Itinerância juvenil para o mundo do trabalho

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

ITINERÂNCIA JUVENIL PARA O MUNDO DO TRABALHO: Discursos, Práticas e Significados.

JOSÉ HUMBERTO DA SILVA

Salvador 2007


JOSÉ HUMBERTO DA SILVA

ITINERÂNCIA JUVENIL PARA O MUNDO DO TRABALHO: Discursos, Práticas e Significados.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade

do

Departamento

de

Educação da Universidade do Estado da Bahia, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Delcele Mascarenhas Queiroz

Salvador 2007


FICHA CATALOGRÁFICA ELABORAÇÃO: Biblioteca Central da UNEB BIBLIOTECÁRIA: Neuza Tinôco Melo Nunesmaia – CRB-5/229 Silva, José Humberto da Itinerância juvenil para o mundo do trabalho : discursos, práticas e significados / José Humberto da Silva. _ Salvador : [s.n.], 2007. 200 f. : il. tab., graf. Orientadora : Delcele Mascarenhas Queiroz Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Campus I. Departamento de Educação. Inclui referências e anexos 1. Juventude. 2. Jovens – Emprego. 3. Qualificações profissionais. 4. Mercado de trabalho. I. Queiroz, Delcele Mascarenhas. II. Universidade do Estado da Bahia. Campus I. Departamento de Educação. CDD : 331.34


JOSÉ HUMBERTO DA SILVA

ITINERÂNCIA JUVENIL PARA O MUNDO DO TRABALHO: DISCURSOS, PRÁTICAS E SIGNIFICADOS

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Delcele Mascarenhas Queiroz _____________________ Universidade do Estado da Bahia

Profª. Drª. Ronalda Barreto Silva ___________________________ Universidade do Estado da Bahia

Profª. Drª. Terezinha Fróes Burnham_________________________

Universidade Federal da Bahia

Profª. Drª. Mary Garcia Castro _____________________________ Universidade Católica do Salvador

Salvador 2006


Aos jovens, itinerantes do primeiro emprego, por me ensinar que na busca da investigação científica é preciso ser mais do que um pesquisador, é preciso ser gente.


AGRADECIMENTOS

À minha família, por contribuir muito na minha formação e, principalmente, por entender minhas ausências ao longo dessa pesquisa. À Profª Drª Delcele Queiroz, minha orientadora, por sua humildade, generosidade e atenção serena. Com sua postura, demonstra a todos/as que é possível ao mesmo tempo ser competente e humilde. À Profª Drª Ronalda Barreto, minha prezada amiga e (co)orientadora, sua simplicidade é do tamanho da sua grandeza. Obrigado, minha mestra, pela paciência, acessibilidade, compreensão, cuidadosas leituras e orientações, e acolhimento durante estes últimos meses. À Profª Drª Mary Castro, por aceitar o meu convite, desde a pré-banca, para avaliar este trabalho, trazendo contribuições valiosas. À Profª Drª Teresinha Fróes Burnham, por me mostrar poesia na academia e por acreditar que eu posso escrever meus versos nela. Obrigado pelo empenho na pré-banca. À minha Maria Eunice, por toda ajuda e compreensão ao longo de todo esse trabalho e, sobretudo, na fase conclusiva. Minha eterna gratidão. Ao meu grupo de Pesquisa do Mestrado – Políticas Públicas em Educação, por toda atenção, carinho, proteção e humildade nos debates e convívio constantes. À AVANTE – Educação e Mobilização Social, pelo apoio e transparência com que disponibilizou suas reflexões e os registros escritos do CSJ-RMS, que deram riqueza ao meu trabalho.


À Thereza Marcílio, por todas as trocas de saberes diários ao longo de todo o processo. À amiga Clarice pelas inúmeras correções de todo esse trabalho. À amiga Fabiane Brazileiro, obrigado, pelo cuidado e carinho constantes. À amiga Mônica Sâmia, por sua simplicidade e referencial de competência. E, finalmente, aos demais que acreditaram e, de alguma forma, contribuíram na elaboração desta dissertação.


RESUMO

O desenho que se produziu no Brasil com a configuração dos novos papéis assumidos pelas organizações que atuam no campo social tem proporcionado o surgimento de vários projetos voltados para diferentes segmentos. A exemplo, a juventude que vem adquirindo visibilidade crescente nos últimos anos, sobretudo pelo aumento do desemprego e precarização das ocupações no segmento. Com isso, a sociedade civil, principalmente as ONGs, passam a assumir responsabilidades que até então, de forma precária ou não, vinham sendo assumidas pelo Estado, por meio de projetos pontuais de combate ao desemprego e à exclusão social. Nessa direção, este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa, tendo como locus da investigação uma experiência de qualificação e inserção de jovens no Mundo do Trabalho, a partir da parceria entre governo e sociedade civil. Busca, portanto, compreender/descrever como o processo formativo do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, a partir do seu percurso formativo itinerante, contribuiu para a inserção dos jovens do Mundo do Trabalho; analisar a contribuição desse projeto na vida cotidiana e profissional dos jovens egressos e, por fim, descrever os processos de inserção dos jovens participantes no Mundo do Trabalho de Salvador e Região Metropolitana. Para alcançar os objetivos dessa pesquisa, fez-se necessária uma aproximação da bibliografia relacionada ao tema, enfocando os conceitos centrais do estudo: educação, trabalho, movimentos sociais, ONGs e os processos formativos para o emprego. Com efeito, do ponto de vista metodológico, esse trabalho caracteriza-se como um Estudo de Caso de cunho etnográfico por entender que ele está mais preocupado com a compreensão e descrição do processo do que com os resultados. Para tanto, priorizou-se como procedimentos metodológicos: análise de documentos, memoriais, relatos orais/entrevistas e grupo focal. Palavras-chaves: juventude, educação, trabalho, ONGs e desemprego


ABSTRACT

The new roles taken by organizations which work in the social arena have given way to various projects aimed at specific groups in society. One of these is the youth which, in the last years, has been demanding attention due specially to the growth of unemployment or precarious employment. Therefore, civil organizations, mainly NGO, took over responsibilities which were, until recently, governmental responsibilities even though not well done. As an example, projects to fight unemployment and social exclusion. This work presents the results of a research study which focused an experiment of training and professional insertion for young people from 16 to 24 years of age, as a partnership between the federal government and civil organizations. It intends to describe and understand how the qualification process allowed by the curriculum proposed by the Consorcio Social da Juventude/Regi達o Metropolitana de Salvador contributed to the insertion of these young people into the world of labor; to analyze the contribution of this project to the daily and professional life of the young people who went through it and finally to describe the processes of insertion of the participants in the labor world in Salvador and its Metropolitan area. In order to achieve these goals, a review of the literature was done, focusing the central concepts of education, labor and social movements, NGO and training processes aiming employment. In effect from the methodological point of view this work is an ethnographic Case Study which is more interested in the process comprehension and description than in the results. Therefore, it emphasized methodological procedures such as: documental analysis, memorials, narratives, interviews and focal group. Key words: youth, education, labor, NGO, unemployment.


LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Taxas de desemprego dos jovens de 16 a 24 anos 36 Tabela 02: Consolidação das ações dos consórcios 2003 a 2006 97 Tabela 03: Entidades Participantes e Qualificações Oferecidas na Segunda Edição 105 Tabela 04: Áreas de qualificação oferecidas na terceira edição 112 Tabela 05: Modalidade de Inserção dos Jovens no Mercado de Trabalho 113

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01: Jovens qualificados e inseridos na 2ª Edição 2005 Gráfico 02: Escolaridade dos jovens do CSJ-RMS Gráfico 03: Condições de vulnerabilidade social dos jovens Gráfico 04: Características étnicas dos jovens do CSJ-RMS

104 109 110 111


SUMÁRIO

RESUMO

08

ABSTRACT

09

LISTA DE FIGURAS

10

INTRODUÇÃO

12

HORIZONTE METODOLÓGICO

16

O CAMINHO DA PESQUISA

24

CAPÍTULO I – TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA PROPOSTA 30 PARA A EMPREGABILIDADE 1.1

CONSEQÜÊNCIAS

DAS

POLÍTICAS

NEOLIBERAIS

PARA

OS

PROCESSOS FORMATIVOS

37

1.1.1 OS (IN)ÚTEIS PARA O EMPREGO

39

1.1.2 O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

44

1.2 ESPAÇOS DE FORMAÇÃO PARA O MUNDO DO TRABALHO: PRÁTICAS E DISCURSOS 1.2.1 DA POBREZA AO BALCÃO DE ESPERANÇA: A TRAJETÓRIA DE GEÓRGIA ORGANIZAÇÕES

NÃO-GOVERNAMENTAIS:

57 64

1.2.2 O BALCÃO DE OPORTUNIDADES 1.2.3

50

DA

ORIGEM

ATUAÇÃO

À

66

CAPÍTULO II – GOVERNO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO QUE 78 SUPERA OS LIMITES (IM)POSTOS PELO CAPITAL? 2.1 OS CONSÓRCIOS SOCIAIS DA JUVENTUDE

87

2.2 O CONSÓRCIO SOCIAL DA JUVENTUDE SALVADOR E REGIÃO 97 METROPOLITANA 2.2.1 UM PASSAGEIRO NA TERCEIRA ESTAÇÃO DA JUVENTUDE

106


CAPÍTULO III – JOVENS ITINERANTES PARA O MUNDO DO 115 TRABALHO 3.1 O SERVIÇO CIVIL VOLUNTÁRIO: DA OBRIGAÇÃO À CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS

122

3.2 A ESTAÇÃO DA JUVENTUDE: UM ESPAÇO DE/PARA JOVENS

126

3.3 TRABALHO E ALTERIDADE JUVENIL

130

3.4

AÇÕES

COMPLEMENTARES

À

ESCOLA:

SIGNIFICADOS

CONTRADIÇÕES

E

136

3.5 MEU PRIMEIRO EMPREGO: DA (DES) ESPERANÇA AO MUNDO REAL

140

3.6 PRIMEIRO EMPREGO: DILEMAS E POSSIBILIDADES

144

3.7 JUVENTUDE E PROJETO DE VIDA

153

A GENTE QUER INTEIRO E NÃO PELA METADE: NOSSAS (IN) 158 CONCLUSÕES REFERÊNCIAS

164

ANEXOS

177


INTRODUÇÃO

O modelo de desenvolvimento econômico implantado no Brasil, nas últimas décadas, tem negado a homens e mulheres a condição de sujeitos de direitos. Atualmente, a situação se tornou ainda mais grave, pois, além da concentração de renda apontada pelos estudos de Mattoso (1996), elevaram-se, ainda mais, a pobreza, a miséria, o desemprego e a crescente precarização do trabalho.

As políticas sociais, que já eram precárias, pouco cidadãs, apesar de pretensamente universais, com o agravamento das condições econômicas e do Mundo do Trabalho, segundo o autor, sofreram triplamente. Inicialmente, pela redução de recursos que acompanhou os diversos ajustes fiscais e deteriorou qualitativamente os serviços sociais básicos. A posteriori, pela redução do uso de políticas universalistas e pela generalização do uso de programas/projetos sociais extremamente focalizados na relação com o seu público alvo. E, por fim, essas mudanças vieram, quase sempre, acompanhadas de propostas de reformas sociais, explicitamente privatizantes, favorecidas pela falência organizada dos serviços públicos.

Nesse sentido, o governo brasileiro mais uma vez acatou as recomendações de organismos internacionais como o Banco Mundial, aceitou passivamente as restrições financeiras resultantes da abertura indiscriminada, lançando-se na fantasia

das

políticas

reformistas

e,

por

conseguinte,

nas

políticas

compensatórias.

Como conseqüência, houve uma drástica redução de investimentos em políticas sociais. A doutrina imposta pelo ideário neoliberal, em prol da livre concorrência e da auto-regulação do mercado, remeteu o Estado à redução de suas funções, e este tem procurado promover suas políticas públicas através da privatização e, principalmente, da publicização dos seus serviços.


Com isso, a sociedade civil, sobretudo as ONGs, passa a assumir responsabilidades que, até então, de forma precária ou não, vinham sendo assumidas pelo Estado, através de projetos pontuais de combate à pobreza e à exclusão social. Esse terreno fértil à proliferação de novas organizações sociais possibilitou um crescimento assustador nos últimos anos, o que já era perceptível na década anterior à implantação da Reforma do Estado Brasileiro. Segundo Santos (1998), só entre 1975 e 1985 houve um aumento de 1.400% de assistência ao desenvolvimento centralizado nas organizações que atuam no campo social.

Nessa perspectiva, nos anos 90, constatamos uma consolidação massiva das Organizações Sociais que atuam como elaboradoras de projetos sociais e a conseqüente redução de movimentos orgânicos que atuavam, e ainda timidamente atuam, na mobilização e na luta pela garantia dos direitos sociais. Além disso, houve, também, o bum de organizações mercantis que imprimem aos seus programas, projetos e ações a marca do mercado, como bem ilustrou Francisco de Oliveira “meras operadoras do social”(2005, p. 17).

O desenho que se produziu no Brasil com a configuração dos novos papéis assumidos pelas organizações que atuam no campo social tem proporcionado o surgimento de vários programas e projetos voltados para diferentes segmentos, a exemplo da juventude que vem adquirindo visibilidade crescente nos últimos anos. Esse interesse se deve, acredito, sobretudo, ao aumento do desemprego e à precariedade da ocupação nesse segmento, pois segundo um dos últimos resultados da Pesquisa Mensal de Emprego, enquanto para os adultos presentes no mercado de trabalho, 9 (nove) em cada 100 (cem) encontravam-se desempregados, no caso dos jovens esse índicie saltava para, aproximadamente, 27 (vinte e sete) em cada 100 (cem), ou seja, três vezes mais1.

1

Cálculos aproximados, efetuados a partir das tabelas disponibilizadas pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego –PME, relativos a abril de 2004, realizada em seis regiões metropolitanas do país( Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo).


Sendo assim, a busca por alternativas para os problemas que envolvem a juventude, tem sido, nesse início de século, constante entre os governos e a sociedade civil. Todavia, as propostas implantadas, na sua maioria, atribuem um peso muito grande à educação (processo formativo) na superação e enfrentamento dos problemas.

Nesse cenário, surgem inúmeros programas, projetos e ações de diferentes naturezas e ideologias, mas minha atenção esteve/está sobre o Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, um projeto de qualificação e inserção de jovens no Mundo Trabalho, desenvolvido pela sociedade civil em parceria com o governo Federal, através do Ministério do Trabalho Emprego e Renda - MTE. Esse projeto, que é uma vertente do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego-PNPE, já vem sendo desenvolvido desde 2004, em quase todas as capitais brasileiras. Na Região Metropolitana de Salvador já concluiu 3 (três) edições, qualificando aproximadamente 4.000 (quatro mil) jovens nos dois últimos anos.

Devido à complexidade desse projeto e o tempo disponível para investigação dessa experiência formativa, o recorte da pesquisa deu-se na terceira edição do Consórcio, desenvolvido no ano de 2006, que qualificou 1.421 (um mil quatrocentos e vinte e um) jovens e inseriu, até o mês de dezembro desse ano, aproximadamente 450 (quatrocentos e cinqüenta) jovens no Mundo do Trabalho.

Contudo, minha intenção com este trabalho não é fazer uma avaliação em si do projeto, com seus respectivos resultados, mas tentar compreender, a partir da perspectiva dos/as Jovens participantes do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, qual a contribuição deste projeto para sua inserção no Mundo do Trabalho e para sua vida cotidiana.

