Suplemento Regrasso às aulas

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O MIRANTE | 09 Setembro 2010

O MIRANTE

REGRESSO ÀS AULAS 2010

SEMANÁRIO REGIONAL - DIÁRIO ONLINE faz parte integrante da edição n.º 948 deste jornal e não pode ser vendido separadamente

foto arquivo O MIRANTE

As crianças e jovens precisam de pais esclarecidos e esforçados e de professores bem preparados e motivados para virem a ser bons cidadãos. E um país sem bons cidadãos não pode ser um país desenvolvido. Vai começar um novo ano lectivo e como todos os anos há muitas mudanças. Os testemunhos que publicamos neste suplemento deveriam ser lidos com atenção por quem tem que decidir.

Crianças só não gostam Primeiro dia de aulas da escola quando causa nervoso miudinho a escola não gosta delas às crianças e aos pais Algumas recomendações para fazer do seu filho um bom aluno

Alexandrina tem apenas 44 anos de idade e não sabe ler nem escrever. O drama do analfabetismo no país dos computadores Magalhães 4

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Entrada no mundo das responsabilidades e de ruptura em relação à família 2

“Em Portugal perde-se mais tempo a preencher papéis que a dar aulas” 6

“Os jovens de hoje vivem num mundo muito competitivo e exigente” 5

“É uma pena não se estimular mais a criatividade dos estudantes” 7

“No 6 primeiro dia de aulas jogámos ao lenço e foi muito divertido” 5

“Vinha da Austrália e nem sabia falar português por isso foi complicado” 6

“Assustei-me com o professor mascarado de palhaço e fartei-me de chorar” 7


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Primeiro dia de aulas causa nervoso miudinho às crianças e aos pais Entrada no mundo das responsabilidades e de ruptura em relação à família O ano lectivo 2010/2011 arranca segunda-feira no ensino básico e secundário. Para muitas crianças é a entrada num mundo novo. Para muitos pais é também uma nova realidade que se apresenta. Um especialista em Filosofia da Educação, Adalberto Dias de Carvalho, deixa alguns conselhos. Ao entrarem para o 1.º ano naquele que será o primeiro dia do resto das suas vidas no mundo das responsabilidades, as crianças vivem momentos de ansiedade, mesmo se já passaram pelo jardim-de-infância. Mas também a família tem trabalho de casa para fazer. “É um momento importante desde logo para a criança, mas também para os pais. Isto é um aspecto que não podemos esquecer e por vezes não é valorizado”, defende o especialista em Filosofia da Educação, Adalberto Dias

de Carvalho. Tudo tem a ver com a condição humana: se o novo nos atrai também nos inquieta, crianças e adultos incluídos. Mas o que parece simples pode complicar-se se a angústia e ansiedade dos pais for projectada nos filhos, o que acontece frequentemente, segundo o catedrático do Porto. “Quando os pais vêem os miúdos preocupados, inquietos, pensam que é uma preocupação apenas deles, mas muitas vezes está em conexão directa com o temor que os próprios pais têm e não identificam, mas as crianças assimilam de uma forma muito evidente”, refere. A família vê normalmente a entrada na escolarização “também como um momento de desapego, de desvinculação, de ruptura em relação à própria família e isso é sempre vivido de uma forma algo complexa, pouco tranquila”. “Era necessário os pais encararem ou identificarem as suas reservas, os seus temores para lidarem com eles bem para as crianças também lidarem correctamente”, sustenta.

Daí que a entrada na escola tenha muito a ver com tudo o que se passa antes de lá chegar. Se a criança já esteve num jardim-de-infância e teve a experiência da ausência da família, a educadora terá um papel importante se lhe mostrar a escola nova e falar da transição de uma forma adequada, criando curiosidade. Se assim for, a transição pode ser mais suave. Mas mesmo nestes casos, a experiência do jardim-de-infância é mais tutelar e próxima do tipo familiar do que a que vão encontrar no 1.º ano do ensino básico. “A mudança, esta alteração de estatuto, de expectativas, vai criar comportamentos com alguma complexidade”, explica. Em casa, os pais devem ter o cuidado de falar com a criança sobre o que vem a seguir, prepararem com ela os materiais novos e criarem-lhe progressivamente autonomia, “um aspecto muito importante”. “Autonomia é uma coisa que se constrói juntamente com as famílias e que não seja apenas por revolta, por separação abrupta. Se for construída por pequenos gestos e atitudes (a comer,


