A LIBERDADE Tinha estado a andar durante várias horas no meio de uma floresta africana. Sentei-me para descansar debaixo da sombra de uma grande árvore. Tirei as minhas estimadas botas, pois estavam um pouco sujas de lama. Tirei um pano, que tinha no bolso, e limpei-as com muita delicadeza, pois são elas que têm sido as minhas amigas durante todas as viagens que tenho feito por África. Na verdade já estão um pouco velhas e já foram várias vezes ao sapateiro, mas não me consigo desfazer delas, pois têm um grande valor sentimental para mim. Foi no dia em que fiz dezoito anos. Acordei de manhã, olhei para a frente e vi um grande embrulho com um enorme laço em cima. Ainda um pouco ensonado levantei-me e fui abrir aquele embrulho que me maravilhava. Comecei por puxar as fitas do laço e de seguida comecei a rasgar o papel de embrulho com bolinhas azuis de fundo amarelo. Abri a tampa da caixa e fechei os olhos por uns segundos. Abri-os. Fiquei desiludido. Eram apenas umas simples botas. Mais umas para juntar à coleção, pensei eu, não sabendo que eram aquelas botas que me iriam acompanhar em todas as minhas viagens. A minha mãe, o meu pai, o meu cão e os meus três irmãos entraram no meu quarto a cantarem os parabéns e com um bolo com dezoito velas acesas nas mãos. Depois de acabarem olharam para mim e viram a minha cara de deceção. A minha mãe, que me conhecia melhor do que eu próprio e com quem eu tinha uma grande relação, percebeu logo o que se passava comigo. Sentou-se ao pé de mim na beira da cama e para me consolar disse: - Querido filho, eu sei que não estavas à espera de uma coisa tão simples, tão insignificante. Mas, acredita, esta é a melhor prenda que eu e o teu pai te poderíamos dar. Estas botas simbolizam a tua nova vida. A TUA LIBERDADE. Não percebi logo o que a minha mãe me queria dizer, pois afinal de contas, eu não tinha nada planeado. Não tinha namorada, não tinha uma casa para onde ir, nem sabia que curso queria tirar ou para que universidade iria, se é que iria. Ao longo desse dia fui pensando nas sábias palavras da minha mãe e no que queriam dizer. Fui para a praia pensar. Fez-se luz na minha cabeça. Afinal já tinha dezoito anos, o início de uma grande faceta da nossa vida, a IDADE ADULTA. Mesmo assim continuava sem perceber o porquê de umas botas. Passou um ano. As botas continuavam novas, na caixa e arrumadas no fundo do armário. Visto que não tinha entrado em nenhuma universidade decidi ir viajar. Comecei a fazer a mala e a pensar no tipo de calçado que iria levar nesta aventura. Foi então que me lembrei das botas “da liberdade”. Eram perfeitas para a ocasião. Eram novas e significavam a liberdade. Queria visitar todos os cantos e recantos de África. Cheguei ao meu primeiro destino, África do Sul. Pois o plano da viagem era começar no sul e acabar no norte. Calcei-as pela primeira vez dentro do avião, mesmo antes de aterrarmos. Não sei explicar bem o que senti, mas foi algo como a liberdade e a coragem, e desde então que andei sempre com elas até ao dia de hoje. Rita Moás nº20 e Sofia Fernandes nº24, 9ºD
As botas, aquelas velhas, sujas e usadas botas… As botas, aquelas velhas, sujas e usadas botas. As botas que encontrei numa caixa de sapatos escondida na parte mais alta de um roupeiro da casa onde cresci. As botas que serviram à família inteira, ou tiveram de servir, pois até o dinheiro para comprar um pouco de pão era contado com a máxima precisão, mas as botas aguentaram, aguentaram os grandes pés da minha bisavó, aguentaram as longas caminhadas da minha avó, aguentaram todos os longos dias de chuva e frio em que a minha mãe as usou, e continuaram, continuaram a resistir até chegarem a mim, aquelas velhas, sujas e usadas botas, que, de tão usadas, quase já não tinham sola, e o que restava da pele de que eram revestidas, já perdeu a cor. Achei estranho o facto de umas botas conseguirem armazenar um número tão grande de memórias, achei estranho o facto de que, se elas simplesmente desaparecessem, todas as memórias cairiam no esquecimento, pois não haveria nada nem