festa do bodo azinhaga

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02 JUNHO 2011 | O MIRANTE

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foto arquivo O MIRANTE

Uma festa que toda a gente da Azinhaga sente como sua Juiz, mordomos e população em geral participam directamente para que tudo corra bem Frei Hermano da Câmara, Lenita Gentil, Adelaide Ferreira são os nomes mais sonantes, mas a essencial da festa são os desfiles das moças vestidas a preceito para recolha do pão que será distribuído no último dia. Numa terra ribatejana as largadas de toiros não podiam faltar.

N

ão é a festa da câmara municipal ou da Junta de Freguesia. É a festa do povo. Na Azinhaga, de quatro em quatro anos a festa do bodo é uma demonstração da vontade e da capacidade de organização das pessoas daquela aldeia ribatejana. Este ano decorre de 9 a 12 de Junho. A festa está enquadrada no culto ao Divino Espírito Santo, introduzido em Portugal pela Rainha Santa Isabel (1270-1336). O bodo é a doação de alimentos aos pobres e a rainha ficou conhecida pelas suas acções em defesa dos mais desfavorecidos. Na Azinhaga há referências à festa datadas de 1569. Durante os dias de festa realizam-se vários cerimoniais relacionados directamente com a recolha simbólica do pão

nas casas dos Mordomos que é feita por raparigas vestidas para a ocasião. As roupas e os sapatos são pagos pelos mordomos. Três vestidos de cor diferente, um para cada dia. Cor-de-rosa, azul e branco. Dias 10 e 11, os cortejos de recolha do pão iniciam-se às 9h30. No Domingo, dia 12, realiza-se uma cerimónia religiosa a que se segue a bênção e a distribuição do bodo (pão carne e vinho) à população. O Juiz da festa deste ano é Manuel Veiga, proprietário da Quinta da Broa.

Recebeu a coroa, símbolo da função, das mãos ao anterior Juiz, Vítor Guia. A passagem de testemunho tem sempre lugar no dia de Pentecostes do ano anterior à realização da festa e marca o início da preparação dos festejos. No domingo, a partir das 22h00, Adelaide Ferreira sobe ao palco para o concerto de encerramento. Depois da música há fogo de artifício e a festa despede-se até daqui a quatro anos. Música não falta ao longo dos dias de festa. Fado, folclo-

re e sons mais avançados a cargo de disc jockeys. Dia 9, Quinta-feira, Frei Hermano da câmara canta na Igreja Matriz a partir das dez da noite. No dia seguinte, no chamado palco tradições cantam Lenita Gentil, Francisco Sobral e Ana Mota. No Sábado é o folclore que tem destaque com um festival em que participam diversos grupos. Numa festa tão diversificada como a festa do bodo de Azinhaga é indispensável uma consulta pormenorizada ao programa

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O alfaiate dos fatos de equitação que nunca andou a cavalo José Antunes aprendeu a arte numa altura em que era exigida dedicação total

José Antunes, 69 anos, assume-se agora como o único alfaiate de trajes de equitação das redondezas. Numa pequena casa no centro da localidade virada para a estátua de José Saramago estar dobradas para melhor precisão no corte dos tecidos ou no vaivém da agulha da máquina a pedal, no final de cada encomenda sente-se realizado por verificar que o que faz, é muito mais que simples costura e pode, em certos casos, ser considerado arte.

Ia do Pinheiro Grande para a Golegã de bicicleta fizesse calor ou chuva e era de bicicleta que ia entregar as encomendas aos clientes.

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osé Antunes trabalhou uma vida inteira na Alfaiataria Amaral em Azinhaga, concelho da Golegã, que fechou com a morte do proprietário. José Antunes, 69 anos, assume-se agora como o único alfaiate de trajes de equitação das redondezas. Numa pequena casa no centro da localidade virada para a estátua de José Saramago, o alfaiate que começou na profissão aos 17 anos acaba um fato de montar à portuguesa. Em cima do balcão há revistas de equitação e tauromaquia de onde são retirados os modelos das jaquetas, coletes, calças… num dos cantos sobressai uma máquina de costura Phoenix com mais de 50 anos. O negócio já não é como antigamente, porque agora praticamente só faz emendas de roupas compradas em prontos-a-vestir e trajes de equitação, que aparecem de vez em quando. Fatos destes são para usar em festas e acabam por durar quase uma vida inteira. Começou na profissão aos 17 anos. Ia de

bicicleta de Pinheiro Grande (Chamusca) para a Azinhaga. Chegava a fazer o caminho no inverno pelas estradas submersas pelas cheias com água pela cintura. Para o trabalho não se atrasar e porque a viagem ainda era longa, acabou por começar a ficar a dormir em casa do patrão, Fernando Amaral. José Antunes recorda-se do tempo em que trabalhava 30 horas seguidas para acabar os fatos. Depois ainda tinha que se montar na bicicleta e ir entrega-los aos clientes na Golegã, em Vila Nova da Barquinha e nas redondezas. Agora são as pessoas que o procuram, que vão buscar os fatos. No pequeno espaço de paredes caiadas com muitos anos destaca-se um espelho com dois metros que brinda quem lá entra com a frase: “Eu vou ser visto assim…”. O homem que vai costurando para se manter ocupado já fez centenas de fatos que dão colorido a festas como a Feira do Cavalo na Golegã. Mas nunca envergou um fato desses porque não tem cavalo e não sabe montar.

