Quengas e Estilo Lapa 127. Na Zona Sul encontram-se a boate Zero Zero, na Gávea; as boates TV Bar, Fosfobox e Le Cueva em Copacabana; os bares e cafés Galeria Café, Felice Caffé, Tô nem aí Bar, Café Bazar e Foch, em Ipanema. Este último na rua Farme de Amoedo, um símbolo de território LGBT na cidade do Rio de Janeiro. No noroeste da cidade, na Praça Seca, existe a boate 1140 voltada para jovens de classe mais baixas que apreciem shows de drag queens, funk, pagode e música pop. Em Bangu, uma das áreas mais pobres do Rio de Janeiro, a assiduidade de travestis e transgêneros pode ser notada na Boite Casa Grande ( JESUS, 2017). O poder público também fez sua parte. Observando o potencial econômico a ser explorado, a prefeitura da cidade lança mão de uma série de providências para garantir o

bem-estar físico, social e moral da comunidade queer carioca e de seus turistas. É regulamentada em 2008 pelo decreto 33.033 uma lei criada em 1996 de número 2.475. Ela prevê punições que vão desde advertência até a cassação do alvará de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais e repartições públicas do município que discriminarem dissidentes sexuais. Em conjunto à lei foram ofertados aos funcionários de todos os empreendimentos cursos de capacitação sobre os direitos LGBTs e lançadas campanhas de combate à homofobia, além das de conscientização e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. As últimas criadas pela Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual, a CEDS, em parecia com a Secretaria Municipal de Saúde. O esforço, infelizmente, não extinguiu os casos de discriminação cujas denúncias vinham, boa parte, das áreas mais pobres da cidade. Tampouco frearam o contágio de HIV que, em 13 anos, de 2001 a 2014, foram informados 13.965 novos casos ( JESUS, 2017). Com a intenção de acrescentar a cidade do Rio de Janeiro no circuito de turismo gay internacional através de sua inclusão na maior feira destinada ao público LGBT do mundo, a International Gay & Lesbian Travel Association (ILGBT), foi criada em 2011, pela CEDS e Riotur, a campanha Come to Live the Rio Sensation. A iniciativa seguiu o fluxo do empresariado quase que exclusivamente voltado ao público homossexual masculino, e priorizou aqueles espaços alocados na Zona Sul, também dos homens homossexuais, brancos,

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cisgêneros, de alta escolaridade e classe social ( JESUS, 2017). Apesar dos esforços, muitos turistas reclamaram da falta de infraestrutura em mobilidade, segurança e atendimento, considerado insatisfatório no período de suas estadias. Jesus (2017) compreende a importância da economia noturna carioca no desenvolvimento da cidade. Devido à centralização comercial LGBT, sugere que sejam realizadas mais parcerias entre os empreendimentos comerciais e o poder público a fim de garantir suporte financeiro e integração com os setores turísticos. O autor sugere que um dos canais que pode viabilizar essa colaboração é a criação de associações locais do empresariado. Elas deveriam ser responsáveis por articular diversos atores sociais em prol do desenvolvimento dos territórios ocupados, gerando diferentes ambientes urbanos tolerantes e diversificados, levando consigo as melhorias urbanas que parecem perseguir a comunidade queer.


ca pí tu lo 03

pessoas

espaços

pessoas se movem em linhas

co-existem em espaços convexos

3 A Teoria da Lógica Social do Espaço A Teoria da Lógica Social do Espaço foi desenvolvida nos ambientes da University College of London - UCL pelo Professor Bill Hillier, juntamente com outros pesquisadores, como Adrian Leaman, John Peponis mas, sobretudo, Julienne Hanson, nas décadas de 1970 e 1980, em Londres. Seus autores sugerem que os padrões de movimento, encontro e esquivança podem ser associados à organização espacial, tanto edilícia, quanto urbana. No entanto, as relações existentes

mudança de campo visual 37

entre essas características e o espaço são muito pouco debatidas na ciência. Uma melhor compreensão de suas imbricações pode direcionar a

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um considerável aperfeiçoamento no ato de projetar tanto o espaço arquitetônico como o urbano. Apoiando-se em uma base multidisciplinar como a Filosofia,


Antropologia, Ciências Sociais, Geometria e Matemática, A Teoria da Lógica Social do Espaço constrói, nas palavras de Hillier e Hanson (1984) um modelo conceitual no qual as relações podem ser investigadas com base no conteúdo social do padrão espacial e no conteúdo espacial do padrão social (HILLIER & HANSON, 1984, xi), Existem, entretanto, algumas confusões a respeito da teoria quanto à sua classificação. Vinícius M. Netto (2013), com o objetivo de elucidar primeiro o que a Sintaxe Espacial não é, deixa claro que não se trata de uma teoria da cidade e sim de uma teoria de relações entre espaço e sociedade. Segundo o autor, apesar de algumas semelhanças entre as duas conceituações, a metodologia criada pelos britânicos não incorpora no seu escopo elementos essenciais às teorias urbanas como os processos de estruturação e desestruturação urbanas, a morfologia tridimensional da cidade, suas relações com o crescimento, adensamento e expansão, o problema

da substituição da forma arquitetônica e as relações entre as tramas de atores em diferentes papéis na divisão do trabalho e nas redes de produção econômica e do espaço em si (NETTO, 2013) Em outras palavras, a Teoria da Lógica Social do Espaço é uma teoria descritiva da capacidade que o espaço tem de conter em si informações de cargas sociais (HILLIER & HANSON, 1984). As primeiras investigações partiram do edifício como um organizador de espaços, de vazios, onde as interações sociais ocorrem, e não simplesmente um objeto materializado. A configuração destes espaços, ou seja, as possibilidades de conexão ou não entre si seriam as responsáveis pela maneira como se dão as relações sociais e de movimento entre seus usuários. Nas cidades, essas relações se baseariam nos padrões de movimentos definidos pelos conjuntos de edificações, as quadras. O movimento natural na cidade, que, para os autores, independe de componentes atratores, seria a estratégia adotada pelo comércio em busca das oportunidades de maiores movimentações geradas pela

malha (HILLIER et al, 1993 apud CAVALCANTI, 2013). O modelo de representação da dimensão arquitetônica poderia ser concebido por intermédio de um gráfico em que círculos simbolizavam os espaços; e suas conexões, entradas ou saídas, caracterizadas por linhas (fig. 37). O propósito final era o de descrever padrões de permeabilidade nas edificações. Hillier e Hanson (1984) atentam que a mensuração de relações espaciais através desse gráfico só é possível graças à nitidez com que pode ser feita a leitura do que é espaço e do que é conexão em um edifício. Ela não poderia contemplar as “estruturas contínuas de espaços abertos, às vezes regular, às vezes irregular, ora formando anéis, ora árvores” (HILLIER & HANSON, 1984, p. 16) por serem demasiadas complexas. Eles se referem às estruturas da malha urbana, dos espaços dos estranhos, do movimento (fig. 37). É nesta segunda situação que versamos neste trabalho. Os assentamentos são uma invenção humana. Foram criados com o objetivo de reunir serviços, funções e um aglomerado de gente. Esses assentamentos 38 37 Três tipos de representação espacial. A Teoria da Lógica Social do Espaço entende que as pessoas tendem a se movimentar em linhas, a conjugar em espaços convexos e tem suas visadas modificadas de acordo com a configuração espacial. Adaptado pelo autor. Disponível em: <http://otp.spacesyntax. net/overview-2/representations-of-space/> Acesso em maio 2017.

38 Diagramas identificando a configuração espacial de espaços arquitetônicos e seus gráficos justificados. Extraído de: HILLIER & HANSON (1984)

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podem variar em tamanho e população, o que funciona como uma espécie de indicador se um assentamento é uma aldeia, vila, vilarejo, cidades e, a partir da união delas, metrópoles. O que é uma constante em todos os tipos citados é sua composição. Da perspectiva física, invariavelmente, eles são formados por cheios, que Hillier e Hanson (1984) chamam células, facilmente identificáveis como casas e edifícios, por fim, arquitetura. O conjunto desses edifícios 39

39 Mapa dos espaços contínuos dos bairros da Boa Vista e Soledade confeccionado pelo autor. 40 Mapa Axial da Cidade do Recife. Cedido pelo professor Luiz Amorim (UFPE).

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formam as quadras ou blocos, o que dão formas às cidades; e vazios, que são as ruas, vielas, praças, parques, compreendido, portanto, como os espaços públicos. São como estes últimos estão ordenados que dão, de fato, a experiência urbana: o trânsito de gente e as funções da cidade da vida cotidiana (HILLIER, HANSON & PEPONIS, 1987). As estruturas contínuas, das quais falamos anteriormente, geradas através conexões dos espaços públicos delimitados pela arquitetura, podem ser interpretadas, conforme Hillier e Hanson (1984), de duas maneiras. A primeira delas é em relação à sua bidimensionalidade, constituída pela presença de espaços convexos nos quais pode-se perceber zonas estáticas onde os próprios habitantes têm total controle da interface e cuja visibilidade e acessibilidade de qualquer ponto interno a ele são irrestritas. Isso garante uma diferenciação local ao sistema. A segunda diz respeito à unidimensionalidade, diretamente relacionada com a linearidade ou axialidade do espaço. Característica esta que podemos facilmente aceitar ser pertinente à rua, estradas, vias. Ele, por sua vez, afeta os padrões de uso e movimento e incluem o estranho, a visita ou o forasteiro à rede (HILLIER, HANSON & PEPONIS, 1987). Estes espaços se relacionam entre si formando anéis, umas vezes ortogonais outras uma espécie de malha deformada, e correspondem ao sistema global. A denotação das particularidades destas dimensões evidenciou uma conformação socioespacial baseada na relação, não só entre habitantes