ninguém que conseguisse fazer a minha bisavó lembrar-se do seu primeiro baile lá na aldeia, nada nem ninguém que relembrasse à minha avó as longas caminhadas pela floresta durante a primavera, e nada nem ninguém que conseguisse fazer a minha mãe reviver os longos dias de chuva, um deles em que se apaixonou pelo meu pai, nada nem ninguém a não ser aquelas velhas, sujas e usadas botas. E eu? Que memórias guardei eu destas botas? Nenhumas, penso, pois, ao longo dos tempos, a minha família foi enchendo uma lata de salsichas vazia com moedas encontradas no chão da rua ou que não eram necessárias, e, quando a minha mãe engravidou, e com um grande esforço da família, compraram-me umas botas novas, com uma pele grossa e preta a revesti-las, uma sola grande, novinha em folha, e uma grande fivela dourada. Bem, talvez seja bom dar um pouco de descanso às velhas botas da família, pois não sei se iriam conseguir armazenar mais uma memória que seja. Talvez esteja na altura de a nossa família conhecer um novo par de botas, e é isso que vai acontecer, as minhas novas botas de pele grossa e preta, com uma sola grande novinha em folha e uma fivela dourada vão passar para os meus filhos, netos e bisnetos, até que não aguentem mais, mas aí, aí eu vou saber que a minha família, a minha grande e fantástica família, nunca se irá esquecer de uma única coisa, pois a minha família tem a forma mais original e eficaz de se lembrar de tudo, e, apesar de não sermos ricos, não termos uma casa grande e por vezes ouvirmos a barriga a roncar, não trocaria isto por nada no mundo, pois eu sei, eu sei que aquelas novas botas não se vão encher de memórias sozinhas e não há melhor família para o fazer que a minha. Trabalho realizado por: Rita Costa 9ºD
Concurso Literário – Elos de Escrita A sapataria estava deserta. O Senhor Joaquim remendava umas sapatilhas cor-de-rosa. O único som que ali habitava era a agulha a entrar e a sair do tecido. De repente, ouve-se a porta a abrir. Um cliente! Já não era sem tempo! O cliente milagroso colocou umas botas em cima do balcão, cheio de pó. - Eu queria deixar aqui estas botas - disse, severo. - Mas não têm a necessidade de algum remendo - disse o senhor Joaquim, com uma voz doce, na esperança de contagiar o cliente com a sua felicidade. -Não. É para ficarem aqui, permanentemente. Eu já não preciso delas. Faça o que entender com elas - disse, um bocadinho mais calmo. Declarando isto, saiu porta fora. - Claaara! - exclamou o senhor Joaquim. Clara, a neta do senhor Joaquim, apareceu no mesmo instante. Tinha os cabelos negros, grandes olhos verdes e um pequenino nariz, arrebitado. Era uma menina adorável! - Sim, vovô? - Ofereço-te estas botas, faz o que quiseres com elas - disse Joaquim. Na verdade, não sabia o que fazer com elas. Tinha muitas hipóteses, mas a melhor era sem dúvida, oferece-las à querida neta. Clara agarrou nas botas e correu para o seu quarto. Também não sabia o que fazer com elas. Descalçou os seus ténis roxos e calçou as botas. De súbito, os sapatos que eram o dobro do seu tamanho, encolheram ficando à medida do seu pequenino pé. Fechou os olhos, e quando os voltou a abrir, estava no meio da neve. Pequenos flocos de neve, de todas as formas e feitios, pairavam no ar acabando por cair na superfície branca e fria, como se estivessem a dançar numa melodia imaginária. As botas transportaram-na até ao Alasca. Havia uma casinha de madeira a alguns metros. Com alguma dificuldade, Clara caminhou até à casa. Gentilmente, bateu à porta. Alguns momentos depois, uma senhora já idosa veio abrir a porta. Convidou-a logo a entrar. - Então querida? Estás perdida? Clara não sabia o que responder. Não estava, propriamente, perdida, mas também não sabia onde estava. - Queres uma bolachinha? Sim? Não? A rapariga acenou negativamente, com a cabeça. De trás da porta, espreitava uma cabecinha. Era um rapaz loiro, com olhos azuis como o mar. A senhora deixou Clara e foi para a cozinha. - Olá! Como te chamas?- perguntou Clara, com um grande sorriso na cara. - Olá… Chamo-me Den. Sou alemão.
