Especial Feira da Agricultura

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Central de Cervejas interessada em adquirir a Drink In em Santarém A Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (SCC), detentora da marca Sagres e das águas Luso, está interessada em adquirir a cervejeira de Santarém Drink In. “Eles receberam uma proposta nossa e estamos à espera de resposta”, garantiu o presidente da comissão executiva da SCC. A revelação foi feita por Alberto da Ponte, à margem de um convívio promovido pela Central de Cervejas, inserido numa estratégia da empresa, que visa reunir uma vez por mês a sua comissão executiva nas capitais de

distrito. Na terça-feira, 2 de Junho, foi a vez de Santarém. Quanto à manutenção dos postos de trabalho, caso a SCC adquira a Drink In, Alberto da Ponte foi claro: “Se eu conseguir manter a massa crítica, estão na sua esmagadora maioria garantidos”. O patrão da cervejeira sedeada em Vialonga assegura que, apesar da crise que afecta Portugal, a empresa “está a crescer trinta por cento nas exportações, o que tem dado para equilibrar as contas da Central

de Cervejas”. Esta decisão é surpreendente, já que em entrevista a O MIRANTE, na edição de 12 de Março, Alberto da Ponte negou o interesse em adquirir as instalações da Cervejas Cintra em Santarém: “Actualmente o volume está a decrescer e é mais viável fazer investimentos em Vialonga. Só faço votos de que os accionistas da Cintra, com alternativas que não podem passar por nós, consigam aguentar a fábrica e os postos de trabalho”.

Economia

O MIRANTE 04 de Junho de 2009

Especial Feira da Agricultura

Cnema não convida José Socrates e Jaime Silva para a feira da agricultura Primeiro-ministro e ministro da Agricultura não foram convidados para a inauguração da Feira do Ribatejo que decorre de 6 a 14 de Junho em Santarém II

Dia Nacional do Estudante do Vinho e do Azeite desafia jovens Concurso em Santarém vai eleger os melhores projectos nas áreas da viticultura e olivicultura VIII

União de Sindicatos responde às críticas da Nersant XII Três Dimensões

Maria João Franco IX

“O toiro é que As memórias do põe tudo no sítio” campino Sabino José Manuel Duarte diz que há mercado para tantos cavaleiros tauromáquicos e que o talento faz o resto VI

Durante décadas conduziu gado pelas lezírias ribatejanas e toiros para as arenas V


II | ECONOMIA

04 Junho 2009 | O MIRANTE

Primeiro-ministro não foi convidado para a Feira Nacional da Agricultura Crise reduz orçamento do certame que decorre em Santarém de 6 a 14 de Junho

foto arquivo O MIRANTE

PRESENÇA. O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, vai visitar novamente a feira.

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primeiro-ministro José Sócrates não foi convidado para visitar a Feira Nacional de Agricultura, que decorre de 6 a 14 de Junho no Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (Cnema), em Santarém, de 6 a 14 de Junho. O ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, Jaime Silva, também não está na lista dos convidados. O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e do Cnema, João Machado, especificou aos jornalistas na apresentação da feira que, pela primeira vez, o primeiro-ministro não foi convidado, acrescentando que nas edições anteriores “nunca aceitou o convite”. O Presidente da República Aníbal