(padrão local), mas também, entre habitantes e estranhos (padrão global) haja visto que as configurações espaciais parecem ser determinantes aos fatores encontro e esquivança sociais Neste ponto, captar o padrão global é de fundamental importância para nos guiar a entender de que forma as cidades funcionam e como elas coordenam os parâmetros de uso e movimento, tão pertinentes à urbanidade. Identificadas as dimensões, o desafio encontrado pelos pesquisadores foi o de desenhar um modelo representativo da análise da estrutura global, do espaço contínuo, de modo que não fosse desvinculado de suas propriedades as estruturas sociais. A representação teria que abarcar o próprio sistema de espaços abertos e sua interface com a arquitetura a fim de tornar as relações sintáticas identificáveis e contáveis. Foi observando uma espécie de mapa de fundo-figura invertido, ou seja, com as ruas preenchidas de preto e as construções em branco (fig. 39), que Hillier e Hanson (1987) chegaram à conclusão de que as representações podem ser elaboradas através de mapas axiais e convexos. Estes mapas exprimem assertivamente tanto os padrões locais e globais individualmente, como as relações existentes entre eles a partir da leitura do sistema como um todo. O mapa convexo pode ser representado pela quantidade mínima de espaços robustos que cobrem o sistema e que, como dito anteriormente, todos os pontos internos a ele são completamente visíveis e acessíveis, portanto, ele

demonstra uma escala mais local dos sistema. Enquanto que o mapa axial (fig. 40) é construído pela menor quantidade de longas linhas que atravessam os espaços convexos e se conectam entre si, constituindo-se assim num instrumento de exploração da estrutura global do assentamento (fig. 39). Por essas razões utilizamos quatro noções derivadas das análises sintáticas urbanas. A primeira, o mapa axial, foi utilizada para as análises globais, ou seja, da macroescala, onde será possível a visualização das propriedades de integração do sistema global da cidade do Recife. O mapa axial inclui as áreas conurbadas ao sul e norte. Na mesoescala serão utilizadas ambas as representações, tanto axial nas análises de integração e profundidade, quanto de campos visuais, observados segundo o grafo de visibilidade (Visual Graph Analisys ou VGA). Na microescala foram utilizadas as noções de análise angular de segmentos, portanto aferidos no sistema axial; e as noções do gráfico de visibilidade nos espaços convexos, para apreensão das dimensões mais locais utilizando raios de 100 metros. As razões da seleção das modalidades análiticas se devem por revelarem a estrutura morfológica da cidade e permitirem avaliar em que medida suas diferenciações podem estar associadas às ocupações queers na cidade do Recife, particularmente pela correlação positiva entre padrões de movimento e os valores de integração e seus impactos no uso do solo urbano. Estariam os empreendimentos

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e espaços LGBT, a fim de se auto preservarem, evitando as zonas mais movimentadas da cidade? E como se comportam na escala local, mesoescala como convencionamos, ou na escala do bairro? Quais são as propriedades morfológicas dos locais onde escolhem se estabelecer? São perguntas que pretendemos responder ao final deste trabalho.

3.1 A análise sintática da urbe

A primeira medida que utilizamos trata-se da medida de integração. Sua noção está atrelada ao conceito de profundidade (AMORIM & LOUREIRO, 2000). Na representação axial do assentamento urbano todas as linhas estão conectadas diretamente ou indiretamente. Para acessar linhas que não estejam diretamente relacionadas será necessário percorrer tantas outras quanto forem necessárias ou, usando o jargão sintático, dando quantos passos forem precisos. A profundidade se caracteriza pelo número de passos que devem ser dados para se chegar ao espaço de destino. Sendo assim, quanto mais rasa uma linha mais acessível ela é. À medida que sua profundidade aumenta ela se torna menos acessível, ou seja, mais profunda. No mapa axial o grau de integração das linhas é representado por uma escala de cores que varia do vermelho ao azul. Quanto mais quente (em tons de vermelho) mais rasa, mais acessível, mais integrada à outras a linha é. Quanto mais fria (em tons de azul) menos integrada, menos acessível, mais profunda em relação ao sistema ela é.


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41 Mapa de conectividade de um assentamento urbano através da Visibility Graphic Analisys. Disponível em <http://myronsullivan. weebly.com/master-inarchitecture.html> Acesso em junho 2017 42 Diferenças nos ajustes do mapa axial para mapa de segmentos. Disponível em <https:// aredeurbana.wordpress. com/2016/05/24/ sintaxe-espacial-e-aanalise-angular-desegmentos-parte-1conceitos-e-medidas/> Acesso em junho 2017

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Isso quer dizer que, do ponto de vista da sintaxe espacial, as linhas mais integradas, acessíveis ou rasas do mapa axial representam as ruas que recebem o maior fluxo de pessoas para e através do sistema. Cavalcanti (2013) afirma que é possível identificar padrões de movimento urbano fazendo uso da ferramenta já que ela sugere uma relação entre a propriedade de integração, tal como defendida, e padrões de movimento, ou melhor, dizendo, entre esta propriedade e a previsibilidade de movimento (CAVALCANTI, 2013, p. 39) Sendo assim, as áreas mais rasas do sistema axial tendem a representar os centros comerciais, financeiros e outras atividades que dependem de movimento enquanto que as mais profundas tendem a representar as áreas residenciais. Na mesoescala, além das noções de integração e profundidade, também foi utilizado o gráfico de visibilidade proposto por Turner et al (2001), o VGA - Visual Graphic Analisys. O método de análise derivado das isovistas25 tem como foco a representação global das relações existentes entre todas as isovistas geradas por uma malha de pontos distribuídos no espaço delimitado para o estudo. Se dois pontos geradores de isovistas do espaço convexo 25  Uma isovista corresponde à todos os pontos visíveis de um ponto dado em relação à todo o espaço convexo coberto. Interessante notar que a isovista é dinâmica. O tamanho e o formato do polígono de visão podem variar a depender da posição do observador. Ou seja, o que a isovista revela é um polígono que expressa a capacidade visual do ponto de origem, assim como a sua capacidade de ser visto (TURNER et al, 2001)

forem visíveis entre si então entre eles existe uma relação de primeira ordem. Assim como no mapa axial, esta ferramenta é capaz de gerar um sistema de representação que mostra as áreas mais visíveis e menos visíveis de um espaço delimitado para seu estudo. As áreas de maior visibilidade ganham tons quentes, variações mais próximas do vermelho, já as áreas menos visíveis são representadas por preenchimentos em tons frios, ganhando tons que se aproximam mais do azul escuro (fig. 41). Por fim, fizemos uso das noções da análise angular de segmentos, do mapa axial. Os autores Turner et al (2001) propuseram a análise angular de segmentos visando a correção de alguns desajustes da análise axial comum. Uma destas correções consistia em minimizar os efeitos da representação de linhas sinuosas como um conjunto de linhas axiais. Na análise axial as linhas são interpretadas como mudanças de direção e, no caso de vias sinuosas, nem sempre era o caso. A nova vertente da análise sintática leva em consideração que o movimento natural é aquele que envolve o menor desvio angular possível. Ela reduz as linhas axiais à segmentos criados pelas intersecções e calcula cada um isoladamente (fig. 42). Essa medida permite uma leitura mais detalhada de trechos muito longos por entender que a acessibilidade varia dependendo da localização do segmento. Assim como nos casos anteriores, o mapa de segmentos é representado por uma escala cromática que obedece à mesmo lógica. Para compreender a microescala, aquela das manchas,

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como definidas por Magnani (2000), existe, dentro das análises de segmentos, uma técnica denominada step depth. Essa técnica é comumente utilizada para observância de um ponto específico do assentamento em relação ao sistema global medindo “o caminho mais curto a partir do segmento selecionado para a análise para todos os outros segmentos” (TURNER, 2004, p. 28). A partir dela é possível compreender o grau de complexidade da malha urbana do ponto de vista da escala humana. Sua análise pode se desdobrar em três tipos: passo angular, passo métrico e passo topológico. Sendo que neste trabalho utilizaremos apenas os dois primeiros por serem considerados mais precisos26. Passo angular ou angular step trata de um ângulo de análise que calcula a distância topológica do segmento selecionado em relação aos outros levando em conta a angulação no processo. A medida do passo métrico ou metric step evidencia a distância em metros de espaços adjacentes do segmento selecionado para sua análise. Também nessa medida o mapa é gerado em relações cromáticas: linhas que tendem para o vermelho são as mais rasas, integradas ou acessíveis metricamente ou angularmente em relação a segmento selecionado para a análise, enquanto linhas que se aproximam do azul são as mais profundas, de difícil acesso

26  Fonte: https://aredeurbana. wordpress.com/2016/05/24/sintaxe-espacial-e-a-analise-angular-de-segmentos-parte-1-conceitos-e-medidas/


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4 A cidade do Recife O Recife nasceu do porto. Foi do istmo que ligava o à capital da capitania, na época Olinda, que a cidade cresceu e se expandiu. Amorim e Loureiro (2000) contam que a cidade nasceu à revelia do donatário Duarte Coelho que designou Olinda como capital por questões de segurança: do alto da cidade era possível observar quem chegava do mar. A conveniência da proximidade com o porto e a localização entre rios fez o istmo do Recife tornar-se um assentamento muito mais atrativo para aqueles que lidavam com o comércio e a exportação da cana de açúcar e pau-brasil, assim

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como a importação de produtos europeus. Os rios Capibaribe e Beberibe serviram de corredor fluvial permitindo o transporte desde e até os engenhos de açúcar à oeste, na Várzea. A ocupação é realizada seguindo a estreita faixa de terra formando uma circulação linear que procurava ligar-se à Ilha de Antônio Vaz. A chegada holandesa e o superpovoamento faz a cidade expandir-se para a Ilha através de uma ponte, a Ponte do Recife. A retomada portuguesa e os entraves políticos entre senhores de engenho residentes em Olinda e os comerciantes ricos da Ilha fazem a povoação elevar sua posição e mudar seu nome, tornou-se Vila de Santo Antônio do Recife e


43 Marco Zero, Recife. Disponível em <http:// megaroteiros.com.br/o-quefazer-em-recife-7-atracoesimperdiveis/> Acesso em junho 2017

capital do estado (AMORIM & LOUREIRO, 2000). Hoje, a cidade do Recife é a capital do frevo e de Pernambuco, estado do nordeste brasileiro. A cidade apresenta o melhor Índice de Desenvolvimento humano do nordeste, é o quarto maior aglomerado urbano do Brasil, nona cidade mais populosa com um total de 1.625.583 habitantes segundo dados do IBGE (2010) e oitava região metropolitana mais rica do país. Nasceu do porto, do comércio da cana-deaçúcar e se adentrou território adentro graças ao Rio Capibaribe. Sua rica hidrografia fluvial, rendeu-lhe o título de Veneza Brasileira, em remetimento à cidade italiana e seus canais.