- Eu chamo-me Clara e sou portuguesa. Queres ir brincar para a neve, Den? - Sim! Foi uma tarde em cheio. Os dois meninos brincaram na neve, conheceram-se melhor, Den ensinoulhe alemão e vice-versa… Já era de noite, quando Clara e Den foram para casa. Estavam a rir tanto, que já lhes estavam a doer as barrigas. - Bem, está na hora de ir embora… Obrigado por tudo! Clara fechou os olhos e quando os abriu, estava no seu quarto. Descalçou as botas e reparou que lá dentro estava um floco de neve, que não derretia. Clara agarrou no presente e colocou-a numa caixa onde guardava as coisas mais importantes para ela. Foi um dia que nunca esqueceu.
Por Maria Félix, 7ºB
Era uma vez… Era uma vez um par de botas que pertencia a um gato. O gato chamava-se Zé, era preto, magro e baixo. As botas eram castanhas e tinham uma aparência velha, por dentro tinham pelo, que protegia o gato do frio da sua terra, a sua terra chama-se Vila-Fria. Certo dia, o Zé chegou a casa após ter estado a trabalhar na lama com as suas botas, andou pela casa inteira com as botas calçadas e, como seria de esperar, sujou a casa toda. Quando viu o que tinha feito, o Zé culpou as botas e deu-lhes com o pau da vassoura. Nessa mesma noite, enquanto o gato dormia, as botas fugiram de casa e foram para Paris, Miami, Las Vegas e Los Angeles. O Zé acordou e viu que as botas não estavam lá, então calçou as suas pantufas e foi espalhar cartazes a dizer: “Procura-se um par de botas velhas e castanhas, se já as viu telefone para 21 433 9330.” Passaram-se meses e nenhuma notícia sobre as botas. Mas enquanto elas andavam a passear em sítios chiques, viram um daqueles cartazes e perceberam como o Zé estava triste, pois até tinha mandado cartazes para fora de Portugal. Decidiram então voltar a Vila-Fria. Quando chegaram a casa, o gato estava a chorar, mas assim que viu as botas fez uma festa e abraçou-as com toda a força do mundo e prometeu que nunca mais lhes batia.
Cláudio Garcia Nº 8 – 7º D
Era uma vez … Era uma vez um rapaz que tinha umas botas muito velhas. Eram umas botas castanhas com uns atacadores castanhos e já estavam muito sujas. Um dia, o rapaz disse à mãe que já estava farto das suas botas e que queria umas novas. Ela respondeu que no dia seguinte iriam a uma loja comprar umas, desde que não fossem muito caras. O rapaz ficou muito contente e ficou ansioso que chegasse o dia de ir comprar as botas. No dia seguinte, o rapaz e a mãe levantaram-se muito cedo e foram à loja. Quando lá chegaram, ele disse logo que queria umas botas que estavam na montra, só que eram mesmo muito caras. A mãe disse que não iam comprar aquelas. Então, o miúdo começou a fazer birra e, por isso, foram para casa para ele ficar de castigo no quarto. Quando chegou ao quarto, estava tão chateado que atirou as suas botas velhas ao chão e isso fez com que se abrisse uma porta no chão. O rapaz, curioso, abriu a porta, entrou e foi parar a um lugar mágico cheio de árvores, arcos-íris, rios e flores. Parecia o Paraíso! Ele ficou lá muito tempo a apreciar a paisagem. Passadas umas horas, voltou para casa e disse à mãe que já não queria umas botas novas, queria ficar com aquelas para sempre. Ele teve sorte porque as botas tinham outro poder mágico: nunca deixavam de servir à pessoa que as tinha usado. Por tudo isto, o rapaz aprendeu a dar valor às coisas que tinha e não voltou a pedir coisas à mãe, só quando precisava.