Cavaco Silva visita a feira na tarde de 9 de Junho. Já o ministro do Ambiente, Nunes Correia, deverá deslocar-se à feira de Santarém para assinar um protocolo com a CAP para permitir às associações do sector agrícola “serem intervenientes no processo de legalização dos poços e furos de água”, avançou Luís Mira, secretáriogeral do Cnema. O tema central da Feira será a água, e o protocolo diz respeito à aplicação da taxa de recursos hídricos aos agricultores, situação que tem levantado várias dúvidas. Actualmente, somente 30 por cento dos produtores que utilizam rega estão referenciados. Oitocentos mil euros é o orçamento da edição deste ano da Feira Nacional de Agricultura, que decorre no Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (Cnema), em Santarém, de 6 a 14 de Junho. A crise levou a organização a reduzir os custos em 20 por cento, face ao milhão de euros investido no ano passado, mas o número de expositores será semelhante. A captação de novos expositores compensou alguns abandonos de expositores habituais. “A grande incógnita” é o número de visitantes, admitiu o secretário-geral do Cnema Luís Mira, que disse no entanto esperar manter as 120 mil visitas da edição anterior. Atendendo à situação de crise económica, que afecta o sector agrícola mas também os consumidores em geral, a feira apresenta um dia de entrada livre, a 8 de Junho, a que se junta a possibilidade de adquirir uma caderneta com 25 bilhetes a 2,5 euros cada um, sendo o preço da entrada avulsa de quatro euros. A Feira Nacional da Agricultura/Feira do Ribatejo volta também a apostar na divulgação dos produtos da terra e das tradições do mundo rural. O evento inclui ainda o segundo Salão Nacional da Alimentação, o terceiro Salão Nacional do Azeite e o Festival Nacional do Vinho. Possibilita também aos visitantes o contacto com “um pouco do campo” ao ter pequenos espaços de cultura, por exemplo, de trigo e de girassol, além de vários animais. A diversidade de acções integradas na Feira abrange ainda a apresentação de uma inovação em termos tecnológicos, um tractor guiado por GPS, “tornando o cultivo mais eficiente”, segundo o secretário-geral da CAP.


ECONOMIA | III

O MIRANTE | 04 Junho 2009

Tony Carreira, Deolinda e Rita Redshoes na Feira de Agricultura Água é o tema central do evento que decorre no Cnema em Santarém

Tony Carreira

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pesar da redução orçamental e da crise, a edição deste ano da Feira Nacional de Agricultura apresenta o melhor programa de espectáculos musicais dos últimos anos. Na agenda de espectáculos contam-se concertos com os Deolinda (6 de Junho), Tony Carreira (dia 9), Rita RedShoes (10 de Junho), os Pontos Negros (a 11), Ana Free (12), os Azeitonas e David Antunes & a Banda do Norte (13 de Junho), para além de espectáculos de sevilhanas, danças de salão, filarmónicas e tunas. A Feira Nacional da Agricultura, que se realiza de 6 a 14 de Junho, no Centro Nacional de Exposições, em Santarém, tem este ano por tema central a água e volta a apostar na divulgação dos produtos da terra e das tradições do Mundo Rural. Com um milhar de animais de várias espécies em exposição, a 46.ª Feira Nacional da Agricultura/56.ª Feira do Ribatejo tem em agenda numerosas exibições e concursos, demonstrações de folclore, espectáculos musicais e a presença da gastronomia, em particular associada às carnes de raças autóctones. O programa de conferências e debates estará centrado na discussão de assuntos relacionados com a água - importância da gestão da água, da preservação deste recurso, o seu uso eficiente e boas práticas na sua utilização na agricultura -, mas também incluirá temas como o desen-

volvimento rural, o “exame de saúde” da Política Agrícola Comum (PAC) e a utilização de energias renováveis na agricultura. A região do Ribatejo vai estar igualmente em debate, com abordagens sobre as suas potencialidades, vantagens e desvantagens, sendo cada dia do certame dedicado a cada um dos municípios da Lezíria do Tejo - Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém. Como novidade, o 2º Salão Nacional da Alimentação, dedicado à alimentação saudável, com demonstrações de produtos de qualidade dos sectores dos lacticínios, frutos, hortícolas, bebidas, cereais, compotas, entre outros, vai contar com demonstrações de “show cooking”, com chefes “de renome”, como Augusto Gemeli, Luís Américo, Luís Baena, Marco Gomes. O 3.º Salão Nacional do Azeite acrescenta este ano às provas e degustações massagens relaxantes feitas com unguentos à base de azeite. O Portuguese Wine Fair/Festival Nacional de Gastronomia apresenta as principais regiões e marcas do sector, promove o encontro entre produtores, empresas, técnicos, enólogos e curiosos, e divulga os vencedores do Concurso Nacional de Vinhos Engarrafados de Qualidade, competição que visa estimular a produção de vinhos de qualidade e dar a conhecer o que de melhor se faz em Portugal neste sector. Desfiles e provas de campinos, largadas de touros, actividades equestres, exibições de folclore, música tradicional e popular, exibições de escolas de toureio, treino de forcados, provas de velocidade, perícia e condução de cabrestos, preenchem igualmente o programa da FNA, que destaca a demonstração de dressage com cavaleiros olímpicos e internacionais e os concursos das várias raças em exposição. A feira abre a 6 de Junho com o Encontro do Folclore Português, que envolve 700 pessoas de 10 ranchos vindos de vários pontos do país, e que inclui “mercados tradicionais”.