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O MIRANTE | 09 Setembro 2010 vestir e calçar, por exemplo), a criança vai enfrentar estes primeiros dias de uma maneira mais suave, mais natural”, afiança Adalberto Carvalho. Recordando Freud, e não querendo dramatizar, o especialista recorda que a educação se faz por frustrações. “Temos de nos habituar desde cedo a enfrentar frustrações porque a vida não é apenas isso, mas vai-nos proporcionar muito isso”. É “inevitável” a criança no primeiro dia de aulas sentir “o peso da ruptura, dos receios, das dúvidas e a frustração de não estar perto da família, da antiga

educadora, dos antigos colegas”, mas o fundamental é que “perceba, sinta e saiba que quando chegar a casa vai ter oportunidade de conversar sobre o que se passou na escola” e que já tenha havido conversas antes, frisa. É igualmente aconselhável, as crianças verem os encarregados de educação a falar com os professores uns dias antes para se sentirem seguras.


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Alexandrina tem apenas 44 anos de idade e não sabe ler nem escrever O drama do analfabetismo no país dos computadores Magalhães

MOTIVAÇÃO. Aos 44 anos, Alexandrina Pereira está a fazer uma segunda tentativa para aprender a ler e a escrever

Quando se pensa em analfabetismo pensa-se em pessoas idosas. Pessoas que nasceram e cresceram antes da revolução de Abril. Não é o caso de Alexandrina Pereira. Tem 44 anos de idade e vive em Tomar. Abandonou a escola aos seis anos para tomar conta dos irmãos. Apesar de ser saudável e bem-disposta, não esconde a mágoa de não saber ler. Uma história da vida real num país em que as crianças já aprendem inglês e vão para a escola com computadores. Elsa Ribeiro Gonçalves

Quando estacionámos o carro de O MIRANTE em frente a casa de Alexandrina Pereira, moradora no Bairro 1.º de Maio em Tomar, mesmo sem anunciarmos presença, a porta abriu-se de imediato. A mulher esboça um sorriso e convida-nos a entrar. Após dizermos ao que vamos mostra-se desapontada: “Ah! Pensava que me vinha oferecer emprego”. Não identificou a repórter, apesar de esta se fazer transportar num carro identificado com letras garrafais. Primeiro sinal do fardo que Alexandrina Pereira carrega aos 44 anos, fruto de nunca ter aprendido a ler nem escrever. Natural de Tomar, Alexandrina chegou a frequentar a 1.ª classe mas a mãe, que trabalhava sozinha no campo de sol a sol, precisava de alguém para tomar conta dos irmãos mais novos. Aos seis anos fazia a lida da casa, cozinhava, apanhava azeitona e ia ao mato buscar feixes de lenha à cabeça, conta quem só em adulta aprendeu a assinar o nome e a copiar palavras às quais não

foto O MIRANTE

atribui significado. Os tempos eram outros, as prioridades também e os dias foram passando sem que regressasse aos bancos da escola. Melhor destino tiveram os seus irmãos que aprenderam a ler e a escrever. Quando recebe uma carta pede às filhas que a leiam e vai sempre ao supermercado acompanhada pelo marido para não se enganar nas compras e, especialmente, nas contas. “Com o dinheiro já sei lidar melhor. Memorizei as cores das notas, o problema são as moedas pretas que não consigo ainda distinguir”, exemplifica. Atento à conversa, o marido, José Pereira, interrompe para contar um episódio. “Uma vez deu uma nota de cinco contos para pagar mil escudos e vinha-se embora sem o troco”, recorda de dedo em riste. “Foi uma tia que estava por perto que deu conta do engano”. Mãe de quatro raparigas, avó de uma neta, Alexandrina casou cedo e como apenas conhecia a vida do campo teve dificuldade em arranjar emprego fora de casa. “Sabia que não podia esperar muito pois quem não lê é como quem não vê, pelo que tudo o que viesse era bom”. Foi o marido que tratou de lhe arranjar trabalho na Citaves, uma unidade de produção industrial de aves na Zona Industrial de Tomar e era ali que se sentia bem. Acabou por ficar dez anos até o desemprego lhe voltar a bater à porta. “Um dia deram-me um papel para assinar e perguntei para que era porque pensava que me estavam a mandar embora”, recorda. Afinal era o contrato para ficar por tempo indeterminado. Um tempo indeterminado que já teve o seu termo. Agora procura trabalho. Qualquer trabalho que não implique saber ler ou escrever. Uma coisa mais difícil de encontrar do que agulha num

