Jornal Aniversario 23 anos - 2010

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O MIRANTE S E M A N Á R I O Semanário - Ano XXIII - N.º 958 - Preço: 0.60  - Director: Alberto Bastos -

R E G I O N A L

EDIÇÃO 23º AnIvErsárIO - 16 Nov 2010

Rua 31 de Janeiro, n.º 22 2005-188 Santarém  243 305 080 R. Câmara Pestana, n.º 44 2140-086 Chamusca  249 769 160 e-mail: omirante@omirante.pt

Edição 23º Aniversário 23 rostos da cidadania e da solidariedade

A solidariedade como exemplo de vida para vencer o egoísmo. Para esta edição especial que assinala o seu 23º aniversário, O MIRANTE entrevistou 23 pessoas que dedicam parte do seu tempo a ajudar o próximo. Não foi fácil fazê-las aceitar o desafio porque são pessoas que fazem o que fazem sem esperar qualquer reconhecimento. Para além delas convidámos também uma série de amigos a partilharem com os leitores as suas opiniões sobre civismo, voluntariado e apoio social. Em tempo de crise os bons exemplos têm que ter visibilidade. Carlos Oliveira

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Empresas e instituições que colaboram nesta edição de aniversário de O MIRANTE Agromais; Agroribatejo; Águas de Santarém; Aki Santarém; Alfrigo; Armando Paulo - Mediador de Seguros; Arte e Flor; Augusto Mateus & Associados; Auto Estradas do Atlântico; Avicentro; Barraqueiro Transportes - Ribatejana; Biolabor; BPI - Banco Português de Investimento; Cadova; Caipidoce (Caffé Caffé); Caixa Agrícola; Coruche; Carlos Nestal - Advogado; Casa Brincheiro; Casa das Peles; Casa Escapes S. Pedro; Casa Gomes; Casasdasofia; Centro Línguas Entroncamento; Centro Veterinário Encosta dos Maias; Centro Comercial Serra Nova; CGD - Caixa Geral de Depósitos; Climeco; Clínica Luís Marçal; Clínica Rosário Saramago; CM Almeirim; CM Alpiarça; CM Benavente; CM Cartaxo; CM Chamusca; CM Constância; CM Coruche; CM Entroncamento; CM Mação; CM Rio Maior; CM Tomar; CM Vila Franca Xira; Comunidade Intermunicipal da Lezíria Tejo; Cozzis; Dijocarros; Ecodeal; EDP; EGTécnico - Eduardo Garcia; Eletrorecâmbio; Embate Seguros; Escola Secundária Alves Redol; Escola Profissional Coruche; Escola Profissional Salvaterra; Escola Profissional Vale Tejo; Farmácia Central Vasco Themido; Farmácia Correia dos Santos; Farmácia S. José Batista; Fecoal; Fernanda Botequim; Freguesia Abitureiras; Freguesia Além Ribeira; Freguesia Almeirim; Freguesia Areias; Freguesia Asseiceira; Freguesia Azinhaga; Freguesia Bemposta; Freguesia Benfica Ribatejo; Freguesia Beselga; Freguesia Biscainho; Freguesia Branca; Freguesia Carregueiros; Freguesia Cartaxo; Freguesia Chancelaria; Freguesia Envendos; Freguesia Gançaria; Freguesia Golega, Freguesia Madalena; Freguesia Olalhas; Freguesia Paialvo; Freguesia Pernes; Freguesia Pontével; Freguesia Póvoa Isenta; Freguesia Raposa; Freguesia Rio Couros; Freguesia Rossio Sul Tejo; Freguesia Santa Maria Olivais; Freguesia Sardoal; Freguesia Tancos; Freguesia Urqueira; Freguesia Vale Paraíso; Freguesia Vale Santarém; Freguesia Valhascos; Freguesia Vaqueiros; Freguesia Várzea; Freguesia Vila Franca Xira; Garval; Governo Civil Santarém; Greif; Hidrenki; Irmão Lima Salvador; J. Pintassilgo; JJ Louro; João Fialho; Dr. João Gomes; Joaquim Amado; Joaquim Silva; José Eduardo Santos; Laboratório Leonilde Godinho; Laborline; Lagespinturas; Mega Circuito; Mira e Barreira; Misericórdia Vila Franca Xira; Mopafil; Moquil; Móveis S. Matos; Nersant; O Tostão; Opencel; Optijovem; Ourinvest; Pão da Bia; Papelaria Nova; Pastelaria Santa Clara; Patachoca; Paulo Niza; Paulo Vicente; Pedro Faustino; Pedro Lamy; Politécnico de Tomar; Queijaria da Murta; Restaurante Coudelaria; Ribatel; Ribatintas; Ribtejo; Risa; Rodoviária do Tejo; Roques; Sandra Silva - Psicóloga; Signatus/M3; Sisav; Sucatas Lopes; Taberna do Alfaiate; Tágusgás


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Isabel Rodrigues diz que ajudar quem precisa lhe dá serenidade Há quem precise, muito simplesmente, de um incentivo A maior pobreza é, na maior parte das vezes a pobreza de espírito. E a pobreza de espírito gera ingratidão. Há pessoas que nem sequer reconhecem a ajuda que recebem.

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Elsa Ribeiro Gonçalves

sabel Rodrigues, 64 anos, é uma das trinta voluntárias que integra a Conferência de São Vicente de Paulo, fundada em Torres Novas há quase um século. Por esta razão convidou-os confrades Ilda Lopes e Joaquim Bicho para participarem da conversa que anuiu ter com O MIRANTE a propósito do voluntariado que faz há mais de 30 anos, de forma continuada, nesta organização religiosa internacional. A Conferência de São Vicente de Paulo é um movimento católico de leigos que se dedica, sob o influxo da justiça e da caridade, à realização de iniciativas destinadas a aliviar o sofrimento do próximo, em particular dos social e economicamente mais desfavorecidos, mediante o trabalho coordenado dos seus membros. Foi fundada em Paris, em 1833, por um grupo de sete jovens liderado por Frederic Ozanam. Desde muito jovem que Isabel Rodrigues teve contacto com esta congregação por via de uma tia, Maria da Conceição. “Em jovem costumava acompanhar a minha tia quando esta ia visitar os mais pobres ou pessoas doentes a casa”, conta, acrescentando que já o pai e os pais do meu pai faziam voluntariado. Não sendo natural de Torres Novas, vive nesta cidade há

muitos anos, onde estudou no Colégio de Santa Maria. Casou, saiu para viver durante alguns anos em Angola, para regressar definitivamente há mais de 40 anos. Doméstica, foi o tempo livre aliado ao gosto por fazer bem aos outros que a levou a ser convidada para integrar a Conferência de São Vicente de Paulo, por uma ex-colega do Colégio que um dia, por mero acaso, encontrou na rua. Desde então que se dedica a inúmeras tarefas que a organização desenvolve como a distribuição de alimentos, de roupas ou pagamento de receitas médicas na farmácia e até rendas de casa. “Primeiro que tudo temos o trabalho de angariar. Só depois pudemos ajudar”, atalha Ilda Lopes. O peditório realiza-se, à porta da igreja, em todas as missas vespertinas de sábado e domingo, envolvendo-se todos os elementos na campanha de Natal onde costumam ser angariados dez mil euros, junto de empresas. O cesto também circula entre os confrades nas reuniões semanais que fazem todas as quartas-feiras de tarde. Duas vezes por ano, participa na iniciativa do Banco Alimentar contra a fome, campanha que se realiza à porta das grandes superfícies. A par do trabalho na Conferência, Isabel Rodrigues também colabora com o grupo de Acção Social da Cáritas, atendendo pessoas todas as segundasfeiras. “Há pessoas que têm que ser incentivadas a arranjar trabalho ou aconselhar como podem pagar as contas astronómicas que fizeram, por exemplo, de telefone”, exemplifica. Para Isabel Rodrigues a pobreza maior é a de “espírito”. Os que são ajudados mas não reconhecem Isabel Rodrigues também gosta de

ajudar, a nível pessoal, quem bate à porta da vivenda geminada onde vive. O seu coração, aliado ao desafogo económico com que vive, leva-a a auxiliar muitos que ali vão por saberem que faz parte da Conferência. “Até já me têm aparecido de noite a pedir uma sopa ou um cobertor”, sustenta. De todas as histórias que viveu, há uma que recorda com os olhos a brilhar. Durante alguns anos, ajudou uma senhora que vivia em dificuldades a pagar a renda de casa mas não entregava o dinheiro directamente, ou seja, a pessoa não sabia quem é que a ajudava. Certa vez, estava de vigia na igreja de São Tiago, às velas que as pessoas iam por na capela, para pagar promessas. “Uma senhora veio-me pedir que colocasse uma vela por uma senhora que todos os meses a ajudava porque lhe pagava a renda da casa. Fiquei tão contente, tão comovida que chorei de alegria, sem ela ver”, recorda a coincidência. “É gratificante a pessoa saber que é útil, que ajuda os outros”, sublinha com a mesma serenidade que manteve ao longo de toda a conversa. Atenta a esta história, Ilda Lopes complementa: “É muito gratificante deitarmos a cabeça no travesseiro à noite e sentir que fizemos alguma coisa

O seu coração, aliado ao desafogo económico com que vive, leva-a a auxiliar muitos que ali vão por saberem que faz parte da Conferência. “Até já me têm aparecido de noite a pedir uma sopa ou um cobertor”, sustenta. pelos outros. Quem for para o voluntariado com ideias de obter algum tipo de vantagem, esqueça”. E Joaquim Bicho, voluntário na Conferência desde os 16 anos, completa: “Até porque os pobres nem sempre são tão agradecidos. Às vezes vão reclamar porque damos mais este do que aquele e são capazes de por uma pessoa pelas ruas da amargura”. Isabel Rodrigues pretende continuar a ser voluntária até poder. O que a motiva a dar o seu tempo aos outros, que podia utilizar de outro modo? “Às vezes, à segunda-feira à noite está frio, sinto-me cansada e digo para mim mesma que não me apetece ir. Mas depois venho de lá às onze e meia da noite feliz e cheia de energia”.

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A universitária que trabalha e ao sábado à noite distribui sopa aos pobres Sílvia Rego colabora com os Companheiros da Noite no concelho de Vila Franca de Xira

Trabalha num supermercado, é estudante universitária à noite e ainda consegue arranjar tempo para distribuir sopa aos serões de sábado na equipa dos Companheiros da Noite, no concelho de Vila Franca de Xira.

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Ana Santiago

o sábado à noite - quando a maioria dos jovens da sua idade se prepara para uma sessão de discoteca - Sílvia Rego entra na carrinha dos Companheiros da Noite para iniciar a ronda de distribuição de sopa a sem abrigo e carenciados do concelho de Vila Franca de Xira. A jovem estudante universitária, 21 anos, reside na Póvoa de Santa Iria. Foi na cidade, em pleno centro comercial, que se deparou pela primeira vez com o trabalho da associação. “Nem sabia que existiam sem abrigo no concelho de Vila Franca de

Xira”, diz à distância de um ano. Nesse Inverno de 2009, quando o ambiente natalício já se começava a fazer sentir, Sílvia Rego, habituada a colaborar em campanhas solidárias, quis saber como ajudar. “Disseram-me que na altura do frio precisavam sobretudo de cobertores. Fiquei tão entusiasmada! Liguei logo à minha mãe. Veio ter comigo de carro e trouxe o que pôde”. A futura educadora social entregou o cobertor e levou para casa uma ficha de inscrição para se juntar aos voluntários. Quem já está familiarizado com as dificuldades do trabalho avisou-a de que a tarefa não seria fácil. Sílvia Rego aguentou o impacto à altura. Esteve um mês à experiência e “passou” no teste. “Não fiquei chocada com as pessoas mais velhas, mas apareceu há pouco tempo uma senhora com um bebé recém-nascido. Isso já mexeu comigo. São as pessoas da minha que aparecem de um momento para o outro na rua”. A imagem da jovem mãe não lhe saiu da cabeça. E também tem bem marcado

o rosto de dois rapazes que vivem ao relento por terem sido despedidos da empresa onde trabalhavam. A companheira da noite já vestiu a camisola da equipa e compreende o verdadeiro significado do gesto de entregar um prato de sopa. “A nossa função é dar um alimento, mas ficar um bocadinho à conversa, dar apoio, perceber em que situação estão, se é possível arranjar um quarto”. O que a chocou mais, apesar de tudo, foi perceber que há pessoas que estão na rua porque querem. “Para essas pessoas a ideia de voltar a ter uma casa e um tecto é complicada. Já estão acomodadas. Já não se sentem “capazes”. Nunca presenciou nenhum conflito entre os grupos que procuram o aconchego nos companheiros da noite. “Não podemos dar um saco com duas maçãs a um e um saco com uma maçã e uma laranja a outro. Querem tudo igual porque sentemse ao mesmo nível. Tentamos distribuir as coisas de forma igual”. Sílvia Rego é filha única. A mãe é recepcionista e o é pai pedreiro, mas estão separados. A mãe apoia-a sempre em tudo o que faz, mas a decisão de integrar a equipa dos companheiros foi solitária. “Ser voluntária é importante, mas deve partir de nós e nunca de terceiros. Também acho que é uma coisa que nasce connosco. Aquela vontade de ajudar e o carinho pelas pessoas”. Nunca olhou para trás. Nem nos dias de chuva torrencial, à noite, em que se vê a distribuir pratos de sopa. Tão pouco o cheiro forte de algumas casas pobres a fez vacilar. Frequenta o curso superior num instituto de Odivelas em horário nocturno. É por isso que não pode acompanhar a “volta” às quartas-feiras. No espaço de um ano faltou uma única vez à volta porque tinha que estudar para um exame. Mesmo assim fez questão de ajudar a preparar os sacos com fruta e sandes que os companheiros distribuem além da sopa como refeição do dia seguinte. Há seis meses que trabalha num supermercado da Póvoa de Santa Iria. O segredo para conciliar escola, trabalho e voluntariado é organização. O namorado compreende que Sílvia Rego lhe “roube” um sábado à noite todos os meses. Nem a voluntária aceitaria de outra forma. “Nessa semana em

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vez de ir ao sábado ao cinema com o namorado vou na sexta-feira”, simplifica. Já trabalhou, em contexto de estágio, com pessoas portadoras de deficiência mental e crianças em risco e orgulha-se da maturidade e resistência que sentiu. Tem o sonho de ajudar meninos com cancro. Já ofereceu os seus préstimos ao IPO, mas era ainda muito jovem. As amigas elogiam-lhe a capacidade solidária. Mas o coração de Sílvia Rego permite-lhe mais. Aos fins-de-semana faz limpeza e passa a ferro na casa dos avós paternos que cuidam de uma sobrinha. “Quando não posso tento que alguém ajude a minha avô”. Tem tempo para fazer as coisas de que gosta. É vaidosa, gosta de se vestir bem e frequenta o ginásio. Em Março espera-o um novo estágio do curso na Ajuda de Mãe. Até lá, aos sábados, Sílvia Rego continuará na equipa dos Companheiros da Noite satisfeita por trabalhar ao lado de gente experiente e apaixonada.


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A voluntária do lar que serve pequenosalmoços e pinta as unhas às utentes Luísa Costa ocupa parte do seu tempo a mimar os seniores em Azambuja Luísa Costa aproveita a disponibilidade dos seus dias de reforma para ajudar a tratar dos idosos da Santa Casa da Misericórdia de Azambuja. O marido, também voluntário, acompanha-a na aventura.

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Ana Santiago

em 69 anos, está aposentada do Hospital de São José, em Lisboa, mas oferece parte do seu tempo dourado da reforma aos seniores da Santa Casa da Misericórdia de Azambuja. Todas as segundas e sextas-feiras, Luísa Costa, acompanhada pelo marido, também voluntário, chega às 9h00 ao lar da instituição. Há cinco anos, quando ali chegaram, começavam a trabalhar às 10h00, mas depressa perceberam que faziam falta à hora de servir os pequenos-almoços. O dia de trabalho atarefado, que se prolonga até às 16h00/17h00, com almoço incluído, passa a voar e com alegria. “Quando está alguns dias sem ir à instituição já sente falta”, assegura o marido. “E se ficamos um dia sem vir perguntam logo se estivemos doentes”, atesta Luísa Costa. O casal tem residência em Lisboa, mas divide-se também pela casa na aldeia de Casal de Além, Azambuja, onde nasceu Luísa Costa e onde pernoitam sempre que têm trabalho de voluntariado. Apesar de dar algumas horas do seu tempo a antiga funcionária pública continua com disponibilidade para fazer o que gosta. Vai tomar café com as amigas, não dispensa uma passagem regular no cabeleireiro e gosta de ir às compras. Não liga a televisão. Em vez de ver telenovelas faz naperons e toalhas de renda. As tarefas domésticas, seja na casa de Sacavém seja em Casal de Além, são asseguradas por Luísa Costa, religiosa, que vai à missa sempre que pode. Nasceu no campo, mas prefere a cidade. O sossego da aldeia só a seduz no Verão. E nessas alturas o casal procura o

Cartaxo para tomar o pequeno-almoço ou ir à noite beber um café. Luísa Costa trabalhou durante 30 anos no Hospital de São José, em Lisboa. Era auxiliar de acção médica no serviço de cirurgia plástica. A experiência influenciou-a na escolha do trabalho de voluntária no lar, mas foram sobretudo questões familiares. A mãe esteve oito anos acamada. A filha, mesmo a trabalhar em Lisboa, vinha de comboio para ajudar a tratar da mãe. O marido, funcionário dos CTT, na altura já na reforma, ficava na aldeia e ia levar e buscar a mulher todos os dias à estação de Azambuja. O casal ajudou também a tratar da sogra de Luísa. Há um ano partiu uma irmã. Luísa Costa apoiou-a quando esteve internada e acompanhava-a ao hospital com o

cunhado. Aos 25 anos foi para Lisboa, já depois de casar. Nunca pôde ter filhos, mas a impossibilidade de ser mãe não a tornou amarga. Mesmo se tivesse netos garante que seria capaz de arranjar tempo para dar aos idosos, uma dádiva que a preenche. Quando o trabalho na copa da Santa Casa da Misericórdia aperta põe e

levanta as mesas do almoço. Ajuda a dar comer a quem já perdeu a autonomia. E é também a manicura preferida de muitas utentes. “Corto e pinto as unhas. Já estão tão habituadas que às vezes são elas próprias que me pedem. E faço o buço com uma pinça”, descreve satisfeita. O marido fica com a responsabilidade das barbas. Também acompanha os idosos à ginástica nas piscinas, ali ao lado. Nas horas mais paradas jogam e falam com os idosos para evitar que cabeceiem sobre as cadeiras. No Verão, na altura em que os utentes vão até à praia, acompanham os utentes durante uma semana. “Aquilo que a gente faz podia ser feito por outras pessoas, mas às vezes o trabalho é tanto que nem há tempo para se dar o apoio que se quer”, admite. Sofre sobretudo por ver alguém partir. Uma vez aconteceu de regresso de férias. “Uma senhora disse-me: «quando chegar o Verão fazemos uma sardinhada»”. Mas esse Verão já não chegou. Quando a ideia de tornar-se voluntária na instituição surgiu perguntaramlhe se quereria trabalhar com crianças. “Escolhi os idosos. Os meninos têm os pais quando vão para casa e eles estão aqui 24 sobre 24 horas”. Não se sente cansada. O trabalho fá-la sentir mais jovem. “Sentimos que ainda podemos fazer alguma coisa. Sentimos que ainda temos alguém à nossa espera”. Há quem já lhe tenha oferecido uma peça em renda, mas Luísa Costa trabalha sobretudo por amor aos outros. O que lhe podem oferecer é a amizade. “Quando às vezes nos preparamos para sair um pouco mais cedo perguntam logo: «já se vão embora?.”


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O teatro por amor à camisola O nome de guerra é “Chona” e tem por cognome “semeador de teatros” O empenhamento cívico alarga-se a outras culturas. Na quinta pedagógica da Associação Portuguesa dos Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, ajuda na apanha do tomate, na vindima e na apanha da azeitona.

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João Calhaz

hamaram-lhe um dia “o semeador de teatros” e com toda a justiça. Como fundador ou dinamizador, Carlos Oliveira, 62 anos feitos em Agosto, ajudou muitos grupos a entrarem pela primeira vez em cena, fosse em Santarém, a sua cidade, fosse em Almeirim, Alpiarça ou Cartaxo. Da sementeira, feita por “militância cultural”, este bancário reformado colheu o gozo de ver que quase todos os grupos estão no activo. Durante 34 anos, o bancário mudava de farda depois do horário de trabalho e vestia a pele de actor, de encenador, de produtor. Mudava até de nome. Carlos Oliveira passava a ser o “Chona do teatro”. O nome de guerra por que é conhecido em Santarém e na região. Como recompensa desse trabalho desinteressado, feito por amor à camisola, tem o reconhecimento público e algumas homenagens de que foi alvo. A sua actividade e colaboração com grupos da região dava para fazer um currículo com algumas dezenas de páginas. Foi pai e mãe de muitos projectos. Incansável colaborador de outros. O Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude e a Bienal de Palhaços de Santarém têm a sua marca. Conforme diz, chegou a pagar com o corpo e com a carteira para alimentar uma paixão que lhe vem da verdura dos tempos do liceu. Actualmente dedica-se sobretudo ao Teatrinho de Santarém, um dos vários grupos da cidade que ajudou a criar e que é a menina dos seus olhos. Porque tem um especial carinho pelo teatro infantil e pelo trabalho com crianças. Ajuda também na

encenação dos espectáculos do grupo de teatro da Universidade da Terceira Idade de Santarém (UTIS). Apesar de estar aposentado, e de há meia dúzia de anos o coração lhe ter pregado um valente susto, Chona não desistiu e faz questão de continuar em cena. Para durar, afiança. “O corpo já está habituado e estou longe de pensar em calçar as pantufas e ficar em casa a ver televisão”. O trabalho com crianças e jovens preenche-o. “Gosto de trabalhar no teatro para a infância por ser mais imaginativo e requerer uma maior dose de sonho e de imaginação. E eu gosto de concretizar os sonhos em palco”. Carlos Oliveira não classifica a sua dedicação desinteressada ao teatro como altruísmo – “é discutível” –, mas antes como militância cultural e até política, pelo menos em determinado período, no pós-25 de Abril, em que a arte tinha uma veia panfletária acentuada. Discreto e humilde quanto baste, confessa no entanto que gosta de ser reconhecido pelo seu trabalho. “Não há ninguém que não goste de ser estimado pelo seu trabalho. Isso é uma coisa. Outra completamente diferente é pretender-se ser estrela, brilhar acima dos outros. Estrela de cartaz não! Nunca! Obrigado!”, exclama com um sorriso. Se fosse futebolista, podia-se definir como um jogador de equipa, que gosta de trabalhar em colectivos onde não há estrelas nem ninguém que se distinga. “Sempre quis que as pessoas se envolvessem criando. Os actores manipulados como marionetas pelos encenadores não são tão enriquecedores. Não participam no acto criativo e acho que isso é fundamental para as artes”. Do que ele gosta, diz, “é de fazer coisas bonitas e que emocionem os públicos”. “Isso sim. Convidem-me, que eu vou logo a correr”. O seu empenhamento cívico não se fica pelo teatro. É também voluntário na quinta pedagógica da APPACDM – Associação Portuguesa dos Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, no

Zona de Actividades Económicas, Lt. 13 Telem. 919 769 463 • 2140 Chamusca

Vale de Santarém, onde ainda há pouco ajudou na apanha do tomate, na vindima e na apanha da azeitona. “O voluntariado mantém-nos vivos em termos de participação social”, afirma, sublinhando que, além disso, o teatro é um excelente veículo de aproximação das pessoas. E isso, diz, “é muito importante numa sociedade onde as

pessoas têm tendência a fechar-se cada vez mais no seu mundo”. Carlos Oliveira não deixou terminar a conversa sem endereçar os parabéns a toda a equipa que ajuda a produzir o nosso jornal: “Parabéns a O MIRANTE, por 23 anos de muito trabalho, de muito sacrifício e de bom jornalismo”.