IV | ECONOMIA

04 Junho 2009 | O MIRANTE

Santarém ensaia mercado de agricultura biológica Iniciativa decorre esta quinta-feira, Dia do Instituto Politécnico

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riar um mercado de produtos biológicos, produzidos de forma natural e integrada, sem fertilizantes e outros químicos, é a ideia que sustenta o projecto de um grupo de alunos e docentes das escolas superiores Agrária e de Educação de Santarém. O grupo de trabalho preparou para esta quinta-feira, 4 de Junho, Dia do Politécnico de Santarém, um mercado biológico que vai funcionar junto à entrada do auditório da Escola Superior Agrária de Santarém entre as 16h00 e as 20h00, aberto ao público em geral. Estão convidados 11 produtores da região que vão apresentar uma variedade de produtos hortícolas e frutos produzidos segundo as melhores práticas ambientais. “Se estes agricultores venderem todos os seus produtos, certamente ficarão influenciados para criar o mercado biológico que deve funcionar uma vez por mês num espaço central da cidade”, explica Ana da Silva, docente da Unidade Curricular de Metodologias de Animação Cultural e uma das coordenadoras do II

Encontro Comunitário. Segundo a professora, a Câmara de Santarém já disponibilizou instalações para o mercado, mas os promotores pretendem um espaço mais central e admitem que o Jardim da República, em fase de requalificação, ou o Largo Padre Chiquito seriam bons espaços para o mercado que não necessita de uma infraestrutura “muito complexa”. O Encontro Comunitário que vai promover o mercado biológico pretende sensibilizar os produtores e os consumidores através da partilha de informação. Será feito um questionário onde se pretende aquilatar da necessidade que os consumidores sentem, ou não, de um espaço deste tipo. As respostas serão trabalhadas pelos estudantes que irão produzir um relatório de conclusões para apresentar às várias entidades envolvidas na criação do mercado biológico. A jornada de quinta-feira deverá contar com a presença da empresa que fornece as refeições às cantinas e bares do Instituto Politécnico para que a mesma

EXPERIÊNCIA. Mercado vai funcionar esta quinta-feira, dia 4, e está aberto ao público foto arquivo O MIRANTE seja sensibilizada para a vantagem de introduzir produtos biológicos na alimentação dos estudantes. Ana da Silva diz que é possível estabelecer acordos com os produtores locais assegurando o fornecimento das frutas e hortícolas a preços vantajosos e estimulando o crescimento da produção biológica na região. Por outro lado, os produtores e consumidores podem beneficiar da investigação que está a ser feita na Escola Superior Agrária de Santarém na área da

produção integrada de hortícolas, ciência e tecnologia do Alimentos e nutrição e qualidade alimentar, entre outras. O Encontro Comunitário que proporciona o mercado biológico integra o Projecto Solidariedade Cidadã inscrito na iniciativa EQUAL que visa mobilizar os cidadãos europeus e entidades par a intervenção social solidária através da realização de encontros comunitários e mercados solidários (http://www.solidariedadecidada.org)

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ECONOMIA | V

O MIRANTE | 04 Junho 2009

As memórias do campino Sabino Durante décadas conduziu gado pelas lezírias ribatejanas e toiros para as arenas É o campino mais antigo do concelho de Santarém. O título valeulhe uma homenagem em Outubro passado, embora Manuel Sabino Tomás já tenha deixado de conduzir gado há perto de uma década. Hoje passa o tempo no centro de dia de Alcanhões, recordando as longas jornadas a levar gado entre herdades e toiros para as corridas.