palheiro. Antigamente os empregadores pediam a 4ª classe. Agora o mínimo é o 9º ano. O analfabetismo é um estigma. Uma limitação. Uma prisão. Consultar os preços nas montras. Ver o horário do autocarro. Identificar as ruas pelos nomes. Ler um aviso. Saber o nome de um café ou de uma loja através do letreiro na fachada. Levantar dinheiro ou fazer pagamentos no Multibanco. Perceber as instruções de um novo equipamento. Ler uma mensagem num telemóvel ou identificar quem está a ligar. Alexandrina não assina nada sem perguntar para que é, um conselho que lhe deram e que faz questão de seguir. Quando tem que aviar uma receita pede sempre ao farmacêutico para escrever na caixa como deve tomar a medicação. Em casa o marido ajuda-a a decifrar a dosagem. Nunca lhe aconteceu nenhuma situação porque está sempre acompanhada. Um amparo, como alguém precisa a quem falta um membro do corpo, para entender melhor o mundo que a rodeia. E para que o mundo a entenda melhor também porque é difícil explicar que não sabe ler, lacuna atri-

buída normalmente a quem já tem cãs na cabeça ou mora em lugarejos mais recônditos. “Quero muito aprender a ler”, reforça quem vai sabendo das notícias pela boca de quem a rodeia ou prefere ficar informada pela televisão, já que a ouvir também se aprende. Ignora o que dizem as legendas mas quando sente curiosidade pergunta o que está lá. Quando olha para alguma revista corde-rosa apenas se pode limitar a apreciar o corte de cabelo ou a indumentária de quem aparece na capa. A memória vai sendo a sua melhor aliada no dia-adia. Os seus dias, agora, são passados a cuidar das flores. Actualmente a frequentar a escola D. Nuno Álvares Pereira à noite no âmbito do programa “Novas Oportunidades”, Alexandrina Pereira está a fazer uma segunda tentativa para aprender a ler e a escrever. O ano passado já tinha tentado mas não lhe passaram o diploma por acharem que ainda tinha poucos conhecimentos adquiridos. Não conhece mais ninguém na sua situação mas não tem vergonha e sente que pode ser útil na sociedade se lhe derem uma oportunidade ou, seja, um emprego. “Seja nas limpezas ou a cozinhar”afirma.


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“No primeiro dia de aulas dia jogámos ao lenço e foi muito divertido” Ana Gaspar, 42 anos, directora Colégio Jardinita, Alcanede O primeiro dia de aulas de Ana Gaspar foi um dia “tenso”. “Estava muito nervosa, não sabia o que ia encontrar”, descreve. A própria ideia da figura do professor assustava-a. “Mas passou depressa”, conta. “Foi um dia de muita socialização. Lembro-me que os professores fizeram uma roda e fizemos o jogo do lenço. Acabou por ser um dia fantástico”. Ana Gaspar sempre gostou de estudar, embora considere que algumas das disciplinas que teve ao longo do seu percurso escolar talvez fossem “dispensáveis”. Não foi o caso das aulas do professor Celso, seu docente no 11º e no 12º ano. “Além da matéria, foi um homem que nos deu lições de vida”. “Aprendi muito com ele”, refere, destacando que leccionava história e filosofia. “A estratégia dele era simples. No contexto da matéria, procurava adequar os conteúdos à realidade. Foi um homem espectacular”, diz com entusiasmo. A educadora de infância sublinha que nunca se arrependeu do tempo de estudo, salientando que este lhe deu as bases para a vida prática. Hoje vê os mais pequenos a darem os primeiros passos

no mundo do conhecimento e nota que a maioria regressa das férias com muitas saudades do colégio.