Nessa direção, os objetivos almejados aqui são: compreender/descrever como o processo formativo do Consórcio Social da Juventude, a partir de seu


percurso formativo itinerante, contribui para inserção dos jovens participantes no Mundo do Trabalho, analisar a contribuição do Consórcio Social da Juventude na vida cotidiana e profissional dos jovens egressos do projeto e, por fim, descrever os processos de inserção dos jovens participantes no Mundo do Trabalho de Salvador e Região Metropolitana.

HORIZONTE METODOLÓGICO

Construir um referencial de análise que ajudasse a compreender as especificidades do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana constituiu-se um enorme desafio. Delinear uma pesquisa com jovens de lugares/comunidades diferentes, mas que passaram por um percurso formativo “comum”, trouxe a necessidade de se lançar mão de várias abordagens, identificadas no processo da pesquisa, como contributivas para a compreensão do meu objeto de estudo.

Inicialmente, foi preciso, para a construção desse referencial, despir-me de um paradigma de “verdade” presente na minha formação ocidental capitalista moderna e assumir que todo conhecimento humano é relativo, parcial, incompleto e que tem na complexidade e na multirreferencialidade seus princípios substratos.

Para tanto, necessitei dialogar com alguns referenciais, até então, não muito trabalhados na minha formação acadêmica. Esse diálogo partiu, a priori, das discussões feitas no mestrado, principalmente na disciplina Bases Filosóficas da Contemporaneidade. Para um grupo de colegas do programa de pósgraduação, era evidente a necessidade de (re)pensar a forma como ainda as pesquisas em educação se revelavam e se constituíam nesse cenário, afinal de contas

o

meu

mestrado,

Contemporaneidade.

por

excelência,

era/é

em

Educação

e


Essa minha inquietação partiu, sobretudo, do reconhecimento de que a ciência baseada em leis de causas/efeitos não estava alcançando os resultados esperados na contemporaneidade. Foi por meio de alguns estudos/pesquisas feitos na minha área de formação acadêmica, psicologia, e, sobretudo, em antropologia que conheci, um pouco, do movimento definido por Geertz(1998) como “gêneros borrados”, onde se observa uma constante mistura de gêneros entre os diversos campos do conhecimento, tais como filosofia, ciências sociais, psicologia dentre outros.

Este movimento foi iniciado com o desenvolvimento de novos paradigmas, métodos e estratégias de pesquisa em ciências sociais, tendo como ênfase teorias, tais como afirma Fagundes (2001): interacionismo simbólico, construtivismo, etnometodologia, semiótica, hermenêutica, psicanálise e vários paradigmas étnicos.

A antropologia, mesmo em seus ímpetos mais universalistas2, aguçava-me a relativizar o pensar constante de minha pesquisa, pois aquilo que eu estava vendo como objeto, dependia/depende do lugar em que foi visto e dos outros objetos que foram vistos ao mesmo tempo. As formas do saber são, sempre e inevitavelmente, locais inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros (Geertz, 1997). Dessa forma, tarefa central da tendência dos “gêneros borrados” é, portanto, a de dar sentido à situações locais.

Para Prigogine (1996, p.14), assistimos ao surgimento de uma ciência que não mais se limita a situações simplificadas, idealizadas, mas nos põe diante da complexidade do mundo real. O pensamento complexo questiona a forma de produzir conhecimento fragmentado, reducionista e mutilador da ciência clássica. A complexidade não se reduz a uma única vertente ou linha de pensamento, ao contrário, o que a caracteriza é a capacidade de considerar as influências recebidas, internas e externas. Compreender um objeto na sua complexidade significa também a relativa capacidade deste. Tal capacidade 2

Leia-se estruturalista ou sociobiológica


significa a impossibilidade de apreender o objeto como um todo e que o conhecimento sobre este será limitado pelo referencial construído para a sua compreensão.

A crença na incompletude de todo o conhecimento é a base do pensamento complexo de Edgar Morin. Para o autor (1997), complexidade não é onisciente, pelo contrário, é um pensamento que sabe ser local, situado em tempo e momento. Não é completo, pois traz sempre a incerteza, mas não cai no ceticismo resignado; ao contrário, lança-se na aventura incerta do pensamento, une-se à aventura incerta da humanidade desde o seu nascimento.

Ainda sobre esses aspectos, é esclarecedor Morin (2000) quando fala da importância de distinguirmos os diferentes aspectos do nosso pensamento, não os isolando ou os separando entre si, devido ao fato de os fenômenos apresentarem, em si mesmos, uma solidariedade que traz a necessidade de não se isolar os objetos. Este é o cerne do pensamento complexo: distinguir, mas não separar. Não se trata, pois, de misturar as coisas, trata-se de distingui-las e associá-las sem, contudo, homogeneizar, respeitando a diversidade, uma vez que a complexidade contém, em si, a impossibilidade de unificar, a impossibilidade do acabamento.

Ainda para o autor (1998), a epistemologia complexa poderá fazer-nos tomar consciência dos limites do conhecimento. A grande contribuição dessa epistemologia é, contudo, a compreensão de que conhecer é uma aventura incerta, frágil, difícil, trágica. É um processo que não segue um esquema sintético e harmônico; pois ele contém brechas entre cada instância.

Corroborando com a tese da complexidade do real, Ardoino (1998) propõe uma abordagem multirreferencial para uma leitura de objetos sociais práticos e teóricos.

A

multirreferencialidade

é

uma

resposta

à

constatação

da

complexidade das práticas sociais e, num segundo tempo, o esforço para dar


conta, de um modo um pouco mais rigoroso, desta mesma complexidade, diversidade e pluralidade (p.206).

Nesse sentido, a multirreferencialidade pode ser entendida como uma pluralidade de olhares dirigidos a uma realidade e uma pluralidade de linguagens para traduzir esta mesma realidade e os olhares dirigidos a ela. Para Fróes Burnham (1998), a aceitação da heterogeneidade que constitui o complexo e, portanto, a compreensão de que o exercício de reflexibilidade requerido por ela vai exigir um amplo espectro de referenciais que é o cerne da abordagem multirreferencial.

Essa abordagem não se reduz à idéia de multidimensionalidade, pois não basta adicionar dimensões para produzir uma análise que leve em conta as diferentes posturas que representem. A multidimensionalidade remete à idéia de que é possível explicar um fato, pela demonstração das variáveis explicativas que constituem e que permitem considerá-lo em sua totalidade. Para Coulon (1998), se isto pode ser considerado uma necessidade nas ciências da matéria, o mesmo não ocorre nas ciências humanas, porque estas são confrontadas com práticas sociais.

Vale ressaltar, ainda, que a multirreferencialidade não pode ser interpretada dentro de uma visão ingênua do vale-se tudo ou pode-se tudo teórica e metodologicamente. A abordagem multirreferencial atrela-se, antes de mais nada, ao balizamento preliminar das implicações que ligam o pesquisador ao seu campo e ao seu objeto.

A multirreferencialidade é um tipo de análise hermenêutica3, pois pressupõe a interpretação na produção do conhecimento e requer, sempre, uma 3

Do grego hermeneutikós, de hermeneuein, isto é interpretar, a hermenêutica é um termo originalmente teológico, designando a metodologia própria à interpretação da Bíblia; significando também a interpretação ou exegese dos textos antigos. O termo passou depois a designar todo esforço de interpretação científica de um texto complexo. No século XIX, Dilthey vinculou o termo “hermenêutica” à sua filosofia da compreensão vital (Macedo p.74). A palavra hermenêutica remete também ao deus-mensageiro-alado, Hermes, da mitologia grega. Hermes


compreensão das situações, em que os sujeitos implicados interagem intersubjetivamente.

A hermenêutica tem sido, na contemporaneidade, compreendida como uma teoria da interpretação, melhor dizendo, como tendências teóricas que lidam com a interpretação. Procura desvendar as formas de produzir e de captar sentido, compreender como se dá o sentido, enquanto elemento fundante da ação humana, o evento é seu objeto privilegiado.