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João Calhaz

unto à entrada do gabinete da directora do Centro de Dia de Alcanhões há uma fotografia de um campino montado numa égua branca, acompanhada por uma pequena nota biográfica. Reza assim: “Comecei a trabalhar tinha 11 anos, na ganadaria Paulino Cunha e Silva e Herdeiros. Tenho 79 anos e nasci aos pés do rio Tejo, os meus padrinhos foram os toiros e os cavalos de que sempre gostei. Sou ribatejano de raça, fui estimado por amigos e camaradas das ganadarias portuguesas”. A fotografia é datada de Junho de 1997 e evoca um utente do centro de dia. Na altura em que a imagem ficou registada, Manuel Sabino Tomás ainda praticava a arte de bem cavalgar. Hoje, aos 90 anos, o velho campino está retirado das lides. Desceu da sela em 2000 e não voltou a montar. Passa os dias com alguns conterrâneos e contemporâneos no centro de dia da vila onde nasceu. Depois de o imaginarmos durante décadas a cavalgar pelas lezírias ribatejanas, é quase como ver um pássaro na gaiola. “Já não monto, porque se montasse estava lá”, diz com conformismo e algum saudosismo. Foi campino até poder. Nasceu em Alcanhões e cedo se dedicou à vida do campo. Começou aos 11 anos a guardar éguas. Podia perfeitamente ter inspirado a criação de algumas das personagens que saíram da imaginação e do estilo neo-

realista de Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes. Poderia ter sido um Constantino guardador de vacas e de sonhos. Ou um dos figurantes que entraram no filme “Um Homem do Ribatejo”, realizado por Henrique de Campos, a cujas filmagens chegou a assistir numa herdade do patrão em que o gado que guardava também teve direito aos seus minutos de fama. O barrete verde deu lugar ao barrete negro. A pele do rosto está curtida por muitos verões na lezíria. Senta-se e antes de começar a entrevista lança um aviso à navegação: “Estou muito em baixo, já tenho 90”. Mas a memória rebobina facilmente alguns episódios da sua biografia de homem do campo. Aos 18 anos começou a trabalhar como campino na Quinta da Comenda. E assim foi até para lá dos 80, quando as pernas começaram a fraquejar. Uma das suas missões era transportar os toiros e vacas entre as herdades do patrão. “Os toiros andavam de um lado para o outro com os cabrestos”, explica. A propriedade mais longínqua ficava em Águas de Moura, perto de Setúbal. Tinham de ficar uma noite pelo caminho. Azambuja era outro destino habitual. Para aí gastava-se um dia de viagem. A adrenalina era outra quando tinham de conduzir os toiros para as corridas em praças como a de Moita do Ribatejo. Nessa vila não era fácil o seu trabalho, devido à acção da multidão. “Nas entradas de toiros os populares tentavam espantar o gado. Quando apanhavam um, matavam-no e comiam-no e depois davam um tanto a cada um”.