O alfaiate já fez fatos pretos, castanhos, de vários feitios e tamanhos, para serem usados por pessoas de várias zonas que gostam das tradições e os passeiam a cavalo. Já foi procurado por pessoas de norte a sul do país, e até dos Açores. Também já fez para espanhóis. Um fato de equitação à portuguesa, à antiga portuguesa, ou à espanhola demora a fazer quatro a cinco dias, praticamente de sol a sol. Os cortes, o coser mangas ou golas, os forros com linhas que formam desenhos que fazem lembrar flores, tudo é feito de forma artesanal. Um trabalho, que diz o alfaiate, “não mata mas mói”. Mas apesar das dores das costas, que têm que


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Uma aldeia que tem muito orgulho em ser aldeia A Festa do Bodo da Azinhaga é a festa do povo. Toda a população gosta de participar e ninguém dá o dinheiro gasto por mal empregue. Quanto melhores forem os artistas contratados, mais alto sobe o bairrismo e a auto-estima. Em tempo de crise as gentes de Azinhaga não carpem mágoas.

Ana Gomes, Técnica farmacêutica, Pombalinho

Azinhaga fica melhor como uma grande aldeia Vive no Pombalinho mas a maior parte do seu tempo é passado na Azinhaga onde trabalha na Farmácia Moderna. “Já aqui trabalho há muito tempo e identifico-me com as pessoas simples da aldeia, por isso sou da opinião que a Azinhaga fica melhor como uma grande aldeia do que como uma pequena vila”, afirma. Tem conhecimento do facto da Azinhaga ter sido premiada como a aldeia mais típica do Ribatejo na altura do Estado Novo e diz que o título, ainda hoje, assenta bem à localidade. Para Ana Gomes a Festa do Bodo é a festa do povo, por isso o dinheiro gasto nos espectáculos não é mal gasto. “São as pessoas que pagam. É uma tradição de grande significado para todas elas e é a altura certa para se libertarem do stress do dia-a-dia”.

Mário Duarte, empresário, Azinhaga

Não nasci na Azinhaga mas admiro a festa e as suas gentes É com prazer que Mário Duarte fala da Azinhaga a terra que o acolheu como empresário. “É uma terra diferente. Uma grande aldeia, quer no tamanho quer na união das suas gentes”, diz com admiração e conclui com convicção que a Azinhaga deve continuar como uma grande aldeia e não como uma pequena vila. Contribui com um donativo para a Festa e marca presença na mesma. “Estou de acordo com o programa. Não se gasta dinheiro de mais. Afinal é uma oportunidade para a população esquecer um pouco as agruras do momento. Por mim entendo que se toda a gente contribui é porque quer que a festa seja grande e seja de todos”, afirma.

Arregaçam as mangas e trabalham com afinco porque se consideram pessoas lutadoras por natureza. E ninguém se incomoda por a aldeia continuar a ser aldeia em vez de vila. O importante não é o título mas a forma de sentir a terra. E para quem lá vive aquela é a melhor terra do mundo.


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Diogo Costa Dias, Serralheiro, Azinhaga

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Carmelinda Maltez, empresária, Azinhaga

Vila para quê? A Azinhaga é uma grande aldeia

Aproveito todos os bocadinhos para ajudar a enfeitar a minha rua

Quem não tem dúvidas quanto à justiça do prémio de Aldeia Mais Típica do Ribatejo entregue à Azinhaga é João Diogo Dias. “Sou um azinhaguense de gema e não me interessa que a terra seja vila. Vila para quê?”, pergunta. “Para quê? Para deixarmos de ser uma grande aldeia com grande coração, para sermos uma pequena vila desprovida de sentimentos?”, interroga? Quanto à Festa do Bodo diz que ela reflecte esse sentimento. “É a união do povo. É o orgulho de todos os azinhaguenses, mesmo daqueles que gostam de dizer mal de tudo. Por isso o dinheiro que se gasta na festa é muito bem empregue”. A sua ajuda na festa prende-se com o facto de ser um dos mordomos. “Pago a roupa de uma das raparigas que vai no desfile”.