A hermenêutica, associada à idéia de tornar compreensível, tem sido uma presença fundamental nas discussões em torno da diferença entre explicar, predominantemente nas ciências exatas, e compreender, nas ciências humanas e sociais. A hermenêutica tem posto em questão essa diferença ao desfazer a distinção epistemológica entre essas duas formas de fazer ciência. Sendo assim, tem nos mostrado que todo saber jamais alcança as coisas como elas realmente são; todas as formas de saber são, na verdade, formas de criação, de leituras, a partir da tradição e das linguagens, e não formas de descobertas.

A minha itinerância como pesquisador/aprendiz e, inicialmente, como estudante de psicologia e orientando de graduação de Afonso Henrique Lisboa4 possibilitou, também, um olhar para minha pesquisa a partir da fenomenologia. Esta não nasce como um método, dentro da tradição prescritiva ou normativa, nasceu do questionamento da dissolução da filosofia, no modo científico de pensar e foi se constituindo como uma crítica à ciência, sobretudo, a metafísica. Mas esta crítica, como bem evidencia Critelli (1996), não consiste apenas em formulações negativas, mas na formulação de outros modos de é o deus das estradas, que vive a percorrer e a mostrar caminhos, no desenvolvimento do seu trabalho, que é o de ser mensageiro de Zeus para o ser humano. Ele é o tradutor, o mediador entre esses dois mundos diferentes. Enquanto portador e mediador de uma mensagem, tem a função da transmutação -transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender (PALMER, 1997). Hermes é um deus mundano, gosta de se misturar ao povo; de experimentar a vida cotidiana; precisa conhecer esse mundo para “tornar compreensível” aos homens as mensagens divinas. 4 Psicólogo e pesquisador da Psicologia Fenomenológica Existencial. Foi aluno de Carl Rogers e atualmente coordena o Laboratório de Psicologia Fenomenológica em Maceió/Alagoas


compreender tudo o que existe e que já tenha significado pelo olhar metafísico, tal como as noções de homem, mundo, corpo, percepção, história.

Na fenomenologia, segundo Macedo (2004), a realidade é o compreendido, o interpretado e o comunicado. Não havendo uma só realidade, mas tantas quantas forem suas interpretações e comunicações, a realidade é perspectival. Ao colocar-se como tal, a fenomenologia invoca o caráter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade da verdade, por conseguinte, não há absolutidade de qualquer perspectiva. Nestes termos, a relatividade da perspectiva é, simultânea e necessariamente, o reconhecimento da relatividade da verdade (Critelli, 1996, p. 47).

A fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária. O mundo do sujeito, as suas experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são, portanto,

os

núcleos

de

atenção

da

fenomenologia.

Na

visão

dos

fenomenólogos são os sentidos dados a essas experiências que constituem a realidade, ou seja, a realidade é socialmente construída ( Berger & Lukmann, 1985).

Os saberes construídos e investigados nessa pesquisa, seja por mim enquanto pesquisador, seja pelos jovens depoentes/informantes, têm, desse modo, suas raízes na fenomenologia, mais precisamente na chamada fenomenologia social, pois entende-se o saber social como um conjunto de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, produzidos pelos jovens, na vida cotidiana, para dar conta dos seus interesses.


Muito próximo à fenomenologia, o interacionismo simbólico5 também nutriu a construção do meu percurso formativo de pesquisador, uma vez que assumi como pressuposto que a experiência humana é mediada pela interpretação, a qual não se dá de forma autônoma, mas à medida que o indivíduo interage com o outro. São por meio das interações sociais dos indivíduos no seu ambiente que vão sendo construídas as interpretações, os significados ou a sua visão de realidade. Para Mead (1998), como se desenvolve essa visão é que constitui o objeto de investigação do interacionismo simbólico.

Desse modo, a fenomenologia social, assim como o interacionismo simbólico, aproximou-me de uma outra abordagem que também é/foi de interesse para meu estudo, que é a etnometodologia6, tendo como o seu mais conhecido representante Garfinkel (1976). Contrariamente ao que o termo sugere, a etnometodologia não se refere ao método que o pesquisador utiliza, mas ao campo de investigação. É o estudo de como os indivíduos compreendem e estruturam o seu cotidiano, isto é, procuram descobrir os métodos que as pessoas usam no seu dia-a-dia para entender e construir a realidade que as cerca.

Para Lapassade (1996), entende-se por etnometodologia o estudo dos etnométodos, termo criado por Garfinkel, fundador dessa corrente, para designar os processos que são utilizados na vida cotidiana para comunicar e interpretar o social “para todos os fins práticos” e que são, conseqüentemente, constitutivos do raciocínio sociológico prático.

Nesse sentido, a abordagem etnometodológica identifica-se, explicitamente, com o método hermenêutico de Heidegger, pois para os etnometodólogos, somos seres da prática e, por isso, estamos sempre (re)construindo nossas práticas da vida cotidiana. 5

Blumer (1969, p.18) foi quem cunhou o termo interacionalismo simbólico em 1937. O próprio Garfinkuel nos relata que o termo etnometodologia foi empregado para referir-se à investigação das impropriedades racionais das expressões indexais e de outras ações práticas, enquanto realizações contigentes e contínuas das práticas organizadas e engenhosas da vida de todos os dias. (Garfinkuel, 1985) 6


Muito similar ao interacionalismo simbólico, desenvolve-se na antropologia uma tendência que se tornou conhecida como etnografia7. Segundo Spradley (1979), a principal preocupação da etnografia é com o significado das ações e os eventos que emanam das pessoas e grupos estudados. De qualquer maneira, diz ele, em toda sociedade as pessoas usam sistemas complexos de significados para organizar seu comportamento, para entender sua própria pessoa e os outros e dar sentido ao mundo em que vive. Esses sistemas de significados constituem a sua cultura. Para Spradley (1979, p19). a cultura é, pois, o conhecimento já adquirido que as pessoas usam para interpretar experiências e gerar comportamentos. Neste sentido, a cultura abrange o que as pessoas fazem, o que elas sabem, o que elas constroem e usam.

Todas essas contribuições das abordagens/tendências/movimentos aqui elencados foram estruturantes para o meu Estudo de Caso Etnográfico8. Chamo esse trabalho investigativo de Estudo de Caso Etnográfico, porque preenche os requisitos da etnografia e, adicionalmente, é um sistema bem delimitado, isto é, uma unidade com limites bem definidos - jovens de um determinado projeto social.

Nessa perspectiva, Merrian (1988 apud ANDRÉ, 2001) evidencia que os Estudos de Caso Etnográfico buscam o conhecimento do particular, são descritivos, indutivos e buscam a totalidade. Além disso, eles estão mais preocupados com a compreensão e a descrição do processo do que com os resultados comportamentais. Para André(2000), a preocupação está com o processo, que envolve, por um lado, a descrição do contexto da população em

7

Para Marli André(2000), é desenvolvida pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade. Etimologicamente etnografia significa “descrição cultural”. Para os antropólogos, o termo tem dois sentidos: (1) um conjunto de técnicas que eles usam para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social; e (2) um relato escrito resultante do emprego dessas técnicas. 8 Segundo André (2000,p.30), o estudo de caso etnográfico só vai surgir recentemente na literatura educacional numa acepção bem clara: a aplicação da abordagem etnográfica ao estudo de um caso. Isto quer dizer que nem todos os tipos de estudo de caso inclui-se dentro da perspectiva etnográfica de pesquisa. da mesma forma nem todo estudo do tipo etnográfico será um estudo de caso.


estudo e, por outro lado, a tentativa de verificar como evoluiu o evento, projeto ou programa estudado.