Em Santarém as coisas eram mais fáceis. Embora por vezes também tentassem espantar os toiros. Recorda com especial carinho a subida da calçada de São Domingos com os toiros rumo à antiga praça de toiros, na zona onde hoje se situa o tribunal. Cartaxo, Chamusca e Azambuja foram outros locais onde levou toiros para corridas. A maior distância que percorreu para levar toiros de lide foi até Elvas. Quatro dias com os animais pelos campos. “Aí era bom, ninguém espantava o gado”, refere. Ao contrário do que hoje sucede, nessa altura os toiros depois de lidados faziam o caminho de volta com os campinos, para serem mortos ou capados para lavrar. No regresso de Elvas um dos toiros não aguentou o cansaço e ficou pelo caminho no meio de um bosque. Acabou por ter de ser transportado de camioneta. Foi um toiro que o marcou No corpo de Sabino ficaram marcas de uma colhida. Foi na Lezíria da Soberba, entre as Caneiras e Valada. Costumava alimentar um toiro que tinha ficado inutilizado devido a uma briga com outro. Um dia em que ia deitar a ração, o animal foi direito a ele e marrou-lhe, derrubando-o. Arrastou-o pelo chão e encostou-o ao arame da vedação. Depois tentou marrarlhe novamente. Sabino conseguiu desviar-se e o bicho bateu com os cornos num freixo. A pancada deixou-o aturdido e acabou por desistir da contenda. Para alívio de Sabino que só quando chegou a casa é que se apercebeu da ferida que tinha numa perna. Acabou hospitalizado durante uns tempos.

foto O MIRANTE

RECORDAÇÃO. Manuel Sabino mostra com orgulho a sua fotografia a cavalo A Feira do Ribatejo em Santarém era uma das festas mais apetecidas para os campinos. “Fui logo à primeira”, diz. E depois a muitas outras. “Era uma feira boa, com muitos campinos. Ainda ganhei lá alguns prémios nas corridas de cabrestos”. Hoje já não vai. “Não posso andar”, repete. Passa o tempo todo em Alcanhões, este viajante das lezírias aposentado. Uma das últimas excepções foi uma ida a Santarém para ser homenageado pela Junta de Freguesia de São Nicolau como o campino mais

antigo do concelho. Foi em Outubro passado. Os dois filhos chegaram a andar com ele na herdade mas não quiseram ser campinos. Um já faleceu. O outro trabalha na construção civil. Mas a profissão permanece de pedra e cal como símbolo do Ribatejo e enquanto houver toiros e cavalos não corre risco de extinção. Mesmo sabendo-se que os toiros já são hoje transportados em camionetas e que as estradas substituíram os campos e trilhos rurais no caminho para as arenas.


VI | ECONOMIA

04 Junho 2009 | O MIRANTE

“O toiro é que põe tudo no sítio” José Manuel Duarte diz que há mercado para tantos cavaleiros tauromáquicos e que o talento faz o resto Andava na escola no quinto ou sexto ano e já levava uma mala com as botas e as polainas para ir para o picadeiro quando saísse das aulas. José Manuel Duarte, 34 anos, sempre quis ser cavaleiro tauromáquico e realizou o sonho aos 18 anos quando tirou a alternativa na monumental de Santarém, cidade de onde é natural. Assume que é difícil viver exclusivamente das corridas de toiros, embora considere que há mercado para tanto cavaleiro. Quanto à concorrência feminina, diz que dá outro colorido às praças.

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omo é que uma pessoa que não tem uma tradição familiar na tauromaquia entra nesta actividade? Não é fácil. O meu pai era muito aficionado e tinha cavalos. Desde cedo que comecei a montar. Tive umas aulas com o engenheiro Carlos Arruda no picadeiro junto à praça de toiros de Santarém, onde aprendi as bases da equitação. Tive o apoio incondicional do meu falecido pai e a felicidade de conhecer um grande homem, que era o senhor Gustavo Zenkl, que me apoiou bastante. Foi na sua casa que toureei a primeira vaca. Mas na altura não era fácil entrar nesse mundo… É sempre difícil. Qualquer cavaleiro que já tenha alguém na família nesta arte tem as coisas bastante mais facilitadas. Tem já toda uma estrutura montada e uma base bastante sólida para começar em termos de conhecimentos, de preparação dos cavalos, de chegar aos empresários. Não é fácil começar do zero. É como em qualquer outra actividade. Isso teve condicionalismos na sua carreira? Se voltasse atrás certamente iria conduzir a minha carreira de outra forma. Mas tenho orgulho da forma como a conduzi até ao momento. O que é que mudava? Muita coisa. Evitaria cometer alguns erros, embora pudesse cometer outros. Mas o que interessa é andarmos com dignidade na festa e sermos respeitados pelas pessoas. Sinto que sou respeitado nos sítios por onde passo e é o que me dá força para continuar. Há mercado para tantos cavalei-