Foi capital da capitania mais próspera do Brasil colônia e por mais de duas décadas ocupada por holandeses que deixaram suas marcas no desenho urbano da cidade. A Região Metropolitana do Recife, composta por 13 outros municípios, é a quinta maior do país, segundo o censo de 2010, e abriga quase quatro milhões de moradores. Metrópole que é, Recife segue os exemplos de outras cidades mundiais ocidentais e torna-se um terreno fértil para diferentes subculturas, especialmente a queer. Em 2002 foi realizada na cidade a primeira parada da Diversidade LGBT. Em 2005 ocorreu o primeiro Festival de Cultura Gay, que contava com

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palestras, feiras, exibições de filmes e exposições. Em 2013 a cidade recebeu a primeira edição do Recifest, o Festival da Diversidade Sexual e de Gênero, uma exposição audiovisual que abrange inúmeras atividades culturais durante seu período. Essa programação cultural queer é a prova do espaço que a comunidade ocupa na cidade. 4.1 A presença queer Nos anos 60 a presença queer no Recife podia ser notada nos Cais do Porto, no bairro do Recife, e de Santa Rita, no bairro de Santo Antônio (NOVENA et al., 2012). Na década seguinte, com o Brasil sob a ditadura


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44 Jornal do Recife, 1936 com a manchete A menina que quer ser homem. Fonte: Jornal do Recife, ed. 134, p. 8, 5 jan 1938.

militar nos regimes de Emílio Garrastazu Médici (1969–1974) e seu sucessor Ernesto Geisel (1974–1979), podem ser encontrados já no bairro da Boa Vista, precisamente no Mustang, restaurante localizado em uma das esquinas do cruzamento da Avenida Conde da Boa Vista com a Rua José de Alencar. Aberto até hoje! Depois que fechava, seus frequentadores migravam para boates localizadas na Praça Machado de Assis, logo atrás do Cine São Luís. Novena et al. (2012) apontam outros espaços tolerantes como o Pátio de São Pedro no bairro de Santo Antônio na ocasião da Terça-feira Negra; um ponto de encontro de lésbicas, no bairro do Arruda; e o do grupo teatral Vivencial Diversiones no Complexo de Salgadinho, Olinda. Eram neles que a comunidade queer recifense se sentia à vontade para flertar ou expressar suas afetividades sem julgamentos. O casal Welton Trindade e Márcio Claesen, idealizadores do projeto Guia Gay, trabalham de São Paulo capital coletando informações sobre os empreendimentos com foco na comunidade LGBT e espaços de tolerância. A Guiya Editora é a primeira do ramo voltada para o público queer. Ela se dedica à produzir guias turísticos impressos e on-line para os moradores e turistas de sete capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Florianópolis e Recife. Os empresários se dizem surpreendidos com a quantidade de espaços públicos tolerantes à diversidade sexual na cidade

do Recife, que consideram amigável a esse grupo social ( JORNAL DO COMÉRCIO, 2014). Essa percepção parece um tanto paradoxal ao contrastála com o histórico de índices de crimes de ódio na capital pernambucana, que já chegou a ser a campeã nacional em mortes queers. No ano passado São Paulo foi o estado que mais matou por homofobia, no que foi considerado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) o ano mais perigoso para os LGBTs brasileiros desde a década de 197027. Em 2016 foram mapeados pelo Guia Gay edição Recife 31 pontos queers, entre eles estão espaços públicos, praças, bares, boates, restaurantes, sorveteria, saunas, cinemas e um shopping espalhados por oito bairros da cidade. Mais da metade desses empreendimentos e espaços públicos mapeados pelo guia ficam localizados no centro histórico do Recife em um polígono composto pelos bairros da Boa Vista (11), Soledade (4), São José (1), Santo Antônio (1), Santo Amaro (3) e Bairro do Recife (3). O restante deles está situado na zona sul da cidade nos bairros do Pina (1) e de Boa Viagem (5) (ver fig. 45). A distribuição geograficamente nem um pouco igualitária, por si só, já delimita o recorte espacial de estudo deste trabalho: os bairros da Boa Vista e Soledade que, juntos, aportam 50% dos empreendimentos com foco na comunidade queer. Juntamente com outros adjacentes, os bairros são conhecidos entre os recifenses 27 http://g1.globo.com/bahia/noticia/2017/01/ba-ocupa-2-lugar-emcrimes-contra-lgbts-aponta-relatoriodo-grupo-gay.html INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 69

como o Centro da Cidade, ou simplesmente, “cidade”, bem como anuncia a publicidade do Shopping do bairro, o Boa Vista, “O Shopping da Cidade”. O shopping tornou-se referência entre os jovens queers que, como São Paulo, acabou apelidado de Shopping “Boa Bicha”. É com esses bairros que iremos trabalhar para realização das leituras e interpretações. Ambos ficam localizados na Região PolíticoAdministrativa I da cidade do Recife. Envolvem uma área de 208ha² e possuem juntos, dentro do seu perímetro, conforme dados recolhidos pelo IBGE (2010), 17.273 habitantes. O bairro é uma divisão político-administrativa da urbe dotado de forma, tamanho e história social. Consiste em uma unidade territorial que fica entre as escalas da rua e da cidade: a escala urbana, “ideal para a reivindicação coletiva” (BARROS, 2004, p. 61). É a delimitação municipal que utilizamos como parâmetro de análise neste trabalho. Mas convém compreender que, apesar de haver uma circunscrição para fins administrativos, seus limites subjetivos não são rígidos. No caso de estudos de grupos sociais, esses limites são borrados, maleáveis e podem sofrer alterações devido à questões externas sociais, econômicas, políticas e culturais. Para Barros (2004) os limites administrativos e limites subjetivos devem coexistir. Não coincidem, na maioria das vezes, porém, fazse necessário que existam, caso contrário essa escala urbana não existiria de fato. Os (limites) administrativos são necessários porque é partindo deles que aquele recorte é identificado


45 Mapeamento realizado em 2016 pelo Guia Gay Edição Recife. Disponível em <http://megaroteiros.com. br/o-que-fazer-em-recife-7-atracoesimperdiveis/> Acesso em junho 2017

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oficialmente e planejado ou assistido gestoramente; e os (limites) subjetivos se fazem necessários, visto que (o módulo social é aí definido) é a partir de sua definição coletiva que a base social se instaura, as reivindicações tomam corpo e o suporte físico o faz único (BARROS, 2004, p. 63) Da maneira como estão dispostos os empreendimentos nos bairros da Boa Vista e da Soledade podemos encontrar duas manchas (fig. 45). Ou seja, duas áreas de estabelecimentos não contíguos, que guardam entre si uma relação de complementaridade pelas funções e serviços oferecidos (MAGNANI, 2000 apud NASCIMENTO & FERNANDES, 2010, p. 5) É por esse motivo que os empreendimentos Mustang e Castelo Marrom e Thermas Boa Vista foram excluídos das análises. Apesar de reconhecêlos como importantes estabelecimentos na construção da identidade queer da cidade do Recife, eles não compõem atualmente uma mancha condizente com as definições de Magnani (2000). Após uma atualização foi constatado que alguns estabelecimentos encerraram suas atividades depois que o mapeamento do Guia Gay foi realizado como o Pimenta Pub e o Cinema Especial, outros, foram abertos como o Place Bar e o Toca dos Gatos. A primeira mancha fica localizada na porção sudoeste dos bairros e é formada pelo Club Metrópole, Miami Pub, Santo Bar, Conchittas, Place Bar, Toca dos Gatos, Soy Bar

e a sauna Progresso Club. A segunda é um pouco mais tímida, fica do lado norte da Avenida Conde da Boa Vista e é onde podemos encontrar a boate Meu Kaso Bar (MKB), o cinema pornô Cine Boa Vista e o bar direcionado ao público lésbico Nosso Jeito Bar. Por questões diacrônicas e de pioneirismo convencionou-se chamar Mancha MKB e Mancha Metrópole, muito embora ambas abarquem outros estabelecimentos em seus arredores, as boates MKB e Metrópole foram as primeiras a se instalarem nos locais e funcionaram como ímãs para outras iniciativas. 4.2 Os empreendimentos: A mancha Metrópole

1 46

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O Club Metrópole (1) inaugura em 2002, na mesma edificação onde antes funcionava para o público alternativo recifense as boates Misty e Doctor Freud, na esquina oeste do cruzamento da Rua das Ninfas

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com a Avenida Manoel Borba número 125. A boate conta hoje com dois andares e um mezanino divididos em quatro espaços, sendo eles duas pistas de dança, um bar e uma área externa com piscina que funciona como espaço para fumantes. Ocupa, contando com seu anexo de dois ambientes o Miami Pub (2) inaugurado em 2015, três lotes da quadra. Durante muito tempo ela atuava sozinha nessa região na cena LGBT noturna da cidade. De uso de apoio contava apenas com um “fiteiro” que fica localizado exatamente na esquina oposta. Foi apenas recentemente, por volta do ano de 2012, que a área atraiu um conglomerado maior de investimentos de lazer para a população queer.

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Em 2012 a mesma empresária que comanda o Club Metrópole, Maria do Céu, abre outro empreendimento, o Santo Bar (3). Ele fica localizado no bairro da Soledade, na Rua das Ninfas, em um chalé de número 84 reformado para receber seu novo uso. Foi aberto com intenção de funcionar como um bar e bistrô mas hoje abre como uma casa noturna com apresentação de dj’s e uma programação composta de festas de produtores locais. Suas instalações contam com uma pista de dança, dois bares e uma área externa com cadeiras e


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Empreendimentos: 1.Club Metrรณpole 2. Miami Pub 3. Santo Bar 4. Conchittas 5. Place Bar 6. Gatos de rua 7. Soy Bar 8. Sauna Progresso Club 9. MKB (Meu Kaso Bar) 10. Cine Boa Vista

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mesas.