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O excesso de generosidade da época de Natal devia ser dividido pelo ano todo Ana Becho descobriu que tinha muito para dar aos outros e agora sente-se tranquila É uma pessoa alegre e determinada. Descobriu que tinha muito para dar e foi à procura do lugar certo para gastar toda aquela energia. A felicidade obtémse através da partilha.

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Alberto Bastos

a garagem de Ana Becho há quase sempre mesas, cadeiras, camas, sofás e outros objectos que podem fazer falta numa casa. Não é que ela tenha mobília a mais, ou qualquer vício de acumular tralha. Tem apenas vontade de ajudar quem precisa. Como as necessidades das pessoas são diversificadas, a acumulação de mobiliário em bom estado também faz parte das suas rotinas. “Por vezes o senhor dos Móveis do Norte traz-me algumas coisas que não vende ou que trouxe de casa de clientes que compraram mobílias novas. Outras vezes é o senhor da recolha da câmara que vê algum objecto em bom estado e tem pena de o levar para ser destruído. Também há pessoas que me telefonam e eu vou buscar”. Nessas alturas quem a ajuda é o filho. Ele e a irmã andam ocupados nas suas vidas mas gostam de saber que a mãe se dedica a algo que gosta e que lhe dá satisfação. Foi há pouco mais de uma década que Ana começou a dedicar mais tempo a acções de voluntariado e de auxílio a necessitados. “Estava a passar por uma fase complicada da minha vida e aproximei-me da Igreja. Sempre fui católica mas nunca fui de ir muito à missa ou de grandes devoções, mas fez-me bem”. Mulher activa e voluntariosa, descobriu rapidamente que tinha que fazer mais que rezar ou meditar para se sentir feliz. Primeiro começou a ajudar no bar. A seguir inscreveu-se como Vicentina na paróquia de Nossa Senhora de Fátima. “Descobri que tinha muito para dar. Agora sinto-me muito bem!”, diz com um sorriso a iluminar-lhe o rosto. Ana Becho nasceu em Alpalhão, concelho de Portalegre, onde viveu até aos 12 anos. A seguir passou oito anos em França. Voltou a Portugal para casar. Durante a conversa com O MIRANTE diz que não se recorda de participar em acções de solidariedade. Mais à frente lembra-se de umas senhoras idosas que conheceu quando trabalhou na farmácia em Riachos, a quem dava medicamentos e pagava algumas refeições. “Elas estavam sozinhas. Precisavam de alguém”, explica. O Entroncamento, cidade onde reside, surge nos primeiros lugares dos índices de consumo e conforto a nível nacional. Uma

cidade rica, dir-se-ia. E era essa ideia feita que ela também partilhava antes de se dedicar de alma e coração aos mais necessitados. “Eu não tinha a consciência do que se passava. Esta cidade tem riqueza mas também tem a sua dose de pobreza. Distribuímos géneros que nos chegam através do banco alimentar. Vamos todos os dias ao quartel buscar sopa para dar. Temos pessoas que estão sozinhas a quem faz falta alguma companhia e conforto. Pessoas idosas, principalmente”. Nota-se decisão e determinação na sua voz. A mesma determinação que a faz pegar no carro e percorrer dezenas de quilómetros para entregar alimentos ou roupas a outras instituições de apoio social. “Por vezes temos aqui coisas a mais e damos a outras organizações. Ao Bom Samaritano, ao Lar dos Rapazes…”. Não hesita em falar de assuntos menos agradáveis. “Há pessoas que andam aí a pedinchar sem precisar. Há outras que precisam e que nem sonhamos que elas precisam. Só chegamos até elas através de vizinhos ou de amigos”. Confessa que por vezes enfrenta situações bizarras. “Há pessoas pobres que não aceitam fruta que esteja ligeiramente tocada porque já não dá para estar na fruteira. Geralmente levo-a para minha casa e faço doce para distribuir”, conta. E há também quem chegue a ser ofensivo. “Já tenho tido dissabores. Andei a ajudar uma pessoa idosa. A senhora acabou por ter que ir para um lar porque não podíamos ajudá-la em casa. Quando faleceu, o filho, que nunca a ia visitar, disse que eu e a irmã tínhamos posto a mãe no lar para ela morrer mais depressa”. Ana Becho diz que se sente magoada mas que segue em frente. “Tenho a consciência tranquila!”. Já anda no ar o espírito do Natal. A generosidade espalha-se como um vírus. Ana Becho activista da ajuda ao próximo lamenta o que se vai passar. "Há pessoas caren-

Sempre fui católica mas nunca fui de ir muito à missa ou de grandes devoções, mas fez-me bem”. Mulher activa e voluntariosa, descobriu rapidamente que tinha que fazer mais que rezar ou meditar para se sentir feliz. Primeiro começou a ajudar no bar. A seguir inscreveuse como Vicentina na paróquia de Nossa Senhora de Fátima. “Descobri que tinha muito para dar.

ciadas que vão receber dois e três cabazes de Natal". É um tempo de excesso a que se segue um ano de penúria. "Há produtos que não é possível conservar muito tempo.

Há pessoas que não têm capacidade para fazer durar a ajuda e vivem à rica, por uns dias. É excessivo. Temos que dividir a nossa boa-vontade pelo ano todo”.


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“Às vezes basta um gesto, um olhar, para reconfortar um doente” Edalgisa Gameiro é presidente da Associação de Apoio ao Doente Oncológico de Coruche Depois de ter vivido momentos de dor e desespero decidiu dedicar-se a minorar o sofrimento dos outros. Tem a vantagem de saber o que custa sofrer.

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Ricardo Carreira

oi apenas há sete anos que Edalgisa Gameiro descobriu o voluntariado. O médico confrontou-a com o diagnóstico de um cancro. Fez uma mastectomia. Passou por sessões de quimioterapia e chegou a usar uma peruca no dia a dia. O sofrimento físico e psicológico do cancro levaram-na a perceber o apoio que o doente necessita. Principalmente em casa, quando a família tem de ir trabalhar e se fica sozinha, muitas vezes a pensar no inevitável. Em 17 de Julho de 2008 ajudou a fundar a Encostatatim – Associação de Apoio ao Doente Oncológico de Coruche. É no número 29 da rua dos Guerreiros, centro histórico de Coruche, que Edalgisa Gameiro vai ter todos os dias da semana depois de sair do banco, para a sede da Encostatamim. Um espaço onde O MIRANTE encontrou meia dúzia de mulheres à conversa, todas a quem o cancro se cruzou no destino. A voluntária, presidente da associação, sai às 06h30 de casa para correr durante meia hora. Trabalha no banco entre as 08h00 e as 18h00. “Estou sempre aqui até às 19 horas se não for dia de ir ter com alguém”, conta. A antiga professora de educação física, agora bancária, tanto pode ir tomar café com um paciente, como visitá-lo a casa, acompanhar nalguma consulta ou tratamento. Descobriu o lado de voluntária ao passar pela doença. Descobriu que conseguia ajudar outras pessoa. Não é preciso fazer um grande esforço. Esboçar um sorriso, um apoio, um olhar. Ir beber um café com a pessoa, acompanhá-la a consultas, tratamentos. A primeira missão voluntária está tão presente como se fosse ontem. “A pessoa faleceu aos 37 anos. A associação foi contactada através de um familiar. Tentei aproximar-me e um dia a paciente veio aqui. Agarrou-se a mim a chorar a dizer que ainda bem que eu lá estava para ela me conhecer”, conta Edalgisa Gameiro, sobre o primeiro e impactante momento como voluntária. Noutros momentos, os actos podem

ser tão singelos como um simples gesto. Como a visita que Edalgisa fez a um doente pelas 11 da noite. Não se deslocou para fazer algo de especial. Limitou-se a ajeitar a roupa da cama e a fazer-lhe uma meiguice na cara. A pessoa disse-lhe que ela se podia ir embora. “É só um gesto para um doente oncológico enfrentar mais um dia”, diz a voluntária. Noutros casos o envolvimento pessoal e da Encostatamim são maiores. O voluntariado e solidariedade começam na sede da associação. Há roupas em prateleiras e cabides que é doada por particulares. Umas peças são entregues aos pacientes carenciados, outras vendidas para angariar receitas para a entidade. Edalgisa Gameiro apoia neste momento cinco pacientes. Pela Encostatamim passam pessoas muito diferentes. Doentes que precisam de apoio psicológico, social e económico. Pessoas a quem foi cortado o vencimento no momento do conhecimento da doença e têm de fazer face a despesas com empréstimos, família e outros encargos. A quem falta tudo no pior momento. “Comparticipamos na parte da medicação que a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde não cobrem. Damos alimentação através dos centros de dia com que cooperamos no concelho, presta-se a higiene diária e até apoiamos a compra de perucas”, conta Edalgisa Gameiro. A associação suporta ainda a compra dos sacos dos doentes com colostomia embora receba um reembolso de 90 por cento do dinheiro da parte da Associação de Centros de Saúde da Lezíria. Edalgisa Gameiro lembra-se de, enquanto paciente, ficar apavorada com o atraso de dois minutos de uma amiga que a ia visitar aos Hospital de Santarém. O apoio dos voluntários faz falta aos doentes oncológicos. Se estão no hospital têm a companhia dos técnicos de saúde. Se ficam em casa, sozinhos, pensam no inevitável. “Ter a doença é como ter a sensação de vestir uma camisola que se deixou dentro do tanque após uma noite de chuva e neve. Um desconforto que pode ser minimizado por uma palavra amiga”, garante. Mesmo que o final possa vir a ser trágico. Edalgisa Gameiro ainda luta em duas frentes. Como voluntária e como paciente já que, apesar de sete anos de tratamentos, a raiz do problema nun-

ca se erradica. A Encostatatim, que tem 650 associados, é a cara da luta contra o cancro no concelho de Coruche. Realiza uma série de actividades ao longo do ano

para angariar receitas, como um campeonato de golf em Santo Estêvão, a Semana Encostatatim em Março, ou a digressão pelas oito freguesias do concelho para se dar a conhecer.


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Mais de uma década na “sombra” para pôr um clube a funcionar Fernando Pisca é voluntário no Sport Lisboa e Cartaxo há 11 anos Não quer ser dirigente nem almeja o protagonismo. Fernando Pisca trata de toda a logística ligada às equipas, atletas, técnicos e dirigentes, que envolve cerca de 300 pessoas. É assim que se sente bem a trabalhar de forma voluntária para o Sport Lisboa e Cartaxo.

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Ricardo Carreira

numa sala na parte de trás dos antigos balneários do Campo das Pratas que Fernando Pisca, munido de um computador portátil, faz um trabalho imprescindível ao Sport Lisboa e Cartaxo. Trata de toda a logística administrativa ligada à inscrição de atletas, técnicos e dirigentes do clube junto da Associação de Futebol de Santarém. Não recebe qualquer vencimento, avença ou compensação. Limita-se a aparecer no campo das Pratas quase todos os dias da semana por volta da 18h30. No período de inscrições não costuma sair do campo antes das nove da noite. Lida com quase 300 pessoas. Fernando Pisca diz que é assim que se sente bem. Faz o que gosta e para o qual está habilitado. Militar na reserva, trabalhou durante um quarto de século ao serviço da área logística e financeira da Marinha de Guerra Portuguesa. A sua ligação ao futebol e ao Sport Lisboa e Cartaxo começou como pai de um jovem de sete anos que quis jogar futebol. Natural de Casais Lagartos e a morar em Vila Chã de Ourique, começou por ir ao clube da terra. “Como não tinham equipa daquele escalão vim para o Cartaxo”, explica. Fernando Pisca desenvolveu o seu trabalho com três direcções do SL Cartaxo ao longo de 11 anos. Começou por fazer de delegado aos jogos quando inscreveu o filho na equipa, sem antes ter tido qualquer experiência ligada ao futebol. Nos anos seguintes, com um papel mais interventivo, ajudou a preparar o material para os treinos e jogos, ligado às equipas de escolas, infantis e iniciados. No ano seguinte evoluiu para o tratamento informático dos dados e documentos do clube. Aceitou o convite do então presidente, Avelar Marques, para liderar a coordenação técnica das equipas de iniciados, juvenis e juniores. “Foi uma experiência enriquecedora pelo que aprendi, mas que não vou repetir. Sempre estive ligado ao futebol na retaguarda e é assim que prefiro estar”, garante. Nos dois últimos anos, Fernando Pisca foi convidado pela direcção presidida por Frederico Guedes para cuidar de toda a

área logística e de equipamentos. Dos assuntos de papel e caneta tratados em cima da hora passou-se para a digitalização de todos os documentos relativos aos protagonistas das equipas. Um computador reúne todos os dados que estão prontos a serem enviados ou entregues na associação de futebol. Sejam impressos, fotografias, pagamentos ou a realização dos seguros dos atletas. O colaborador tem ainda luz verde para adquirir equipamentos, bolas e outros acessórios sempre que for necessário. Elabora também os boletins informativos com os resultados das equipas todas as semanas e a agenda de jogos da semana seguinte. Com tanto trabalho, é caso para perguntar se Fernando Pisca tem tempo para ver os jogos das equipas do Cartaxo. Ao fim de semana aproveita para ir ver algum jogo, mas sempre atrás de uma das balizas, junto à sua sala de trabalho. “Nunca vi futebol na bancada central coberta. Sempre neste lugar onde, de vez em quando, vou espreitar jogos ou treinos. Não por ser pessoa isolada, dou-me bem e falo à vontade com todos. Gosto apenas de estar a trabalhar”, esclarece Fernando Pisca. Para este sócio efectivo do Sporting e com lugar cativo (que tem ido poucas vezes a Alvalade), a ligação ao Sport Lisboa e Cartaxo, filial do Benfica, fê-lo ganhar raízes, criar amizades e até ganhar especial carinho por miúdos que viu crescer com o filho e que têm hoje 18 anos. “Ir ao Campo das Pratas é mais um escape e poder encontrar este e aquele”, acrescenta. Fernando Pisca admite sentir-se tão voluntário como a pessoa que prescinde de horas do seu tempo pessoal para ajudar quem mais precisa. “Não tenho dúvidas e sinto-me bem no papel de voluntário, sem receber remuneração. Vendome neste papel, percebo perfeitamente quem o faz no apoio aos mais necessitados”, compara. Com mulher e três filhos de dez, 18 e

24 anos, Fernando Pisca diz que a família sempre o apoiou na missão junto do clube cartaxeiro. Tem para si que, como chefe de família, nunca a prejudicaria

em função do futebol. Mas confessa: “a esposa ainda diz que para ela é que não tenho tempo, mas sei que é na brincadeira”, graceja.


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Voluntariado por paixão e amor ao próximo Irmã Rosário e a sua dedicação às pessoas necessitadas Desde que chegaram à Chamusca há trinta e três anos que as Irmãs da Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, se dedicam a ajudar quem precisa.

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Fernando Vacas de Jesus

Irmã Rosário é enfermeira no Serviço Nacional de Saúde. Trata de pessoas nas horas de serviço, sendo por isso remunerada e trata de pessoas nas horas vagas por amor ao próximo. Com a sua dedicação alivia as dores físicas e mentais de muita gente. Para além do serviço de acção social da igreja, dá catequesse, visita idosos que vivem sós, e ajuda algumas famílias a cuidar da higiene e tratamento dos seus doentes. Ela e as suas companheiras fazem trabalho de voluntariado todos os dias. Actuam preferencialmente nas freguesias mais pobres do concelho da Chamusca, a pé ou à boleia chegam a casa de quem precisa com uma palavra de conforto para os idosos e doentes dos locais mais recônditos. “As Irmãs Celina e Maria de Jesus todos os dias têm uma zona do concelho para visitar pessoas idosas e famílias carenciadas, e em muitos casos fazem o seu encaminhamento para a acção social”, conta a Irmã Rosário. São no total cinco. Vivem em comunidade numa casa pertencente à sua Congregação que tem a sede no Porto. Levantam-se cedo para fazer as suas orações e depois distribuem tarefas entre si. A Irmã Rosário vai para o seu trabalho na Extensão de Saúde da Carregueira, Chamusca. As restantes partem para os seus locais de voluntariado. Duas vezes por semana a Irmã Celina sobe a ladeira até ao Lar e Centro de Dia da Chamusca, e ali durante algumas horas conversa com os idosos sobre a Palavra do Senhor, mas também das suas vidas “e da falta de apoio de al-

guns familiares”. A Irmã Rosário optou pela vida religiosa aos 19 anos. “Sou uma de sete irmãos, fui a única da família a optar por entregar a minha vida a Deus, a minha família aprovou sem reservas a minha decisão. Escolhi a Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora porque me dava a possibilidade de trabalhar, e assim poder ajudar mais o próximo. Fui muito bem acolhida e devo muito à minha congregação”, explica. “Foi para mim um grande bálsamo de Deus. A hipótese de me ligar com as pessoas no dia-a-dia deixa-me completamente realizada”, garante. Até ela chegam os mais variados casos. “As dificuldades são muitas, mas na nossa missão de voluntariado, encontramos muita má orientação nas famílias. Nós tentamos que as pessoas se tornem mais organizadas mas não é raro ficarmos tristes porque vemos que os nossos conselhos não são seguidos. As pessoas não sabem viver com o pouco que têm, e acabam por viver ainda pior”, refere a religiosa. Mas há o reverso da medalha. “Temos pessoas que já não sabem viver sem a nossa visita quase diária. Sentimos uma grande alegria quando chegamos para ajudar e somos recebidas como amigas. Sentimo-nos recompensadas quando ajudamos a tratar um doente que logo a seguir nos fala de coração aberto e nos pergunta quando é que voltamos”, refere a Irmã Rosário. Há casos tão graves e tão importantes que mostram bem o valor do trabalho das religiosas. “A Irmã Celina teve um caso, ainda recente em que um senhora passou por uma crise tão grande que só pensava em suicidar-se. A irmã foi conversando com ela e conseguiu tirar-lhe aquela ideia da cabeça. Hoje a senhora diz que foi uma bênção de Deus que lhe apareceu à porta. E é uma pessoa totalmente diferente”. “Saber escutar é tanto ou mais importante do que o apoio material”, diz a Irmã Rosário, que também conta com casos chocantes. “O que mais me choca são

os casos de abandono familiar. Temos alguns casos de pessoas doentes, que se não fossem as nossas visitas, e os tratamentos que lhes fazemos seriam situações dramáticas”, garante. Mas nas suas acções de voluntariado, as Irmãs também encontram casos insolúveis que as deixam com uma grande frustração e angústia no coração. “Eu tenho um caso que me está a deixar muito triste e angustiada. Há aqui perto um senhor já de idade avançada, que não tem qualquer ligação nem com a mulher nem com a filha. Não tem mesmo contacto com ninguém. Ele está doente e se as coisas se agravarem, não sei o que vai ser dele. Não sei que resposta será possível dar a este caso”, refere a Irmã Rosário com tristeza. Segundo ela, a comunidade, embora não o manifeste, valoriza o seu trabalho. Mas num momento difícil que se vive no país, vão aparecendo muitos casos, e bastante graves. “Hoje em dia há muita gen-

te a viver mal, há muita gente que não se queixa por vergonha. Nós vamos procurando ajudar essas pessoas, mas não é fácil. Aproveitamos a distribuição de alimentos que vêm da Caritas e de outras instituições para lhes levar algum conforto. Noutros casos conseguimos convencê-los a receberem uma assistente social. O nosso voluntariado é a nossa dádiva solidária para a comunidade, e isso preenche uma parte importante do nosso coração e da nossa vida religiosa”.


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A menina que dá todos os dias 52 beijinhos Carla Galveias começou por acompanhar a avó que trabalhava num lar Carla Galveias é voluntária no Centro Social de Santo Estêvão, concelho de Benavente. Todos os dias coloca 26 idosos a trabalhar nas actividades que organiza. Não deixa que os idosos passem o dia a ver televisão, como se esperassem pela morte.

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Eduarda Sousa

odos os dias Carla Galveias, de 24 anos, entra no Centro Social de Santo Estêvão, por volta das 10h00, e dá um beijinho a cada idoso. Na despedida, às 17h00, repete o gesto. No total, são 52 beijinhos por dia. “Os idosos são a minha alegria”, começa por dizer a voluntária do Centro Social de Santo Estêvão, concelho de Benavente. Depois de terminar, em Setembro deste ano, o curso de animadora sociocultural, no Instituto para o Desenvolvimento Social, em Carnide, Lisboa, Carla Galveias não conseguiu arranjar emprego: “Enviei muitos currículos para centros de dia e lares de idosos e nunca obtive qualquer resposta. Pensava que seria mais fácil arranjar emprego na área dos idosos porque não existe muita gente a querer trabalhar com este grupo”. Como não queria ficar em casa de braços cruzados a ver televisão, como acontece com muitas colegas que também não conseguiram arranjar emprego, Carla Galveias veio propor-se como voluntária ao Centro Social de Santo Estêvão, onde já tinha estado a estagiar entre Janeiro e Março de 2010. “Gosto muito de trabalhar com idosos, é uma paixão. Sinto que consigo dar-lhes alguma alegria, ajudo-os a esquecer os problemas com as actividades que vou organizando e o carinho que estou sempre a distribuir”. Mas de onde é que surgiu esta paixão? “A minha avó sempre trabalhou num lar, em Odivelas, onde está neste momento a viver. Desde pequenina que ia sempre a todas as festas do lar. Habitueime a conviver com os idosos”, revela. Os animadores precisam de estar presentes nas instituições com idosos porque, na opinião da voluntária, os “utentes passam o dia a ver televisão, como se estivessem apenas à espera da morte”. Muitas pessoas não querem trabalhar com os idosos

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porque, segundo Carla Galveias, “cativálos e mudar o seu ritmo de vida é muito complicado”. Para esta jovem voluntária, é “preciso dar a volta por cima, mostrar que não devem estar à espera da morte e que ainda são muito úteis”. VOLUNTÁRIA ORGANIZA VÁRIAS ACTIVIDADES Às terças e quintas, Carla Galveias costuma dar aulas de ginástica. Uma das salas do centro de dia está coberta de desenhos alusivos ao Halloween, com uma cabaça em cima de uma mesa. Na outra sala, as paredes estão cheias de cartazes com folhas coladas, a lembrar o Outono. Existe também um cartaz no corredor com um jardim desenhado, onde estão as datas de aniversários de todos os idosos. Para o dia de São Martinho, Carla Galveias anda a ensaiar uma canção. Estas são apenas algumas das actividades que “ajudam a mudar o dia dos idosos do Centro de Dia de Santo Estêvão”. “Esta rapariga dá cabo de nós” ou “onde é que anda a chata” são algumas das expressões que costuma ouvir. O que é recompensador para a animadora é ver a evolução dos idosos com quem trabalha: “Tenho uma senhora muito doente que evoluiu bastante e, se no início, recusava participar agora é uma das primeiras a entrar em todos os projectos”. Quando é preciso, Carla Galveias também arregaça as mangas e vai ajudar na cozinha ou então nos banhos. “Hoje temos de ajudar em todas as áreas. Não me cai nenhuma mão ou fico mais pobre por isso. Não sabemos

se um dia também vamos precisar”, revela. Nem sempre tudo é fácil. Desde que está no centro de dia, a animadora já perdeu dois idosos. “Com o tempo aprendi a controlar melhor o meu lado emocional e tento não demonstrar a parte fraca. Tenho de ser o elo mais forte, tenho de animar a vida”, diz. O desejo da animadora é ficar a trabalhar neste centro de dia porque já criou fortes ligações: “Os idosos sabem que podem contar comigo. Sabem que podem contar 1001 vezes a mesma história que

eu estou ali a ouvi-los, de corpo presente”. E para o comprovar está o presidente do Centro Social de Santo Estevão, Daniel Ferreira: “Contado ninguém acredita! Só com os próprios olhos é que se consegue ver o trabalho que a Carla Galveias tem vindo a realizar”. Outro projecto da jovem é regressar à universidade, em regime pós-laboral para tirar o curso de educação social. “Não quero estagnar, quero aprender mais, para evoluir e ser uma profissional melhor”.