Miguel Bogalheiro Nº19 - 7ºD
As botas e eu Já todos ouvimos falar do gato das botas, mas nunca ninguém falou nas botas e eu. Esse facto é facilmente explicável, pois o conto “As botas e eu” ainda não foi inventado. Pode sentir-se especial, caro leitor, pois é seu privilégio ser o primeiro a tomar conhecimento dele. O novo conto de que todos irão ouvir falar é muito diferente, quase o oposto do gato das botas. O gato é um bicho, as botas foram oferecidas, o gato descalça-as e pode mesmo trocá-las por outras. Mas nesta nova história, o gato não é gato, é homem, as botas são de nascença, o homem não as pode trocar, pois, com o peito vazio, calça nos pés o coração. Elias era um homem com botas permanentes, nunca saía de casa, não tinha amigos, ficava o dia todo na cama, com as janelas fechadas, a campainha avariada e por baixo da porta não passava nada. Vivia assim, até que um dia ficou doente, ficou doente e viu-se obrigado a sair de casa. Vestiu uns calções muito largos, pois as botas não passavam nas calças, e atou-os à cintura com uma corda. Ele tinha vergonha das suas botas, talvez se sentisse um pouco exposto, nenhum de nós gostaria de ter o coração à vista de todos. Na verdade, ele não sabia porquê, as botas eram giras, estavam sempre engraxadas, pareciam de marca e nunca passavam de moda… Quando chegou ao hospital, foi atendido por uma enfermeira. A enfermeira decidiu deixá-lo deitado à espera do médico, mas, quando ia para lhe tirar as botas, não conseguiu. Ela tentou, tentou e partiu uma unha, voltou a tentar e arranhou a mão numa das agulhetas de metal. Desistiu e chamou o médico, que chamou o cirurgião, que por sua vez chamou a empregada de limpeza, que de seguida ligou ao segurança e até à rececionista, mas ninguém as tirou. Farto daquela situação, o homem, mal-humorado como sempre, acabou por dizer que as botas nasceram com ele. O médico parou e saiu, a empregada rezou, o cirurgião deixou cair o bisturi, o segurança chamou a polícia, a rececionista desmaiou, mas a enfermeira limitou-se a sorrir docemente. Quando todos saíram e no quarto só restaram a enfermeira e Elias, ela estendeu o seu pezinho delicado, e assim deixou ver o símbolo que os seus sapatinhos rasos tinham. Como já devem calcular, o símbolo era o mesmo que se encontrava nas botas do homem. Quando o homem tocou nos sapatinhos dela, algo mudou… As botas desapareceram, o homem sorriu pela primeira vez na vida, a enfermeira dançou como nunca dançara antes, e num delicado beijo apaixonado que fez faísca, surgiu um bilhete no ar. A enfermeira abriu-o, sob o olhar atento do homem, e no seu interior surgiu a seguinte frase: “Quando duas metades do mesmo coração se encontram ou dois sapatos da mesma marca se cruzam, há sempre uma faísca no ar, porque aquilo que é para sempre, para sempre eterno será”
Esta história podia ter tido muitos fins, mas só o verdadeiro amor, aquele que junta pessoas de diferentes percursos na vida, aquele que nasce para nós e aquele capaz de completar a outra metade, pode ser eterno, amolecer e rejuvenescer o coração de qualquer um. Ana Catarina Mendes, nº 2, 8º A
A história das minhas botas mágicas Olá, o meu nome é Mário e hoje vou contar-vos a história das minhas botas mágicas. Comprei-as na loja do sapateiro da Avenida 21. Quando as calcei pela primeira vez senti-me logo diferente... Sentia-me especial. Um dia, enquanto usava as botas, dei por mim no meio de um tiroteio entre dois gangues rivais. Usavam armas potentes, identifiquei três AK-U7, a dispararem de um lado para o outro... E eu no meio. Do nada, senti o meu corpo a correr para um prédio e a trepá-lo. Não conseguia comandar o meu corpo, era como se a mente deixasse de ter poder. Eu nunca tinha aprendido a trepar ou a fazer parkour, como estava a fazer! Quando cheguei ao topo de edifício, senti-me aliviado e, ao mesmo tempo, já controlava o meu corpo. Fiquei a pensar em como é que tinha escalado um prédio de dez andares. Será que tinha sido do medo? Será que tinha sido o instinto? Não... foram as botas! A partir desse dia, comecei a fazer testes. O primeiro teste foi trepar um prédio de três andares, sem as botas. Não resultou, mas mal tentei escalar esse mesmo prédio com as botas, consegui! Apercebi-me que tinha uma coisa muito valiosa nas mãos. Saltava mais alto, logo, chegava mais longe. Corria mais rápido, mas não me cansava. Comecei a ajudar as pessoas, durante assaltos ou raptos. As botas guiavam-
-me até ao local do
acontecimento. Eu era uma espécie de mini-herói. Claro que a fama foi crescendo e, hoje, dou por mim nas capas de todos os jornais da cidade, sempre com as botas. A criminalidade baixou mais de 50% depois da minha aparição. Não faço isto pela fama. Faço-o por amor. Farei isto até ao meu último suspiro. Salvar a minha cidade deixa-me orgulhoso... e às minhas botas também!