“Os jovens de hoje vivem num mundo muito competitivo e exigente” Fátima Pires, 50 anos, secretária English 4 U, Torres Novas

O primeiro dia de aulas de Fátima Pires foi “emocionante”. “Fui estudar para o Colégio de Santa Maria, aqui na cidade. Já conhecia algumas meninas e foi emocionante porque a ânsia de aprender era muita e era tudo novo”, conta. Daquele seu primeiro dia recorda, apenas que lhe chamou a atenção o facto da professora ser freira. “A Irmã Estela, que morreu o ano passado. Te-

nho muito boas memórias”. Foi através dessa religiosa que acabou por entrar para as Guias de Portugal, uma organização do tipo escutista. Outro professor que a marcou foi Natal da Luz, um docente de História com o qual aprendeu a gostar da disciplina. “Ele dava aulas de uma forma muito lúdica”, comenta. “Tinha uma maneira de ensinar as coisas que fazia com que nunca nos fossemos esquecer. Era como se fosse brincadeira. Era cativante”, afirma. Formada em Assessoria e Gestão de Empresas diz que valeu a pena todo o seu percurso escolar. “Mesmo que a pessoa em termos profissionais não venha a ter o reconhecimento que achava que devia ter, vale sempre a pena pelo conhecimento que se adquire. São coisas que ficam e está-se sempre a aprender”. Os jovens estudantes de hoje não são muito diferentes dos do seu tempo. “A característica essencial é a mesma, mas o contexto onde vivem é diferente”. “Têm mais distracções e talvez seja mais difícil”, refere. No entanto reconhece que a tarefa dos estudantes de hoje é mais complicada que a da sua geração. “Esta época é mais exigente. Os jovens têm acesso a muito mais informação. Exigese-lhes muito. Há mais pressão. Por outro lado existe mais competição a nível escolar e nem sempre ela é tão saudável como seria conveniente”.


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“Em Portugal perde-se mais tempo a preencher papéis que a dar aulas” Maria Dolores Barbera, 50 anos, proprietária English 4 U, Torres Novas É espanhola, “catalã em primeiro lugar”, com formação nas ciências sociais, mas é em Torres Novas que trabalha. Maria Dolores Barbera lembra que o seu primeiro dia de aulas foi muito tranquilo, uma vez que foi estudar para uma escola onde a mãe era professora. “Não tive medo porque ia para um sítio que conhecia. Só no 5º ano é que houve aquele receio, porque era tudo desconhecido”. Foram os tempos no colégio de freiras que mais a marcaram. “Lembro que levávamos uniforme, era um colégio diferente, um mundo completamente di-

“Vinha da Austrália e nem sabia falar português por isso foi complicado” José Rui Belo, 35 anos, director Colégio Alto Pina, Rio Maior José Rui Belo não se recorda do seu primeiro dia de aulas. “Eu não estava em Portugal”, explica. Os seus primeiros passos no mundo do conhecimento foram na Austrália e só aos oito anos veio para Portugal. Desses tempos pós-regresso lembra-se bem.

“Foram tempos complicados. Não falava português; não conhecia ninguém e como lá os currículos eram muitos diferentes foi difícil. Em língua portuguesa estava mal. Noutras matérias estava mais avançado que os meus novos colegas”, explica. Com o tempo rapidamente se adaptou à nova língua. Da sua época de estudante apenas lamenta ter seguido a área da contabilidade no secundário. Quando finalmente se apercebeu que não poderia estudar mais nada além da área da Economia, decidiu dar uma volta a esse destino. No ano seguin-