A família Maltez é uma das maiores da Azinhaga e Carmelinda Maltez que nasceu na Golegã, mas veio para a Azinhaga há 44 anos, orgulha-se da sua descendência. Participa activamente na preparação da Festa. “Faço sempre o meu donativo, já pertenci à comissão de festas e preparo activamente o embelezamento da minha rua. Aqui estou hoje a aproveitar este bocadinho livre para fazer flores. Quero que a minha rua ganhe o prémio de rua melhor engalanada”. Quanto a explicações sobre o que a sua rua está a preparar, fecha-se em copas. “Isso é segredo e todos escondemos o segredo o melhor possível. Todos queremos fazer uma surpresa”. Diz que todo o dinheiro gasto na festa é bem gasto e acha que a Azinhaga já deveria ter sido elevada à qualidade de vila.

Clarisse Nunes, funcionária pública, Azinhaga Rui Maltez, empresário de hotelaria, Azinhaga

A Festa do Bodo é uma festa do povo “Somos uma grande aldeia, no tamanho, na união das pessoas e no amor que todos dedicamos à terra. Não precisamos de ser vila para dar lições de vida a muita gente de grandes vilas e cidades”, diz Rui Maltez. E acrescenta. “Ao longo dos anos a Azinhaga tem mantido algumas características muito próprias. As pessoas são muito bairristas e têm um cuidado muito grande em manter a aldeia bonita. Entusiasta da Festa do Bodo é, como muitos outros, mordomo e por isso acha que o programa da festa não é exagerado. “É uma festa para a qual todos contribuem e só se faz de quatro em quatro anos, por isso merece um programa com classe. Serve para nos divertirmos e para mostrarmos aos nossos vizinhos que somos uma terra bem viva”. Compete-lhe pagar a roupa que vai ser usada por uma das jovens que transporta um dos tabuleiros . “Ajudo naquilo que posso, com o meu trabalho e com a disponibilidade”.

Vou participar no cortejo levando um tabuleiro A jovem Clarisse Nunes já tem prontos os três vestidos que vai usar nos desfiles. “O azul para ir recolher os tabuleiros a casa dos mordomos (padrinhos) no primeiro dia da festa, o rosa para o desfile do segundo dia e o branco para fazer a distribuição do pão e da carne no domingo”. Confessa que está ansiosa para que a festa comece. Para ela não interessa o facto de a Azinhaga ser aldeia. “Isso é apenas uma designação. Temos tudo o que é necessário, vivemos em harmonia e sossegados. A união entre as pessoas é muito forte e daí termos uma festa diferente das que se fazem em todo o Ribatejo”. Nunca lhe passou pela cabeça que as pessoas pudessem acreditar que o facto da festa ter um naipe de artistas de grande nome fosse um estragar de dinheiro. Lembra que o seu entusiasmo é o de toda a gente. “Dá gosto ver a minha mãe e outras pessoas de mais idade entregarem-se com amor à feitura de flores e ornamentos para enfeitarem as suas ruas. É bonito”, garante.

João Luís Grais, Serralheiro, Azinhaga

A Azinhaga já merecia ser vila João Luís Grais é uma voz que contraria a maioria das pessoas com quem O MIRANTE falou. Para ele, que nasceu no Pombalinho mas que se considera um

Sónia Félix, cabeleireira, Pombalinho

Se as coisas estão mal o que faz falta é arregaçar as mangas Sónia Félix é natural e vive no Pombalinho, mas tem o seu salão na Azi-

azinhaguense de gema, a terra já merecia ser vila. “Tem tudo o que é preciso e é maior e mais bem cuidada do que muitas vilas que conheço”, explica. Se fosse responsável pela organização da Festa do Bodo faria exactamente igual ao que fazem os homens e mulheres que estão à frente da comissão da festa. “A população faz coisas extraordinárias. O dinheiro gasto com artistas e espectáculos é muito bem empregue”, afirma. Gosta de participar na festa e ajuda a enfeitar a sua rua. “Já ganhámos o prémio da rua mais bem enfeitada e este ano, mesmo que não voltemos a ganhar, tenho a certeza que vai ser uma rua sempre em festa e com petiscos para receber bem os amigos”.

nhaga há dez anos. Tem visto crescer a terra e garante que os valores tradicionais nunca se perderam. “As pessoas continuam muito ligadas à Azinhaga, mesmo quando vão trabalhar para fora”, testemunha. Quanto à crise diz que por aqueles lados encontra resistência. “As pessoas daqui não ficam a carpir-se. Arregaçam as mangas e trabalham mais”. A questão da elevação a vila é assunto secundário. Para ela a Festa do Bodo é um prémio que a população dá a si própria e a quem visita a aldeia. “É uma festa bonita e diferente. Uma festa do povo, onde toda a gente tem uma maior ou menor participação”, diz.


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