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Lídia Santos formou uma escolinha na Casa São Pedro Decidiu experimentar durante oito dias por influência de uma amiga e acabou por ficar Esteve sempre ligada ao voluntariado mas quando lhe propuseram apoiar pessoas idosas pensou que não conseguiria. Enganou-se redondamente e ficou feliz por isso.

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Eduarda Sousa

epois de passar alguns anos como voluntária na Fundação CEBI, Lídia Santos, 64 anos, reformada, mudou-se para a Casa São Pedro, em Alverca, concelho de Vila Franca de Xira. “Custounos muito deixar o CEBI, mas a nova direcção colocou tanta burocracia que acabamos por desistir”, revela Lídia Santos que sempre prestou voluntariado na companhia da amiga Celeste Mendonça, agora retirada por causa de um problema de saúde. Professora na Escola Básica do 1º ciclo - nº 2 de Alverca durante 26 anos, Lídia Santos explica como tudo começou: “A minha amiga Celeste Mendonça é que me desafiou a ir com ela para o CEBI. Eu achava que não era capaz de fazer voluntariado com pessoas de idade. Na altura disse que ia experimentar apenas durante oito dias. E ainda cá ando! Depois de vermos a necessidade dos que precisam da nossa ajuda, já não conseguimos parar”. Ao longo da sua vida, Lídia Santos esteve sempre ligada ao voluntariado, desde as aulas de catequese, até às de cerâmica na Casa da Cultura de Alverca e já depois de se aposentar, aos 52 anos, ainda ministrou, durante dois anos, aulas de Religião e Moral. Na Casa de S. Pedro, às quintas-feiras de manhã, a professora reúne um grupo de idosos e organiza uma actividade que

designa por “escolinha”. “Muitos ficam preocupados quando falo na escola porque pensam que têm de voltar a estudar. O meu objectivo não é formar doutores, mas apenas transmitir e recolher saberes. Há muitos conhecimentos que se perdem porque não damos valor às vivências dos idosos”, revela. Leva sempre um tema preparado que pode estar relacionado com a actualidade, mas acaba sempre por o deixar na gaveta porque surgem outros temas de conversa. “A minha prioridade é ouvir os idosos e só depois é que procuro expor as minhas ideias. Existem sempre muitos idosos a entrar e sair do grupo porque nem todos têm sempre a mesma disposição, tirando três elementos que são fixos”, conta. Desde ensinar uma idosa a escrever o seu nome, até à realização de alguns trabalhos de cerâmica, para o presépio do Natal passado, Lídia Santos está sempre pronta para o que surgir. Apesar de reconhecer toda a qualidade aos técnicos que trabalham na Casa S. Pedro, a voluntária encontra muitos idosos que não conseguem realizar as actividades propostas e se sentem desanimados com a vida. “Estes idosos são os que mais me motivam e com quem eu gosto mais de conversar. Escuto-os com muita atenção e depois acabamos todos por nos sentir melhor”, conta. ESCOLINHA PRECISA DE MAIS VOLUNTÁRIOS Lídia Santos tem muita pena de estar neste momento sozinha a organizar a escolinha porque sempre que não pode ir, não tem ninguém que a substitua. “Enquanto trabalhei, estava a criar também os meus filhos e não tinha tempo para mais nada. Só agora é que consegui começar a viajar para ir conhecendo outros países”, revela, acrescentando que

está alguns períodos fora de Portugal. Por isso, lança um apelo a quem se quiser juntar à escolinha: “Às vezes só com cinco ou dez minutos de conversa proporcionamos um dia melhor a alguém. Esquecemo-nos que estão ali pessoas fechadas durante o dia inteiro e que ficariam muito felizes se alguém aparecesse e conversasse um bocadinho com elas. Também não nos lembramos que estamos a caminhar para a velhice e um dia poderemos ser nós a estar ali. Sem experimentarem, nunca saberão se são capazes de ajudar os outros”. Na opinião

de Lídia Santos a Junta de Freguesia de Alverca deveria ser um espaço onde as pessoas se pudessem dirigir para saberem quais os locais que precisam de voluntários. “Deveriam ter uma lista de inscrições para encaminharem os voluntários para as respectivas instituições. Acredito que existem muitas pessoas que querem ajudar, mas nem sabem muito bem onde se devem dirigir”, nota Lídia Santos que gostaria de dar ainda mais tempo ao voluntariado. “Ajudar é um dever e quando eu não consigo ir já não me sinto tão bem”, conclui.


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“Sinto-me bem no meio da criançada” Mário Ferreira é um voluntário de Tomar que ajuda os outros a crescerem bem Desde pequeno que diz sentir um instinto protector que o leva a dedicar-se aos mais pequenos e indefesos.

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Elsa Ribeiro Gonçalves

oi o gosto de trabalhar com crianças que motivou Mário Ferreira, 26 anos, a inscrever-se há seis anos no Banco de Voluntariado da Câmara Municipal de Tomar. Estudante do 2.º ano curso de Gestão Turística e Cultural no Instituto Politécnico da cidade, durante a semana ocupa as horas de almoço e lanche a servir refeições a crianças de 3 e 4 anos num Jardim-de-Infância. “Pensei ser educador de infância ou professor de ensino básico. Como não deu, consigo deste modo preencher essa lacuna”, explica. O voluntário diz que desde muito jovem tem um instinto protector que o leva a tentar sempre proteger os mais pequenos. Por este motivo confessa que hoje em dia a maioria dos seus amigos são mais novos. “Gosto e sinto-me bem no meio da criançada”, revela. Por esta razão, é também desde há seis anos treinador de uma equipa de sub-11 masculino de futebol das camadas jovens do União de Tomar, treinando o grupo de 14 crianças, todas as segundas e quartasfeiras, entre as 18h e as 19h30, no campo do Estádio Municipal. “Alio o meu gosto pelo futebol ao prazer que é ensiná-los a correr atrás de uma bola”, sublinha. Aos sábados, acompanha-os nos jogos oficiais da Associação de Futebol de Santarém. “Sinto que me vêem como o irmão mais velho e que me procuram porque, às vezes, é mais fácil desabafar com alguém de fora da família”, explica. O mais gratificante para Mário Ferreira é poder contribuir para que as crianças com quem trabalha voluntariamente venham a tomar decisões que sejam benéficas para o seu futuro. “Nestas idades, entre os oito e os dez anos, estão predispostos a aprender tudo. É importante mantê-los ocupados a fazer exercício físico. Mas tento sempre ensinar-lhes que a sua prioridade deve ser a escola”, reforça. Para além de servir almoços e lanches aos mais pequenos durante a semana e acompanhar a equipa que treina nos jogos aos sábados, colabora desde 2004 no programa “Verão em Acção” promovido pela autarquia e que visa ocupar de

uma forma profícua as férias escolares de crianças e jovens entre os 7 e os 14 anos. Só interrompeu a sua participação durante os dois anos que esteve a estudar Geografia em Coimbra, onde chegou à conclusão que aquele não era o curso mais indicado para o seu perfil. Este ano já passou os meses de Julho e Agosto a dinamizar actividades de 2.ª a 6.ª feira, das 9 horas às 18h. “Foi um tempo que passou a voar. Acabei por ficar as oito semanas seguidas, apesar de me dizerem que tinha que descansar. Mas eu não abri mão de estar com os miúdos. Sentia-me bem”, conta. Apesar de ser um trabalho que contemplou os animadores do programa com um vencimento residual, Mário garante que faria o mesmo de graça. “É um gosto que tenho e acho que me saio bem porque os pais confiam em mim e dizem-me que os filhos para o ano querem voltar”, sublinha satisfeito. Apesar da entrega constante às crianças, Mário diz que continua a ter tempo para si. Sai à noite, vê televisão, está com os amigos e navega na internet. “Ainda

moro em casa dos pais, não tenho encargos e só por isso continuo a poder fazer o género de voluntariado que gosto. Quando tiver que trabalhar, talvez fique sem tempo e venha a ter que abdicar mas não gostava que assim fosse”, refere.


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Os amigos que limpam a Vala de Alpiarça e fazem passeios turísticos de barco Projecto cívico foi iniciado por Júlio Lobo que hoje conta com a ajuda de quatro amigos Quando as causas são importantes e as pessoas que as promovem são pessoas interessantes, fazem-se amizades e conquistamse boas vontades.

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António Palmeiro

úlio Lobo é um apaixonado pelos desportos náuticos. É piloto de motonáutica e decidiu pôr a sua paixão ao serviço da população de Alpiarça. Nas horas livres do trabalho como bombeiro na corporação municipal da vila onde executa também as funções de mergulhador, faz passeios de barco gratuitos na vala real como forma também de promover o turismo no concelho. Mas não se limita a isso. Para que o curso de água tenha um bom aspecto, o bombeiro perde horas do seu tempo a fazer limpeza no leito e nas margens. A sua dedicação acabou por cativar outras pessoas e hoje tem a ajuda de quatro amigos. Foi em 1993 que começou a levar pessoas a passear na vala num dos seus barcos. Foi no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, 10 de Junho. “Não havia nenhuma actividade para envolver os jovens e a população que os envolvesse com a vala”, conta. Nessa altura as margens da vala estavam cheias de mato. Pediu umas canoas emprestadas, arregimentou o filho para o ajudar e fez o primeiro passeio náutico. Ao deparar-se com a falta de limpeza do curso de água logo surgiu a ideia de começar também a tratar do assunto. Hoje Júlio Lobo conta com a ajuda do marinheiro Armindo Leite, encarregado do estaleiro do Instituto de Socorros a

Náufragos que morava em Vila Franca de Xira e costumava ir à pesca para a vala. O trabalho de Júlio cativou Armindo que aderiu à causa. Hoje tem casa em Alpiarça e diz-se um apaixonado pela vala. Do grupo faz também parte Amílcar Machacaz, Fábio Correia e Rui Luís, que é o comandante dos Bombeiros Municipais de Alpiarça. O grupo costuma juntar-se na oficina onde Júlio Lobo repara os barcos e onde se definem as estratégias de trabalho em prol da comunidade à volta de um petisco. É frequente a câmara e outras entidades pedirem ao grupo para fazerem passeios de barco na vala quando Alpiarça recebe convidados ou grupos de jovens. A autarquia dá a gasolina, mas todo o trabalho é do grupo. E não é só o tempo, a dedicação e o esforço que os cinco amigos dão. Muitas vezes acabam por ter despesas. Ainda há pouco tempo uma hélice de um dos quatro barcos ficou danificada. Um prejuízo de 200 euros. Júlio Lobo considera que este grupo é como um oásis num deserto que é a generalidade da população que hoje em dia não dá sequer um pouco do seu tempo para ajudar a terra e os outros. O esforço muitas das vezes é manchado pela sujidade que invade a vala. “Muitos dias nos sentimos frustrados porque andamos a fazer um esforço para ter a vala em condições e depois há descargas poluentes”, refere Armindo Leite, 52 anos. Ainda há pouco tempo, recorda Júlio Lobo, “fizemos um passeio com um grupo de estudantes chineses que estavam na região com o professor Cândido Azevedo. Já estávamos a tirar os barcos da vala quando começa a aparecer o mau cheiro da poluição”. “O nosso grande inimigo é a poluição e já por várias vezes chamá-

mos a GNR e denunciámos situações à câmara municipal”, acrescenta. Júlio Lobo diz que o que move o grupo é “a muita dedicação” e a afectividade à vala onde antes os miúdos tomavam banho. Armindo Leite interrompe para dizer que assim “poupamos muito dinheiro no ginásio e no psicólogo porque fazemos uma coisa que gostamos e temos a satisfação de estarmos a fazer algo pelos outros, sem qualquer interesse”. “Há pessoas que gostam de caminhar, de correr, de ir para o café e nós gostamos

da vala”, reforça Júlio Lobo. O bombeiro e piloto de motonáutica tem uma vida muito ocupada e o trabalho por turnos nos bombeiros não lhe permite dar ainda mais tempo pelo projecto cívico que iniciou, mas ressalva que arranja-se sempre umas horas livres que são retiradas ao convívio familiar. Pelo menos, realça Armindo Leite, “temos a satisfação de que pelo menos contribuímos para a valorização da vala e a promoção turística de Alpiarça”.


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Trabalhar em projectos invisíveis e duradouros Lurdes Martins e o alimento cultural da Palha de Abrantes Acredita que a cultura é um alimento essencial à vida de uma comunidade e dá muito tempo do seu tempo para que haja cada vez menos carenciados do saber.

F

Elsa Ribeiro Gonçalves

ormada em Línguas e Literaturas Modernas, Lurdes Martins ganha a vida a dar formação e explicações. Na Associação Palha de Abrantes, da qual é coordenadora, alimenta a sua vontade de semear ventos de cultura. As raízes do que a faz mover-se em prol dos outros são sólidas. Diz que estão ligadas à postura cívica dos avós maternos. Quando era jovem era ela que organizava as festas do seu bairro onde morava. Natural de Trás-os-Montes transporta consigo o espírito comunitário daquela região. Quando chegou a Abrantes já trazia “anos de enriquecimento pessoal” ganho em viagens por esse mundo fora. Na Europa e na América. “A minha terra é o sítio onde estou. A minha família são as pessoas que me rodeiam”, explica.

Pessoa dinâmica, começou a participar como espectadora de forma assídua nas inúmeras actividades dinamizadas pela Palha de Abrantes até que foi convidada para dirigir a instituição há 15 anos. “Arranjar gente para fazer parte de qualquer instituição é muito difícil pelo que resolvi aceitar”, conta a O MIRANTE, na sede da associação, muito perto do Castelo da cidade. Lurdes Martins entregou-se à Associação de corpo e alma. Por ser uma apaixonada por cinema - com 14 anos chegava a fazer 70 quilómetros para ir ver um filme - decidiu criar o Cine-Clube “Espalha Fitas”, numa altura em que a autarquia tinha concessionado a exploração do cinema a um privado. “Um filme pode mudar uma vida e lembro-me de pensar que era uma pena estarmos limitados a ver filmes que já nem temos paciência para ver na televisão e já nem acrescentam nada à formação das pessoas”, refere. Actualmente, o cineclube dinamiza sessões de cinema regulares no Cine Teatro S. Pedro e está a tentar implementar um projecto, com uma vertente de artes plásticas, que vai levar o cinema às escolas do concelho. O Espalha-Fitas trabalha ainda na produção de curtas-metragens. “Neste momento, o cinema tornou-se na iniciativa mais visível do grupo “Palha de Abrantes porque é o mais regular mas fazemos um vasto conjunto de actividades”, atesta, relembrando projectos como “o Café com Letras” ou o “Pensar Abrantes”, tertúlias que duraram alguns anos. Para além de dinamizar inúmeras actividades, durante um ano, deu aulas gratuitas de português a estrangeiros, todos os domingos. “Fazemos parte da vida das pessoas de uma forma muito ténue mas é um processo que se entranha e que pode vir a dar os seus frutos a longo prazo, o que é para mim o mais gratificante”, acrescenta. Lurdes Martins confessa que o facto de assumir a gestão de uma associação como

a “Palha de Abrantes” lhe trouxe prejuízos em termos financeiros, uma vez que deixou de poder dar formação durante o dia, como fazia antes de abraçar este projecto, mas não se arrepende. “Não me sinto mais infeliz por isso. Acredito que o que fazemos é importante”, refere. Assim que sai da associação, vai dar aulas à noite e já lhe aconteceu dar explicações em casa de manhã cedo, antes de ir para a sede. “Gosto de trabalhar em projectos invisíveis mas que tenham uma possibilidade de persistir no tempo. Eu acredito mesmo que fazemos algo pela vida de toda uma comunidade e

isso é o que mais me fascina e o mais importante para mim”, sintetiza. Ao fim-de-semana gosta de se meter no carro “para conhecer caminhos e ribeiras no concelho” e conversar com pessoas que vai encontrando no caminho. Gosta de fazer caminhadas e ir ao ginásio à hora de almoço. Não gosta de ver muitas horas de televisão, não tem paciência para redes sociais e prefere passar um serão à conversa com amigos. “A capacidade de nos pormos no lugar do outro é absolutamente importante porque senão fazemos sempre as coisas para nós”, diz.


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O sub-intendente da PSP que abraçou o voluntariado no Forte da Casa Vítor Braga Domingos oferece ajuda na paróquia e na universidade sénior Para Vítor Braga Domingos, aposentado da Polícia de Segurança Pública, fazer voluntariado é “tão natural como ir ao café”. “Sinto necessidade de ajudar os outros”, garante.

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Filipe Matias

rescindir de algum do seu tempo livre para ajudar os outros que precisam é “tão natural como ir ao café”. Quem o diz é Vítor Braga Domingos, 63 anos, subintendente aposentado da Polícia de Segurança Pública. Faz voluntariado há cinco anos na paróquia do Forte da Casa, onde vive, e na universidade sénior do concelho de Vila Franca de Xira. Visita famílias carenciadas que pedem ajuda, coordena e controla a distribuição de alimentos do Banco Alimentar para a paróquia. Algumas vezes a sua casa transforma-se num entreposto de triagem de roupas usadas que são dadas para os mais desfavorecidos. Não gosta de ser o centro das atenções e apressa-se a dizer que não faz voluntariado para aparecer nos jornais. Vítor nasceu num bairro pobre de Lisboa e por isso sabe o que é viver com dificuldades. Diz que foi para a polícia com o objectivo de servir a comunidade e o próximo. “Sempre fui uma pessoa muito disponível para os outros, embora no exercício da minha profissão não tivesse possibilidade de fazer este voluntariado que hoje faço, porque as exigências da profissão ocupavam-me quase todo o espaço e o tempo. Mas já pensava nisso na altura”, confessa a O MIRANTE. Além do associativismo participa sempre que pode nas comissões de festas do Forte da Casa, nas marchas da freguesia e na universidade sénior, onde durante várias horas por semana lecciona a título gratuito direito, justiça e ciência política. Na paróquia está à frente do SPES (nome da deusa romana da esperança), um serviço de ajuda aos desfavorecidos e carenciados da freguesia. As horas de trabalho que faz por semana não sabe dizer. “Mas são muitas”, garante. “O Padre constatou que de há uns anos a esta parte há cada vez mais famílias com carências, quer no plano alimentar quer no vestuário, e montámos este serviço na paróquia, somos um grupo de pessoas que dá muito do seu tempo para ajudar”, explica. Vítor nasceu em Lisboa, num bairro pobre junto às Amoreiras. O pai era operário e a mãe doméstica. Casou, teve quatro filhos e hoje tem cinco netos. Quando a casa em Lisboa começou a ficar pequena para tanta criança mudou-se com a esposa,

Maria de Lurdes - que também é voluntária na paróquia - para o Forte da Casa. Já lá vão 30 anos. “Acredito que o tempo que nos é dado é a vida, o tempo não é meu, é-me entregue para o administrar, para que façamos as nossas coisas, tenhamos o nosso papel na sociedade e possamos ajudar as outras pessoas que precisam de nós. Penso que o tempo é de tal maneira elástico que serve para isso tudo. E dá-me a grata satisfação de chegar ao final do dia satisfeito por ter conseguido ajudar os outros. Não procuro nada mais que essa satisfação”, explica a O MIRANTE. Vítor garante que se sente realizado ao fazer voluntariado e acredita que o Forte da Casa é uma freguesia solidária, de gente pronta a ajudar. “Eu penso que há muito mais pessoas como eu. Eu sou apenas um entre tantos outros que se dedicam a dispor do seu tempo livre para ajudar os outros. Obviamente que seria bom haver mais gente, mas no Forte temos uma boa comunidade. Infelizmente vivemos num mundo onde os valores da solidariedade são esquecidos. Vivemos numa sociedade onde as pessoas valorizam mais o eu que o nós. E quando isso acontece é muito mau”, lamenta. Vítor acrescenta que não hesita em abrir a porta a pessoas que precisem de ajuda. “Não é a primeira vez que pessoas têm problemas de ordem pessoal e me batem à porta apenas para conversar, porque

precisam de uma palavra amiga, outras vezes precisam de um obro para chorar, outras vezes de uma palmada nas costas para arribar a vida. Faço isso de coração aberto”, garante. Dos seus cinco anos de voluntariado guarda uma história que o marcou, sobre uma jovem mãe do Forte da Casa, com cerca de 20 anos, que ficou desempregada e pediu ajuda à paróquia para se poder alimentar a ela e à criança. “Dentro das possibilidades ajudou-se. Ela teve durante algum

tempo a possibilidade de receber produtos alimentares e foi-se governando com estas ajudas. Curiosamente, foi uma senhora que no dia em que arranjou emprego foi ter connosco e disse que não precisava mais de ser ajudada, porque ia começar a trabalhar. É extraordinário, não quis criar uma situação de dependência e até se ofereceu para ajudar no que fosse necessário, no futuro. Hoje é uma voluntária”, recorda com um brilho nos olhos.


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A Avozinha dos presos e dos sem abrigo que também fez de casamenteira Olhou à sua volta e ao ver jovens prostitutas na sua rua foi por ali que começou Não pára quieta. Pequena e magra, faz lembrar a fadamadrinha dos contos de fadas. E quase que age como tal, tornando por vezes reais pequenos sonhos daqueles que a rodeiam. Um deles envolveu um pastel de nata e venceu um concurso internacional.