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número 654. A proposta do novo estabelecimento segue o exemplo do seu antecessor e oferece ao público LGBT uma opção de lazer noturno alternativo e mais acessível com dj’s e uma pequena pista de dança. Cadeiras e mesas são espalhadas na calçada todas às noites a partir das 18h e aos

lazer noturno onde dispõe mesas e cadeiras para os consumidores. É responsável por deslocar a mancha de influência LGBT da região ao oeste, sentido à Avenida

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Em 2014 a mancha se expande e o Conchittas (4) é aberto na esquina diagonal ao Club Metrópole. O bar iniciou suas atividades acanhado, com uma estrutura pequena e oferecendo um serviço e produtos mais acessíveis. Alcançou sucesso e dois anos depois se mudou para uma estrutura maior ocupando uma casa térrea na Avenida Manoel Borba número 709, apenas um edifício depois do complexo do Club Metrópole, que também sofreu adaptação para seu novo uso. A reforma incluiu abertura de toda a parte interna transformando o sobrado em um espaço único onde ficam o bar e as mesas. Um mezanino também foi acrescido à sua estrutura. Nos fundos ficam localizados os banheiros e espaços

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6 52

domingos às 15h. Na mesma edificação do bar anterior, na face voltada para a Rua das Ninfas número 161, fica localizado talvez o menor estabelecimento de ponto fixo da mancha, o bar Toca dos Gatos (6). Ele se apoia no espaço público distribuindo mesas e cadeiras pela calçada já que o seu interior comporta apenas geladeiras e um balcão para servir

Agamenon Magalhães. A Sauna Progresso Club (8) é um ponto fora da curva. A começar, ela fica localizada na Rua do Progresso, paralela à Avenida Manoel Borba e transversal à Rua das Ninfas. Seu horário de funcionamento também é diferenciado. A casa abre às 15h e funciona até às 23h. 4.3 Os empreendimentos:

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mais íntimos. O Place Bar (5) toma o lugar do antigo Conchittas, na Avenida Manoel Borba no edifício de

petiscos. Em fevereiro deste ano foi aberto o Soy Bar (7). Ele consiste em um bar de fundo de quintal com apresentações de música ao vivo mas também usa a calçada frontal como indicativo de que se trata de um estabelecimento de

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A mancha MKB Na outra mancha temos a presença da boate MKB (Meu Kaso Bar) (9) no edifício de número seis com modificações visivelmente perceptíveis de ampliações para ganho de espaço e adequações ao seu novo uso. A posição é estratégica e privilegiada. A edificação fica na esquina e tem um formato triangular que se divide tanto


para a própria Rua Corredor do Bispo como para a Rua do Riachuelo. Na parte exterior a casa conta com um grande recuo ajardinado e é fronteada por um largo da Rua Corredor do Bispo. Na parte interior as paredes da edificação foram extintas para dar lugar a uma pista de dança ampla com ar refrigerado, um palco para as apresentações de drag queens e gogo boys, um mezanino voltado para o palco, incrustado na fachada principal do edifício, e um darkroom28. Na parte posterior, em um terraço improvisado, fica o ambiente de shows de bandas locais, principalmente brega. Na lateral direita é onde encontramos um ambiente aos moldes bar e violão

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com música ambiente ao vivo. O Cine Boa Vista (10), funciona na mesma rua desde 2007, das 14h às 22h, como um cinema pornô voltado para o público masculino, gay ou não. Suas instalações contam com duas salas de projeção. A principal fica no térreo e é onde são exibidos os filmes pornôs heterossexuais. A segunda é no andar acima e a exibição é exclusivamente de filmes pornográficos homossexuais. Além disso o cinema oferece um 28 Darkroom é um ambiente fechado desprovido de luz onde o sexo é liberado sem o (re)conhecimento do(s) parceiro(s) envolvido(s).

bar, uma lanchonete e uma pista de dança aos domingos a partir

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das 18h. O Nosso Jeito Bar (11) é um bar voltado para o público lésbico e fica localizado na Rua Bispo Cardoso Ayres no número 65, logo depois do MKB. O edifício é recuado da rua e da calçada o que lhe confere um estacionamento frontal. Sua fachada é toda revestida com a logo do estabelecimento de fundo preto. Nenhuma mesa ou cadeira é posta fora dos seus aposentos. Toda a boemia acontece de portas para dentro. A disponibilidade de espaço interno talvez seja o responsável por essa característica. Depois de atravessar um corredor estreito o cliente alcança o espaço amplo que funciona como pista de dança recoberta com telha metálica. Nos fundos da pista existe um palco onde frequentemente acontecem shows de bandas locais. A proposta talvez se encaixe melhor na definição de casa de shows do que como um bar propriamente dito, como os existentes na mancha anterior. O espaço para fumantes é garantido por um recuo lateral da edificação. A intervenção, apesar de suprir o necessário, foi realizada de modo a ainda permitir que se entenda a estrutura de uma antiga casa. É possível perceber a localização do que poderia ter sido a garagem da

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residência. Localizados, atualizados os em funcionamento e caracterizados os empreendimentos fez-se necessário introduzir informações sobre o estudo da forma urbana dos bairros e de sua dinâmica de uso do solo e ocupação a fim de compreender o que pode ter levado a região a ter características de uma red light district recifense permitindo traçar paralelos com os casos do Castro, Soho, Rio de Janeiro e São Paulo. 4.4 A Macroescala 4.4.1 A história Depois de ter sido elevada a capital do estado no século XIX, como dito anteriormente na introdução à cidade, seu tecido urbano se expande para oeste com a construção da Ponte da Boa Vista. Com um prolongamento da Rua Nova, cresce além do Rio Capibaribe, em busca de alcançar o continente. O bairro homônimo à ponte que ali começa a se desenvolver, é descrito pelo comerciante Tollenare (AMORIM & LOUREIRO, 2000) como sendo, dos três bairros assentados à sua época, o mais alegre e moderno [...] ruas e calçadas ali mais largas [...] casas bonitas habitadas por gente rica, mas que não pertencem ao comércio porquanto quase todos os negociantes moram no Recife [...] (TOLLENARE, 1816 apud AMORIM & LOUREIRO, 2000, p. 12) Na metade do século XIX o bairro da Boa Vista sofre o loteamento de suas terras. Assim também como sucessivas intervenções de natureza


expansionista para suprir a demanda habitacional da época. Os aterros realizados originaram, dentre muitas outras áreas, a Rua Formosa e a Rua da Aurora (LIMA, 2013). É nessa época que o bairro recebe diversos equipamentos como a Academia de Direito, os hospitais Pedro II e Lázaros, e o cemitério público de Santo Amaro. A espacialização desses usos assistenciais e culturais na Boa Vista conferiram ao bairro um caráter comunitário se comparado aos outros existentes na época que, segundo Amorim e Loureiro (2000), foi um atributo fortalecido no século XX. Alguns anos mais tarde a Rua Formosa tem seu nome modificado para Avenida Conde da Boa Vista, em decorrência da morte de Francisco do Rêgo Barros, o Conde da Boa Vista, antigo presidente da província. É quando também passa por uma ampliação sendo estendida até o bairro do Derby, na construção do Caminho Novo (LIMA, 2013). Um estudo com bases na Sintaxe Espacial de Amorim e Loureiro (2000) revelou

uma cidade conformada pelo percurso do que corresponde hoje, no bairro da Boa Vista, à Rua da Imperatriz, no que os autores chamam de percursomatriz, expressão emprestada de Canigia e Maffei (1981). O Recife ganha sua forma a partir de ruas e estradas que ligavam as ilhas ao continente, buscando os engenhos. A gradativa formação do núcleo de integração, concentrado no bairro de Santo Antônio, anexando na sua trama os tecidos holandês e moderno, vai configurando a matriz elementar que se consolida mesmo com a extensão do núcleo para a Boa Vista. O Recife não é o Recife. O Recife começa como caminho, cresce pelo caminho que busca terras férteis e afirma-se no trajeto para e do continente (AMORIM & LOUREIRO, 2000, p. 18) No início do século XX chegam à Vila os trens urbanos Maxambomba, um transporte urbano sobre trilhos que se encarregava de fazer a ligação entre o continente, o bairro da Boa Vista, e as duas outras

ilhas, os bairros do Recife e de Santo Antônio. Para isso foram necessárias as criações de conexões diretas entre os bairros da Boa Vista e do Recife através da Ponte da Estrada de Ferro do Limoeiro além de outras duas que ligavam a Boa Vista à Ilha de Santo Antônio: as Pontes da Estrada de Ferro, hoje Ponte Duarte Coelho, e Estrada de Ferro Caxangá. A Ponte Duarte Coelho é o elo entre o bairro da Boa Vista e a Ilha de Antônio Vaz que conecta um dos principais (se não o principal) eixos integradores da cidade, a Avenida Conde da Boa Vista. A Avenida vem sendo objeto de estudos e intervenções urbanas modernizadoras desde o início do século XX. Ela está presente nos diversos planos apresentados para discutir o rumo da expansão da cidade do Recife. Nestor de Figueiredo (1932), Atílio Corrêa Lima (1936) e Ulhôa Cintra (1943), por exemplo, indicam uma mesma constante em suas respectivas propostas de remodelação para a cidade (fig. 59, 60 e 61). Os anseios dos projetistas residiam na adoção

58 Construção da Ponte de Ferro ou Ponte da Boa Vista. Um prolongamento da Rua Nova. Da ilha ao Continente. Disponível em < https:// revistaescritapulsante.com. br/2016/02/29/o-nordeste-e-suas-cronicas-fotograficas-da-recife-imperial/> Acesso em junho 2017.

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da estratégia do desenho radialperimetral, além da reconexão com a Boa Vista, a fim de consolidar a Avenida como principal via articuladora CentroOeste (LIMA, 2013). A concretização desse desejo percebe-se na metade do mesmo século quando a avenida é alargada para criação de estacionamentos sacrificando diversos edifícios como a Igreja Anglicana onde encontramos hoje, no mesmo sítio, o Cinema São Luiz. A Avenida Conde da Boa Vista desenvolveu-se como principal corredor de circulação da cidade do Recife com a construção de diversos edifícios mistos desde então. O centro da cidade era efervescente, de carros, trens e de gente. O sucesso, contanto, não foi duradouro. Na década de 1970

a Boa Vista/Soledade presencia o início de sua derrocada. Desde o final do século anterior a população mais abastada residente no que se convencionou chamar-se de centro da cidade começou a migrar rumo aos subúrbios. As famílias mais ricas foram, aos poucos, se deslocando para os bairros mais afastados nas zonas norte e sul da cidade como por exemplo os bairros de Casa Forte, Madalena, Torre, Capunga e Boa Viagem. Elas buscavam uma vida menos agitada. O êxodo dessas famílias significou um deslocamento dos investimentos para outras localidades. Observando a tabela de evolução da população residente no centro histórico de Recife (tabela 4) podemos perceber um processo de ocupação vertiginoso nos dez

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anos compreendidos entre 1913 e 1923 no bairro da Boa Vista. Na retomada das quantificações populacionais, em 1950, a Boa Vista figura com cerca de 25.000 residentes a menos. Na última contagem, em 2010, o número cai ainda mais. A variação percentual de residentes no bairro desde o último censo, em 1910, é de -41,48%. Os outros bairros do Centro Histórico apresentam perdas de mais de 90% na sua população. A alteração do perfil da população residente e usuária tem como consequência o comprometimento de sua estrutura. Um processo que as cidades de países do hemisfério norte, aqui estudadas como São Francisco e Soho, e também as nacionais citadas como São Paulo e Rio de Janeiro, testemunharam