Para chegar à descrição do processo investigativo aqui apresentado, busquei, sempre que possível, nortear minhas ações pela escuta sensível desenvolvida por Barbier(2004). Mesmo sabendo que a escuta sensível reconhece a aceitação incondicional do outro, esforcei-me o máximo para não julgar, não medir, não comparar. Mas essa escuta sensível não siginifica/significou a minha ausência ou apatia/frieza com/no locus, ao contrário, afirmei minha coerência, ao comunicar minhas emoções, meu imaginário, minhas perguntas e meus sentimentos.

Para falar a respeito da escuta sensível em uma abordagem multirreferencial, Barbier (2004) utiliza-se de uma espécie de dialética negativa: fala do que a escuta não é, para poder conseguir esboçar, no vazio, o que ela poderia se tornar no ato mesmo de viver. A multirreferencialidade está ligada a esse assumir um “vazio criador” da complexidade do objeto. Ela é um tipo de questionamento permanente a respeito desse vazio. A prática humana e social é percebida como uma infinidade de referências que nenhum tipo de análise poderá esgotar.

Além de adentrar em um mundo de infinitas possibilidades, estive lutando, permanentemente, com algumas questões: como me situar nos limites entre a implicação9 de quem fez/faz parte, indiretamente, do próprio objeto da pesquisa (como coordenador pedagógico do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana 10) e o distanciamento necessário para se permanecer pesquisador.

Como

encontrar

o

equilíbrio

entre

a

implicação

e

o

distanciamento? Para estas questões e muitas outras emergidas no locus da

9

Para Barbier (1996), implicação é o sistema de valores últimos, os que ligam à vida, manifestados em última instancia, de uma maneira consciente ou inconsciente, por um sujeito na sua relação com o mundo, e sem a qual não poderia haver comunicação. 10 Após uma caminhada por outros Espaços/Mundo do Trabalho, em 2005 assumi a coordenação Pedagógica do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região metropolitana.


pesquisa, não tinha, a priori, respostas; o caminho se fez no próprio caminhar, orientado pelo referencial construído para a pesquisa.

Os procedimentos metodológicos utilizados para construir esse caminho e dar corpo ao meu Estudo de Caso Etnográfico foram: a análise de documentos, memoriais, relatos orais/entrevistas e grupos focais.

O CAMINHO DA PESQUISA

Inicialmente, sem muita clareza do que de fato deveria registrar ou apreender do objeto, transitei pelos diversos espaços formativos oferecidos pelo Consórcio Social da Juventude. Durante os primeiros 5 (cinco) meses de pesquisa de campo visitei as 38 (trinta e oito) turmas existentes do Consórcio11.

Além da observação in loco das atividades desenvolvidas, realizei conversas informais com a maioria dos jovens participantes, professores e coordenadores pedagógicos envolvidos. Essa observação direta no campo teve o sentido de buscar/compreender as situações práticas, de maneira mais ampla possível, tentando perceber as suas relações, dinâmicas e contradições. Para tanto, estive também presente em 10 (dez) reuniões do Conselho Jovem na Estação da Juventude, entrevistando todos os conselheiros na tentativa de captar as cenas, as falas mais significativas do processo que pudesse responder à questão central da minha pesquisa: Na perspectiva desses jovens participantes do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, qual a contribuição do projeto para sua inserção no Mundo do Trabalho e para sua vida cotidiana?

Foram visitadas 38 turmas, sendo 35 em Salvador e 3 na Ilha de Itaparica e de Vera Cruz.

11


Depois de muitos diálogos com minha orientadora e co-orientadora, sobretudo nos encontros do grupo de pesquisa12, consegui construir melhor as questões norteadoras desse caminhar: Qual a contribuição do Consórcio Social da Juventude no processo de inserção dos seus egressos no Mundo do Trabalho? Como os saberes e espaços formativos apropriados pelos jovens do Consórcio Social da Juventude, ao longo do seu processo formativo itinerante,

são

ressignificados na sua vida cotidiana e vida profissional?

Com a melhor definição do problema, das questões norteadoras e, por conseguinte, dos objetivos a serem alcançados ao longo da pesquisa, (re)iniciei uma revisão em todos os documentos impressos publicados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pela Avante Educação e Mobilização Social (entidade âncora do

Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região

Metropolitana)13 14, jornais de maior circulação do Estado e 5 (cinco) revistas de outros consórcios15. A leitura desses materiais foi significativa para o melhor entendimento da proposta, bem como para construção de um dos capítulos desse trabalho.

Após o diálogo constante com alguns dos referenciais teóricos, escolhi os informantes/depoentes da etapa seguinte da pesquisa, adotando tais critérios:

Jovens que participaram de todos os componentes formativos nas 400 horas;

Jovens representantes das diferentes ONGs envolvidas na execução do projeto, com/em suas diferentes territorialidades;

12

Esse grupo de pesquisa foi construído pela professorada Drª.Ronalda Barreto Silva e contou com a imensa participação dos estudantes de mestrado: Lucina Leitão, Zilda Paim, Ana Lúcia, Leonan Ferreira, Rita de Cássia, Elivânia e Eu, além dos bolsistas da graduação: Paula Grejianin e Lucciane. A todos desse grupo eu agradeço o aprendizado construído, a paciência constante e acolhida permanente. 13 Muitos documentos a que tivemos acesso na entidade âncora, a exemplo das súmulas das reuniões de entidades participantes, não foram ainda veiculados em nenhum meio de comunicação. 14 Foram pesquisadas as revistas publicadas nos consórcios de Fortaleza, Brasília, Guarulhos, São Paulo e Vitória do Espírito Santo. 15 Através das modalidades: emprego formal - CLT, empreendimentos solidários, estágios, autônomos e pela Lei da Aprendizagem.


E, sobretudo, jovens inseridos no Mundo do Trabalho16.

A partir dos critérios elencados, os 30 (trinta) jovens escolhidos foram orientados para a construção de um Memorial17. Desses, apenas 22 (vinte e dois) entregaram-no em tempo hábil para a análise. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizadas duas técnicas complementares: a entrevista e o grupo focal, onde as informações coletadas nos memoriais e nas entrevistas/relatos orais serviram de base para a discussão no grupo focal.

Com o término das aulas do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana e devido aos distantes e diferentes locais de trabalho e/ou residência, essa fase da pesquisa demandou muito tempo para percorrer o locus por inteiro. Isso, todavia, não comprometeu o desenvolvimento da pesquisa,

pelo

contrário,

colocou-me

numa

posição

de

itinerante

pesquisador/aprendiz muito privilegiada, pois pude, durante dias, dialogar e observar

esses

jovens

nas

suas

vidas

cotidianas

e,

sobretudo,

observar/compartilhar os etnométodos construídos em suas vidas e no Mundo do Trabalho.

Após a coleta desses memoriais e de alguns relatos orais, comecei a planejar junto com os jovens os nossos próximos encontros, visto que precisávamos aprofundar algumas questões por eles apresentadas.

Devido aos motivos já mencionados, só consegui coletar entrevista18 com 22(vinte e dois) jovens que participaram da etapa anterior. O momento da entrevista considerei como prática discursiva, de forma a entendê-la como ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade (Pinheiro, 2000: 184). Para tanto, utilizei a entrevista semi-estruturada ou entrevista aberta, pois acreditava/acredito que essa modalidade permite ao entrevistador uma maior flexibilidade, na medida 16

Anexo, plano de construção de memorial(Ver anexo A). Anexo, plano de entrevista (Ver anexo B). 18 Para um estudo mais detalhado consultar Castro (2001, p.33) 17


em que pode se alterar a ordem das perguntas e se tem ampla liberdade para fazer intervenções, de acordo com o andamento da entrevista.

Com muita vontade de contribuir com a pesquisa e, acredito, com o desejo consciente ou não, de serem ouvidos e acolhidos, no dia 30 de dezembro de 2006, realizamos o nosso grupo focal com 10 jovens que participaram de todas as etapas anteriores. Foi um momento muito rico da pesquisa, uma vez que não só trouxe novos elementos para análise, como também possibilitou a troca coletiva de olhares sobre o mesmo objeto, além do reencontro genuíno desse coletivo de jovens que compartilharam, durante os meses de execução do Consórcio, alegrias, contradições e aprendizados.