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Cláudia Gameiro

racinda Gomes tem 80 anos e faz voluntariado em Fátima, na Comunidade Vida e Paz (instituição de solidariedade ligada aos sem abrigo). Ficou conhecida como a “avozinha” dos presos. Hoje é a “avozinha” de todos os que com ela convivem. “Ao longo da minha vida sempre ajudei quem me bateu à porta”, começa por contar. O grande impulso para o voluntariado deu-se aos 55 anos, quando ficou viúva depois de mais de 30 anos de casamento. “Fui-me um pouco abaixo”, explica, até que um casal amigo a convidou para um curso de cristandade com o tema “Olha à tua volta”. “O tema mexeu comigo. Fui e nunca mais parei”. Começou por entrar em contacto com as mulheres da rua. “Havia jovens que passavam na frente do meu prédio” ligadas à prostituição. “Comecei a meter-me com elas, ia aos quartos e ajudei as que quiseram ser ajudadas”. Apesar de muitas terem continuado na vida, uma delas foi um caso de grande sucesso. Uma jovem com pouco mais de 20 anos, três filhos, um dos quais com sete anos, que não andava na escola e já roubava. “Eu e umas amigas alugámos um apartamento, colocámos o miúdo a aprender a ler, arranjámos emprego para a mãe e avisámo-la para se dar ao respeito”. Pouco tempo depois a mãe

veio pedir-lhe conselhos sobre um rapaz. Mais tarde casou com ele e teve um filho. “Foi um sucesso”. Gracinda Gomes não parou por ali e organizou um grupo de jovens, onde se debatiam temas como a droga, na altura ainda pouco discutida. “Casaram vários. Ainda hoje o grupo se reúne, principalmente os casais, para oração, para partilha de experiências”. É nesse grupo que uma jovem lhe pede que a acompanhe pela primeira vez numa visita à prisão. “Correu bem”, recorda, mas lembra que, na altura, o local pouco mais era que “um corredor escuro”. Começou a ter contactos com prisioneiros e a ajudálos. “Gostei muito, eram jovens entre os 16 e os 25 anos. Eu tinha acesso às celas. Ia falar, fazer companhia, eles contavam-me as suas histórias. Foram eles que a começaram a tratar por “avozinha”. “Havia rapazes muito revoltados e pediam-me que falasse com eles. As celas eram muito sujas com fotografias de mulheres nas paredes mas sempre me trataram com respeito e nunca me senti insegura”, relembra. “Um dia perguntei a um preso que ia fazer 19 anos qual era a prenda que gostaria de receber e ele disse-me, com lágrimas nos olhos, que era um pastel de nata porque desde que estava preso nunca mais tinha comido nenhum”. Sensibilizada e apesar de saber que, na altura, era proibido, tudo fez para conseguir que nesse dia o prisioneiro pudesse comer um pastel de nata. E conseguiu. Mais tarde o jovem participou num concurso internacional para presos, onde escreviam histórias sobre voluntários e a história do pastel de nata venceu. Gracinda fundou ainda o Movimento das Viúvas da Marinha Grande, distrito de Leiria, ligou-se a vários outros movimentos e esteve junto da fundadora da Comunidade Vida e Paz. Contando sempre com o apoio dos filhos, partiu para Lisboa, onde

começou a lidar com os sem abrigo e a fazer parte da vida da instituição. “Eu dava conta de tudo, andava de um lado para o outro, com grupos de jovens, prisões, sem abrigo, etc”. Em Fátima vem conversar, lidando com toxicodependentes, alcoólicos, sem abrigo. “É a minha presença, o estar atenta, ajudo-os a quererem ficar, a ligar às famílias”. “Faço o que posso, ajudo no que é preciso ajudar. Estou na minha casa”. Gracinda continua a ir às prisões, mas passa boa parte da semana em Fátima. Deixou de dar catequese, mas continua ligada aos movimentos que fundou. Anda sempre de transportes públicos e confessa que muitas vezes passa bastante tempo sem ver a família, apesar desta estar sempre em primeiro lugar. “Há sempre dificuldades, mas não as tomo por dificuldades. Sabemos o campo em que estamos e que tudo pode aconte-

cer”. Ajudou a tirar muitos jovens da prisão que depois regressaram. “Perguntavam-me se valia a pena tê-los defendido em tribunal. Eu acho que sempre vale a pena. Eu nunca me arrependo do que faço e eles não podem dizer que ninguém os ajudou. Não estou arrependida do caminho que fiz, sinto-me feliz”, comenta. “Esta missão não tem fim e enquanto puder é andar, é fazer. O que quer dizer isto? É «olhar à tua volta»”.


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A professora que passa a vida a pedir para os outros Alice Pedro, 72 anos, é reformada, mas continua a ter uma vida activa e solidária

Uma professora aposentada de Alhandra, Alice Pedro, é a secretária da Obra das Mães da Paróquia de Alhandra, no concelho de Vila Franca de Xira. Pedir apoios é a sua missão.

Q

Ana Santiago

uem melhor do que uma professora do primeiro ciclo na reforma para redigir ofícios a empresas e organizações a pedir ajuda para a Obra das Mães da Paróquia de Alhandra, no concelho de

Vila Franca de Xira? Alice Pedro a isso se prestou. Escreveu, escreveu e escreveu e de tanto usar a caneta até lhe doeram as mãos. Escreveu a padarias, pastelarias, marcas infantis e empresas do ramo alimentar. “É uma vida a fazer pedidos. Nem eu pensei que fosse capaz de pedir tanto! Algumas empresas estarão também em dificuldades, mas nós já agradecemos a atenção de lerem a carta. Está escrito na Bíblia: “Pedi e recebereis; Procurai e achareis; batei à porta e abrir-se-vos-á”. É preciso fé e persistência”. A secretária da Obra das Mães, também responsável por fazer as actas, tem

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pedido ultimamente ajuda ao marido para processar o texto no computador. As suas mãos são ocupadas agora com os bordados, rendas, croché e picôs de peças para vender no espaço comercial no mercado de Alhandra. “Mesmo em casa e mesmo em férias estamos sempre fazendo um trabalhinho. E fazemos rifas. Às vezes compramos pelo preço que marcamos”. Nas festas da freguesia montam uma quermesse. O mesmo acontece pela Feira de Outubro em Vila Franca de Xira onde têm um espaço cedido a título gracioso. O espaço do mercado de Alhandra está aberto todo o ano. As voluntárias reúnem-se à quartafeira num atelier para ensinar a arte às mães das famílias carenciadas. No princípio de Dezembro um barco típico é colocado no centro do mercado em cima das bancadas. A finalidade é que se ofereçam alimentos não perecíveis, como arroz, massa, leite, cereais ou feijão já cozido. “Muitas famílias não terão lume nem panelas para coser feijão”, lembra. A aventura da Obra das Mães começou há cerca de 10 anos pelo Jubileu. Um grupo de homens e mulheres reuniu-se no Natal de 1999 para celebrar os dois mil anos do nascimento do Menino Jesus. Começaram pelos enxovais dos recém nascidos. “Era uma altura mais propícia porque não havia tantas dificuldades. Até sobraram enxovais que foram enviados para Timor”. O trabalho das mães voluntárias acompanhou as necessidades das outras mães e começaram a aparecer os leites, as papas e os cremes. “E os mais velhos continuariam com fome? E os pais? É claro que uma mãe tira de si para dar ao filho, mas uma mãe com fome não pode ter aquela serenidade, paciência e carinho porque está em desespero e as crianças sentem tudo”. Às famílias carenciadas, além de roupas, são distribuídos cabazes mensais com a ajuda da câmara que entrega todos os meses verduras, fruta e frangos. Pelo Natal há a preocupação de pôr o bacalhau em cada cabaz. Uma pastelaria da terra oferece para cada casa um bolo-rei. São cerca de trinta as famílias carenciadas. O número de crianças chega aos oitenta. Ajudar deixa Alice Pedro satisfeita, mas desconcertada. “Quando vejo as pessoas a receber os cabazes e a roupa fico com vontade de chorar. Tenho que me pôr à margem. Custa-me que essas pessoas não tenham meios para se bastar a si próprias”. Alice Pedro, mãe de uma filha, já com netos, compreende o desespero das mães

e não lhes aponta o dedo. “Não podemos ver essas mães como umas mães que têm uma família estável. Têm pouco dinheiro e se puxam para ali falta acolá”. Julgar em função do que temos é complicado. “Há quem diga que lavam, sujam e deitam fora a roupa. “Terão meios para lavar a roupa? Quantos têm a água cortada por não pagar?”. A Obra das mães foi galardoada por mérito social em Outubro pela junta de freguesia. Alice Pedro foi incumbida de escrever o historial. Deitou-se nesse dia às três da manhã. “Quando tenho que fazer o sono foge”. “Isto não é dos meus 72 anos. É Deus que actua em nós”. Não se sente reformada tal é a intensidade da actividade. Como professora trabalhou em Vialonga, Arcena e Alverca. A escola preenchia-lhe o tempo. Não tem vida própria, queixa-se a brincar. Mas no fim de contas admite que tem a vida mais própria que poderia ter. Um problema de saúde que a levou a ficar em estado de coma durante três semanas fêla ficar grata por cada dia que passa. “É uma dádiva que tenho para com Ele”. Ao certo não sabe quantas horas por semana dá à obra. “É como aquele cântico que entoamos na Igreja. «Tomei e colhei as obras do meu dia/ Alegrias, dores, penas e trabalhos»”.


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A enfermeira que ensina as grávidas a lidar com o parto em troco de um sorriso Maria Eugénia Oliveira dá cursos gratuitos de preparação para o parto em Almeirim Ajudar pelo simples prazer de ajudar mesmo quando o espírito cívico não é compreendido por entidades a quem competia serem as primeiras a entender... e a agradecer.

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António Palmeiro

as brincadeiras de menina em Moçambique onde nasceu, Maria Eugénia Oliveira era sempre a enfermeira. O sonho de ingressar na profissão que era vista como uma forma de poder ajudar os outros tornou-se realidade quando a Guerra Colonial a obrigou a vir com os pais para Portugal. Tirou o curso na Escola de Enfermagem de Santarém e ficou a trabalhar no Centro de Saúde de Almeirim, cidade onde reside e onde dá aulas de preparação para o parto a dezenas de mulheres grávidas sem cobrar um cêntimo. Só pelo prazer de ajudar. Maria Eugénia Oliveira, ou só enfermeira Eugénia como é tratada carinhosamente pelas grávidas, já tem no currículo actos de solidariedade “sem rosto”, como a própria diz. Mas há mais de três anos que avançou com o projecto de dar às mulheres a preparação necessária para o momento em que as suas vidas, as suas rotinas, mudam repentinamente com o nascimento dos filhos. “Só pelo prazer de ajudar”. E muitos não sabem que a enfermeira ainda teve que pagar para iniciar esta sua actividade de forma abnegada. Frequentou durante seis meses um curso de preparação para o parto para enfermeiras no Instituto de Formação em Enfermagem, uma entidade privada.

Depois de várias provas orais e escritas, Maria Eugénia Oliveira obteve o diploma em Julho de 2007, reconhecido pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que exibe com orgulho e que lhe permite dar aulas na área. Movida pelos valores que lhes foram incutidos pelo pai, funcionário público em Moçambique, e pela mãe. Pessoas com espírito solidário, de dever cívico. “Em África havia uma vivência muito comunitária e de entreajuda”, atesta. Com o diploma na mão bateu à porta da Câmara de Almeirim não para pedir qualquer subsídio, mas à procura de um espaço para dar as aulas. Conseguiu a disponibilização de uma sala no pavilhão municipal e depois o pavilhão dos Bombeiros Voluntários de Almeirim às terças e quintas-feiras das 19h00 às 21h30. Entidades a quem diz estar muito grata pela ajuda. Se o pavilhão estivesse apenas à sua disposição, garante, daria aulas diárias. Diz que se sente bem a trabalhar em prol dos outros em troca apenas de um sorriso ou de um “obrigada”, apesar de “nem sempre” o seu espírito cívico “ter sido bem compreendido pelo centro de saúde” onde trabalhou 35 anos, até Agosto, altura em que se reformou. Quando estava no activo no centro de saúde, assim que saía do trabalho passava por casa para preparar o jantar e ia a correr para os bombeiros. Depois das aulas ia jantar descansadamente e com o sentimento de dever cumprido. “O que é que eu ganho com isto?”, pergunta-se Maria Eugénia Oliveira, 57 anos, católica mas pouco frequentadora da igreja. “Ganho uma satisfação enorme em ser útil e em contribuir para ajudar a nascer bem. E não há dinheiro nenhum que pague isto”. Durante a hora e meia em que dura a

preparação para o parto as grávidas ouvem atentamente a enfermeira sentadas num semicírculo. Começam por fazer uns exercícios, por pôr as mãos na barriga para sentirem o bebé. Depois a aula prossegue com o aperfeiçoamento das técnicas de respiração para aliviar as contracções na hora do parto. A enfermeira fala com entusiasmo. Vai dando dicas sobre como tratar o recém-nascido, sobre o papel do pai no desenvolvimento da criança, sobre os utensílios necessários para a criança. Palavras embaladas por uma música instrumental que acalma.

No final da sessão as grávidas vão trocando impressões. Uma conta que foi para as aulas da enfermeira Eugénia por indicação do médico que a está a acompanhar. No grupo há quem conheça mulheres que andam a pagar estes ensinamentos em clínicas particulares. “Isto não pode ser um privilégio só para quem tem dinheiro”, considera Maria Eugénia Oliveira, que confessa que uma das melhores prendas que recebe é ver os bebés de quem frequentou as suas aulas. “Sinto na altura que está ali também um bocadinho meu no mundo dos afectos”.


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Investimos em:

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Santarém a marcar presença no concelho desde 2008

a nossa meta! Inovar, Renovar e Melhorar é o nosso percurso

ição é atingir níveis de cobertura de redes de abastecimento e de recolha o de águas residuais, no concelho, adequados às exigências do séc. XXI.

s de 40 Milhões de euros para saneamento básico com apoio dos Fundos de Coesão.

de 9 Milhões de euros comparticipados lhões de euros pelo fundo de coesão AR de Pernes; • ETAR de Póvoa de Santarém; • Amiais de baixo; • Alcanede

merados Milhões de icipado em ões de euros Coesão eirim e da Ribeira; ia de Cima

2ª Fase – 23,5 Milhões de euros comparticipados em mais de 14 Milhões de euros pelo Fundo de Coesão • Abrã; • Almoster; • Alqueidão do Rei; • Santarém; • Santos; • Tremês; • Vale de Santarém; • Vaqueiros

Investimento Próprio:

• 4 Milhões de euros em Ramais domiciliários • 643 Mil euros na remodelação e renovação das redes de abastecimento

tura no abastecimento de Água, 99%; ; • Taxa de cobertura de saneamento básico, 92%

OMPARTICIPADAS PELO POVT PROJECTO CO-FINANCIADO PELA UNIÃO EUROPEIA FUNDO DE COESÃO

Praça do Visconde Serra do Pilar | 2001-904 Santarém Tel. 243 305 050 / Fax: 243 305 051 | geral@aguasdesantarem.pt


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O Servita de Fátima que organiza o apoio aos peregrinos Para fazer voluntariado nesta organização é necessário ser católico Há muitos jovens que se oferecem para acções de voluntariado mas que acabam por se afastar quando casam e têm filhos.

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Cláudia Gameiro

osé Luís, 70 anos, é natural de Casais de São Brás, Santarém, mas vive em Porto de Mós, distrito Leiria. Membro activo da sua paróquia, já não se recorda bem da data em que decidiu entrar para os Servitas de Nossa Senhora de Fátima. Algures entre 1974/75 iniciou a formação e só por motivos de saúde falhou um serviço no Santuário de Fátima. Para entrar para os Servitas são necessários três anos de formação e estar disponível três vezes ao ano, entre Maio e Outubro, para vir prestar serviço ao Santuário de Fátima. Em tempos empregado de escritório, recorda que o patrão lhe ligava a perguntar onde se encontrava. “Eu estava no Santuário durante o dia e fazia o trabalho do escritório à noite”, recorda. Comenta que entrou para a instituição por esta estar ligada à Igreja Católica e por ser devoto de Nossa Senhora de Fátima. E refere que para alguém se manter tantos anos na associação é necessário ser católico e “ter vontade de ajudar sempre. “Os Servitas são voluntários. Não ganham dinheiro. A sua missão é servir e acolher bem os peregrinos”. As suas funções centram-se sobretudo na secretaria, onde tem que acorrer a tudo, mas os Servitas percorrem vários serviços no Santuário, desde o lava-pés às confissões. José Luís confessa que gostaria de passar para o Posto de Socorros mas a idade já pesa. Compete-lhe actualmente o trabalho de organização e vai

tomando conhecimento de várias situações que afectam os peregrinos, como os roubos. “Uma vez vi uma senhora com um cordão grosso de ouro ao pescoço e avisei que ela deveria tirá-lo antes que o roubassem. Passado um bocado já lho tinham roubado. Acabámos por apanhar o ladrão e recuperar o fio, mas a senhora deu-o por perdido e entregou-o a Nossa Senhora”. Noutra ocasião, encontrou um turista asiático a quem tinha sido roubado o cartão de crédito e o passaporte. “Foi uma situação complicada que se resolveu, mas ele não estava nada preocupado”. “Não podemos gritar nem tratar mal os peregrinos, o almoço é muitas vezes engolido quase sem ser mastigado”. Mas apesar da pressão dos dias mais apertados, que muitas vezes não são os das grandes peregrinações, José Luís refere que se ganham muitas amizades. Existem jovens Servitas, pelo menos muitos tentam entrar para a associação. “Mas fazem a formação, casam-se, têm filhos e deixam de comparecer. Pensam que isto é uma coisa e depois é outra”. Por outro lado, refere, “é complicado. Se o jovem vem perde o emprego e hoje em dia é muito complicado arranjar outro”. Mas as condições também mudaram muito para os voluntários. “Antes quem vinha prestar serviço não tinha nada, hoje têm tudo. O Santuário garante

alimentação e alojamento”. As necessidades dos peregrinos também mudaram. Em 1975 não havia tanto alojamento em Fátima como hoje e os peregrinos a pé vinham sobretudo em Maio. “Actualmente vêm às cerimónias e vão-se embora. Antigamente vinha muita gente a pé porque não tinha transporte. Hoje vêm quase todo o ano”. José Luís afirma que se sente realizado. Teve oportunidade de estar no quarto onde dormiram Bento XVI e João Paulo II aquando a sua presença em Fátima.

Afirma não saber descrever a sensação daqueles momentos. “Não sei bem.A gente treme”, comenta. “João Paulo II não se esquece…só pelo sorriso dele e pela abertura dele. Era o Papa da juventude. Bento XVI é diferente, mas é um homem muito inteligente”. Também passou por ocasiões mais complicadas. “Uma vez esqueceram-se de me entregar a lista de Servitas que vinham prestar serviço. Eram 40 e não havia lugar para dormirem. Mas tudo se resolveu”, relembra.


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Distribuir sorrisos, comida e palavras de conforto aos doentes Felismino Gonçalves é o único homem a fazer voluntariado no hospital As colegas chamam-lhe num tom brincalhão “o galo da capoeira” e Felismino, voluntário no hospital de Vila Franca de Xira, responde com um sorriso. Entre 42 voluntários ele é o único homem. Uma honra que não gostava de ter. “Muitos homens têm vergonha de fazer isto”, lamenta.

A

Filipe Matias

os 68 anos Felismino Neves Gonçalves faz voluntariado de corpo e alma durante várias horas por semana no Hospital de Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira. O rosto de Felismino é conhecido por todo o hospital, sobretudo por ser o único homem a vestir uma bata amarela. Em 46 voluntários ele é o único homem. É reservado, não gosta de protagonismo e começa a tremer quando fala para o microfone. Durante as horas que passa no hospital alimenta os doentes que estão incapacitados de o fazer, distribui sorrisos, ouve desabafos, conta anedotas e às vezes empresta o seu ombro a um ou outro doente. Já lá vão dois anos desde o seu primeiro dia e, em largas centenas de horas de trabalho apenas faltou uma vez – por motivos de saúde. Não recebe nada em troca e garante que dá o melhor que tem. “Sou pessoa muito discreta, não gosto de aparato”, confirma. Enquanto despe a bata amarela as colegas garantem que ele é o “galo da capoeira”. Mas essa é uma honra que Felismino não gostaria de ter. “Faltam mais homens, gostava de ter aqui um camarada para falarmos de outras coisas, até de futebol, de preferência do Benfica. Infelizmente muitos homens têm vergonha de fazer isto”, lamenta. Diz que nunca se sentiu diminuído ou atrapalhado à frente das colegas. O facto de ser voluntário num local onde os médicos e os enfermeiros ganham o seu ordenado também não lhe mexe com o espírito. A história de Felismino no voluntariado começa com a morte da sua esposa, há sete anos. “Eu fiquei viúvo e precisei que me fossem a casa limpar e passar a

roupa a ferro. Uma senhora que lá foi um dia olhou para mim e perguntoume com ar sério se eu não gostava de ir fazer voluntariado. Eu disse-lhe que ia e acabei por vir ter com a Lurdes Assunção (fundadora das batas amarelas). Fui a uma entrevista e depois tive umas formações para estar neste serviço, não foi difícil”, conta. Apesar de não negar que a entrada no voluntariado se deveu à morte da companheira, Felismino garante que faria voluntariado na mesma. “Se ela não tivesse falecido (na sequência do rebentamento da aorta, no coração) provavelmente faria voluntariado na mesma, poderia era não ser no hospital. E se encontrasse outra pessoa a precisar de ajuda não tenho dúvidas que lhe daria uma mão”, garante. Felismino nasceu na freguesia de Alvaiázere e veio com quatro anos para Lisboa. Esteve na Charneca do Lumiar até aos 18 anos e embarcou para Moçambique nessa altura. Casou, teve dois filhos e regressou a Portugal em 1971. Foi morar para Camarate até 1996, altura em que por motivos de saúde da esposa foi forçado a comprar uma vivenda no Porto Alto, Samora Correia, concelho de Benavente, onde ainda hoje vive. Mas, confessa, o seu coração está sempre em Vila Franca de Xira. Felismino foi durante a vida maçariqueiro de neón. “Fazia os reclames luminosos das lojas e cafés, era um trabalho muito bonito, de valor, porque era tudo artesanal, feito à mão e com perícia”, revela. Este único voluntário homem do Reynaldo dos Santos diz sentir uma alegria forte e um “imenso bem-estar” quando ajuda os outros. “A minha vida mudou completamente. Eu estou a fazer aos outros aquilo que gostava que fizessem a mim se eu necessitasse. De maneira alguma eu receberia um tostão por fazer isto. Pretendo fazer voluntariado enquan-

to tiver força nas pernas para vir para o hospital, todos os dias que seja possível. Nestes dois anos só faltei uma vez, porque me marcaram uma consulta e não havia maneira de mudar”, conta. Felismino confessa a O MIRANTE que é preciso “um certo estofo” para realizar este tipo de voluntariado. Num hospital as situações más são em maior número que as boas e já enfrentou doentes que o marcaram psicologicamente. “Às vezes na cirurgia vejo coisas que não me agra-

dam. Mas tentei mentalizar-me que iria encontrar situações difíceis e tenho resolvido isso à minha maneira”, explica. Para Felismino a sociedade precisa de mais pessoas altruístas. “Acho que faz muita falta mais voluntários, mais espírito amigo. As pessoas só olham para o seu bem e muito pouco para o bem comum. E esquecem-se que há pessoas que estão muito mal e precisam de alguém que os ajude”, conclui.