59 Plano de Nestor de Figueiredo (1932). Extraído de: LIMA (2013) 60 Plano de Attílio Correia Lima (1936). Extraído de: LIMA (2013) 61 Plano de Ulhôa Cintra (1943). Extraído de: LIMA (2013) TABELA 4 Evolução da População no Centro Histórico do Recife (1910-2010). Adaptado de: MENEZES (2015)

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frente às mudanças impostas pela nova ordem econômica mundial. Vale salientar, no entanto, que muitos centros urbanos de cidades sul americanas não passaram por esse processo de empobrecimento. A tentativa de evitar a evasão da população residente e de investimentos privados consistiu em atrair moradores para o centro através do programa Morar no Centro (2002-2005) desenvolvido pela Prefeitura da Cidade do Recife, Ministério das Cidades e financiamento da Caixa Econômica Federal (MENEZES, 2015). O intento iniciou-se com a pintura das fachadas das construções da Rua Velha, na Boa Vista. Uma

ampliação do projeto Cores da Cidade, que já havia sido implementado na Rua do Bom Jesus no bairro do Recife em 1993. O programa, contudo, não alcançou sucesso. Na verdade, o bairro passa a ser objeto de interesse imobiliário por diversos fatores como o aumento do poder aquisitivo de classes mais baixas decorrentes das políticas econômicas adotadas durante o governo Lula, consolidação do pólo médico e a valorização promovida pelo eixo de transporte público na Avenida Conde da Boa Vista. 4.4.2 a mobilidade Em 2006 o Brasil é eleito

sede da Copa do Mundo FIFA de 2014 e o Recife é uma das capitais escolhidas para receber jogos do torneio. Dois anos depois da candidatura ter sido deferida, e cerca 70 anos após as propostas dos planos de remodelação de Nestor de Figueiredo, Attílio Corrreia Lima e Ulhôa Cintra, o bairro da Boa Vista e sua principal avenida, a Conde da Boa Vista, voltam a ser o foco de uma reforma de mobilidade para integração do Corredor LesteOeste, juntamente com a Avenida Caxangá, em prol do evento. A ideia consistia na criação de um corredor exclusivo de transporte público que ligasse o centro da cidade até o município limítrofe a

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Bairros da Boa Vista e Soledade

62 Mapa axial da cidade do Recife. Integração Global.

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63 Mapa axial da cidade do Recife. Integração Local.


oeste, Camaragibe, cidade vizinha mais próxima do novo estádio construído, a Arena da Copa, e da Cidade da Copa em São Lourenço da Mata. O projeto conta com 12km de extensão, 22 estações climatizadas e um investimento de R$ 99 milhões. A avenida teve seus espaços renovados e o tempo de viagem dos ônibus em sua via reduzido. Segundo Lima (2013) a reforma contemplou a reconfiguração e uniformização do passeio público em piso intertravado de concreto e tratamento para acessibilidade; relocação, elevação do nível do piso e instalação de novos abrigos de ônibus; criação de faixa segregada para circulação de ônibus em mão dupla com faixa adicional de ultrapassagem

Bairros da Boa Vista e Soledade Itinerários de ônibus

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de veículos; recuperação da pavimentação da via em concreto; faixa exclusiva para circulação de veículo particular (LIMA, 2013, p. 71) No mapa axial de integração global (fig. 62) fica evidente a posição relativa dos bairros ao centro do sistema global. Com as expansões à oeste o núcleo de integração foi deslocado para a segunda perimetral na região dos bairros de Afogados e Madalena. Ele perpassa a Avenida Mascarenhas de Moraes, Estrada dos Remédios e Avenida José Bonifácio. Uma das linhas que apresenta os maiores valores de integração global é exatamente a Avenida Caxangá, que desemboca seu fluxo na Avenida

64 Diagrama dos itinerários de ônibus que circulam na Cidade do Recife com destaque para os bairros da Boa Vista e Soledade. Fonte: adaptado do Instituto Pelópidas Silveira (ICPS)

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Conde da Boa Vista, esta última continua apresentando um alto grau de centralidade. Na análise de integração local (fig. 63) podemos perceber que a Avenida Conde da Boa Vista também exerce a maior influência de integração do bairro. As intenções das reformas para a Avenida Conde da Boa Vista implementadas pelos urbanistas do século XX foram ratificadas no Plano de Mobilidade atual para a cidade do Recife: transformaram a avenida no principal eixo de conexão LesteOeste da Região Metropolitana do Recife. Lima (2013) percebe que das 395 linhas de ônibus que circulam na região metropolitana 281 (74,5%) adentram o centro expandido da cidade e quase metade do total (190, e portanto, 48,10%) utilizam a Avenida Conde da Boa Vista como passagem. Isso se deve à uma condição fundamental para o planejamento de transportes que é a distribuição espacial de postos de trabalho e localização de instituições de interesse coletivo, como as sedes dos Governos Estadual e Municipal, Assembleia Legislativa, Câmara de Vereadores, o Ginásio Pernambucano, Colégio Americano Batista, Colégio Salesiano, Universidade Católica de Pernambuco, Faculdade de Direito do Recife, Faculdade dos Guararapes, Faculdade Frassinetti do Recife, Hospital Unimed, Fundação Altino Ventura e assim por diante. Assim sendo, a população residente no bairro ou nos seus arredores não representam a maior fatia de usuários do sistema. Além disso, das 43 linhas de ônibus que fazem os percursos


65 Densidade das linhas de ônibus do Recife X Densidade populacional por setores censitários da cidade do Recife (IBGE, 200). Extraído de: LIMA (2013)

noturnos29 conhecidos como bacuraus, 23 perpassam a avenida. O que transforma os bairros em uma opção de boemia da cidade com a opção de ida e retorno através do transporte público. É possível perceber que não existe uma correspondência entre as regiões com maior densidade geométrica de linhas de transporte e das áreas com maior densidade populacional (LIMA, 2013). Observando a 29  Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/ vida-urbana/2013/11/23/interna_vidaurbana,475380/onibus-bacuraus-acumulam-quilometros-de-historias-nas-noites-do-recife.shtml

figura 65 fica evidente a maior concentração populacional da cidade do Recife nas periferias. A alta densidade de itinerários no centro da cidade gera uma sobreposição de linhas que partem de origens próximas. Isso é uma característica reforçada pela opção do planejamento de transporte de origem-destino. Portanto, é possível deduzir que a avenida é o eixo mais acessível via transporte público sobre rodas (ônibus e BRTs) da Região Metropolitana do Recife. Dela, é possível ir e voltar de todos os municípios que fazem parte do conjunto metropolitano. INVISIBILIDADE QUEER JUNHO 2017 • 80

4.4.3 o perfil social O novo perfil social que agora habita os bairros da Boa Vista e da Soledade, de acordo com dados do IBGE (2010) em um levantamento detalhado realizado por Lima (2013), é composto majoritariamente por indivíduos entre os 25 e 59 anos que, unidos, formam mais da metade de sua população, 51,66%. Em seguida temos os idosos que representam 19,28% de seu montante. No terceiro lugar encontramos os jovens entre 19 e 24 anos de idade, correspondendo à cerca de 13,92% do total de moradores,


66 Distribuição das instituições de ensino superior no Recife (IBGE, 200). Extraído de: LIMA (2013)

um valor 30% maior que a média da cidade inteira. Esse dado revela uma faceta interessante demonstrada pelo autor. A alta concentração de jovens acima da média da cidade provém de estudantes de outras partes do estado, especialmente do interior, e do nordeste, com o objetivo de finalizar os estudos. Isso fica evidente quando percebemos que é nessa região onde que se concentra a maior quantidade de instituições de ensino superior assim como a maior taxa de imóveis alugados da cidade do Recife, quase metade dos existents nos bairros, mais precisamente 43,31%. A quantidade de imóveis locáveis é justificável quando o relatório

setorial do mercado imobiliário DMI-VivaReal de 2017 aponta a Boa Vista como o terceiro bairro mais procurado para aluguéis na cidade do Recife (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2017). Praticamente toda a totalidade responsável domiciliar do recorte é alfabetizado, 98,96%, e mais da metade tem ensino superior concluído, 50,69%. Bruno Lima (2013) observa, baseado em dados censitários recolhidos pelo IBGE (2010), que quase metade, 49,72%, dos habitantes da área recebe entre 1 e 5 salários mínimos mensais, pouco menos de 20% têm rendimento mensal correspondentes à valores entre 5 e 10 salários mínimos. O

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rendimento dos moradores do bairro é acima da média da cidade do Recife mas ainda assim muito abaixo das áreas com populações mais ricas como os bairros da Zona Norte e Sul da cidade. Isso demonstra que. ao contrário do caso carioca constatado por Jesus (2017), e até certo ponto do caso paulistano observado por Puccinelli (2010) e Matos (2015), no Recife, os empreendimentos LGBTs - ainda - não seguiram para as regiões de maiores faturamentos mensais da cidade como mostra a figura 67, de distribuição de renda per capita mensal por domicílio do censo IBGE 2010. As regiões mais ricas da cidade são as zonas sul (bairros de Boa viagem e do Pina) e norte (bairros das Graças, Espinheiro, Aflitos, Parnamirim, Casa Forte, Monteiro e Apipucos). Mais da metade, 58,16%, dos domicílios dos bairros da Boa Vista e da Soledade levantados pelo censo recebem entre menos de 1 a 3 salários mínimos mensais (LIMA, 2013). Isso implica dizer que apesar de existir clientela e um nicho mercadológico do entretenimento LGBT na cidade, ele - ainda - não tem encontrado espaço nos locais onde é possível encontrar consumidores com maior poder aquisitivo. Assim como na cidade carioca, o Porto da cidade do Recife também foi revitalizado. O projeto Porto Novo contava com a reforma de sete antigos armazéns para readequação de novos usos como escritórios, bares, restaurantes e lojas. Envolvia ainda a construção de hotel, centro de convenções, museu, e uma marina internacional. Em um total de investimentos de 254 milhões de reais. Nem mesmo o forte


investimento no bairro do Recife foi suficiente para chamar a atenção de empresários do segmento queer, como o foi para a boate carioca The Week. A esse respeito, no Recife, dois casos são curiosos. O primeiro é o da boate New Misty. Ela reinaugura em 2009 na Avenida Conselheiro Aguiar número 793, onde se localizava a antiga

Apotheke, no bairro de Boa Viagem, uma das áreas de maior concentração de riquezas do Recife. Volta à ativa depois de ter funcionado de 1979 a 1994 onde hoje encontra-se o Club Metrópole. Na época, o point era o local de encontro da cena alternativa recifense. A proposta reapresentada recentemente, depois de tantos anos, foi voltada

para o público queer da cidade. Depois de algum tempo em funcionamento, a boate muda de nome. Não demorou muito até encerrar suas atividades completamente. O segundo caso que é importante observar é a breve existência da San Sebastian na capital pernambucana. A famosa marca baiana tem uma

67 Renda mensal domiciliar por setor censitário da cidade do Recife com destaque para o que corresponde ser os bairros da Boa Vista e Soledade. Fonte: IBGE (2010).