A escolha desses instrumentos e técnicas para esse estudo e, principalmente, o grupo focal deu-se por se tratar de uma pesquisa qualitativa de recorte etnográfico cujo objetivo é compreender significados e a produção de sentidos a partir de um processo formativo itinerante, construído numa relação, predominantemente, coletiva.

O trabalho com grupo focal, para Saupe (2004), vem sendo estudado pelas Ciências Sociais, em especial pela Psicologia Social, Psiquiatria e mais recentemente na Educação. Neto (2001) define o grupo focal como uma técnica de pesquisa na qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante um certo período, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do diálogo e do debate entre eles, informações sobre um tema específico.

Deste modo, esta técnica pode ser vista como uma forma complementar da entrevista, visto que o grupo focal tem por finalidade obter a fala em debate, onde vários pontos são discutidos, gerando conceitos, impressões e concepções sobre determinado tema, entre os participantes do grupo. Os dados, assim obtidos, são de natureza essencialmente qualitativa.


Corroboram com essa definição Victora, Knaut, e Hassen(2000), quando esclarecem que

a finalidade desta técnica

é deixar emergir as diferentes

visões sobre o mesmo objeto para se apreender as diferentes visões de mundo ou de determinados temas, ou mesmo quando se quer entender em profundidade um comportamento dentro de um grupo determinado.Nessa perspectiva, Tanaka e Melo (2001) elucidam que o mais importante é a interação que se instaura entre os participantes.

O caminho metodológico usado nesta pesquisa aglutina método, técnicas e instrumentos de pesquisa numa abordagem compreensiva, que procura trabalhar o conteúdo de manifestações da vida social, próprias às atividades dos sujeitos, que interagem em função de significados (individuais, sociais, cultuais, etc), atribuídos tanto à própria ação quanto à relação com os outros. As categorias e conceitos analíticos, aqui apresentados, foram (re)construídos, sobretudo, a partir das narrativas, memoriais, relatos orais e observações in loco dos jovens pesquisados.

Desse modo, a opção por essa metodologia que trabalha com significados, em lugar somente de inferências estatísticas, possibilitou a construção de conexões entre as categorias abordadas, das regularidades, das contradições e dos conflitos que estruturam o meu objeto de pesquisa. Os resultados de todo esse processo, embora estejam mais explícitos nos dois últimos capítulos desse trabalho, foram estruturantes e mobilizadores para a compreensão sistêmica de toda a dissertação.

Nessa perspectiva, o referencial teórico consultado está presente em todo o trabalho, mais precisamente explorado no primeiro capítulo, orientando no sentido de buscar compreender o Consórcio Social da Juventude de Salvador como uma política focalizada, desenvolvida pela sociedade civil, especialmente pelas ONGs, e sua contribuição para o seu público alvo, os jovens. Por isso, a trajetória da exposição que se segue está organizada em capítulos distintos e


complementares, apresentados a partir de uma lógica construída que melhor me orientou na construção desse trabalho.

A busca constante em compreender o objeto foi meu ponto de partida e de chegada. Desse modo, iniciei o trabalho a partir das discussões Neoliberais e a Reforma do Estado Brasileiro, por entender que são estruturantes e fomentadoras de novas Organizações Sociais, principalmente as ONGs responsáveis pelo desenvolvimento e/ou implantação de programas e ações de natureza focalizada, a exemplo de projetos com a Juventude.

Para tanto, utilizei como suporte teórico, para fundamentar esta pesquisa, autores de várias áreas do conhecimento e, sobretudo, de diferentes ideologias; dentre eles destaco: Robert Castel, Gaudêncio Frigotto, Cláudio Dedecca, Maria Ciavatta, Ricardo Antunes, Delcele Queiroz, Mary Garcia Castro, Ronalda Barreto Silva, Pablo Gentilli, Milton Friedman, Friedrich Hayek, Adam Smith, Bresser Perreira, Maria da Glória Gohn, Alan Tourani, Alberto Melucci e Carlos Montaño.

A trajetória que se segue está organizada em três capítulos distintos e complementares.

O

primeiro

capítulo

trata

de

situar

as

principais

conseqüências das políticas neoliberais para os processos formativos do Mundo do Trabalho em decorrência não apenas da globalização, como também da emergência de novos atores na implantação de políticas voltadas para a empregabilidade.

O segundo capítulo faz uma análise da relação construída entre governo e sociedade para a implantação de um projeto de juventude, os Consórcios Sociais da Juventude; apresenta um breve panorama dos Consórcios Sociais da Juventude existentes no Brasil, focando no de Salvador e Região Metropolitana, e analisa, principalmente, o percurso formativo da terceira edição do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana,


a partir do diálogo estabelecido entre teóricos, observação em locus e análises documentais.

O terceiro capítulo expõe a itinerância dos jovens participantes da terceira edição do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana à procura do primeiro emprego e a contribuição do projeto nesse processo e para suas vidas cotidianas, por meio do currículo e dos espaços construídos.


CAPÍTULO 1. TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA PROPOSTA PARA A EMPREGABILIDADE

Nas duas últimas décadas, o crescimento e o desenvolvimento a qualquer custo, imposto pelas propostas neoliberais e pelas políticas reformistas do Estado, fizeram com que os Estados-Nação assumissem outras formas e modelos de gerenciamento, que passaram a ir ao encontro das exigências, não só do mercado, mas, principalmente, daquelas expressas por essa Ordem emergente. Nesse sentido, novas discussões e diferentes formas de manifestações sociais passaram a se fazer presentes no cenário sócio – econômico - político dos Estados Nação.

Segundo Gohn (1999), o mundo mudou bastante nos anos 90 e com ele a realidade nacional brasileira: a globalização da economia avançou, as políticas neoliberais ganharam centralidade, o desemprego aumentou, o processo de trabalho se transformou com a informatização tecnológica; as empresas realizaram reengenharia e promoveram enxugamentos nos seus quadros de funcionários. O Estado passou a patrocinar políticas de inserção social para os indivíduos excluídos do acesso ao mercado de trabalho, ou destituídos de seus direitos sociais, por meio de políticas compensatórias.

Todas essas transformações trazem, na sua essência, conseqüências inúmeras e perversas, principalmente por fazer crer que vêm, principalmente, para diminuir fronteiras entre os países e equalizar as desigualdades entre os homens. Por isso, entender os dilemas e impasses que a sociedade contemporânea vivencia hoje é, sobretudo, dispor-se a entender complexos processos que surgiram ao longo da história da humanidade, nos planos econômico, social, ideológico, ético, político, educacional e, principalmente, os processos formativos para o Mundo do Trabalho.


Vários acontecimentos marcaram a itinerância da nossa formação histórica, mas, indiscutivelmente, a crise do capitalismo deixou marcas cravadas em todas as nações, principalmente nas mais historicamente excluídas. Foi a partir dos anos 70, que a chamada Era de Ouro, característica do período posterior à II Guerra Mundial, entrava em crise (HOBSBAWM, 1995, p. 253). Assistia-se no mundo desenvolvido a um quadro de diminuição do crescimento, queda dos investimentos no setor produtivo, aceleração geral dos preços e endividamento dos governos – o que representou, em última instância, tanto a falência do modelo fordista de acumulação capitalista quanto a crise da ordem social do Welfare State.

No esforço de lidar com essa crise, o chamado “neoliberalismo” começou a ganhar terreno e emergiu como contraponto político, econômico e ideológico à predominância da intervenção estatal característica da Era de Ouro. Na América Latina, a difusão desse ideário deu-se de modo um pouco diferente. Como afirma Wallerstein (2000), enquanto nos países centrais ela representou o auge do Welfare State e do keynesianismo, na América Latina, a Era de Ouro foi marcada pelo desenvolvimentismo, que entrou em crise nos anos 80.