ros? Sim. Hoje, em Portugal, fazem-se muitas corridas de toiros. Há lugar para todos, depois cada um tem a sua forma de tourear e aos poucos tudo se vai definindo. Se calhar alguns deviam tourear mais e outros menos, mas isso faz parte da política empresarial. Há um grande crescimento no número de toureiros, alguns que até são capazes de tourear gratuitamente. Isso não prejudica quem vive desta actividade? Poderá haver alguns cavaleiros que actuem gratuitamente, mas costumo dizer que o toiro é que põe tudo no sítio. E o tempo tudo traz e tudo leva. A verdade e a qualidade de cada artista vem sempre ao de cima. Quer dizer que há cavaleiros sem qualidade? Não digo isso. Por vezes, quando aparecem cavaleiros que são novidade, há interesse das empresas em apostar neles para ver como é a ascensão. Há muitos cavaleiros que aparecem, prometem muito e depois estagnam. Isto passa-se em todas as actividades, não é só na tauromaquia. O que acha da concorrência feminina? É saudável. Temos duas ou três cavaleiras que fazem um número muito razoável de corridas por ano e não é só por serem mulheres, é porque têm qualidade como é o caso da Ana Batista e da Sónia Matias, que chamam pessoas às praças. Pessoalmente gosto de as ver. Dão um toque feminino e outro colorido ao espectáculo. É possível viver unicamente da tauromaquia? À excepção de um ou dois toureiros, os outros têm que ter uma actividade

Os movimentos anti-tourada, as superstições e o sofrimento do toiro Os movimentos anti-tourada são uma pedra no sapato da festa brava? Tem havido algumas manifestações à porta das praças, mas tem-se visto pouca gente. Temos que respeitar. Há quem goste e quem não goste. Incomoda-o esse tipo de manifestações? Incomoda um bocado. Mas tenho

foto O MIRANTE

paralela. Quem está de fora nem faz ideia do dinheiro que é necessário para sustentar toda uma máquina: os investimentos em cavalos, pagar às pessoas que nos ajudam… No meu caso tenho uma suinicultura e vou preparando cavalos. Vendo todos os anos um ou dois. As duas dezenas de corridas que faz por ano não dão lucro? Dá para nos sentirmos toureiros, porque quem nasce nisto depois é muito difícil sair. Por vezes mais vale ver uma praça com o público de pé e sentirmos o apoio das pessoas, sentirmos que estivemos bem nas lides. Já alguma vez teve que pagar para tourear?

uma forma de estar na vida em que prefiro afastar-me e cada um segue o seu caminho. Quando espeta um ferro não pensa no sofrimento do toiro? Não. O toiro quando está na nossa frente vem para nos colher. Não é a parte do sofrimento que me vem à alma. É sim a parte da arte e desta actividade tão bela para a qual nos preparamos para executar. Não é uma luta desigual? Penso que não. Quando entra na arena sente alguma angústia, algum medo do que lhe possa acontecer? Julgo que todos os toureiros têm medo pela responsabilidade. Entrar