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16 Novembro 2010 | O MIRANTE

A veia solidária de Nelson Jorge Comerciante de Benfica do Ribatejo é provavelmente o dador de sangue no activo com mais dádivas

Morador em Marinhais já deu sangue 119 vezes. Em Junho passado, Nelson Jorge foi homenageado por uma federação de associações de dadores pelo seu espírito solidário.

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João Calhaz

elson Sal Jorge, 59 anos, é provavelmente uma das pessoas que mais vezes deu sangue no país. No currículo conta já com 119 dádivas, o que levou em Junho passado uma federação nacional de associações de dadores de sangue a homenageá-lo pela sua veia solidária. Não enumera explicações especiais para ser dador, a não ser a generosidade e o espírito de altruísmo. “Há coisas que por vezes nos tocam, sobretudo quando vemos crianças em hospitais sem aquela cor. Custa-me ver essas coisas, porque pode acontecer à

nossa família”, diz. É na sua loja de materiais de construção e outros artigos, à beira da movimentada Estrada Nacional 118, em Benfica do Ribatejo (Almeirim), que Nelson Jorge nos conta como iniciou o seu percurso de dador já seguramente a rondar as três décadas. “A primeira vez que dei sangue foi para uma pessoa que tinha sido operada ao estômago, que ainda pertencia à família da minha mulher. Fui um dia lá visitá-la, precisavam de sangue, eu nunca tinha dado e comecei a dar”, relata com simplicidade. Não sabe ao certo a data, apenas que foi ainda no hospital velho de Santarém, desactivado há precisamente 25 anos. A partir daí nunca mais parou. “Incentivaram-me lá no hospital para continuar a dar sangue, porque era benéfico para todos. Para os doentes e para nós também, porque faziam análises e podíamos ver como estávamos. Além disso a renovação do sangue faz bem à saúde”, diz este morador em Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos.

Desde essa altura já deu sangue 119 vezes, geralmente de três em três meses. Diz que nunca teve medo de agulhas e aos que estão renitentes em se tornar dadores por essa razão diz que é tudo uma questão de mentalização. E exemplifica com uma metáfora: “Temos que nos mentalizar que aquilo custa um bocadinho a espetar, mas de resto não custa nada. Temos que estar preparados. É como ir à guerra. Foi isso que me sucedeu a mim, aprendi a matar e ia preparado para morrer quando estive em Angola”. Dar sangue é dar vida e não há maior recompensa para um dador do que saber que está a contribuir para que o coração de alguém continue a bater. Nelson Jorge não encontra ao longo do seu rico historial uma dádiva que considere especial, porque nunca foi dar directamente sangue a uma pessoa que precisasse. “Dei àquela pessoa que fazia parte da família, mas nem sei se o sangue foi para ela ou para outra pessoa”, diz. Nelson Sal Jorge gostou de ver o seu altruísmo reconhecido por uma federação nacional de dadores de sangue, apesar de ressalvar que não é em busca do reconhecimento público que dá o seu sangue para ajudar quem precisa. “Gostei. Quem é que não gosta? Foi bom, foi bonito ver ali tanta gente. Por vezes nem imaginamos que há tantas pessoas de tantas partes do país a dar sangue”. Filiou-se no Grupo de Dadores de Sangue de Pernes há relativamente pouco tempo após o serviço de sangue do Hospital Distrital de Santarém ter fe-

chado por falta de condições, em Julho de 2009. Soube através de O MIRANTE que o Grupo de Dadores de Sangue de Pernes promovia regularmente recolhas e começou a participar nessas iniciativas. Mas a maior parte das dádivas foi feita no Hospital de Santarém. Nelson Jorge acredita que será o dador no activo no país com mais dádivas de sangue, mas não pode garantir. “Mas nessa homenagem, que era a nível nacional, só lá apareceu um senhor que tinha 103 dádivas e eu já tinha 117”, afirma. Casado, pai de duas filhas e avô de um casal de netos, Nelson Jorge não tem na família quem lhe seguisse as pisadas nesse capítulo. Diz que o seu apego ao voluntariado esgota-se nas dádivas de sangue, mas garante que se não fosse a falta de tempo, devido ao negócio, gostaria de participar noutras actividades solidárias em prol da comunidade.


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Rui Lopes é um dos rostos da Quatro Cantos do Cisne Associação é peça fundamental para desenvolvimento do concelho de Constância

Não é difícil encontrar jovens disponíveis para acções pontuais de solidariedade. Complicado é convencê-los a fazer um trabalho continuado. Cansam-se depressa.

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Ana Isabel Borrego

ui Lopes é um dos rostos da Associação Quatro Cantos do Cisne que desempenha um papel importante no desenvolvimento da sua comunidade no concelho de Constância. Com sede na pequena aldeia da Pereira, freguesia de Santa Margarida da Coutada, a Quatro Cantos do Cisne nasceu, em 1994, com o intuito de desenvolver rural e socialmente a pequena aldeia que conta com cerca de quatro dezenas de habitantes. Em 2000 tornou-se uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e começaram a realizar trabalho de desenvolvimento comunitário e social no

concelho de Constância. Cerca de meia centena de voluntários desenvolve trabalho nas áreas da educação, emprego e apoio social. Há dez anos criaram uma empresa de inserção, em parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, que ajuda os mais desfavorecidos do concelho de Constância a encontrar emprego. A Associação coordena, juntamente com o Agrupamento Vertical das Escolas de Constância e o município, os cinco Centros de Tempos Livres do concelho que engloba cerca de 220 crianças. Todos os meses um grupo de voluntários, onde Rui Lopes está incluído, participa na recolha de alimentos e roupa e, numa carrinha da Quatro Cantos do Cisne, distribuem-nos pelas família mais carenciadas do concelho. O vicepresidente, que celebra 38 primaveras no mesmo dia que O MIRANTE – 16 de Novembro – confessa não ser fácil conciliar a sua profissão de empresário com o associativismo.

“Todos os dias temos que tomar decisões e planear o trabalho das semanas seguintes. Já temos muitas responsabilidades no desenvolvimento do concelho. Não podemos ‘deixar andar’ porque temos muita gente que precisa de nós. É um trabalho de equipa que tem que ser feito diariamente para funcionar bem como tem acontecido até agora”, explica o empresário. Rui Lopes não consegue estar parado e aproveita esse traço da sua personalidade para desenvolver trabalho em prol dos outros e da sua comunidade. Natural de Santa Margarida da Coutada já chegou a ser dirigente associativo em três colectividades. Presidente de um clube de futebol, presidente da Quatro Cantos do Cisne e presidente do conselho fiscal de uma colectividade. Tudo em Santa Margarida. “Se não formos nós próprios a fazermos alguma coisa pela nossa terra mais ninguém vai fazêlo. Dá-me prazer ajudar e ver que contribui para o desenvolvimento do local

onde nasci e onde cresci”, realça. No último Verão a Associação realizou, pelo segundo consecutivo, um Campo de Trabalho Internacional, onde vinte jovens de todo o mundo viveram na aldeia da Pereira durante duas semanas. Durante o tempo em que estiveram no nosso país ajudaram a recuperar infra-estruturas rurais e a preparar a tradicional Festa Rural da aldeia do concelho de Constância. O principal objectivo é que os jovens, que vêm de vários países diferentes conheçam a cultura portuguesa e também o trabalho desenvolvido no concelho de Constância. E darem a conhecer a cultura dos seus países. “É uma maneira diferente de dar a conhecer a nossa aldeia e também o nosso concelho. Os jovens não vêm para Portugal fazer turismo, vêm para fazer parte da comunidade e desempenharem um papel que tem importância e significado para a comunidade. Para a Festa Rural praticamente toda a população participa na organização da festa. É uma forma de manter a população, na sua grande maioria idosa, activa. Eles gostam muito de participar”, explica Rui Lopes. A Quatro Cantos do Cisne também participa todos os anos nas festas em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Constância. Um grupo de voluntários ajuda a fazer os enfeites que ornamentam as ruas da vila sede de concelho. Apesar de todo o trabalho desenvolvido, Rui Lopes lamenta a dificuldade que têm em recrutar jovens para realizarem trabalho voluntário. “É mais fácil convencê-los para ajudarem numa actividade pontual. Agora terem a responsabilidade de integrarem a equipa da associação a tempo inteiro é mais difícil. Ao início demonstram interesse, mas muitos acabam por desistir facilmente. Esta é uma actividade que rouba muito tempo e se não tivermos mesmo espírito para ajudar e vontade de criar um projecto voluntário sólido e com pernas para andar é complicado gerir todas as actividades da nossa vida”, conclui.


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16 Novembro 2010 | O MIRANTE

O jovem que ia pelas ruas com os amigos pedir roupa e comida para os mais carenciados Alberto Barreiros é presidente do Centro de Educação Especial O Ninho em Rio Maior Já na adolescência se juntava com amigos nas alturas de campanhas de solidariedade e ia de porta em porta pedir roupa e comida para os mais desfavorecidos.

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Ana Isabel Borrego

iz que o espírito altruísta lhe vem da sua origem beirã. “Eu sou da Guarda, as pessoas dali são muito solidárias e acolhedoras”, garante. Conta que se os pais recebessem visitas “inesperadas” em casa e se não houvesse muita comida na despensa, bastava bater à porta da vizinha para solucionar o problema. “No dia seguinte comprávamos o que tínhamos gasto e devolvíamos”, explica. Alberto Barreiros, 54 anos, é professor do primeiro ciclo, sendo actualmente coordenador do Centro Escolar nº2 de Rio Maior. De sorriso fácil, ainda conserva o sotaque carregado da Beira Interior. O professor concilia a sua profissão com o cargo de presidente da direcção do Centro de Educação Especial “O Ninho”, em Rio Maior, há cerca de três anos, depois de ter estado um mandato como vicepresidente. “Quando falaram comigo para integrar a lista para a direcção do Ninho não tinha muita vontade de aceitar porque sei como estas instituições podem ser complicadas de gerir. Mas sou muito sensível às causas sociais e a deficiência toca-me especialmente. Não consegui dizer que não”, revela. O dia-a-dia do dirigente associativo divide-se entre o Centro Escolar e O Ninho, o que faz com que não lhe sobre tempo para quase mais nada. Quando não pode ausentar-se da escola é Urminda Figueiredo, secretária da direcção e um “grande” apoio, que vai até ao seu local de trabalho para que possa assinar papéis e tratar de burocracias. “Se estives-

se sempre disponível tinha sempre coisas para fazer n’ O Ninho. Muitas vezes fico na instituição até de madrugada a tratar de burocracias”, explica. Ser voluntário é trabalhar em prol dos outros e é isso que Alberto Barreiros faz. Mesmo que implique, muitas vezes, trabalhar a expensas próprias ao serviço da instituição. “Se há uma reunião fora vou no meu carro. Não vejo necessidade de utilizar uma carrinha da associação. Enquanto puder não vou estar a gastar dinheiro do Ninho. Temos que economizar cada vez mais”, afirma. O Centro de Educação Especial O Ninho conta com 37 utentes. Todos muito dependentes. Alberto Barreiros tem uma relação próxima com todos. Conhece cada um pelo nome e participa nas actividades ocupacionais e de lazer. No último Verão foram para uma colónia de férias, em Santa Cruz (Torres Vedras). Quando está bom tempo não dispensam visitas ao circo, piqueniques ou idas à praia. Alberto Barreiros diz que, apesar de exigente, o seu trabalho à frente de O Ninho é muito gratificante. O dirigente associativo recorda a O MIRANTE o episódio que se passou recentemente quando um casal conhecido da instituição que, em vez de distribuir as tradicionais lembranças aos convidados do seu casamento, juntou o dinheiro que gastaria com as lembranças e doou o valor à Associação. Durante a entrevista Alberto Barreiros mostra uma libra inglesa dada à instituição como presente. “Ainda há pessoas que gostam de ajudar. Esta libra vale mais de 200 euros”, diz sensibilizado com o gesto. A senhora que ofereceu a libra a O Ninho quer que o dinheiro seja para ajudar a comprar as telhas do novo Lar Residencial da Associação que vai começar a ser construído. Existem ainda pessoas que demonstram a sua solidariedade de outra forma.

Quem tiver uma multa por desacatos ou mau comportamento pode pagar a coima numa Instituição de Solidariedade Social. “Nós entregamos o recibo em como recebemos o dinheiro e a pessoa entrega no tribunal como comprovativo de que pagou a multa. É outra forma de ajudar quem precisa”, diz. Não é raro as pessoas mais carenciadas pedirem ajuda ao Ninho. A grande maioria pede comida. O responsável da instituição de solidariedade social não nega ajuda. Alberto Barreiros conta um episódio passado no dia da entrevista que o marcou. Uma menina que frequenta

o Centro Escolar não tinha o que comer porque a mãe não pagou a mensalidade que permite almoçar na escola. “Não consegui vê-la com fome, chamei-a e dei-lhe um prato de sopa”, conta. Alberto Barreiros não sabe se o seu futuro passa pela presidência da instituição O Ninho, mas o dirigente associativo quer continuar ligado às causas sociais. “O voluntariado é um complemento da minha vida. Nem sei porque faço isto. Faz parte de mim. Não sei estar sem ajudar e é o que quero continuar a fazer”, conclui.


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

“No voluntariado recebo mais do que dou e saio daqui com a alma cheia” Maria Gabriela Fontes foi educadora de infância e agora volta a contactar crianças no hospital Reformou-se cedo e ao fim de algum tempo sentia-se presa em casa, na aldeia de Covão do Coelho. Inscreveuse como voluntária na Liga dos Amigos do Hospital de Torres Novas e renasceu.

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Alberto Bastos

aria Gabriela Fontes foi educadora de infância em Ourém e no concelho de Alcanena durante trinta e três anos. Quando se reformou sentiu um choque. De uma vida agitada vivida no meio de crianças cheias de energia e alegria, passou para o sofá da sala a ver televisão e a enervar-se com tanta quietude. “Vivo na aldeia de Covão do Coelho. Tinha 52 anos quando me aposentei. A minha filha estava na Faculdade. O meu marido ainda trabalhava. Todos os dias a mesma rotina. Fazer a cama. Limpar o pó, lavar os dois pratos do jantar, ver televisão. Sentia-me presa. Comecei a pensar que ia dar em doida em pouco tempo. Ou fazia alguma coisa de útil ou entregava a pensão mensalmente ao psiquiatra”, conta a sorrir. Foi uma amiga que lhe falou na Liga dos Amigos do Hospital de Torres Novas. Nem pensou duas vezes e foi inscrever-se. Mas o tempo passava e nunca mais a chamavam. Insistiu e acabou por ser chamada. O tempo de espera pode ter estado ligado ao facto de os voluntários da Liga não terem acesso à maior parte dos serviços do hospital, situação que só agora começa a ser resolvida. “Estamos nas consultas externas, na fisioterapia e na consulta de pediatria”, explica Amélia Serigado, uma das coordenadoras dos voluntários. Dentro de pouco tempo os voluntários passarão a ter permissão para dar o seu contributo na cirurgia, ambulatório pediátrico e medicina. “De início havia algumas resistências mas a pouco e pouco os responsáveis vão percebendo que podemos ser importantes”, diz. A primeira tarefa de Maria Gabriela Fontes foi andar a oferecer bebidas quentes e bolachinhas na zona das consultas externas. Ficou radiante. “Há um contacto muito grande com as pessoas. Algumas das que ali vão regularmente já estão tão habituadas que esperam com alguma ansiedade. Não é pelo chá ou pela bolacha. É pelo bom dia. Por dois dedos de conversa. Pela companhia. Estão à espera que a gente as

oiça. Querem falar do que as preocupa. Das dores que sentem”. Com uma pasta de desenhos na mão vai seleccionando aqueles que sairão num calendário a editar no ano que vem, Ano Europeu do Voluntariado. “Este é adequado a Janeiro. Este a Março. Tem aqui o Carnaval. Foram feitos pelas crianças que vêm aqui às consultas, explica”. Da distribuição de bonsdias e bebidas quentes adoçadas com afectos, passou para as crianças. Foi o regresso da educadora de infância àquilo que sabe melhor fazer. Guardados os desenhos percorremos um amplo corredor, subimos um piso no elevador e entramos na zona das consultas de pediatria do Hospital Rainha Santa Isabel em Torres Novas. Há um carrinho com jogos, brinquedos, lápis de cor, livros, desenhos para colorir. Duas crianças pintam. Uma trouxe um jogo electrónico de casa e está embrenhada no mesmo. A voluntária de bata amarela que tem uma jovem companheira no mesmo serviço, oferece alternativas, interage com as mães, mete conversa com os meninos e meninas. Maria Gabriela Fontes não pára. Tem mais energia que aquela que despende em Torres Novas. “Aproveitando a experiência da Liga dos Amigos do Hospital já criei um grupo de voluntárias no lar em Minde. Vou levar a experiência para lá. Estamos a organizar. Instituição muito receptiva. O presidente disse que já tinha falado com o padre para ver se arranjava isto. Deu-me luz verde”, confidencia. Maria Gabriela Fontes não sabe dizer quem beneficia mais com o trabalho voluntário que faz. Se ela ou se as pessoas com quem contacta. “Eu tinha muitos problemas de enxaquecas. Ha-

via dias em que me sentia mesmo incapaz de vir, mas vinha e a dor de cabeça passava. O voluntariado era o meu comprimido. Aconselho toda a gente

que possa a fazer voluntariado. Nós recebemos muito mais do que damos. Vai-se daqui com a alma cheia”.


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Carlos Manuel Madeira dos Santos Presidente da Junta de Freguesia de Abitureiras (Santarém) O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Nova Sede de Junta de Freguesia; Novo Posto Médico; Alargamento do Cemitério e Saneamento Básico, alcatroamento e melhoria de algumas estradas na freguesia. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Tenho colaborado activamente durante vários anos em actividades de Solidariedade Social na minha freguesia. E num âmbito mais alargado participei numa campanha em Maio de 2010 para uma instituição nacional. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Cada vez mais temos que ser solidários

Maria João Correia Empresária da Restauração Patachoca - Self. Serv. e Comida p/ fora, Lda. - Santarém O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? A minha terra é a Golegã mas actualmente, desde que vivo e tenho negócios passou a ser Santarém. Gostava de poder ajudar a melhorar as condições das escolas. Por este motivo, já dei um primeiro passo e, neste momento, faço parte de duas associações de pais. Por outro lado, tenho uma casa que serve refeições, serviço de cafetaria e pastelaria e tento sempre servir bem o meu cliente, para que saia com uma imagem agradável de Santarém. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Não me recordo mas embora não colabore directamente para campanhas de solidariedade costumo ajudar muita gente dando alimentos, sempre dentro das minhas possibilidades. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a

com essas instituições que muitas vezes são abandonadas por parte das entidades públicas. As IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social, muitas vezes não geram receitas suficientes para que possam alargar as suas actividades e seguir um percurso de crescimento e melhoria nas respostas a dar a populações cada vez mais envelhecidas. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Anoto a matricula e informo as autoridades competentes. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? É uma boa medida mas a forma como está a ser aplicada não é a melhor. Penso que o rendimento mínimo deveria ser orientado para a procura de trabalho e para o acompanhamento do indivíduo na sua inserção social. Ainda assim no modelo actual penso que a prestação auferida, deveria ser repartida de forma percentual em numerário e em géneros. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Oiço sempre as pessoas que colocam os seus problemas. O meu telefone está disponível 24h por dia para ajudar a resolver os problemas dos meus fregueses. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? 9 (nove) colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Todos nós somos o Estado. Por este motivo, sou da opinião que cabe a todos dar a nossa contribuição para que os mais carenciados possam vir a ter uma vida melhor. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Por acaso, aconteceu-me uma história curiosa relacionada com isso. Aqui há tempo vi um carro bater noutro e notei que se preparava para abandonar o local. Tranquei-o com o meu carro e ao sair para ir chamar o lesado esqueci-me de fechar o meu carro à chave. Deixei o telemóvel dentro do carro e desapareceu! Voltava a fazer o mesmo mas desta vez tendo o cuidado de fechar o meu carro. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Acho que é uma boa medida. No entanto, julgo que os critérios deviam ser mais rigorosos de forma a não beneficiar quem não precisa ou até quem trabalha sem estar regularizado. Se alguém a aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Acho que paro para ouvir o que me tem a dizer. É uma questão de feitio, ouço toda a gente. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Sinceramente, creio que estou nos oito.

16 Novembro 2010 | O MIRANTE

Dionísio Cordeiro Empresário - DIJOCARROS, Lda. - Santarém Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Não faria sentido nenhum, se vivêssemos num país com justiça social que é coisa que não abunda por aqui. Essa foi uma promessa do 25 de Abril, mas de promessas estamos todos fartos. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Como tenho trabalhado sempre muito, acho que é uma afronta para quem trabalha. Nalguns casos esta lei veio premiar a preguiça e o que de pior há neste país. Por vezes, quem realmente precisa não consegue beneficiar desta ajuda. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Colaboro com frequência, sendo a última vez para os Dadores de Sangue da

Salomé Vieira Presidente da Junta de Freguesia de Pernes O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Poderá ser uma boa medida desde que bem aplicada e no nosso ponto de vista muitas lacunas há na sua aplicação e fiscalização. Se alguém a aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Normalmente disponho-me a ouvir, só em casos realmente de ter algo marcado é que peço ás pessoas para me procurarem mais tarde, ou irem à Junta no horário de atendimento. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Com os escassos recursos financeiros e humanos, muito há a fazer, mas, vamos fazendo a manutenção/conservação da freguesia, numa intervenção de proximidade, segundo as necessidades prioritárias e os meios disponíveis. Gostávamos

Portela das Padeiras. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Tenho a noção que como qualquer ser humano também falho, mas respeito toda a gente. Julgo que me incluiria nos oito pontos. Neste momento, e infelizmente, sentido cívico é algo muito procurado nesta sociedade. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Uma das preocupações neste momento é o envelhecimento da população, e a nossa região não é excepção. O envelhecimento é uma questão social com muitas repercussões financeiras e sem respostas por parte de quem as deveria dar. Assim, já fiz um pedido de viabilidade para a construção de um Lar de Idosos para carenciados, sonho esse que ainda gostava de realizar. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Nunca me deparei com essa situação, mas se me acontecesse, no mínimo deixaria o meu contacto e assumiria o que tinha feito. O inverso já me aconteceu, tendo sido um “arrumador” da nossa cidade que me informou de quem me tinha batido no carro. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Depende do tipo de abordagem e do motivo. Dentro do possível colaboro e tento ajudar. de fazer certos alcatroamentos urgentes, modificar valetas, melhorar acessibilidades. Em termos humanos, gostávamos de unir mais os pernenses, ponto essencial a uma boa gestão de proximidade, que é o nosso objectivo. O novo Posto de Saúde, ampliação e requalificação da Sede da Junta, Casa do Alviela, são projectos em curso. Os grandes projectos não são de nossa responsabilidade mas, gostaríamos de ver já em obra o Complexo Desportivo e a Zona Industrial, para os quais temos feito bastante pressão junto da Câmara Municipal. A conclusão da obra de requalificação do Mouchão, da responsabilidade da ARH, é uma prioridade absoluta. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Sempre que nos é solicitado, a Junta de Freguesia tem participado na medida das possibilidades e disponibilidades. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Normalmente no meu caso tiro as matriculas e comunico às autoridades. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Para bem das populações temos mesmo que substituir-nos ao Estado, agora que não faz sentido, não. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Oito.