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68 Boate San Sebastian Recife. Disponível em: <http://blogs. ne10.uol.com.br/ social1/2016/01/14/ san-sebastian-fechoumas-sera-reaberta-emnovo-endereco/> Acesso em junho 2017 69 Boate New Misty Recife. Disponível em: <http://www.athosgls. com.br/noticias_visualiza. php?contcod=25910> Acesso em junho 2017.

movimentada casa noturna no bairro do Rio Vermelho, centro boêmio soteropolitano. No Recife, se instalou em 2014 onde funcionava uma outra boate de público heterossexual, a Hidden Warehouse, localizada na Rua Dez de Julho no número 5855, logo à frente do Aeroporto Internacional dos Guararapes, na Imbiribeira. A via Dez de Julho é o principal acesso de quem sai da Avenida Mascarenhas de Moraes ou do aeroporto e segue sentido Boa Viagem. A casa noturna fecha depois de pouco mais de dois anos, após passar um período alugando seu espaço para outros

produtores de festas noturnas locais. Apesar do pouco tempo de funcionamento os investidores cogitam reabrir o estabelecimento em outro local. Em entrevista ao Blog Social 1, a coluna social do Portal NE1030, André Magal e José Augusto Vasconcelos negociam um edifício no Bairro do Recife por sua centralidade que, segundo eles, seria um ponto estratégico para conseguir captar o consumidor de todas as zonas da Região Metropolitana do Recife. 30  Fonte: http://blogs.ne10.uol.com. br/social1/2016/01/14/san-sebastian-fechou-mas-sera-reaberta-em-novo-endereco/

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Assim como na capital fluminense, a lei de número 16.780 promulgada em 28 de junho de 2002 proibiu toda forma de discriminação contra LGBTs e previsto punições para os infratores em qualquer empreendimento na cidade do Recife. Apenas 11 anos depois o estado de Pernambuco faz um verdadeiro avanço contra crimes de ódio. Em 2013 é regulamentada a lei de número 12.876 criada em 2005. A portaria 4818 estabelece que conste nos boletins de ocorrência feitos nas delegacia do estado o nome social, orientação afetivosexual, identificação de gênero e a motivação homofóbica. O primeiro estado brasileiro a aceitar homofobia como crime. As medidas não foram suficientes para permitir uma ampla ocupação da comunidade ou estabelecimentos queers em todas as áreas da cidade. A Boa Vista, junto com seu vizinho o bairro da Soledade, continua sendo referência e convergência de entretenimento e sociabilidades LGBT da Região Metropolitana do Recife. 4.5 A meso-escala Passando para a escala segunda de análise, a mesoescala, podemos começar a observar as relações locais entre as manchas de ocupação LGBT nos bairros da Boa Vista e Soledade e as estratégias do gueto, armário urbano ou espaço queer como do adotado para auto-preservação como defendem Teixeira (2013) e Brown (2000). Quanto à sua dinâmica espacial, o recorte da Boa Vista e Soledade é constituído de uma enorme diversidade de usos,


Legenda Figura de Uso do Solo

70 Figura Uso do Solo da cidade do Recife. Adaptado do Instituto Pelรณpidas Silveira (ICPS).

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Legenda Figura de Uso do Solo

71 Figura de usos fechados apรณs as 22h. Adaptado do Instituto Pelรณpidas Silveira (ICPS).

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72 e 73 Zoom do diagrama de uso do solo da cidade do Recife na área de estudo: bairros da Boa Vista e Soledade. Podemos identificar uma grande mancha em que não funciona à noite. Em especial ao leste, próximo ao Capibaribe. Adaptado do Instituto Pelópidas Silveira (ICPS). 74, 76 e 78 Avenida Manoel Borba na altura da boate Club Metrópole durante o dia, à noite antes dos estabelecimentos locais abrirem e durante seus funcionamentos. 75,77 e 79 Rua Corredor do Bispo na altura da boate MKB durante o dia, à noite antes dos estabelecimentos locais abrirem e durante seus funcionamentos.

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muito embora a divisão seja por demais setorizada. Observando o mapa de uso do solo (fig. 73) podemos perceber uma alta concentração de comércios e serviços na porção leste, próximo ao Rio Capibaribe, especialmente na franja da Avenida Conde da Boa Vista e no entorno da Rua da Imperatriz, que, justamente por essa característica, foi reformada e pedestrianizada. À oeste e sudoeste é possível notar uma predominância residencial na região. Essa característica de concentração comercial e de serviços gera uma enorme circulação no período diurno. Os números chegam a alcançar 800.000 pessoas em dias normais e 1.300.000 em épocas festivas (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2016). Em um número tão elevado de pessoa em um único território é fácil se misturar à multidão e passar despercebido, ser menos vigiado. Em contramão, à partir das 18h, por conta do fechamento do comércio, instituições públicas e prestadoras de serviços, o centro da cidade começa seu processo de esvaziamento. Depois desse horário ficam abertas as faculdades e cursos técnicos que têm aulas no período noturno, juntamente com lanchonetes, bares e restaurantes que servem os alunos dessas instituições. Depois das 22h, com o fim das aulas, o centro tem seu movimento de pessoas praticamente nulificado. Exceto àqueles espaços voltados para sociabilidade como ambulantes, restaurantes, bares e boates. À noite, após o encerramento de suas atividades diárias, o centro da cidade se esvazia, criando o ambiente perfeito

para subculturas hostilizadas pela sociedade normativa, entre elas a comunidade LGBT. Boa parte do território é ocupado por instituições de ensino, de saúde e religiosas, particularmente ao longo de toda a faixa do lado norte da Conde da Boa Vista e no noroeste do recorte. Lima (2013) aponta que algumas dessas áreas, como as voltadas à educação de nível médio, são as mais vulneráveis à transformação de sua paisagem haja visto as propostas que surgem frente aos eventuais encerramentos de suas atividades como o colégio Marista, fechado em 2002, que tem como proposta um shopping no edifício preservado de seu terreno. A área localizada ao longo da Avenida Manoel Borba, como convencionamos chamar a mancha Metrópole, situa-se em uma zona predominantemente residencial se comparada à mancha MKB. Nesse sentido,

80 Diagrama itinerário de linhas de ônibus e paradas de ônibus nos bairros da Boa Vista e Soledade e os raios de acesso até a parada de ônibus mais próxima. Adaptado do Instituto Pelópidas Silveira (ICPS).

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a mancha Metrópole apresenta a maior probabilidade de ser vigiada e portanto ter os corpos abjetos em trânsito, ou não, percebidos pelos moradores da região. O que não parece ser um incômodo para a comunidade queer já que os vigilantes são outros que não do seu convívio ou vizinhança. No centro da cidade, à noite, qualquer visitante é anônimo ao sistema. Outro aspecto interessante notar é que em nenhuma das ruas principais das manchas (Avenida Manoel Borba e Corredor do Bispo) estão nos itinerários das linhas de transporte público que atravessam o bairro. A mancha MKB parece ser a mais acessível, desse ponto de vista. È possível chegar nela através da Avenida Conde da Boa Vista ou pela Rua do Príncipe, sendo esta a mais próxima do seu entorno, a apenas 200 metros de distância sem nenhuma mudança de sentido a partir dela. Para acessar


a mancha MKB pela Avenida Conde da Boa Vista o pedestre precisa percorrer cerca de 230 metros e ainda dois passos de profundidade do sistema axial. Partindo do mesmo pressuposto, a mancha Metrópole é mais isolada. Da Avenida Conde da Boa Vista, o usuário do transporte público precisa percorrer um percurso de cerca de

250 metros ao sul à dois passos de profundidade do sistema axial. A segunda opção para se ter acesso ao Club fica na Praça Chora Menino onde poucas linhas de ônibus acessam em um raio de 500 metros e nenhuma mudança de direção no sistema axial (fig. 81). Em termos de comparação, os empreendimentos não

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81 Análise axial de integração oom adoção de 3 passos de profundidade a partir da Avenida Conde da Boa Vista. (1) Mancha Metrópole (2) Mancha MKB. Fonte: o autor.

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82 Visibility Graphic Analisys dos bairros da Boa Vista e Soledade como um sistema.

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LGBTs dos bairros ficam comumentemente a apenas um passo de profundidade como é o caso das ruas da Saudade ou da Sete de Setembro, onde é possível encontrar a casa de show 100% Brasil. À noite essas ruas ficam tomadas por ambulantes que comercializam alimentos e bebidas que se utilizam das ruas transversais pela oportunidade de movimento gerada pela malha. Uma análise de conectividade visual através da técnica (fig. 82)de Visual Graphic Analisys desenvolvida por Turner et al (2001) mostra as diferenças de visibilidade do bairro. As zonas de maior grau de visibilidade são alguns trechos identificados na Conde da Boa Vista, como nos trechos correspondentes ao cruzamento da avenida com a rua da Soledade; Agamenon Magalhães e Rua do Príncipe. As manchas de ocupação LGBT Metrópole e MKB se encontram nas regiões de baixa visibilidade do sistema. Essas posições estratégicas livram a vigilância dos seus espaços e, portanto, dos corpos que os circulam. Ao ocupar as áreas onde a vigilância colapsa os desejos podem ser expressos livres de opressões ou repressões. 4.6 A micro-escala Caracterizados o bairro em relação à cidade nas suas características sociais, de dinâmica e uso do solo urbano e o bairro per se em sua dinâmica e estrutura morfológica, decidimos analisar algumas características urbanas inerentes aos locais das manchas. Para isso utilizamos o uso do solo e as ferramentas de Visual Graphic Analisys e de segmento, a de fim de


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fazer o reconhecimento do comportamento das manchas em relação ao seu entorno imediato. Observando o uso do solo podemos perceber que a mancha Metrópole fica localizada em uma zona de caráter muito mais residencial do que a mancha MKB. O mix de usos, no entanto, é maior ao redor da primeira mancha. Na mancha MKB a predominância do uso comercial e educacional, graças à Faculdade Esuda e o curso pré-vestibular Os caras de Pau do Vestibular, ocasiona um movimento constante de alunos e clientes durante o dia. Na parte noturna, até aproximadamente 22h, os alunos continuam circulando na

região contígua da mancha. As instituições de ensino garantem esse movimento mesmo com o comércio fechado depois do horário comercial. Após às 22h a região é esvaziada. A Rua Oliveira Lima onde funcionam diversos usos de órgãos públicos como a Empresa de Urbanização do Recife e o IPHAN, próxima à área de estudo, se transforma em ponto de prostituição masculina. Os garotos de programa se utilizam da rua trafegável por automóveis particulares, do escuro e da falta de vigilância para exporem seus corpos e negociarem, seus serviços sexuais. Aos finais de semana essas atividades funcionam concomitantemente com o

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83 e 84 Análise de Segmento Angular adotando 3 passos desde à avenida Manoel Borba e rua Corredor do Bispo e sua continuação, a rua Bispo Cardoso Ayres, respectivamente.