Nunca! Nunca foi essa a minha forma de estar na festa, nem será. Qualquer toureiro tem que ir para os espectáculos com dignidade e a empresa que monta o espectáculo tem que o respeitar. Quem paga para tourear não é respeitado pela classe nem pelas empresas tauromáquicas… Se isso acontecer não terá certamente o respeito das outras pessoas da festa nem ele próprio poderá dar-se ao respeito. Em que aspectos é que se começa a notar os efeitos da idade nesta actividade? Estamos numa actividade em que temos que trabalhar muito porque não é em dois dias que se prepara uma corri-

numa praça cheia perante pessoas que pagaram um bilhete para ver um espectáculo logo isso é uma enorme responsabilidade. Acima de tudo é o medo de falhar. A nossa grande vontade é triunfar. Há uma imagem dos toureiros de serem pessoas supersticiosas. Costuma rezar quando vai actuar? Rezo todos os dias antes de sair de casa e todos os dias à noite, mesmo que não tenha corridas. Na vida há algo que nos guia. Na vida apoiamo-nos sempre em alguma coisa. Julgo que a maior parte dos toureiros são católicos e rezam e isso é um apoio que temos e dá-nos uma certa força e faz-nos sentir mais acompanhados e protegidos.


ECONOMIA | VII

O MIRANTE | 04 Junho 2009

da. Com o decorrer da idade será muito mais desgastante. A idade traz também maturidade, calma, mais conhecimento e outra forma de encarar as coisas e um à vontade maior para avaliar os toiros e para gerir as coisas. Já imaginou quando deixar de ser cavaleiro o que irá fazer? Irei ficar ligado ao mundo dos toiros, ligado aos cavalos porque o que mais gosto é de preparar cavalos. Dá-me um gozo enorme ver a evolução de um cavalo. Quem é que foram os seus mestres nesta arte? Comecei a aprender com Carlos Arruda, depois com Gustavo Zenkl, passei por mestre João Lopes Aleixo, que é um equitador exímio. Foi meu professor também o D. Francisco Mascarenhas que muito me ensinou durante um ano. Juntei o que aprendi com estas pessoas e criei a minha forma de trabalho e de preparação dos cavalos. Há bons equitadores na região? Além de muita rapaziada nova que monta muito bem a cavalo, temos vários cavaleiros que são grandes preparadores de cavalos. “Ser toureiro é uma forma de estar na vida” Em Março, numa entrevista a O MIRANTE, Manuel Jorge de Oliveira dizia que o mundo dos toiros é corrupto ao mais alto nível. Concorda? Sou amigo do Manuel Jorge de Oliveira, que é uma pessoa que admiro muito. Ele se o disse sabe por que é que o disse. E está numa fase da carreira dele que

certamente o pode dizer. O José Manuel Duarte ainda não tem estatuto para dizer o que pensa. Não gosto de o dizer, se calhar, neste momento, mas respeito a opinião dele. Gosto de dizer o que penso, mas há coisas nas quais não gosto de me meter. Mas respeito o que os outros dizem, se calhar com alguma razão. A tauromaquia está refém dos empresários que detêm várias praças? Refém não será o termo indicado. Agora é claro que um empresário que tenha três ou quatro praças terá outro poder de contratação. Assim como toureiros que estarão ligados a uma empresa que explora praças têm muito mais facilidade em serem colocados em cartéis. É preferível estar-se ligado a uma empresa e garantir à partida um certo número de actuações? Será mais fácil a quem estiver nessa situação, que terá o calendário logo no início da temporada mais preenchido. No meu caso, que não tenho essa ligação a empresários, também é agradável ver que consigo estar bem com todas as empresas e ser contratado por todas. Quem é que domina as touradas: são os empresários das praças ou os artistas? Quem deve dominar a festa é quem anda cá com dignidade e compostura. Há toureiros que têm mais força que outros, tal como há empresas com mais força que outras. Sempre quis ser cavaleiro? Tenho uma enorme admiração por todos os que se metem à frente do toiro,