Seja nos países ricos ou pobres, é consenso que o neoliberalismo é um complexo processo de construção hegemônica, configurando-se como uma alternativa de poder extremamente vigorosa, constituída por uma série de estratégias políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a crise capitalista que se inicia ao final dos anos 60 e que se manifesta claramente nos anos 70.

A força com que chegou esse ideário em todas as partes do mundo deve-se, segundo Gentilli (2001), ao fato de ter conseguido impor uma intensa dinâmica de mudança material e, ao mesmo tempo, uma não menos intensa dinâmica de reconstrução discursivo-ideológica da sociedade, processo derivado da enorme força persuasiva que tiveram e estão tendo os discursos, os diagnósticos, as


estratégias argumentativas e a retórica neoliberal, elaborada e difundida por seus principais expoentes intelectuais19

Desse modo, vale lembrar, que o neoliberalismo não constitui um corpo teórico à parte da tradição liberal, mas tende a radicalizar alguns aspectos do liberalismo que os liberais clássicos mantinham com receio, pois, para Andrioli (1999), o neoliberalismo é a “ala direita” do liberalismo, sendo concretizado em orientações de governo e a disseminação de valores em torno do mito do “Estado Mínimo”.

Assim, conforme orienta o autor, a partir da década de 70 o capitalismo sofreu um enorme desgaste e, com a incorporação de tecnologia, aumentando a crise de superação, houve uma gradativa redução na taxa de lucros e no crescimento econômico. Como solução do problema, foram disseminadas as idéias, principalmente, de Friedrich Hayek e Milton Friedman, reforçando a idéia da competitividade no livre mercado e retirada da influência do Estado sobre a economia.

Dessa forma, Friedman (1987), influenciado pelas idéias de Smith, esclarece que o papel do governo seria o de preservar a liberdade, preservar as leis e a ordem, reforçar os contratos privados e promover mercados competitivos. Entretanto, evidencia a dificuldade em se construir e manter uma sociedade livre, pois a presença do Governo necessário à preservação da liberdade se constitui, também, numa ameaça.

Para essa liberdade, central no discurso neoliberal, o autor questiona a (in)compatibilidade com os ideais de “igualdade”. Para Friedman há dois tipos de igualdade: a igualdade de oportunidade e igualdade de resultados. A primeira seria aquela defendida pelo liberalismo, que advoga que todos os 19

Num sentido gramsciano, por seus intelectuais orgânicos.


indivíduos tenham a mesma oportunidade de atingir seus objetivos, de acordo com seus talentos individuais. Já a igualdade de resultados vai de encontro com a “liberdade”, pois, para que todos possam estar no mesmo nível de vida, seria necessário promover “quinhões eqüitativos para todos”, através da intervenção e ampliação do Estado.

Contrário aos defensores do mercado como alargador das desigualdades sociais e favorável às idéias da igualdade de oportunidades, Friedman afirma que é um mito pensar que o rico explora o pobre. Como conclui o autor na sua principal obra:

Em todos os casos em que se permitiu que funcionasse o mercado livre, em todos os casos em que existiu algo parecido com a igualdade de oportunidades, o zépovinho(grifo nosso) conseguiu atingir níveis de vida jamais sonhados. Em parte alguma é a brecha entre rico e pobre mais profunda, em parte alguma os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres, do que nas sociedades que proíbem a operação do mercado livre. (FRIEDMAN, 1987, p. 150.)

Desse modo, os tecnocratas neoliberais, bem como os tradicionais liberais clássicos, sustentam a tese de que, assim como os homens e mulheres herdam bens materiais, herdam também capacidade e talento. Conforme orienta Friedman (1987, p.141),

Grande parte do fervor moral por trás da campanha pela igualdade de resultados vem da crença geral de que não é justo que algumas crianças tenham maiores vantagens do que outras apenas porque e, por acaso, nasceram de pais ricos. Claro, não é justo. Contudo, a iniqüidade pode assumir numerosas formas, como, por exemplo, a herança de propriedades – títulos e ações, casas, fábricas, mas também a forma de herança de talento – capacidade musical, força física, gênio matemático. Pode-se interferir, e é bom lembrar isto, muito mais facilmente na herança de propriedades do que na de talento. Mas do ponto de vista ético haverá alguma diferença entre as duas?


Gentilli (2001) considera que a penetração social desses discursos perversos não

foi produto do acaso nem apenas uma questão decorrente dos méritos intelectuais daqueles obstinados professores universitários. Foi no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime de acumulação fordista que a retórica neoliberal ganhará espaço político e também, é claro, densidade ideológica.

As idéias e práticas neoliberais se arrastam por todo o mundo, deixando seqüelas por toda a parte. A América Latina, de fato, foi o cenário do primeiro experimento político do neoliberalismo em 1973. Para Anderson (1995, p. 19), a ditadura de Pinochet foi responsável pela forte desregulação, desemprego maciço, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos e privatização dos bens públicos. As vítimas desse ideário não se esgotaram nessa experiência, pois nos anos a posteriori e, no contexto das incipientes democracias pós-ditatoriais, o neoliberalismo chegara ao poder, na maioria das nações da região, pela via do voto popular.

Sabiamente, elucida Gentilli (2001) que, durante a segunda metade do século XX, o neoliberalismo deixou de ser apenas uma simples perspectiva teórica produzida em confrarias intelectuais para orientar as decisões governamentais em grande parte do mundo capitalista, sendo uma delas a reforma dos Estados nacionais, uma vez era preciso uma estrutura mais flexível que pudesse atender às novas demandas do mercado. Desse modo, Soares (2000) afirma que o neoliberalismo produziu um “novo estado” sob o poder das grandes empresas que ditam regras, passando-se da minimização do Estado à sua reconstrução para um novo papel de desenvolvimento.

Essas alterações fizeram com que o panorama geopolítico nacional e internacional passasse a buscar novos arranjos. Modificou-se a estrutura interna dos Estados-Nação, novas diretrizes foram traçadas, elaboradas novas legislações e tratados, países unificados, e ainda a criação e manutenção de conflitos e guerras. Acordos econômicos passaram a predominar na pauta dos


assuntos mais importantes e a palavra de ordem atualmente passou a ser a globalização.

Somos obrigados a (com)viver numa conjuntura constantemente contraditória: de um lado, o enorme crescimento da produtividade e da incorporação de novas tecnologias, principalmente da microeletrônica e da informática à organização da produção e, de outro, a eliminação de postos de trabalho, levando à crescente exclusão de um número cada vez maior de trabalhadores/as no/do mercado de trabalho, especialmente os jovens, muitos deles ainda em busca do primeiro emprego. Com isso, a reprodução da relação capital-trabalho tomou novos rumos; desenvolveu um monopólio das novas tecnologias, superando mercados e fronteiras, regimes políticos e projetos nacionais, culturais e civilizatórios. Globaliza-se tudo, caracterizando-se como um processo de mundialização sócio-político-econômico-cultural.

Para uma reflexão crítica a respeito dessa globalização, vale referir a categorização construída por Milton Santos (2004. p 18): se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. Para o autor, o primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula. O segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade20. O terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.