85 e 86 Visibility Graph Analisys de um raio de 100 metros da Metrópole e MKB, respectivamente.

funcionamento da boate MKB, do Nosso Jeito Bar e do cinema pornô Cine Boa Vista. O mesmo fenômeno não pode ser encontrado na mancha Metrópole. A carga residencial das quadras circundantes, os usos que mantém-se abertos para servir aos moradores depois das 18h como os fiteiros na Avenida Manoel Borba e os bares que funcionam mesmo em dias de semana, parecem garantir circulação constante de clientes, moradores e visitantes que aparentemente inibem a exposição corporal masculina e a negociação sexual. A predominância residencial da área da boate Metrópole em relação à mancha MKB parece


não incomodar a ocupação queer. Uma boa iluminação pública, o maior mix de usos e a existência de vigilância constante geram uma maior sensação de segurança. Isso demonstra como a diferença das dinâmicas urbanas de ambas as manchas no mesmo bairro afeta o comportamento queer, diferentemente do que fizeram os estabelecimentos cariocas ao buscar as zonas mais ricas da cidade em que o deslocamento da maioria dos empreendimentos queers seguiram a lógica do mercado e foram em busca dos clientes mais rentáveis nos espaços que oferecessem mais conforto e segurança. No Recife a lógica pode ser a mesma, a diferença reside no fato de que os empreendimentos buscaram a área com frequentadores de maior poder aquisitivo e dinâmica mais atraente dentro de um mesmo bairro. Isso só é possível devido à setorização de uso e pela desigualdade social apontada por Lima (2013). Ao analisar do ponto de vista morfológico adotando trechos de segmentos pertencentes à Avenida Manoel Borba e às Ruas Corredor do Bispo e Bispo Cardoso Ayres, onde os empreendimentos estão distribuídos, como referência nas análises de segmento angulares é possível entender o comportamento topológico dos segmentos onde os empreendimentos estão alocados. Adotando três mudanças de direção na análise angular é possível perceber, comparando os dois segmentos escolhidos, que a mancha MKB é mais acessível no sentido norte-sul da região central da cidade, enquanto a mancha Metrópole recebe uma maior conexão leste-

oeste. Os limites de conexão a três mudanças de direção do segmento MKB se encontram na Avenida Norte, ao norte, e na Rua Velha, ao sul. A quantidade de segmentos que fazem conexão indireta com a mancha MKB é superior àquela encontrada na mancha Metrópole. Isso significa dizer que as possibilidades de deslocamento partindo para ou originando-se da MKB são maiores em relação à Metrópole. Ao utilizar um raio de 100 metros na Análise Gráfica de Visibilidade de conectividade podemos inferir que uma pequena parte da mancha Metrópole apresenta-se mais propensa a ter movimento do que a mancha MKB. Isso deve ao fato da falta de uma conexão transversal direta da Avenida Conde da Boa Vista com a Mancha MKB. A ocupação em paralelo, e não transversalmente à principal avenida a mais integrada do sistema e por isso mais propensa a presentar movimento segundo a Sintaxe Espacial, invisibiliza a ocupação já que as quadras intermitentes funcionam como barreiras visuais para os que lá circulam. Em especial o transporte público.

85 Parada da Diversidade Sexual, Recife, 2013. Disponível em < http://noticias.band.uol.com. br/cidades/noticia/100000631001/parada-dadiversidade-reune-750-mil-no-recife.html> Acesso em jun 2017.

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Diante do exposto, é possível reconhecer a extensão da sexualidade que se prolonga até o ambiente construído. Algumas áreas das cidades se mostraram como ambientes propícios à ocupação, apropriação e construção das identidades queers. As cidades e o capitalismo deram as oportunidades ideais para a libertação das normatividades. Apesar disso preconceitos e violência ainda persistem em amedrontar os dissidentes sexuais e de gênero. Com medo de represálias e da opressão da sociedade heteronormativa ela tende a ocupar espaços em que se sente segura. Costuma se utilizar, para isso, de estratégias espaciais em que as diversas formas de vigilância sobre os seus corpos colapsem e, assim, possam expressar seus desejos e se colocar no meio social segundo seus modos de vida, o que inclui um amplo espectro de necessidades, direitos e deveres. Um desses artifícios é a noite. O escuro, a falta de movimento e a boemia oferecem as perfeitas condições para apropriação dos espaços públicos pelos personagens centrais dessas linhas. Esses espaços são normalmente os espaços abjetos, que não despertam o interesse da sociedade heteronormativa ou que foram “criados” para comportar sua existência, isolados do mundo “normal” e invisibilizados. Produzidos com intuito de auto-preservação ou impostos com o propósito de exclusão, os guetos, armários urbanos ou espaços queers foram, ou ainda são, aqueles espaços

libertadores cuja apropriação queer permite a livre circulação e demonstração de afetos. De uma maneira ou de outra é inegável a influência das sexualidades sobre o ambiente urbano. Por esses motivos, se faz necessário um olhar crítico das disciplinas da arquitetura e urbanismo com o propósito de compreender como se dão os processos de ocupação e/ou transformação urbanas das áreas ocupadas pela comunidade queer. O distrito do Castro, o bairro londrino do Soho, o centro e a zona sul do Rio de Janeiro e a região da Frei Caneca, em São Paulo, são a prova de como o desejo sexual ocupa, se apropria, molda, e até mesmo transforma o espaço urbano. As estratégias espaciais de assentamento da comunidade queer nas cidades abordadas, mesmo sob a ótica de diferentes disciplinas, apresentam convergências e divergências. As convergências residem no fato de as áreas ocupadas serem centrais, de extrema acessibilidade e que se encontram em algum grau de abandono ou comprometimento físico pela migração de sua população residente, geralmente mais abastada, em direção aos subúrbios. Nos casos internacionais pode-se notar uma resiliência e um nicho espacial arraigado nos bairros ocupados. A comunidade queer do Soho e do Castro criaram as próprias condições de melhoria urbana. As estratégias de ocupar áreas degradadas, de meretrício, e esquecidas pela sociedade garantiu-lhes a manutenção de suas existências abjetas e sua livre demonstração de afetos. Por outro lado, foi sua presença o fator determinante das transformações na dinâmica

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de uso e ocupação do solo e das melhorias na estrutura física que levaram às suas reabilitações urbanas, a tal ponto, da própria comunidade queer sofrer gentrificação graças às benfeitorias as quais ela mesma foi a responsável. Os bairros tornaram-se grandes atrativos para todos os segmentos da sociedade, queers e normativos, devido ao grau de tolerância dos habitantes e visitantes e de significado urbano, como diria Castells (1983), aos quais foram submetidos. Podemos então considerar que esses clusters funcionaram, nesses exemplos, como um imã para o capital privado e especulação imobilária. Nos contextos nacionais, São Paulo e Rio de Janeiro, as estratégias de invisibilização utilizadas foram muito parecidas com os casos internacionais. A comunidade queer se ocupou dos centros decadentes abandonados devido ao processo suburbanização. No entanto, com o passar dos anos, foi possível perceber um deslocamento dos empreendimentos queers em busca da clientela de maior poder aquisitivo e das áreas que oferecessem uma melhor estrutura urbana. Em São Paulo uma miríade de bares, boates e outros estabelecimentos queers migraram, na mesma rua, da região da Praça da República em sentido à Avenida Paulista, símbolo do capital financeiro brasileiro, se aproveitando de estruturas como a proximidade com as linhas de metrô desta região e de um ambiente urbano renovado. Essas medidas tornaram seu gueto mais exposto tanto ao público mainstream quanto ao próprio LGBT. No Rio de Janeiro a


zona central permaneceu centro de convergência LGBT mas uma parte considerável dos estabelecimentos foram rumo à Zona Sul da cidade. A Rua Farme de Amoedo, no tradicional bairro de Ipanema, tornou-se símbolo da ocupação queer na cidade. O retorno da boate The Week para o centro próximo ao Porto, depois de sua revitalização, deixa evidente como se dá o processo de busca pelo capital excedente. Na cidade do Recife as estratégias espaciais do gueto queer parecem ter pontos em comum com as dos exemplos citados com algumas particularidades em relação ao cenário carioca e paulistano. Encontraram nos bairros da Boa Vista e da Soledade as características ideais para expressão de si mesmos e exercício de seus desejos. O centro da cidade, como ficou conhecido entre os conterrâneos o Centro Histórico da Cidade do Recife, abrigam uma série de empreendimentos voltados para o segmento queer. As suas resiliências, alguns completaram mais de 15 anos de existência, demonstram como os bairros se apresentam tolerantes às presenças abjetas e de quão bem sucedido foram suas estratégias espaciais. A história dos bairros se aproximam com os casos estudados. Gozaram de um período áureo, tal qual descrito por Amorim e Loureiro (2000), mas foram perdendo seu esplendor à medida que as famílias mais ricas escolheram viver nos subúrbios, deslocando os invenstimentos para outras áreas da cidade como as Zonas Sul e Norte. Hoje

tem se valorizado frente às transformações porque passam suas infraestrutura e dinâmica urbana. Como apresentado no decorrer do texto, diversas foram as condições que levaram à sua ocupação. Como foi identificado na análise da macro-escala, a primeira delas é a dinâmica de uso do solo. A predominância do uso comercial e institucional nos bairros da Boa Vista e da Soledade faz com que, durante o dia, o movimento de gente seja constante. À noite, com o encerramento das atividades institucionais e comerciais, o movimento diminui consideravelmente. O que reduz a vigilância sobre seus corpos. Outra característica relevante é a capacidade de acessibilidade através do transporte público. O centro da cidade, com a implantação de planos viários e de mobilidade, mesmo que parcialmente, acabou por tornarse o maior centro de congruência de itinerários de ônibus e BRT da Região Metropolitana do Recife. Tanto nas direções leste-oeste quanto norte-sul. Sua principal avenida, a Conde da Boa Vista, recebe uma considerável fatia do número de todas as linhas de ônibus que circulam na região com intuito de levar a população que trabalha ou que usufrui do comércio e dos serviços instalados.. A massa populacional que chega, sai e circula garante o anonimato da população LGBT que se sente mais livre para ser quem realmente são. Por outro lado, a circulação de transporte público parece ser uma ameaça à existência dos empreendimentos queers. Eles tendem a evitar as zonas onde existem itinerários de ônibus.