Como se faz um bom aluno Todas as crianças são inteligentes e ser mau aluno não é sinónimo de incompetência, pode é resultar da falta de motivação e por isso é que estudantes muito maus podem passar a muito bons, garantem os especialistas. “As crianças só não gostam da escola quando a escola não gosta delas”, afirma o psicólogo Eduardo Sá, assegurando que “todas as crianças são inteligentes” e que os maus alunos são “sintoma ou consequência de factores educativos, familiares e de oportunidades”. O segredo para alterar percursos parece ser a motivação: “Quando as crianças sentem que alguém se interessa por elas e reconhece as suas capacidades, ficam motivadas. Todos nós só nos sentimos motivados quando estamos a ganhar”, alerta Eduardo Sá. Pedro Rosário, investigador da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, explica que “a motivação não existe à cabeça, gera-se pela cumplicidade com os conhecimentos” e para a alcançar,

ferente da escola primária. Talvez por isso a imagem mais marcante enquanto jovem estudante, tenha sido a de um grande grupo de freiras, à espera que todas as alunas entrassem na sala. Recorda sobretudo as religiosas mais divertidas e as aulas de bordados, que ninguém gostava. “Tínhamos uma colega que gostava de bordar e que nos passava os bordados já feitos”, comenta rindo. “Foi um tempo muito bom”. Já na universidade teve colegas que a cativaram de alguma forma pela sua amizade e convivência, mas recorda sobretudo o professor de Filosofia e Psi-

cologia. Foi aquele que a fez perceber “que por vezes as coisas não são tão reais quanto pensamos”. “Teria estudado mais”, destaca, mas como namorava um português teve que fazer uma opção. “Gosto muito de dar aulas, todos os alunos são diferentes, mas gosto de sentir que querem aprender mais”. Entre Portugal e Espanha, não nota grandes diferenças no ensino. “É a mesma coisa. Varia muito é a burocracia. Em Portugal perde-se muito tempo a preencher papéis em vez de se dar aulas como deve ser”.

te estudou Biologia em casa, sozinho, e assistiu a aulas de Química à noite. Entrou em Psicologia na universidade, profissão que também exerce. Fora este pequeno percalço, não se arrepende de ter estudado e do caminho que escolheu. Na memória recorda o professor de Química e um professor do 4º ano do curso de Psicologia, docentes que tinham muita facilidade em transmitir o conhecimento. “Saber comunicar com os alunos é muito importante”, realça. Comparando os jovens de hoje com os do seu tempo, comenta que já houve alturas em que notou mais diferença no comportamento. “A maior parte dos alunos já volta a respeitar a escola, os professores”, nota. “É a minha opinião formada a partir do que vou observando”, justifica. às vezes, é preciso trabalho acrescido. O especialista lidera um grupo responsável por projectos de desenvolvimento de competências (disponíveis em www. guia-psiedu.com) e explica que as pessoas “têm vários níveis de competências” que precisam de desenvolver a velocidades diferentes. “A competência é como se fosse um músculo, desenvolve-se. Há alunos que conseguem aprender determinada coisa numa hora e outros que precisam de quatro. É como no treino físico”, sublinha. Assim, “os maus alunos que passaram a ser bons já tinham a competência, mas não estava desperta a apetência, ou porque as matérias não estimulavam ou porque os professores não eram motivadores”. Álvaro Almeida Santos, ex-presidente do Conselho de Escolas, professor há 27 anos, considera que um aluno com uma boa aprendizagem nos dois primeiros anos de escolaridade, “normalmente mantém-se motivado nos restantes”. Quando essa base não existe, os problemas aparecem na transição para o terceiro ciclo, “bastante mais exigente”, e “se o aluno não tem capacidade para trabalhar, a adaptação é difícil”. Com um “apoio próximo e diferen-

ciado”, a escola consegue, por vezes, fazer a diferença, sempre com o apoio da família, que deve “encorajar, não recriminar e responsabilizar”. “Quando o aluno encontra uma zona de desenvolvimento próxima consegue cumprir determinados objectivos. Motiva-se e fica preparado para outros objectivos e possibilidades”, refere o docente. Para resolver o insucesso escolar, Luís Picado, especialista em Psicologia da Educação, defende “uma escola diferente”, formada por professores, pais e outros técnicos (educadores sociais, animadores socioculturais e psicólogos). “Acredito num trabalho transdisciplinar, onde as pessoas pensam em conjunto sobre os problemas e soluções, e no entendimento de uma escola comunidade. Só as escolas apelativas para os alunos e famílias podem promover o sucesso educativo”, refere o autor do estudo “A Indisciplina em Sala de Aula” e do livro “Ansiedade na Profissão de Docente”. Referindo que “está provada a importância da motivação na aprendizagem e da falta da mesma no insucesso escolar”, Luís Picado alerta que “a habilidade” nesta matéria “consiste em promover os motivos certos que conduzam o aluno a agir, e a agir bem”.