Afonso Figueira, nº 1, 8º A
Aquelas botas Pedi ao meu filho que me guardasse os objetos em caixas, separando-os com base nas suas diferenças. Sempre que ia guardar um, pedia o meu auxílio para saber o seu devido destino. Havia-lhe contado tudo o que era história: histórias de animais, histórias de magos ou de homens riquíssimos e até mesmo a história da vida e do tempo, claro que ele não compreendia de onde eu sabia isto tudo, segundo ele era ‘’o homem mais sábio do mundo’’. Em determinada altura perguntou-me acerca do destino de umas botas descrevendo-as como castanhas e usadas, como se alguém se divertisse a andar com elas só para lhes dar uso. Respondi-lhe muito vagamente que podia simplesmente pô-las ao pé dos outros sapatos. Uma pessoa da minha idade, perto da morte como estou, tem um vivo sentimento de nostalgia. E seria pior daí para a frente, eu sabia-o. As botas, aquelas botas haviam visto mais terras do que os meus olhos. Nasci cego, por isso não era um problema, era apenas uma dificuldade a que eu já me tinha habituado. As botas tinham-me sido oferecidas pelo meu melhor amigo e fiel companheiro nas mais difíceis jornadas da minha vida. Ofereceu-as com a promessa de um dia largar tudo e ir ver o mundo com a esperança que eu fizesse o mesmo. Nunca me viria a arrepender da decisão de ver o mundo, as pessoas, a cultura, a angústia e, muitas vezes, a morte que anda de braços dados com a vida e que chega sem avisar. Esta seria apenas mais uma história contada ao meu filho se eu lhe quisesse estragar a vida, dizendo-lhe tudo o que há para saber. Bem, sei tudo o que preciso, o resto deixo para os outros. Sei que o meu filho também quer ver o mundo e fazer disso um sonho só dele, por isso ele não sabe que eu também já sonhara alto um dia. Agora limito-me a ficar sentado, o mais perto possível do chão para o caso de cair, a queda ser menor. Já não tenho sonhos, apenas a certeza da morte. Mas que interessa isso agora? Nas muitas terras pisadas fui roubado pelas populações locais que pela gentileza habitual me deixaram apenas com a roupa que tinha no corpo; morri de amores e desamores e ao fim de uns tempos percebi que aquela dor ou alegria sentida é temporária, ao fim de uns anos passa a ser só mais um bom ou mau momento. Esta dita história tem muitas subhistórias incluídas, e, todas juntas, formam o que a minha gloriosa vida foi. Descobri os deuses indianos e os pagãos norte-europeus. Toda a gente adora histórias. Até me contaram que houve quem criasse a sua própria religião. Eu também tenho uma só minha com valores e crenças diferentes da dos outros. Acredito em Algo com A maiúsculo que imagino como o ser perfeito. Não sei quanto tempo fiquei parado, indiferente às perguntas do meu filho, talvez segundos ou até mesmo horas. Para mim, o tempo não passava de forma igual. Apercebi-me da importância das botas na minha vida, do seu valor nostálgico. Botas aquelas que viram mais terras que eu, nunca sentiram a dor como eu (a dor do envelhecimento e provavelmente do esquecimento não estão incluídas) mas também nunca sentiram a verdadeira felicidade e ficaram sempre
à mercê dos meus caprichos. Agora não passam de umas simples botas dentro de uma caixa com mais dezenas de sapatos. Bárbara Morais, 9ºD