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Depoimento

E o burro sou eu?

Alberto Bastos – Director Editorial Recebi o telefonema ao cair da tarde. Havia um burro a pastar num jardim público. Um burro a sério. Pelagem castanha, voz de barítono, dentolas possantes. Estava amarrado a um poste de iluminação pública. Peguei no saco de reportagem e lá fui eu ao encontro do acontecimento. Uma fuga à rotina de uma cidade cai sempre bem. Ainda para mais quando a cidade é o Entroncamento, local de fenómenos por excelência. Eu era novato. A possibilidade de uma qualquer reportagem fazia-me saltar como uma mola. Embotava-me o raciocínio. Varria do meu bestunto todos os avisados conselhos dos mestres. Se fosse uma guerra era uma guerra. Se fosse um burro era um burro. Ainda por cima a minha fonte tinha dito que já lá estava a

Basbaques eram mais de vinte. Polícias dois. Um no carro e o outro com o burro. Alô central, alô central. Como tiramos daqui o animal?? O burro tasquinhava indiferente a tudo. Todos mandavam palpites sobre a origem do jerico. polícia para tomar conta da ocorrência. Não gastei um neurónio a pensar. A planear. A verificar se tinha tudo o que era necessário. Fui a mil à hora. Parecia um foguete, diria a minha avó. Basbaques eram mais de vinte. Polícias dois. Um no carro e o outro com o burro. Alô central, alô central. Como tiramos daqui o animal?? O burro tasquinhava indiferente a tudo. Todos mandavam palpites sobre a origem do jerico. Uns maduros, de pé à porta de um bar, tentavam encontrar semelhanças entre as orelhas de um dos agentes e as orelhas do abandonado quadrúpede. São coisas que se fazem quando nos corre nas veias mais álcool que sangue, pode ler-se em qualquer enciclopédia médica. O sol estava a desaparecer no horizonte. Era já ao lusco-fusco. Em dois ou três minutos caíria a noite. Tinha que dar prioridade às fotografias, não havia dúvidas. As declarações das testemunhas viriam depois. Meti a máquina à cara e lá vai disto.

Acenderam-se os candeeiros da iluminação pública. O do burro também. Começaram a chegar melgas atraídas pela luz artificial à medida que as moscas deixavam de atazanar o asno, cuja cauda deixou de rodar como uma ventoinha. Uma cena campestre entre prédios de três andares de arquitectura caixotesca. O candeeiro, as melgas, o polícia e o burro. Click…click… Foi o agente que estava no carro que decidiu embirrar com as fotografias. Há sempre um polícia que embirra com fotografias. Não é por mal. Não é nada contra a liberdade de imprensa. Não é nada contra os jornalistas que até fazem muita falta para noticiar aquelas operações mediáticas que correm bem. A maior parte das vezes é a pensar nos jornais, na rotativa da gráfica e no bem-estar dos leitores. Há polícias que não se acham fotogénicos. Que podem estragar as máquinas se forem fotografados. Eu ainda estava verde. Não sabia nada do elevado sentido estético das forças de segurança. Refilei e o caldo entornou-se. Iniciou-se uma discussão acalorada sobre a prevalência do direito à imagem sobre o direito à informação. Quando se discutem assuntos interessantes o povo anima-se. O burro foi logo esquecido. A cena mudou para uma espécie de prós e contras de jardim. Eu podia ter levado umas boas chinfalhadas mas esta é uma profissão de risco e eu arrisquei. Só levei com uma chuva de gafanhotos na cara. A certa altura um dos mirones meteu um pé, até ao tornozelo, no monte de

excrementos com que o animal decidira adubar as plantas. Rebentou uma gargalhada e foi nessa altura que eu descobri que tinha feito mais merda que o burro. Não havia uma fotografia que se aproveitasse. Conto isto agora porque já prescreveu o prazo para me ser aplicado qualquer castigo pela administração do jornal. Quando a gargalhada amainou optei por uma saída airosa. Num gesto teatral dei razão aos polícias e, ali mesmo, à frente de toda a gente, com a máquina erguida bem acima da cabeça, apaguei todas as fotos com uma única deletagem. Pisca, pisca, pisca…zzzzáááássss…ffffsssshhhhh…e ganhei mais dois contactos nas forças da ordem.


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Depoimento

A cidade e as serras “Que bom foi nesse Novembro de 2008 respirar o ar da serra em Chãos, conhecer o pastor Isidoro – é verdade, ainda há pastores! – e o seu rebanho, conhecer uma aldeia de 170 habitantes onde reside uma das associações mais dinâmicas da região, a cooperativa Terra Chã.” João Calhaz – Chefe de redacção

Completam-se este mês de Novembro dois anos que conheci Chãos, aldeia serrana do concelho de Rio Maior. Faz este mês dois anos que conheci Paris, a Cidade Luz. Tão perto e tão longe da minha realidade quotidiana. Tanto uma como outra. Tanto mundo que me falta conhecer. Tanto mundo que está ao virar da esquina ou à distância de um par de horas de avião. Já para não falar das viagens à distância de um clique na Internet. Mas viagens virtuais não contam. Pelo menos para mim. Falta-lhes o sopro do vento, o cheiro dos jardins, o bafo gelado quando faz frio, o suor em bica quando faz calor. Imerso nas rotinas e burocracias do dia a dia, esqueço-me de como é bom respirar

o ar imaculado da serra, que me remete para a infância dos montes e vales, das ribeiras murmurantes e das alvas geadas beirãs. A infância em que fui cúmplice anos a fio das aventuras e desventuras do Donald, do Mickey ou do Zé Carioca, personagens míticas que tive o prazer de conhecer pessoalmente com os meus filhos nesse final feliz de Novembro numa Paris gélida. Que bom voltar a ser criança, ainda que por breves instantes, e partilhar com elas o entusiasmo de momentos inolvidáveis, daqueles que ficam guardados para sempre no compartimento das recordações felizes. Longe das crispações, das ansiedades e do desfile de vaidades que caracterizam o mundo dos adultos. Que bom foi nesse Novembro de 2008

respirar o ar da serra em Chãos, conhecer o pastor Isidoro – é verdade, ainda há pastores! – e o seu rebanho, conhecer uma aldeia de 170 habitantes onde reside uma das associações mais dinâmicas da região, a cooperativa Terra Chã. Uma aldeia que fica a 40 quilómetros da cidade onde resido e onde trabalho e que fica tão perto e tão longe. Uma aldeia que é um exemplo de vida em comunidade e que conheci porque trabalho num jornal como O MIRANTE, que do longe faz perto e que dá a conhecer um mundo que espreita à esquina da nossa rua. Um mundo onde ainda há pastores, gralhas de bico vermelho, cabritos aos saltos pastando pela serra e outras imagens mágicas que eu julgava perdidas para sempre.

ARMANDO PAULO Mediador Exclusivo

Qualidade e Responsabilidade armando.paulo@sapo.pt Pract. Cónego Dr. Manuel Nunes Formigão nº2 Loja B São Domingos-Santarém Telf/Fax: 243 372 759 Telm: 936 254 164


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Eduardo Lopes Médico Oftalmologista - Santarém Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Os meus observadores diários são os meus doentes, os meus amigos e conhecidos que formam de uma maneira geral a opinião pública. São eles as pessoas indicadas para fazer essa avaliação. Tanto como me é dado a conhecer a classificação tem sido de dez valores precisamente porque sempre encarei o civismo como um dever que qualquer cidadão deve praticar. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Todos os dias tento fazer algo pela minha terra, seja através do trabalho, seja através da promoção da sua gastronomia, do seu rico património histórico-cultural, dos seus costumes etc… mas tem sido através do meu trabalho e do investimento na área da saúde que mais tenho contribuído para uma melhor qualidade dos serviços prestados.

Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Em época de crise investi recentemente numa nova clínica a pensar no futuro. A solidariedade é um acto humano que não pode ser definido só por campanhas programadas, ela deve e tem que ser praticada todos os dias sempre que uma pessoa tiver possibilidade de o fazer.É precisamente isso que eu faço, sem protagonismos e sem campanhas de publicidade programadas. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Tiro a matrícula e aviso as autoridades. Considero uma boa medida desde que seja fiscalizada com rigor e através de critérios de avaliação. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O RSI deve ser atribuído a quem, pelas agruras da vida, teve a infelicidade de ser obrigado a recorrer ao mesmo, independentemente da sua raça. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Falando no meu caso pessoal, pago pelo escalão máximo. Trabalho meio ano para pagar impostos ao Estado. No caso da saúde muitas pessoas não sabem que só os funcionários públicos e algumas instituições descontam para a saúde. Os outros do regime geral são englobados no orçamento geral do estado. Havendo uma racionalização dos impostos, sem sobrecarregar o contribuinte a solução passaria na anula-

ção de algum imposto dos muitos que existem e substituí-los por uma contribuição para a saúde. Talvez assim muitas instituições de solidariedade não estivessem hoje a substituir aquilo que é uma competência do Estado.

Isabel Casimiro Empresária Ramo Cozinhas e electrodomésticos - Cozzis - Santarém Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Faz sempre sentido ajudar quando possível. Se todos dermos um pouco é mais fácil gerir todas estas instituições. Apesar de achar que o nosso Estado tende a esquecer as suas obrigações. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Já me aconteceu. Registei a matricula e deixei a informação no respectivo carro. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada?

Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Disponho–me a ouvir e se no momento não o puder fazer marco um encontro. Pode não ser uma boa medida mas ajuda muita gente. Só não está a ser bem aplicado porque as pessoas precisavam que lhe fossem criadas mais oportunidades de trabalho e talvez colocá-los em espaços onde se sentissem úteis e pudessem colaborar. Se alguém a aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Depende da situação e da pressa com a qual vá, mas normalmente ouço e respondo. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Essa classificação não poderei ser eu a dá-la pois ficar-me-ia mal mas posso dizer que tento fazer o meu melhor. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Não sei bem responder a essa pergunta, mas todos podemos fazer sempre mais. Como no dia a dia já participo em eventos, feiras, etc, faço compras na cidade…, acho que tudo isto já é fazer alguma coisa. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Mais ao menos há três meses, numa campanha da UNICEF e na campanha do Banco Alimentar.


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Depoimento

Duas horas de conversa, quatro cafés e nada de sexo!!!

António Palmeiro Chefe de redacção adjunto

“Ao fim de menos de uma hora ela já tinha bebido quatro cafés. Pensei que àquele ritmo, se não me despachava a acabar com a conversa ainda ia ficar a lavar pratos no estabelecimento. Optei por fazer uma dissertação sobre os malefícios do café. Ela não ficou convencida mas já não pediu mais. Ufa!!!”

Foi em 2004 que tive que me passar por empresário para conseguir chegar ao contacto com uma russa que tinha um anúncio num site de encontros com base em Almeirim. A ideia era tentar perceber qual era o negócio daquele site que apresentava fotografias de mulheres identificadas por um número como se fossem tropas de um exército em que as armas eram os seios avantajados e as pernas torneadas. Queria avaliar se aquele não seria um estratagema para casamentos que pudessem levar à legalização dessas mulheres para puderem permanecer em Portugal ou se era um esquema para encontros sexuais. Nesse dia tinha um jantar em casa de uns amigos em Lisboa, onde vivia a senhora, na zona do Martim Moniz. Levei a minha namorada na altura, que torceu o nariz ao que ia fazer. Não era para menos. Ir encontrar-me com uma espadaúda russa de peito avantajado não era agradável para uma namorada. Lá a convenci que aquilo era trabalho. Chegado ao local, depois de ter pago ao site 20 euros só para ter o contacto da Svetlana, liguei para o número de telemóvel que a responsável do site me tinha dado depois do pagamento. Agora havia que tratar de deixar a namorada em algum local. A minha namorada, à falta de melhor, ficou dentro do carro no parque no Martim Moniz, com as portas trancadas. A Svetlana disse-me para ir ter com ela a casa que ficava numa rua perto. Mau! Pensei. Isto pode ser um esquema, ainda vou ser assaltado, até posso ser morto… foi o que me veio de imediato à memória. Até já me estava a ver estendido inanimado no chão com uma paulada na cabeça. Voltei ao carro para deixar a carteira, o relógio e levei só uns cinco euros no bolso. A conversa ao telemóvel continuava. Ela dizia-me que não lhe dava jeito sair de casa porque assim tinha que se vestir. Estaria de camisa de dormir, pijama, de lingerie, nua??? Foram coisas que me passaram pelo pensamento a uma velocidade alucinante. A Svetlana de 35 anos lá aceitou encontrar-se co-

migo à porta do Hotel Mundial. E agora? Ficamos na rua? Como a abordo? Bem lá fomos para um café ali na zona com aspecto de tasca. Pedi um café. Ela mandou vir outro. A conversa começa. Tentava levar o assunto para o que ela pretendia com o encontro. Se um marido, se um amante, se sexo. Só consegui saber que ela não gostava dos imigrantes de leste em Portugal e que adorava passear e não tinha companhia. Ao fim de menos de uma hora ela já tinha bebido quatro cafés. Pensei que àquele ritmo, se não me despachava a acabar com a conversa ainda ia ficar a lavar pratos no estabelecimento. Optei por fazer uma dissertação sobre os malefícios do café. Ela não ficou convencida mas já não pediu mais. Ufa!!! Mais palavras, mais gostos, mais diferenças sobre a Rússia e Portugal e falar de sexo, nada. Já me lixa-

ram, disse aos meus botões. Estava ali há duas horas. A dez euros por hora de conversa mais o preço dos cafés. Nunca tinha pago uma conversa ao preço de uma table dance numa despedida de solteiro. E se não acabasse com aquilo rapidamente, pensei, nunca casaria porque a minha namorada ainda me matava. Um beijo na face, a promessa de nos telefonarmos para combinarmos um passeio e ponto final. É claro que ela nunca mais me telefonou. Pudera, um unhasde-fome como eu que não pagou mais de quatro cafés como é que ia ter dinheiro para passear, deve ter imaginado a russa número 1007. Cheguei ao carro e a minha namorada estava a soprar indignada com a espera. Fui para o jantar com os amigos e como me tinha esquecido de levar uma garrafa de vinho ofereci a animação da noite contando os pormenores da cena em que tinha acabado de participar.


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Fernanda Botequim Empresária / Costureira - Santarém Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Faz todo o sentido pois a nossa colaboração não tem a ver com a obrigação, mas com sensibilidade para com os mais carenciados. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Colaboro sempre que posso e a minha disponibilidade financeira me permita. Estou no início da minha actividade pelo que preciso de melhorar e expandir o meu negócio. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Sim é uma boa medida, no entanto não está a ser aplicada da melhor forma. Todo o ser humano tem direito ao mínimo de subsistência, numa época em que o desemprego atinge de uma forma bastante

elevada todos os cidadãos. Falta uma melhor fiscalização sobre as situações de R.S.I. para que a medida se torne mais justa. Por outro lado não concordo que os beneficiários do rendimento social de inserção se limitem a aguardar pelo seu pagamento. Os mesmos deveriam fazer serviços cívicos de modo a não se comportarem como parasitas da sociedade. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Depende da abordagem e da minha disponibilidade. A perda de tempo é algo a que, hoje em dia, não me posso dar ao luxo pelo que com toda a educação pediria desculpa pela minha falta de tempo. Sou uma boa ouvinte, mas como já referi não tenho tempo de sobra. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Expandia a rede urbana a nível de transportes de modo a que a minha aldeia possa progredir a nível de desenvolvimento. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? O carro poderia ser o meu pelo que o velho ditado faz todo o sentido: “Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem”. Eu avisaria o condutor do carro, se observasse a referida situação. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Considero-me uma pessoa educada, simples, honesta e trabalhadora. Não faz parte da minha maneira de ser a falta de educação e respeito pelo próximo.

Patrícia Primor Responsável da Qualidade Electrorecâmbio Climatização e Ventilação, Lda - Santarém O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Candidatar-me a Governadora Civil (risos). Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Quando posso gosto sempre de ajudar seja com bens de consumo ou dinheiro. A última vez foi especial, juntei-me à causa de uma menina de Santarém que precisa de alguém que seja compatível para poder continuar os seus projectos de vida. Neste momento sou dadora voluntária de células de medula óssea. O momento foi comovente e ao mesmo tempo senti que estava a fazer algo de muito importante. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer?

Há tanta coisa que não faz sentido no nosso país. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Tiro a matrícula do carro infractor e coloco no carro danificado. Infelizmente esta devia ser a atitude do infractor. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Deveria ser uma boa medida. A grande questão é saber a quem está ser entregue essa ajuda. Muitos recebem-na injustamente. Não existem filtros eficientes de forma a evitar estas injustiças. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Sinceramente não o farei muitas vezes e claro que depende muito da pessoa que me abordar. Quando alguém nos aborda a sensação que temos é a de que nos vão pedir alguma coisa e a reacção é essa mesmo dizer que estamos com pressa e seguirmos o nosso caminho, acho que é cultural. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Entre 6 e 7. Depende das situações, confesso que ao volante me exalto um bocadinho e perco por vezes o meu sentido cívico.


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Depoimento

“Ele não se ensaia nada para lhe dar um tiro” “Decidimos as duas, debaixo de uma árvore de sombra, fazer-nos ao caminho. Percorremos as ruelas, espreitando os silêncios, até à casa dessa mulher que vive com os dois filhos a quem a guerra colonial poupou apenas as vísceras porque lhes roubou para sempre a serenidade.” Ana Santiago Coordenadora da Edição Vale do Tejo “Veio sozinha?”, perguntou a mulher, pés descalços, a sair de uma casa numa aldeia do Portugal real. E eu ia sozinha…com a máquina fotográfica, o gravador e o bloco de apontamentos. A mulher, vizinha, já tinha ligado para a GNR, mas continuava a achar que um deles, um dos filhos da outra mulher que nos esperava, não se ensaiava nada para me dar um tiro. Decidimos as duas, debaixo de uma árvore de sombra, fazer-nos ao caminho. Percorremos as ruelas, espreitando os silêncios, até à casa dessa mulher que vive com os dois filhos a quem a guerra colo-

nial poupou apenas as vísceras porque lhes roubou para sempre a serenidade. Maria que já completou por esta hora 87 anos abriu o portão de casa para mostrar o mais velho, dobrado numa cama de ferro, às escuras, a pedir o jantar à hora do almoço num anexo da casa, junto a uma chaminé baixa. O outro, que conheceu a guerra colonial durante menos tempo, não está, mas garante a mãe que este filho não tem armas em casa. Às vezes, nos dias mais escuros, a mulher vestida de preto tem que proteger-se por um frágil cadeado num barracão longe dos desassossegos de quem deu à luz. Cobre a cabeça com um lenço que

agarra permanentemente. É viúva. Franzina. Os ossos são tão finos como os frágeis ramos da nespereira do quintal. Já mal consegue ler. Cozinha a sopa como pode. Toma banho com a água que retira do poço e já mal consegue garantir a higiene diária do filho, mais velho, que voltou a ser criança. Trabalhou no campo toda a vida, criou os filhos com a ajuda de uma burrica e levou-os orgulhosamente à escola. Veste de preto, mas o luto é hoje um pouco também por quem ainda está vivo e sofre da “doença que só dá para o mal”. Foi numa aldeia rural, mas poderia ter sido num monte à beira da capital. Para eles a guerra continua. Para a mãe também.


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Paulo Niza O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Talvez participar de uma forma mais aberta em alguma organização sem fins lucrativos ou de solidariedade social ou mesmo participar de uma forma activa na vida política do concelho. Os convites não têm faltado, contudo ainda defendo a máxima “Santos da terra não fazem milagres” e dificilmente num futuro próximo aceitarei tais responsabilidades. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? A solidariedade faz parte da minha vida e do meu dia a dia, tanto a nível profissional como a nível pessoal, tanto mais que criei na minha empresa um gabinete de atendimento público gratuito para todos os interessados. A nível pessoal sou presidente do conselho fiscal da Federação Portuguesa de Caçado-

res, Presidente da Assembleia Geral da Associação Nacional da Preservação da Fauna da Caça e Pesca. Além de todo o trabalho gratuito e voluntário, ainda participo com quantias em dinheiro (recentemente doei mais 500€),para que os mais desfavorecidos possam continuar a ter locais de lazer para caçar e pescar e a ter centros recreativos e convívio. Com a minha esposa Madalena, ajudo desde há muito, uma ou duas famílias carenciadas identificadas por nós ou pela escola, ajudas essas que vão desde suportar mensalidades completas do infantário de crianças, suportar mensalmente e durante o ano lectivo todos os custos com material escolar, alimentação, vestuário, explicações e visitas de estudo de uma outra criança, assim como fazer todas as diligências necessárias junto da autarquia e segurança social para que os pais dessas crianças tenham uma casa digna onde morar. Realço que todas estas nossas iniciativas se mantêm no anonimato junto dos beneficiados. Se o estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituiçoes que fazem o que o estado deveria fazer? O Estado é um péssimo gestor de todos os seus recursos e um mau cumpridor das suas obrigações. Infelizmente sentimos que só com os “boys” da nossa política o Estado se apressa a cumprir. Como tal entendo que o acto de solidariedade deve ser sempre da iniciativa de cada um e de preferência para com

aqueles que nos estão mais próximos, independentemente do que o Estado possa ou não prometer. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Normalmente e de uma forma discreta tento anotar a matrícula daquele que abandona o local e depois, um bocadinho de acordo com as circunstâncias, facultarei ou não a informação aos interessados. O rendimento social de inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O rendimento social de inserção foi uma excelente medida, contudo, totalmente mal aplicada e toda a sua génese distorcida. Veio beneficiar na sua grande maioria não os verdadeiros necessitados mas sim os oportunistas e parasitas da sociedade. Como tal, defendia a sua suspensão imediata, para que antes que seja tarde demais, se faça um novo levantamento daqueles que hoje na sociedade e fruto das circunstâncias actuais realmente necessitam e também para que a esses, o valor a pagar fosse superior. Relembro que seguramente neste grupo de necessitados estarão muitos, que durante quase uma vida pagaram os seus impostos e contribuíram para a segurança social. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com

pressa? Claramente se alguém me aborda na rua para me expor um problema tentarei ao máximo não o ouvir, contudo, e como já disse anteriormente, tenho na empresa um gabinete de atendimento gratuito ao público para que toda a gente possa expor os seus problemas, pois penso que o problema de cada um é demasiado importante para ser atendido ou exposto na rua. Na rua quando alguém me aborda dou sempre o contacto da empresa e horários de atendimento. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? 8 (oito).


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Filipa Presúncia de Jesus Empresária da Restauração Pão da Bia - Santarém Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Depende, se estiver mesmo com pressa digo não posso, mas regra geral começo por ouvir. Se não me interessa, peço desculpa e digo que estou cheia de pressa. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Acho que ainda há muita coisa por fazer mas há uma coisa que se me empenhasse bem como os outros pais talvez fosse possível mudar. Era fazer com que o pátio da Escola Básica dos Leões fosse todo remodelado removendo de lá aquela indesejável areia que é uma fonte de contaminação e sujidade. Era uma forma de tornar o pátio da maior escola da Santarém num local melhor para as muitas crianças que a frequentam.

Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Neste momento estou envolvida na recolha de tampas na Escola dos Leões para um menino que frequenta a sala multideficiências obter uma nova cadeira de rodas. Fora esta iniciativa quando há a recolha de alimentos para o Banco Alimentar contra a Fome faço sempre questão de contribuir. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Daí a revolta das pessoas. Eu fico revoltada porque o Estado é que tem a obrigação de responder a estas questões canalizando o dinheiro dos impostos, mas como sei que não o faz, temos que ser nós cidadãos a fazer uns pelos outros porque quem sabe se um dia não seremos nós a precisar. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Já me aconteceu bater num carro que estava estacionado. Fui ter com o segurança do parque deixei toda a minha identificação e depois fui contactada pela pessoa e tudo se resolveu. Para isso servem os seguros dos carros, agora se presenciasse uma situação de alguém bater e abandonar o local não sei. Depende… a acção fica com quem a pratica. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao

16 Novembro 2010 | O MIRANTE seu sentido cívico? Talvez 6 (seis). Um pouco mais que o normal mas muito longe do perfeito. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Sou totalmente contra. Por mim só

José Sobreira Presidente da Junta de Freguesia de Pontével O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Existe tanta coisa que gostava de fazer, mas penso que seria prioritário conseguir melhores condições para os nossos idosos. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Na que está a decorrer da Liga contra o cancro. Se o Estado nos obriga a pagar im-

existiria o subsídio de desemprego como existe agora e nada mais. Basta ver as pessoas que usufruem do RSI. Deixo agora a minha pergunta: será que essas pessoas necessitam mesmo? Será que já trabalharam para merecer essa remuneração?

postos, faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? O Estado deveria fazer mais do que faz, mas quem é o Estado? Não somos todos nós?!! Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Chamava a autoridade e participavalhe a situação. Entregava-lhe a matrícula se a conseguisse tirar. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? É uma medida necessária mas por vezes mal aplicada. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Faz parte da minha maneira de ser ouvir as pessoas, ainda mais nas funções que desempenho se justifica. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Oito.


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Depoimento

A idade, o trabalho e os exemplos de longevidade

Fernando Vacas de Jesus - Jornalista

“(…) ao ver a forma entusiástica como os mais jovens aplaudiram de pé a entrega de uma lembrança a José Canelo, um atleta com 85 anos, que recentemente conquistou quatro medalhas de ouro no Campeonato da Europa de Atletismo para Veteranos, as minhas dúvidas quanto à relação entre a idade e as capacidades, dissiparam-se quase por completo.” Tenho 62 anos. Uma idade em que nos começamos a interrogar quanto às nossas capacidades e se não estaremos velhos para o desempenho de uma vida tão activa como é a de jornalista. Pensamento que voa quando assistimos a situações de vida exemplares de pessoas com mais idade. Nos últimos tempos assisti a três histórias que obrigam a pensar que quando há vontade tudo gira para diante e o homem pode ser “jovem” até ao fim da vida. Na minha missão de jornalista desportivo, fui ao Entroncamento fazer a reportagem de aniversário do CLAC, e ao ver a forma entusiástica como os mais jo-

vens aplaudiram de pé a entrega de uma lembrança a José Canelo, um atleta com 85 anos, que recentemente conquistou quatro medalhas de ouro no Campeonato da Europa de Atletismo para Veteranos, as minhas dúvidas quanto à relação entre a idade e as capacidades, dissiparam-se quase por completo. Num domingo de manhã, bem cedo, saí para o Cartaxo para fazer a reportagem de um cross corrido na lama e num sobe e desce constante, ali voltei a ver “jovens” de 76 anos a correr ao lado de atletas de 18 anos e em alguns casos não ficavam para trás. Foi empolgante.

Entretanto recebemos a notícia de um piloto automóvel, que aos 70 anos, competiu ao lado dos melhores pilotos nacionais na Baja de Portalegre, e levou o seu veículo ao quinto lugar da geral, batendo quase toda a juventude presente. São exemplos de longevidade que ajudam a acreditar que há vida activa e “juventude” para lá dos sessenta, e que o maior número de anos passados no conturbado mundo em que vivemos, pode ser uma boa arma. A experiência torna-nos mais racionais e ajudanos a perceber que ainda podemos ser úteis na nossa profissão e na comunidade.


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Ana Salgueiro Opencell O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Já colaborei a nível do desenvolvimento de actividades sócio-culturais, pois faço parte da direcção de uma associação local. De momento a minha proposta é contribuir para que as/os scalabitanas/nos fiquem ainda mais bonitas/os, pois abri recentemente um gabinete de estética da Opencel, marca líder de tratamentos corporais na vizinha Espanha. Desta forma procuro contribuir para a auto-estima das pessoas da zona de Santarém. Nos dias que correm é imprescindível uma apresentação saudável e uma auto-estima elevada. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Com alguma frequência colaboro nas campanhas de solidariedade, naturalmente mediante as minhas posses. A última vez foi na semana passada. Colaborei numa acção promocional de venda de brindes, em

que ao comprar um objecto se contribui para uma instituição de apoio a crianças com deficiência. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Em bom rigor não caberia ao cidadão comum a colaboração com estas instituições desta forma directa, mas sim através dos vários impostos que nos são tributados. Não obstante, estamos longe deste paradigma social, e existem associações que sobrevivem graças à generosidade de muitos que se predispõem a dar o seu contributo para que a associação se permita continuar a assegurar o importante papel que ocupa na sociedade. Por isso, considero que toda a ajuda que possa vir em benefício das associações terá um relevante papel social. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Naturalmente que cada situação tem o seu grau de complexidade. Para uma pessoa exercer alguma influência sobre o caso, terá de ter oportunidade para isso. Se verificasse uma situação destas e se tivesse oportunidade de visualizar a matrícula, passava para um papel e informava o proprietário do lesado. Se não soubesse de quem era o carro deixaria o papel com a matrícula no pára-brisas do carro lesado. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O rendimento social de inserção é uma boa medida do ponto de vista ético e moral,

16 Novembro 2010 | O MIRANTE pois contribui para o combate à pobreza e à exclusão social. Quanto à sua aplicação, sem querer entrar em polémicas, acredito que poderia haver mais rigor na fiscalização e na atribuição desse rendimento, de forma a que quem usufruísse deste, fossem as pessoas que mais necessitam, e não pessoas que procuram ludibriar o Estado afim de viver de rendimento fácil sem esforço, o que por vezes acontece. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Se alguém nos aborda, seja onde for, é porque necessita de dizer alguma coisa. No nosso dia-a-dia essas acções de parar um pouco para ouvir o outro são tanto ou mais importantes que outras tarefas, na medida em que há pessoas que têm

essa necessidade de falar e não têm com quem o fazer. Se possível tento ajudar no problema dependendo da complexidade do mesmo. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Um 8 seria a nota que me atribuiria pois considero que é sempre possível fazer um pouco mais. Procuro fazer o exercício constante de me colocar no lugar do outro, ou seja, usar da sensibilidade necessária no que respeita à percepção do espaço partilhado e das consequências da utilização do mesmo. Creio que o sentido cívico desenvolve-se sobretudo pela vontade de querer um mundo melhor, contribuindo activamente para isso, aplicando esta máxima todos os dias e em todas as situações do quotidiano.


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Depoimento

A administração do CNEMA não gosta de jornalistas

Ana Isabel Borrego - Jornalista

“Como eu me apresentei como jornalista de O MIRANTE não me deixaram entrar. Ainda ouvi uma das jovens recepcionistas dizer à outra, quase em surdina, ‘há aquela situação com os jornalistas de O MIRANTE para não os deixarmos entrar’.”

No início de Março de 2009 tinha na agenda um trabalho com a equipa infantil de rugby de Santarém. A ideia era aproveitar a exibição das crianças naquela manhã, na ExpoCriança, que se realiza no Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA). O que eu pensava que ia ser um trabalho simples e rápido tornou-se numa dor de cabeça que ano e meio depois ainda traz consequências. Como habitualmente dirigi-me à entrada para levantar a credencial que permite aos jornalistas acederem ao espaço. Falei com a jovem da recepção e disse que era jornalista de O MIRANTE. Este foi o meu grande erro. Um colega, no dia anterior, entrou no CNEMA sem problemas, porque disse, apenas, que era ‘jornalista’, não especificando o órgão de comunicação para o qual trabalha. Foi-lhe dada a credencial de imediato. Como eu me apresentei como jornalista de O MIRANTE não me deixaram entrar. Ainda ouvi uma das jovens recepcionistas dizer à outra, quase em surdina, “há aquela situação com os jornalistas de O MIRANTE para não os deixarmos entrar”. Irritei-me por estarem a impedir-me de trabalhar e exigi falar com um dos responsáveis. Percebi, através dos telefonemas efectuados pelas recepcionistas, que os responsáveis estavam nas instalações

do CNEMA. Mesmo assim, ninguém se deu ao trabalho de vir falar comigo. Não esperava outra coisa. Os administradores do CNEMA ganham mil vezes mais do que eu. São administradores em várias empresas, dirigentes muito próximos do poder político. Mas não desisti à primeira. Insisti que queria falar com os responsáveis e embora soubesse que estava a conversar com pessoas que não podiam fazer mais do que ouvir-me, lá fui barafustando lembrando que a carteira profissional de jornalista me dá direitos (e também deveres) dos quais não devo desistir por maiores que sejam as dificuldades. No dia anterior já tinha sido avisada mas não quis levar o caso a sério. No mesmo local e pelo mesmo motivo. Como o trabalho poderia ser feito num espaço diferente preferi não arranjar problemas e resolvi a situação de outra forma. Partilhei o que me

aconteceu no CNEMA com os meus directores que avançaram com uma queixa para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Depois de mais de ano e meio em trocas de cartas com argumentos de ambas as partes fui finalmente ouvida como testemunha neste processo, no âmbito de inquérito aberto pelo Ministério Público. Aguardo pacientemente que se faça justiça. Os administradores do CNEMA são altos dirigentes da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), que sabem muito bem que em Portugal há liberdade de informação e que os direitos dos jornalistas estão consagrados na lei. Portugal é um país pobre quanto à sua classe dirigente, mas tem um povo que sabe defender-se. Eu sou daquelas que estarei sempre do lado do povo. Pelo menos enquanto existir esta classe dirigente herdeira do pior espírito dos governos fascistas.


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Depoimento

O povo é o maior jornalista de todos

Filipe Matias - Jornalista

“Os dois homens trocavam a informação entre si com uma clareza acutilante. Estavam lá o quê; o quando; o onde e o porquê. Os dados essenciais para uma notícia, que muitos pagam para aprender na Faculdade. Estava lá o historial da pessoa, as consequências e, a dada altura, até uma citação da doente.” Era uma normal manhã de domingo em Vila Franca de Xira, dessas em que desejamos acordar mais tarde do que aquilo que o nosso cérebro manda. Lendo o jornal, encontro-me numa normal esplanada da cidade, na rua Alves Redol, acompanhado da “bica” e do pastel de nata. Até aí nada de novo. Mas o que me leva a escrever esta crónica foram os dois senhores que estavam na mesa ao lado. Homens na casa dos 60 anos, maduros, criados no campo e com valores. Falavam entre si da desgraça da senhora Pires, aparentemente natural da cidade, que perdera o marido há cinco anos e agora se via a braços com um cancro. Naquele momento percebi, realmente, que toda e qualquer pessoa pode ser um jornalista.

Os dois homens trocavam a informação entre si com uma clareza acutilante. Estavam lá o quê; o quando; o onde e o porquê. Os dados essenciais para uma notícia, que muitos pagam para aprender na Faculdade. Estava lá o historial da pessoa, as consequências e, a dada altura, até uma citação da doente. Vivemos numa região onde todas as pessoas são jornalistas, desde a padeira até ao mecânico de automóveis. Todos temos uma história para partilhar. Se não fosse essa partilha, o que nos levaria ao café numa manhã de domingo? Muito do que faço (e certamente também os meus colegas), nasce sobretudo do povo. Do leitor que tem uma rua em mau estado até à senhora que vê o carro de O MIRANTE na estrada e nos aborda com uma história por contar. Neste último ano escrevi o melhor e, em alguns casos, infelizmente, o pior que a nossa região tem para dar. Depois de começar o ano com

as inundações causadas por um temporal como há muito não se via por aqui, lembro-me do lançamento da primeira pedra do centro de saúde de Vila Franca, uma obra de grande importância para a freguesia, a inauguração das piscinas do Forte da Casa e, mais recentemente, das obras no Forte 38. Infelizmente lembro-me também do fecho do Museu do Ar em Alverca, das inundações no tribunal de Vila Franca e do “eterno” arrastar de processos como a requalificação da fábrica do arroz naquela cidade. Mas acima destas boas e menos boas notícias está a memória das pessoas com quem falei, os desconhecidos que vão exercendo a sua cidadania e metendo os políticos a resolver problemas que, por um qualquer motivo, ficaram à espera de vez na gaveta. O povo é o maior jornalista de todos. Eu sou apenas mais um.


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João Artur Risa Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Posso até estar a ser egoísta e injusto nesse momento, mas sigo em frente e digo que estou com pressa, pois tenho dificuldades em distinguir se as pessoas e as razões que tentam apresentar são ou não verdadeiras e se estou perante um caso real de pedido de ajuda ou perante uma maneira fácil de obter dinheiro para fins não humanitários. E como entendo que actos isolados não são a solução para os problemas do mundo na área da pobreza, tomo a atitude que tomo, mesmo correndo o risco de em algumas vezes estar a ser egoísta e injusto. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Difícil responder…. Mas diria que no respeito pelos outros, nota 10. Considero que sou uma pessoa educada e que res-

peito as outras pessoas. No que faço para ajudar os outros, nota 5. A minha vida pessoal e profissional não me permite ter muita disponibilidade para ajudar quem necessita, quer em termos de tempo, quer em termos financeiros, pois não sou um homem rico. Em resumo diria que minha auto-classificação estaria nos 7,5. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Tentar ajudar e ser útil por actos e não por palavras. Para começar já ofereci à Junta de Freguesia cinco estudos económicos elaborados pela minha empresa de forma gratuita como forma de ajudar os jovens a criar candidaturas ao Qren, ou mesmo via Business Angels. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Há menos de uma semana, na campanha da Liga contra o Cancro. Valor não muito significativo, mas mais simbólico. Ajudei também na Campanha Alimentar contra a fome (Santarém). Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Durante vários anos, num passado recente, ajudei a Académica de Santarém e o CADE do Entroncamento pois desenvolvem um trabalho muito valioso junto da juventude na área do desporto jovem, pelo que qualquer iniciativa complementar à função do Estado será sempre positiva. Tal como recentemente minha empresa ofereceu um computador para um lar de idosos e software de gestão a título gratuito para algumas instituições de caridade social.

Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Tento ver a matricula e deixo um bilhete no carro batido de forma a identificar quem lhe causou prejuízo bem como meu contacto como testemunha.

Tomé Correia Empresário no Ramo das Tintas Ribatintas, Distribuição de Tintas, Lda Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? As dos Bancos Alimentares, que normalmente são feitas às portas das grandes superfícies. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Nunca me aconteceu, mas se acontecer acho que não estou disposto a ouvir problemas de quem não conheço. Se o Estado nos obriga a pagar im-

O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? É uma boa medida pois ajuda a atenuar as desigualdades sociais . Não tenho noção se está a ser bem aplicada.

postos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Não, não faz sentido mas ao que julgo saber é prática corrente noutros países, ricos e pobres, democratas e não democratas, portanto acho que é um mal necessário. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Já me aconteceu. Tirei a matrícula do " foragido " e coloquei-o no párabrisas do sinistrado, com a minha identificação. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? Boa é. Se está a ser bem aplicada? Penso que não. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Participar em sessões públicas dos órgãos autárquicos e se me fosse dada a possibilidade de me exprimir, criticar algumas decisões que são atentatórias dos cidadãos. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Nota 7 (sete)


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Depoimento

Só um jornalista entende outro jornalista E como explicar a alguém que, mesmo estando de férias, a nossa vontade é sair a correr atrás do carro dos bombeiros porque auguramos algo grave que deve ser noticiado?

Elsa Ribeiro Gonçalves - Jornalista “Não se é jornalista seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês mas sim 24 horas por dia, mesmo estando desempregado”. Li esta frase, do jornalista Orlando Castro, quando estava no último ano do curso de jornalismo. Recordo de, na ocasião, a escrever e sublinhar como se de uma verdade incomensurável se tratasse. Oito anos mais tarde não tenho dúvidas de que só vence nesta vida quem assim sente e age. Porque esta não é uma profissão. É um modo de estar na vida pública. O difícil nisto tudo é explicar aos outros, especialmente aos que escolheram ter uma profissão, que a missão de informar não tem horários. Já me aconteceu, por exemplo, ligar para uma repartição pú-

blica às cinco da tarde e ninguém atender o telefone, tentar trabalhar num feriado e ninguém se disponibilizar para dar entrevistas nesse dia, ou ligar para a Polícia por causa de um assalto e não conseguir qualquer informação porque “o chefe saiu” e só ele pode falar. E como explicar a alguém que, mesmo estando de férias, a nossa vontade é sair a correr atrás do carro dos bombeiros porque auguramos algo grave que deve ser noticiado? Ou justificar o nosso alheamento durante aquele divertido jantar de amigos, durante o qual temos a cabeça a fervilhar com informações já recolhidas de um qualquer caso que estamos a tratar? Tenho a noção que só um jornalista entende outro jornalista, como só um médico entende um médico ou só um jardineiro entende quem gosta de flores. Só outro jornalista consegue perceber porque trabalhamos aos feriados, fins-de-semana e, se for necessário, ficarmos agarrados ao

16 Novembro 2010 | O MIRANTE computador pela noite dentro. Só outro jornalista, partilha o entusiasmo que imprimimos ao contar o que se passou e nos retribui também contando enfaticamente o que lhe aconteceu de uma outra vez. Por isso é que há quem considere ser uma chatice atender telefonemas de jornalistas meia hora antes da hora de saída ou aturar jornalistas num dia feriado. Por isso é que o agente policial que atende os telefones não quer extrapolar as suas funções mesmo que seja só para dizer a onde e a que horas foi o assalto. Mesmo que depois todos queiram saber o que se passou na sua rua, na sua terra ou na sua região e não nos perdoam se não encontrarem no jornal as informações que alguns deles não tiveram tempo nem disponibilidade para nos dar.


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O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Vanessa Lopes Directora de Loja Aki Santarém O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? No AKI de Santarém, preocupamo-nos em oferecer aos nossos clientes os melhores produtos e serviços disponíveis na área de Bricolage, Decoração e Jardim. A nossa missão é trabalhar para que as casas dos nossos clientes sejam cada vez mais aprazíveis confortáveis, eficientes e seguras. Porque a opinião do cliente é muito importante vamos iniciar, em Janeiro de 2011, uma iniciativa de visita a casa de clientes no sentido de adequar a oferta da loja em produtos e serviços, às reais necessidades e expectativas dos nossos clientes. Vamos observar a forma como o cliente vive em cada um dos espaços da sua casa e os objectos que escolheu para os decorar, escutando a sua identificação com os projectos de Bricolage, Decoração e Jardim, analisando sobretudo como vê e se relaciona com a marca AKI e outras insígnias de mercado. Tudo isto em prol da sua satisfação.

Queremos continuar a reforçar o posicionamento da loja AKI de Santarém como local de destino dos seus projectos de equipamento de casa e jardim pela sua proximidade e pela forma excepcional como os nossos 40 colaboradores se relacionam com os clientes, recebendo-os dia a dia de uma forma profissional e acolhedora e acima de tudo como um verdadeiro amigo. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? O AKI de Santarém colabora regularmente com a Casa Solidária de Santarém. Em Outubro oferecemos a esta instituição de cariz social material de pintura que por sua vez estes distribuíram junto dos mais carenciados. Anteriormente oferecemos outros artigos decorativos, tais como cortinados, varões, estores, tintas decorativas, candeeiros, etc. Aproveito ainda para referir que o AKI tem uma forte política de responsabilidade social pelo que, pelo segundo ano consecutivo, vamos apoiar quem mais precisa, ou seja, as famílias portuguesas mais carenciadas através da participação conjunta numa acção de solidariedade social realizada com a União das Misericórdias Portuguesas - UMP. A campanha inicia a 16 de Novembro e termina a 20 de Dezembro e faço desde já o apelo aos cidadãos para que depositem em lojas AKI, roupas, cobertores ou mantas, em bom estado de conservação. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem

o que o Estado deveria fazer? Sim, nunca é demais ajudar quem mais precisa, independentemente da maior ou menor colaboração do Estado. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Se conseguir ter tempo para retirar a matrícula da viatura, retiro e entrego ao vigilante do parque de estacionamento, ou na esquadra mais próxima. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O Rendimento Social de Inserção é uma medida de combate à pobreza que tem como principal objectivo assegurar aos cidadãos e aos seus agregados familiares recur-

sos que contribuam para satisfazer as suas necessidades mínimas, pelo que é naturalmente uma boa medida. Apenas têm direito a este rendimento famílias que se encontrem em situação de carência económica grave, pelo que quero acreditar que quem recebe, de facto, precisa desta ajuda. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? A decisão depende da urgência com que me dirijo ao destino, mas por norma paro para ouvir. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? 9 (nove).


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Sandra Silva Psicóloga - Santarém Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? No último peditório para a Liga Portuguesa contra o Cancro. Sempre que possível tento colaborar activamente em campanhas que proporcionam uma ajuda essencial para quem mais precisa. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? As instituições assumem um papel central no apoio e dinamização de todas as vertentes da sociedade civil e necessitam do nosso contributo para a sua auto subsistência mesmo que esse papel seja do Estado. Na actualidade o Estado não consegue implementar medidas que consigam abranger todas as necessidades dos cidadãos, desta forma cabe às instituições colmatar esta lacuna. O rendimento obtido pelo pagamento dos impostos será uma ajuda para todas as medidas sociais de auxílio à população, porém, continua a ser necessário o apoio dos cidadãos individualmente. Na minha opinião faz sentido colaborar com as instituições que auxiliam e cooperam no apoio social. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Procuro observar a situação com atenção e se possível abordar o condutor infractor fazendo referência ao dano que provocou no outro veículo. Não conseguiria passar indiferente a uma situação destas sem intervir directa ou indirectamente, tratasse dum dever cívico de convivência em sociedade. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida que visa inverter situações de pobreza e de exclusão social. Ao mesmo tempo procura que isso não estimule essas pessoas à inactividade, mas sim à sua inserção na sociedade e na vida activa, caso tenham capacidades a desenvolver nesse sentido. Os beneficiários deste rendimento apresentam modificações e implicações específicas em termos económicos, sociais, familiares e profissionais. Quem demonstra as suas dificuldades carece do apoio que lhe permita encontrar um equilíbrio para estruturar as condições sociais e profissionais. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Sem hesitar demonstrava a minha disponibilidade para ouvir o problema da pessoa, procurando perceber as suas razões e preocupações, dando algumas indicações para ajudar na resolução individual do problema. A disponibilidade para escutar o outro é fundamental na convivência em sociedade. A incapacidade de escutarmos activamente quem nos rodeia torna-nos mais centrados em nós próprios e indisponíveis para as relações interpessoais. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Classificaria o meu sentido cívico com o número sete, tendo em consideração o que penso ser justificativo desta classificação, nomeadamente, o participar activamente na sociedade, o sentido de responsabilidade por tudo o que nos rodeia, o respeito pela singularidade de pessoas

e bens, preservação das relações interpessoais e sentido de comunhão pelos objectivos individuais e colectivos. A consciência cívica única e singular que cada um de nós tem, define a forma como nos comportamos em sociedade e como respeitamos os direitos e deveres enquanto cidadãos. Importa que todos nós nos tornemos cada vez mais conscientes do nosso sentido cívico e da forma como o colocamos em prática. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Tento participar activamente nas actividades promovidas tanto a nível cultural como socioeconómico, o contributo de cada ci-

16 Novembro 2010 | O MIRANTE dadão é fundamental para fortalecer e dinamizar a terra a que se pertence. O dever de participação não se esgota, diariamente, somos chamados a desempenhar os papéis profissionais que contribuem para o enriquecimento da terra. O impacto da nossa actuação passa também pela responsabilidade que assumimos como cidadão activo, apoiando a comunidade local em várias áreas, especialmente educação, saúde e solidariedade social. O meu desempenho profissional na vertente social e na promoção do bem-estar psicológico será a principal contribuição para a minha região.