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“Assustei-me com o professor mascarado de palhaço e fartei-me de chorar” Filipa Duarte, 24 anos, funcionária da Livraria Garrett, Cartaxo “Fartei-me de chorar”, refere logo Filipa Duarte quando lhe perguntam pelo seu primeiro dia de aulas. A razão não era propriamente o separar-se da mãe, mas o facto de um professor se ter mascarado de palhaço. “Fartei-me de chorar por causa dele. Fiquei sentada sozinha numa carteira e ele veio sentar-se ao meu lado”. O terror só terminou quando a mãe foi pedir ao professor que se fosse embora e sentou-se com ela. Terminou há pouco o 12º ano e aguarda agora os resultados da candidatura à universidade, para o curso de Contabilidade e Fiscalidade. Com um percurso académico com alguns sobressaltos, afirma contudo que vale sempre a pena aprender. “Acho que o saber não ocupa lugar”. “Até ao 6º ano fui sempre boa aluna e estava regularmente no quadro de excelência. Com a morte da minha avó que me acompanhava nos estudos, a instabilidade fez com que o cenário se alteras-

se. Daí para a frente foi um desastre. E as más companhias também não ajudaram”, confessa. E tem outros arrependimentos na lista. “Se voltasse atrás e soubesse o que sei hoje, não teria seguido a área de Humanidades. A professora de Físico-Química do 9º ano embirrou comigo e deu-me a única negativa que tirei naquele ano. Isso fez com que eu acabasse por não seguir para ciências”. Dos inícios dos tempos de estudante tem na memória o professor João Maria de Oliveira. “Foi o melhor professor que podia ter tido”, sublinha. “Ainda era do método antigo e nós aprendemos o que tínhamos que aprender. Não se limitava ao plano curricular e procurava puxar por nós”. O docente deveria ter-se reformado quando Filipa Duarte estava no 2º ano, mas os encarregados de educação pediram-lhe para que permanecesse com a turma até que seguissem para o 2º ci-

“É uma pena não se estimular mais a criatividade dos estudantes”

David Almeida, 33 anos, professor de Inglês na “Linguacultura”, Santarém “Tivemos a oportunidade de escrever poesia, acho que o meu prazer pela leitura começou na escola”. Já em Portugal, apesar de notar à partida um sistema de ensino mais exigente, este acabou por ser “uma desilusão”. “Não se estimula a criatividade”, nota. Apesar de algumas dificuldades a nível da escrita do português, acabou por achar tudo bastante fácil e tirou boas notas. Formado em Português-Inglês, um

A sua vida académica começou nos Estados Unidos da América e só aos 15 anos veio para Portugal. Do seu primeiro contacto com a escola memorizou sensações. “As sensações de medo e de insegurança. De não querer largar a mão da minha mãe”.Mas o receio foi atenuado por uma outra sensação que lembra a sorrir. “Reparei também numa rapariga, foi logo ali uma paixão”, refere rindo. E foi sobretudo um dia de descoberta, pois até ali havia vivido muito fechado em casa. Do ensino americano para o português notou grandes diferenças quando, já adolescente, se viu num sistema mais exigente do que aquele que estava habituado. “Nos Estados Unidos havia menos rigor em termos de avaliações, mas nas aulas havia muita criatividade”, explica.

clo e assim foi. Olhando os mais novos, nota que estes pouco se esforçam nas aulas. “Tentam ser adultos mais cedo e isso pode prejudicálos”, alerta. curso que tirou porque “gostava” e não a pensar num emprego futuro, refere que o gosto pela leitura se desenvolveu com uma professora da 4ª classe. “Incentivava os alunos, até com pequenas competições para ver quem lia mais e não fazia juízos de valor quanto ao tipo de leitura. Tudo valia, mesmo que fosse banda-desenhada. Foi óptimo” declara. “A geração de hoje tem muitas mais distracções. Há excesso de informação e há que fazer várias tarefas ao mesmo tempo. É uma pena que não consigam estar quietos e em silêncio consigo próprios porque o desenvolvimento da identidade passa por isso também”, conclui.


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