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O fechamento da boate New Misty pouco tempo depois de sua inauguração, onde existe uma série de linhas de ônibus que fazem a conexão sul-centro, parece ratificar essa ideia. Diferentemente dos casos do Rio de Janeiro e de São Paulo, na cidade do Recife não existiu - até esse momento um deslocamento em massa na ocupação dos empreendimentos de lazer queers em busca do capital privado. Desde a década de 60 ele se mantém nos bairros do centro histórico da cidade do Recife, em especial os bairros aqui abordados, mesmo com as intervenções realizadas no porto da cidade. Ele se desloca dentro do próprio núcleo como foi o caso da migração da Praça Machado de Assis à Rua Corredor do Bispo e Avenida Manoel Borba. Esse sinal pode ser fruto da provincianidade da capital pernambucana, onde a intolerância ainda é uma marca latente, haja visto os índices de crimes de ódio e relatos homofóbicos. Uma observação muito parecida com o comportamento identificado por Castells (1983) em São Francisco. Nas meso e micro escalas foram econtrados atributos morfológicos que reforçam as ideias de escolhas espaciais de autopreservação da comunidade. As manchas de ocupação LGBT Metrópole e MKB se encontram situadas a dois passos de profundidade da Avenida Conde da Boa Vista, principal linha do sistema axial local o ao contrário de muitos outros estabelecimentos mainstreams que se instalam diretamente nela ou em suas transversais, ou seja a zero ou um passo de profundidade, apenas. Esse


aspecto fica ainda mais evidente quando é percebido que em nenhuma das duas manchas estão nos itinerários de transporte público da Região Metropolitana do Recife. Estratégias que parece funcionar muito bem já que as quadras intermitentes entre os espaços apropriados e a linha de maior integração do sistema, que corresponde à Avenida Conde da Boa Vista, invisibilizam os corpos abjetos. Se retomarmos o quadro criado por Collins (2004) em que detalha etapas por que passaram áreas de cidades britânicas até o surgimento de vilas gays podemos notar que o Recife passou por características muito próximas às que constam até o estágio 3 item 2 (quadro 2), especialmente na mancha Metrópole onde o número de bares e pubs vem aumentando vertiginosamente. Apenas um estudo mais aprofundado poderá responder se o número de residentes LGBT nos bairros estudados está passando por aumento. Estaria Recife criando um pólo LGBT de resistência ao não se integrar às hegemonias do capital e assim criando seu próprio cenário urbano? Existem características arquitetônicas, além das urbanas aqui levantadas, que facilitam a ocupação queer na cidade do Recife? E quando ocupadas determinadas áreas da cidade, quais são seus legados para a estrutura urbana? Será o pólo de entretenimento noturno queer recifense assimilado ao circuito boêmio mainsteam da cidade como apontado por

Collins (2004)? Este estudo buscou encontrar uma lógica espacial da disposição da dinâmica e da morfologia urbana utilizada para ocupação

queer na cidade do Recife. Muitas outras questões, como vistas acima, ainda pairam esperando investigações futuras.

Estágios no desenvolvimento de uma vila gay urbana na Inglaterra Estágio 1: ‘Pré-condições’ - área urbana em declínio: local de atividades e comportamentos legais liminares e sexuais Principais características 1 Área marginal que apresenta uma expressiva deterioração urbana física; 2 Presença de prostituição no espaço público ou nas ruas adjacentes (predominantemente heterossexual) 3 Significante estoque vago de instalações comerciais 4 Baixo preço nas propriedades ou nos valores dos aluguéis; 5 Típica presença de pelo menos uma casa gay pública licenciada Estágio 2: ‘Emergência’ - Stage 2: ‘Emergence’— Agrupamento de oportunidades sociais e recreativas homossexuais masculinas Principais características 1 Conversão de alguns outras casas públicas em pubs comandados por gays 2 Aumento nas aplicações feitas para licenças de bebidas alcoólicas para apoiar a conversão de algumas outras instalações comerciais existentes em clubes gays ou casas públicas licenciadas adicionais 3 Atualização ou renovação de pub(s) gay existente(s) na área 4 Aumento substancial na base de clientes masculinos gays e no fluxo de receita do pub Estágio 3: ‘Expansão e diversificação’ - Expansion and diversification’— Alargamento da base de serviços empresariais gays Principais características 1 Conversão de algumas outras instalações comerciais existentes para empresas do setor de serviços gays: clubes de saúde gay/saunas, lojas de acessório de estilo de vida gay, café-bar gay 2 Outras aplicações para licenças de bebidas alcoólicas e permissão de planejamento para discotecas gays adicionais 3 Aumento da densidade familiar homossexual no estoque existente de unidades residenciais na localidade da vila gay 4 Aumento da visibilidade física e da consciência pública da aldeia gay urbana para a sociedade convencional 5 Crescimento de comerciantes gays e práticas profissionais que operam na ou perto da aldeia gay, ou através da sua mídia comunitária 6 Uma contribuição cada vez mais significativa e sustentada para os fluxos de receitas das empresas do setor de serviços gays de turistas gays Estágio 4: ‘Integração’ - assimilação na cena convencional da moda Principais características 1 Aumento da presença costumeira de heterossexuais em bares ostensivamente gays 2 Conversão de algumas instalações comerciais existentes para o novo setor de serviços da sociedade convencional (bares, clubes, restaurantes) 3 Afluxo de jovens profissionais urbanos para o estoque existente de unidades residenciais na aldeia gay e seus arredores 4 Saída e suburbanização dos primeiros colonizadores residenciais gays 5 Aumento de aplicações e construção de unidades residenciais de nova construção (apartamento) na vila gay e seus arredores 6 Contribuição cada vez mais significativa e sustentada para os fluxos de receitas das empresas do setor de serviços gays da comunidade heterossexual

QUADRO 2 Estágios de evolução de uma vila gay urbana na Inglaterra e etapas as quais Recife tem apresentado (com exceção da prostituição heterossexual). Extraído e adaptado de: COLLINS (2004) (tradução minha)

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Questionário para reconhecimento de território queer na cidade do Recife Esta pesquisa anônima faz parte de um trabalho de graduação em desenvolvimento para o Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco sob orientação do professor Luiz Amorim e coorientação de Maria de Jesus Britto. Ela busca compreender a espacialidade da comunidade LGBT recifense através dos espaços que frequenta. Se você concordar participar da pesquisa precisa ficar sabendo que: 1. Você não é obrigado(a) a nada! e pode recusar-se a responder perguntas que lhe causem constrangimento de qualquer natureza; 2. Também é permitido responder algumas perguntas e outras não; 3. Você pode deixar de participar sem qualquer justificativa; 4. Não precisamos saber quem você é. Obrigado pela participação! Pesquisa “Espaço e Comunidade LGBT” 1. Sexo ( )Masculino ( )Feminino ( )Não sabe ou não deseja responder 2. Gênero ( )Masculino ( )Feminino ( )Trans homem ( )Trans mulher ( )Travesti ( )Transgênero

( ( ( ( ( ( ( ( ( (

)Homem transexual )Pessoa trans )Mulher transexual )Pessoa transexual )Mulher (trans) )Homem (trans) )Neutro(a) )Sem gênero )Cross gender )MtF (homem que está em transição para o gênero feminino) ( )FtM (mulher que está em transição para o gênero masculino) ( )Não sabe ou não deseja responder Outro: 3. Orientação sexual ( )Heteroafetivo(a) ( )Homoafetivo(a) ( )Biafetivo(a) ( )Pan afetivo(a) ( )Assexuado(a) ( )Não sabe ou não deseja responder Outro: 4. Idade ( )15 a 19 anos ( )20 a 24 anos ( )25 a 29 anos ( )30 a 34 anos ( )35 a 39 anos ( )40 a 44 anos ( )45 a 49 anos ( )50 a 54 anos ( )55 a 59 anos ( )60 a 64 anos ( )Acima de 65 anos ( )Não sabe ou não deseja responder 5. Escolaridade ( )Analfabeto(a) ( )Fundamental Incompleto ( )Fundamental I completo ( )Fundamental II incompleto ( )Fundamental II completo ( )Médio incompleto ( )Médio completo ( )Superior incompleto ( )Superior completo

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( )Não sabe ou não deseja responder 6. Renda ( )Até 2 salários mínimos (até R$ 1.874,00) ( )De 2 a 4 salários mínimos (R$ 1.874,01 a R$ 3.748,00) ( )De 4 a 10 salários mínimos (R$ 3.748,01 a R$ 9.370,00) ( )De 10 a 20 salários mínimos (R$ 9.370,01 a R$ 18.740,00) ( )Acima de 20 salários mínimos (R$ 18.740,01 ou mais) ( )Não sabe ou não deseja responder Outro: 7. Bairro da Região Metropolitana do Recife onde mora 8. Quais lugares você costuma frequentar para socializar e/ou paquerar? * ( )Bares ( )Boates ( )Casas de show ( )Praças e parques ( )Restaurantes ( )Saunas ( )Não costumo sair para socializar ou paquerar Outro: 9. Bairro do Recife onde socializa e/ou paquera/flerta 10. Se você sai para socializar ou paquerar pode listar quais bares, boates, casas de show, praças e parques, restaurantes e/ou saunas você costuma frequentar? *


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