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Depoimento

Sobre o bom jornalismo

Eduarda Sousa – Jornalista

“Eu, também cansada, de conversar sempre com os mesmos actores que repetiam até à exaustão o mesmo discurso, ensaiado vezes sem conta, estou encantada por finalmente conseguir ter as melhores conversas com as pessoas da nossa região que nos procuram porque reconhecem o grande trabalho que é realizado no nosso jornal.” Para escrever esta crónica lembrei-me de pegar em “Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício” (Relógio D’Água), do grande jornalista e escritor polaco Ryszard Kapuciski (1932-2007). Uma das melhores obras que li até agora sobre as práticas de um bom jornalista. Para Kapuciski existem dois requisitos fundamentais para se ser um bom jornalista. “O primeiro é uma certa predisposição para aceitar sacrificar uma parte de nós (…) Não podemos encerrar o nosso expediente às quatro da tarde e ocuparmo-nos com outras coisas. Este é um ofício que toma toda a nossa vida, não há outra forma de exercê-lo, pelo menos, correctamente”. O segundo é o “aprofundamento constante dos nossos conhecimentos”: “Há profissões em que vamos para a Universidade, obtemos o diploma e o estudo acaba ali. Devemos simplesmente gerir, para o resto da vida, o que aprendemos. No jornalismo, pelo contrário, a actualização e o estudo constantes são a conditio sine qua non”. O jornalismo é uma profissão que se imiscui com a própria vida. Não é possível chegar a casa e desligar porque os acontecimentos continuam a correr. Só conheço dois tipos de jornalistas: os apaixonados que me dizem “custa, não é? mas é disto que gostamos” e os medíocres que rapidamente desaparecem do mapa ou, se se aguentam por algum motivo, ninguém os conhece, talvez nem os próprios leitores – e que maior gratificação para um jornalista, senão o reconhecimento da qualidade do seu trabalho pelos seus leitores? Depois de passar algum tempo a escrever para pu-

blicações generalistas, decidi apostar no jornalismo regional e não poderia escolher outro jornal sem ser o melhor do país: O MIRANTE. Vou ancorar-me mais uma vez na literatura para citar Joseph Mitchell, um dos melhores jornalistas do mundo que decidiu retratar exemplarmente as culturas minoritárias dos anos 30, nos EUA, enquanto correspondente do “The New Yorker”: “As únicas pessoas que não estou interessado em ouvir são as mulheres da alta-roda, os grandes industriais, os autores reputados, os ministros, os exploradores, os actores de cinema, assim como qualquer actriz com menos de 35 anos. Acho que os seres humanos mais interessantes, no que toca a conversas, são os antropólogos, camponeses, prostitutas, psiquiatras, e um ou outro barman. As melhores conversas são sem artifícios, a fala de pessoas procurando tranquilizar-se ou consolar-se mutuamente, mulheres ao sol, agrupadas à volta de carrinhos de bebé, falando sobre as semanas que passaram no hospital ou sobre a subida do preço da carne, ou a de homens nos bares, falando para combaterem a solidão que todos sentem” (“Sou Todo Ouvidos”, Ambar). Eu, também cansada, de conversar sempre com os mesmos actores que repetiam até à exaustão o mesmo discurso, ensaiado vezes sem conta, estou encantada por finalmente conseguir ter as melhores conversas com as pessoas da nossa região que nos procuram porque reconhecem o grande trabalho que é realizado no nosso jornal.


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José Simões Empresário de Relojoaria, Ouro e Jóias Almeirim O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Acreditei, que poderia através da política - já que através do desporto associativo como praticante e como dirigente, e também como empresário, o fiz - contribuir para uma melhoria da qualidade de vida de todos os almeirinenses mas, verdade seja dita... tem sido uma frustração! O caciquismo o oportunismo cínico os interesses, instalados a qualquer custo, imperam nas decisões tomadas pelo executivo e executantes do sistema político da cidade. Obras imperativas para a qualidade de vida dos almeirinenses, faltam! Outras, menos importantes, são equacionadas! Visão de futuro para o concelho de Almeirim, não existe! Captação de novas empresas, inovadoras era importantíssimo! Gostaria de ver as novas gerações a utilizarem os conhecimentos que, hoje, têm à sua disposição, com inteligência e muita cidadania em prol de Almeirim. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Contribuir, faço-o constantemente, sempre que sou solicitado e, não só! Participar, sinceramente, não o tenho feito! Isto, talvez porque sinta que, por tudo e por nada se fazem campanhas, muitas delas despidas do verdadeiro sentido da solidariedade, escondendo rendimentos atribuídos aos seus órgãos directivos, injustificáveis! Lembro o famoso caso de Alpiarça. Um instituto de apoio aos pobres, com directores bem remunerados, pois então!!! Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o estado deveria fazer? Não!!! Claro que não! Mas, era preciso que tivéssemos um Estado justo. Basta ver os deputados que legislam no sentido de lhes serem atribuídas compensações inaceitáveis de reforma por inteiro com apenas 8 ou 12 anos de actividade em cargos públicos. Enquanto isso, aos cidadãos comuns, pedem que se reformem aos 65/67 anos. Eu, por exemplo, terei nessa idade, 53 anos de contribuições para a Segurança Social, para receber uma reforma miserável! Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Obviamente que procuro identificálo e pôr à disposição do prejudicado essa identificação! O rendimento social de inserção é uma boa medida? Está a ser bem aplicada?

Sim! É uma boa medida! Lembremonos que directores das grandes empresas que enveredam pela política, quando retornam às mesmas, recebem subsídios de reinserção! Porque não? É uma medida de carácter social indispensável, numa sociedade justa. Mas não brinquemos com coisas sérias. O dinheiro provém dos impostos, logo deve ser bem (justamente) aplicado. E não deve servir de arma de arremesso em situações eleitorais. É importante uma reestruturação da sua aplicação e uma fiscalização rigorosa! Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Depende! Por norma, rapidamente avalio a situação. Hoje, é muito complicado dar atenção a pessoas que apenas pretendem servirem-se dos mais incautos ou distraídos e sendo assim, procuro seguir em frente. Mas, se compreendo que é uma situação real e justa, procuro ouvir e ajudar. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Com um sentimento muito real da sociedade onde fui criado posso garantir que muitos defeitos existem mas, integrado na sociedade actual, garanto que nunca me atribuiria menos de 7 (sete). No entanto sou muito crítico quanto à falta de cidadania dos nossos concidadãos. Posso referir algumas situações existentes na cidade de Almeirim, onde há pessoas que lavam os veículos na rua, despejam os dejectos na rede de saneamento pluvial, despejam todo o tipo de lixo fora dos contentores, passeiam os canídeos e permitem o conspurcamento sem terem o cuidado da sua recolha, abusam de barulhos sem respeito pelos concidadãos vizinhos, etc, etc…

Alcina Nunes Casa de Escapes S. Pedro, Lda - Santarém Se alguém a aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Se não estiver com o tempo muito limitado tento ouvir e se for algum problema que esteja ao meu alcance tento sempre ajudar. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Devemos fazer o que gostaríamos que nos fizessem e já me fizeram. Deixo

16 Novembro 2010 | O MIRANTE

Constantino Lopes Presidente Junta Freguesia Golegã O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Provavelmente poderia ter feito mais. Reconheço que a minha contribuição é irrelevante, no entanto, não sinto que me tenha alheado da responsabilidade de contribuir, com o meu esforço, no sentido de ajudar a melhorar as condições de vida daqueles que aqui vivem. As minhas limitações, certamente não me teriam permitido fazer muito mais. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Colaboro muitas vezes porque entendo dever ser solidário para com aqueles que estão em dificuldade e necessitam de apoio. A grande dificuldade é saber se quem pede é efectivamente necessitado. Muitas vezes enganamo-nos e somos solidários para quem não merece a nossa solidariedade. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Não faz sentido mas a realidade é que o Estado não cumpre com as suas obrigações. Por isso não podemos ser insensíveis

o meu contacto no pára-brisas e com a matrícula tento entrar em contacto com o proprietário. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Não será muito justo sermos nós próprios a classificarmo-nos mas classificara-me-ia numa escala de 8. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Gostaria de poder fazer muita coisa pela minha terra. Dentro das minhas capacidades faço sempre o que me é possível mas ainda há muita coisa para fazer que não está ao meu alcance. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Devemos colaborar sempre que exista uma causa justa e nós tenhamos possibilidade, sem ser preciso uma campanha. Mas a última foi para a do Banco Alimentar contra a Fome. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Não faz sentido nenhum. Os portugueses já pagam tantos impostos que não devia ser preciso colaborar mas há instituições que não recebem e outras

às dificuldades por que muitos daqueles que vivem a nosso lado passam. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? No mínimo, tomo nota da matrícula do carro que bateu e deixo o meu contacto. Se conheço o proprietário do carro danificado tento contactá-lo de imediato e faço o possível para que quem bateu não abandone o local. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? É uma medida que foi implementada para minorar as dificuldades daqueles que estão desempregados, e por isso foi uma boa decisão. Relativamente à sua aplicação, entendo que não estão a ser atingidos os objectivos que estão subjacentes à sua criação. Para várias pessoas passou a ser um modo de vida e nada fazem para a alterar. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Em princípio manifesto disponibilidade para ouvir a pessoa, a não ser que me pareça estranha a abordagem. Em condições normais, entendo que, devemos acolher aqueles que a nós se dirigem e se possível ajudá-los a ultrapassar o problema. Enquanto andamos neste mundo devemos fazer algo que o possa tornar melhor e mais justo para todos os seus habitantes. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Embora não seja fácil avaliar-me a mim próprio julgo que, em questões de cidadania, mereceria uma classificação positiva.

o que recebem não chega para as suas causas. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O Rendimento Social é uma boa medida de inserção para quem esteja na impossibilidade de poder trabalhar e não tenha outra alternativa. Infelizmente há muitas pessoas a receber sem precisarem.


EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 23 ANOS | 59

O MIRANTE | 16 Novembro 2010

Amílcar Queiroz Bancário reformado - Santarém O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Denunciar os abusos de poder, os compadrios as corrupções ,os enriquecimentos ilícitos. Denunciar as aberrações arquitectónicas, os "patobravismos", os desperdícios de dinheiros públicos em pseudo apoios sociais, a preguiça de funcionários pagos por nós que ao invés de nos atenderem vão ao café ou para a porta do local de emprego fumar as suas cigarradas enquanto os colegas trabalham por eles (No final do ano a notação é igual: Bom, Muito Bom). Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? Todos os dias contribuo para campanhas de solidariedade. Sou membro da Amnistia Internacional pagando as minhas quotas. Sou sócio e pago as quotas

do Centro Social do Rio Seco-Aldeia da Beira Interior do Concelho de Almeida onde não há verbas para passeios de fim de semana ou almoços com a terceira idade - Ali é tudo, ou quase tudo terceira idade. Contribuo de uma forma avulsa para a Rio Vivo - Associação de Desenvolvimento sustentado. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? É meu entendimento que não faz sentido colaborar com instituições com patrocínios Estatais - para isso pago impostos - Mantenho entretanto disponibilidade para apoios em regime de voluntariado. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Em presença de qualquer caso em que o responsável abandona o local depois de causar prejuízos, tomo as devidas notas e comunico ao lesado ou às autoridades. Já o fiz e voltarei a fazê-lo se for caso disso. Também já beneficiei de caso idêntico. O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O RSI é uma boa medida de inserção social. Só que deve ser de inserção como o nome indica!.....De contrário deverá ser abolido. Há que ter a coragem de cortar com isso. Parece que está a começar.... nos últimos 2 meses 2100 usuários do RSI perderam esse beneficio porque não

aceitaram trabalho ou formação. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Normalmente não estou disposto a ouvir. Não estou com pressa nem deixo de estar. Não sou Assistente Social e não tive vocação para ir para o Seminário, com todo o respeito que me merecem tais actividades. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? No mínimo sete. Não gosto de desperdícios; tenho elevado sentido cívico; tenho elevado sentido ambientalista.


60 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 23 ANOS

Carlos Segundo Nestal Advogado / Líder da Bancada do PS na Assembleia Municipal de Santarém O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida? E está a ser bem aplicada? O Rendimento Social de Inserção é uma boa medida, desde logo porque, entre outros requisitos de aplicabilidade, obriga a frequentar a escola crianças e jovens que estavam nas franjas sociais e integra-as socialmente. Os seus resultados não são visíveis de imediato, mas sim a médio e longo prazo. A sua aplicação não é perfeita e depende sempre da consciência cívica não só de quem aplica essa medida, como de todos que aceitamos de ânimo leve situações fraudulentas. Quando foi a última vez que colaborou com uma campanha de solidariedade? A última vez que colaborei com uma

campanha de solidariedade foi recentemente, costumo fazê-lo com bastante regularidade. Não vou referir quais nem quando, uma vez que entendo que nestas situações a nossa mão esquerda não tem, necessariamente, de saber o que a mão direita dá, a solidariedade deve ser feita sem esperar retribuição ou expectativa de qualquer reconhecimento. Se o Estado nos obriga a pagar impostos faz algum sentido estarmos a colaborar com instituições que fazem o que o Estado deveria fazer? Desde os primórdios da civilização que os governos arrecadam tributos dos cidadãos que por sua vez sempre reclamaram da sua cobrança, felizmente que nos tempos modernos o pagamento de impostos ao Estado tem o seu retorno não só nos serviços que o mesmo presta aos seus cidadãos, como tem na função da redistribuição da riqueza. Não vejo outra forma de termos acesso aos diversos serviços públicos sem o Estado obter receita fiscal. Mas, também é evidente que não podemos pretender que a nossa participação cívica e solidária se fique apenas pelo pagamento de impostos e é impossível a qualquer Estado intervir em todas as situações. O que acha que poderia fazer pela sua terra e ainda não fez? Tenho e temos sempre tudo para fazer pela nossa terra, tanto individual como colectivamente. O desenvolvimento social, económico, ambiental, produtivo e humano, é algo que deve ser crescente. Todos os dias tenho a utopia em

16 Novembro 2010 | O MIRANTE

fazer muito mais pela minha/nossa terra e fazer desta um local cada vez mais aprazível de desfrutar. Um carro bate noutro que está estacionado e cujo condutor não está presente e abandona o local. O que faz? Qualquer pessoa que tenha a atitude de bater no carro de outrem e abandonar o local, não tem qualquer respeito para com terceiros. Numa circunstância destas anotaria a matrícula do carro e informaria o proprietário do veículo lesado. Se alguém o aborda na rua para lhe expor um problema, dispõe-se a ouvir ou pede desculpa e segue em frente com a desculpa que está com pressa? Claro que ouço as pessoas, mesmo que

me abordem na rua, aliás, essa situação acontece-me diversas vezes, até por motivos profissionais. Devemos sempre ouvir o que têm para nos dizer, sobretudo se é um problema para o qual já existe a expectativa de que podemos ajudar a solucionar. Sem dúvida que quem aprende a ouvir com atenção, aprende a falar com proveito. Numa escala de civismo de zero a dez, qual a classificação que daria ao seu sentido cívico? Não vou quantificar o meu sentido de dever cívico, simplesmente porque sendo este algo que se deve trabalhar todos os dias, não deve estar sujeito a um simples cálculo aritmético.


O MIRANTE | 16 Novembro 2010

EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 23 ANOS | 61

Depoimento

Um ano e alguns meses depois

Claúdia Gameiro – Jornalista

“Há questões que nunca mudam e os protagonistas são, em geral, os mesmos. O presidente, os que o rodeiam, a associação, a Igreja, as organizações, a população, os jornalistas…e aquela figura mais ou menos carismática que há sempre em cada terra. Só mudou no fundo a língua e a forma como se exprimem as fontes.” Há uns anos valentes, ainda não sonhava eu com esta vida, encontrei-me com o Dr. Sérgio Ribeiro, dirigente da CDU de Ourém, na antiga e extinta livraria “Som da Tinta”. Teria os meus 14 anos, estava numa daquelas fases da vida em que se tomam algumas decisões definitivas, e gostava de escrever. Já não me recordo bem do teor da conversa nem o que fazia ali em concreto, mas nunca me esqueci de uma ideia que fez o centro da nossa meia hora de café: se queres escrever bem, começa por escrever sobre ti própria. Não sei se o Dr. Sérgio Ribeiro se recorda da tímida visita ou do efeito que ela teve em decisões futuras, mas nove anos depois estava de partida para Macau e, meses mais tarde, em O MIRANTE. Um ano passado sobre toda uma série de vivências, a escrita até pode nem ser excelente, mas vão-se guardando algumas histórias. Primeiro foi o impacto da mudança. Ourém era a mesma que eu conhecia da infância e da adolescência, mas tinha novos rostos, novas causas e uma linguagem diferente daquela a que me habituara a conhecer. Acabada de chegar da terra onde tudo fervilha, onde parece que a Europa vai envelhecendo à sombra de causas perdidas, voltava à pacatez das mudanças que podem até nem ser grandiosas, mas são marcantes. No fundo, tudo era novidade e se mais tarde não me recordar da maioria das peças que escrevi ou das questões com que lidei ao longo de um ano de estágio, poderei sempre

começar por contar que também eu regressei a Ourém num momento de viragem. A todos os níveis. Depois, foram as pessoas. Os chineses pareciam-me desconfiados, não se entregam, escondem com vergonha o que lhes pode roubar a face. Sorriem quando deviam explodir e ficamos sempre com aquela sensação indesejável de que, em Portugal, já estaríamos à porta. No percorrer das aldeias, tantas vezes meio perdida nos pinhais e em estradas escondidas, era o gosto de estar sobretudo em casa. Até me podiam colocar à porta, mas ao menos sabia os nomes que me estavam a chamar durante o percurso. Por fim foi o trabalho, com uma rotina diferente da que me ensinaram em Macau. Há questões que nunca mudam e os protagonistas são, em geral, os mesmos. O presidente, os que o rodeiam, a associação, a igreja, as organizações, a população, os jornalistas…e aquela figura mais ou menos carismática que há sempre em cada terra. Só mudou no fundo a língua e a forma como se exprimem as fontes.

E porque não lembrar também o distrito, tão afastado das gentes de Ourém, que se habituou a ver em Leiria a sua segunda casa! Nova descoberta, esta muitas vezes com surpresa. Que sirva de convite para conhecer o que existe mais a Sul, que por vezes parece inóspito mas que tem grandes encantos. De terra em terra, com ou sem indicações, com ou sem vidros partidos e desastres automóveis a registar, foram-se conhecendo lugares que podiam entrar em muitos filmes americanos. E andei eu do outro lado do mundo… Assim poderia contar daquele dia em que no meio de uma manifestação, no meio da rua, me impedem de tirar fotografias; ou de momentos caricatos na serra de Alburitel, Ourém, em plena tempestade, onde se tentou concluir a custo uma visita camarária; de horas perdidas em conversas com pessoas extraordinárias e que fazem valer a pena todas as linhas gastas a contar as suas vidas. Mas fico-me pelas impressões do ano de estágio, que provavelmente vão mudar no futuro, mas que orientaram todos os meses de trabalho que vivi até hoje.


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16 Novembro 2010 | O MIRANTE

Depoimento

Urgência em coma induzido

Ricardo Carreira - Jornalista

“Se o mau tempo ajudou há anos a trazer a instabilidade das barreiras de Santarém para o topo da actualidade e a necessidade de se fazer uma intervenção global com apoio do Estado, a rua de Santa Margarida não merece menos empenhamento.” Não desejava estar na pele dos moradores da rua de Santa Margarida, em Santarém que, em Março deste ano, foram notificados pela autarquia para procurarem habitações alternativas. As intempéries da madrugada de 24 de Fevereiro levaram ao deslizamento de terras na encosta e derrocadas em algumas casas devolutas daquela rua. Ser proprietário de uma casa é, para a maior parte das pessoas, o sonho de uma vida. Não compreendo como é que a autarquia pôde dar 15 dias às pessoas para encontrarem, pelos seus meios, novo lar para viverem. Já lá vão sete meses. Se fosse pela chuva que caiu e pelo vento que soprou já tudo tinha rolado encosta abaixo, arrastado nessa “urgência”. Pelo que me apercebi, os moradores dos prédios

números 13 a 27, são maioritariamente idosos. Vivem em casas com vistas deslumbrantes sobre a lezíria e o rio Tejo. Uma inquilina de 83 anos confessou-me que não tem dinheiro para pagar uma renda ao custo a que elas estão hoje. Outra senhora, que recebia hóspedes em casa para obter rendimentos, teve que se mudar para uma habitação mais pequena junto à Torre das Cabaças. Outros questionam-se sobre a pressa de mandar sair as pessoas, após 28 anos de esquecimento do assunto. Se o mau tempo ajudou há anos a trazer a instabilidade das barreiras de Santarém para o topo da actualidade e a necessidade de se fazer uma intervenção global com apoio do Estado, a rua de Santa Margarida não merece menos empenhamento. O mercado do aluguer funciona. Não faltam imobiliárias. Instalem-se as pessoas em casas condignas

e semelhantes àquelas em que vivem e pague-se a diferença das rendas actuais para as que podem vir a ser exigidas. Indemnizem-se os proprietários pelo valor comercial das casas, arranjando meios que lhes permitam encontrar uma alternativa. Por muito que a Câmara de Santarém aluda aos cortes que estão para vir nas transferências do orçamento de Estado para 2011, às dificuldades financeiras vividas a nível nacional e internacional, ao abaixamento das receitas municipais, ainda não se vive uma clima de PEC autárquico. Pelo menos, não se vê. Se o apoio aos moradores da rua de Santa Margarida custar alguns milhares de euros por mês, que não se arranjem desculpas. Há sempre um concerto que se pode cancelar, deslocações de intervenientes autárquicos que se podem reduzir. Se é mesmo para ir em frente com as demolições…


O MIRANTE | 16 Novembro 2010

EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 23 ANOS | 63


Três edições diferenciadas Tiragem : 31.000 exemplares • Número de páginas desta edição: 64

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