“Moita Flores deu uma grande força à festa dos toiros” A Monumental Celestino Graça, em Santarém, foi em 2008 a segunda praça do país em número de espectadores. É sinal de que com bilhetes baratos as pessoas aderem à festa? Penso que sim. Que a grande afluência de público no ano passado na Monumental de Santarém deve-se a um grande trabalho feito no ano anterior pelo dr. Moita Flores que com uma grande vontade baixou os preços dos bilhetes e deu uma grande força à festa dos toiros na nossa cidade. Trabalho esse que foi continuado pela empresa que ficou com a praça que fez um excelente trabalho. Manteve a mesma política em termos de preços de bilhetes, montou bons cartéis e seguiu esse trabalho que tinha sido começado. Neste caso, penso que nem todas as praças terão capacidades em termos de lugares sentados para fazer esse trabalho. A Monumental Celestino Graça esteve durante muitos anos mal aproveitada… Não sei se esteve mal aproveitada ou não. São políticas, são formas de conduzir as coisas. Agora o importante é estar em alta como está. Qual é a sua opinião sobre o futuro da Praça de Touros de Santarém? Deve ir abaixo ou ser remodelada?

Penso que de momento, como está a ser cuidada, tem condições para fazer uma boa feira e para se fazerem bons espectáculos. Penso que neste momento, se se puder eventualmente melhorar, tudo bem. Mas está com condições e temos uma das praças mais importantes do país. Gosta de tourear naquela praça? Gosto muito. A praça de Santarém, além de ser a da minha terra, é uma praça que me diz muito. Toureei ali desde miúdo como cavaleiro amador, entretanto tirei lá a alternativa, sou de Santarém e tenho sempre uma grande receptividade por parte do público e das pessoas da minha terra, que me recebem sempre com grande carinho. Aproveito publicamente para agradecer, porque fui sempre recebido de uma forma muito especial. Não seria melhor uma nova praça em Santarém? Poderá ser uma hipótese. Não sei. Para se fazer uma nova praça seria mais pequena ou até provavelmente um pavilhão multiusos, que seria também uma coisa interessante para a cidade. Mas ver a praça cheia, como nós vimos agora, é agradável para qualquer artista ou aficcionado. O actual presidente da câmara

foto O MIRANTE

desde o forcado ao bandarilheiro, ao matador ou novilheiro. Todos merecem enorme respeito. Mas sempre tive uma enorme paixão pelos cavalos e foi sempre a minha ideia ser cavaleiro. Nunca desejou ter outra profissão? Ser toureiro é uma forma de estar na vida e foi essa que escolhi. Não seguiu os estudos porque não conseguia conciliá-los com a tauro-

ressuscitou uma réplica da Feira do Ribatejo em Junho junto à praça de toiros. O que pensa disso? Penso que isso é uma mais valia para a praça porque chama muitas pessoas. Toda essa envolvência cria ambiente à volta da praça. É uma coisa que faz falta à própria praça de toiros. Sente saudades da Feira do Ribatejo no Campo Infante da Câmara? É claro que sim. Ainda apanhei alguns anos a feira cá em cima. Tinha um ambiente diferente. A monumental tinha grandes casas. Havia dois ou três locais específicos onde os aficcionados se juntavam para falar de toiros. Via-se aquelas filas enormes de carros à volta das entradas de Santarém, toda essa envolvência que havia para vir para a feira e para as corridas. Penso que qualquer ribatejano se lembra e de alguma forma tem saudades disso. É um visitante habitual da Feira Nacional de Agricultura? Sou. E gosta de visitar aquele espaço? Gosto. Tem excelentes condições para se fazer muita coisa e sempre que posso vou lá. O que pensa dos actuais moldes da feira? Não serei a pessoa indicada para se estar a manifestar sobre isso. E o que pensa da actividade do CNEMA durante o ano? Não sou um visitante habitual devido à vida que tenho.

maquia? Fiz o 11º ano de escolaridade. Andava no colégio Andaluz no 5º ou 6º ano e já levava uma mala com as botas e as polainas para quando saísse das aulas ir para o picadeiro. A partir de certa altura tornou-se difícil conciliar porque esta actividade requer muitas horas de trabalho e tive que tomar uma opção, boa ou má, está tomada e assumia-a.


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