A “globalização como fábula” representa a dimensão produzida pela “máquina ideológica” que através de um sem número de recursos potentes, como a mídia, nos faz acreditar em muitas fantasias. Uma delas, a certeza de que viveremos numa “aldeia global” pelo fato de acreditarmos que a difusão instantânea de notícias e informações aproxima e informa as pessoas. Há uma falsa impressão de que o mundo está menor e que todos podem deslocar-se rapidamente para qualquer parte. Fazem-nos crer que existe um mercado global capaz de atender a todos, de “homogeneizar o planeta” e permitir a 20

Grifo meu


todos a satisfação de seus desejos de consumo e satisfação de necessidades básicas, mas, na realidade, este mercado só está verdadeiramente à disposição de um grupo privilegiado, representativo de uma pequena parte da população. Assim, mais uma vez, a mundialização da sociedade capitalista usa de todos os meios para transformar em “ideologia dominante a ideologia da classe dominante”. (2004, p.18)

De fato, para maior parte da população, a globalização está se impondo como uma

fábrica

de

perversidade,

provocando

um

aprofundamento

das

desigualdades sociais, onde grande parte de homens e mulheres permanecem à margem da maioria dos benefícios sócio-culturais. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE, 2004), só na cidade de Salvador mais de 27% da população economicamente ativa está desempregada, o que expressa o maior índice de desemprego do Brasil. De acordo com os dados da DIEESE (2006), em 2005, no Distrito Federal e nas cinco regiões metropolitanas em que a

PED21 é realizada, entre os

ocupados com mais de 16 anos (15,2 milhões), os jovens representaram uma proporção de 20,7%, totalizando 3,2 milhões de pessoas. No entanto, quando se consideraram os desempregados, a proporção foi bem maior: entre os 3,2 milhões de desempregados acima de 16 anos nas regiões metropolitanas analisadas22, 1,5 milhão de pessoas estava na faixa etária entre 16 e 24 anos, o que significa 45,5% do total de desempregados acima de 16 anos. A taxa de desemprego verificada nas áreas metropolitanas vem sofrendo elevações significativas. Entre a PEA23 juvenil das regiões pesquisadas, na Região Metropolitana de Salvador (41,4%) foi observada a taxa mais elevada, seguida de Recife (39,9%), Distrito Federal (35,4%), Belo Horizonte (30,5%), São Paulo (29,8%) e Porto Alegre (26,3%), conforme tabela abaixo.

21 22 23

Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios. Salvador, Recife, Distrito Federal, Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo. População Economicamente Ativa.


TABELA 01 Taxas de desemprego dos jovens de 16 a 24 anos Regiões Metropolitanas e Distrito federal – 2005

Regiões Metropolitanas e Distrito Federal

Taxas de Desemprego Jovens de 16 a 24 anos

Belo Horizonte Distrito Federal Porto Alegre Recife Salvador São Paulo

30,5 35,4 26,3 39,9 41,4 29,8

Fonte: Convênio DIEESE/Seade, TEM/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração: DIEESE

Fica evidente, a partir dos dados elencados, a verdadeira face da globalização, que assim pode ser descrita: A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos

competitivos

que

atualmente

caracterizam

as

ações

hegemônicas (SANTOS, 2004, p 20). Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo neoliberal e de globalização.

1.1- CONSEQÜÊNCIAS DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS PARA OS PROCESSOS FORMATIVOS

O processo de implantação e disseminação da onda neoliberal incide, sobretudo, na esfera das políticas educacionais, pois não há como pensar a educação e seus processos formativos (in)formais isolada do próprio contexto (macro) sócio-político e econômico em que ela está imersa, ou que dele derivou.

Para Frigotto (1995), tentar compreender, hoje, os dilemas e impasses do campo educativo faz-se necessário, a priori, entender que a crise da educação somente é possível de ser compreendida no escopo mais amplo da crise do capital real, no plano internacional e com as especificidades em nosso país.


Trata-se de uma crise que está demarcada por uma especificidade estrutural em todos os planos econômicos, sociais, políticos e educacionais.

Para os neoliberais, entender essa crise da educação com seus processos formativos, nada mais é do que justificar a falência dela a partir de uma ineficiência do Estado. A justificativa central é de que o setor público (leia-se Estado) é responsável pela crise, pela ineficiência, e que o mercado (leia-se privado) é a certeza de eficiência e qualidade.

Segundo os neoliberais, esta crise se explica, em grande medida, pelo caráter estruturalmente ineficiente do Estado para gerenciar as políticas públicas. O clientelismo, a obsessão planificadora e os improdutivos labirintos do burocratismo estatal explicam, sob a perspectiva neoliberal, a incapacidade que tiveram os governos para garantir a democratização da educação e, ao mesmo tempo", a eficiência produtiva da escola. A educação funciona mal porque foi malcriadamente peneirada pela política, porque foi profundamente estatizada ( GENTILI,

1994, p.16).

Para os tecnocratas neoliberais, a ausência de um verdadeiro mercado educacional permite compreender a crise de qualidade que invade a educação. Construir tal mercado constitui um dos grandes desafios que as políticas neoliberais assumiram no campo educacional, pois para eles só o mercado, cujo dinamismo e flexibilidade expressam o avesso de um sistema educativo rígido e incapaz, pode promover os mecanismos fundamentais que garantem a eficácia e a eficiência dos serviços oferecidos.

Como afirma Silva (2001)

é na perspectiva da mercantilização que se verificam as propostas neoliberais para a educação, nas quais a esfera privada se alargaria em detrimento da esfera pública, com base na tese da ineficiência do Estado, em contraposição à propagada eficiência do Mercado, tendo como principais justificativas redução de custos, maior controle sobre o produto e, conseqüentemente, aumento da eficiência, qualidade e eqüidade. Essas propostas são veiculadas através dos organismos internacionais fomentadores de políticas educacionais, a exemplo do Banco Mundial (p. 166).


Vale lembrar, porém, que para os neoliberais a crise educacional não se reduz apenas à existência de certo modelo de Estado. Os indivíduos também são culpados pela crise na medida em que aceitam como natural e inevitável o estabelecido por aquele sistema improdutivo de intervenção estatal. Os pobres são culpados pela pobreza; os desempregados pelo desemprego; os corruptos pela corrupção; os sem-terra pela violência no campo; os jovens pela violência e os professores pela péssima qualidade dos serviços educacionais. O neoliberalismo privatiza tudo, inclusive o êxito e o fracasso social. Nessa direção, êxito e fracasso, segundo Gentilli (2001), são considerados variáveis dependentes de um conjunto de opções individuais através das quais as pessoas jogam dia a dia seu destino, como num jogo de baccarat. Se a maioria dos indivíduos é responsável por um destino não muito gratificante é porque não souberam reconhecer as vantagens que oferecem o mérito e o esforço individuais através dos quais se triunfa na vida. É preciso competir, e uma sociedade moderna é aquela na qual só os melhores triunfam. Entretanto, como afirma Gorz (apud SANTOS, 1997), para a reprodução da hierarquia nas relações sociais a “produção de perdedores” é tão importante como a promoção dos diplomados. Trata-se de convencer uma significativa parcela dos jovens de que eles são incapazes de ser algo mais do que um trabalhador desqualificado. Seu fracasso passa a ser assimilado não como o resultado de um sistema de ensino, mas de sua própria incapacidade pessoal e social. Por outro lado, trata-se de convencer os “vencedores” de que constituem uma elite cujo sucesso seria fruto de muito esforço, dedicação e vontade de “vencer”. A elite passa a se justificar a si mesma como camada privilegiada e superior à classe trabalhadora. Conclui o autor: As escolas são obrigadas a produzir um percentual de fracassados para fornecer trabalhadores desqualificados dos quais a economia necessita24 ( GORZ apud SANTOS, 1997, p.08). Mas o que fazer com esses perdedores? 24

Grifo meu


1.1.1 - OS (IN)ÚTEIS PARA O EMPREGO

Para os ditos “perdedores”, afirma o professor o Prof. Roberto Leher25, o próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente que “as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão zangadas”. Essa interpretação é precisa com o que o próprio Banco tem apresentado oficialmente como preocupação nos países pobres: “a pobreza urbana será o problema mais importante e mais explosivo do próximo século do ponto de vista político”26.

No que se refere à própria noção de direito e igualdade27, os neoliberais enfatizam que uma sociedade pode ser democrática sem a existência de mecanismos e critérios que promovem uma progressiva igualdade e que se concretizam na existência de um conjunto inalienável de direitos sociais e de uma série de instituições públicas nas quais tais direitos se materializam.

Gentilli (2001) evidencia que para os neoliberais a democracia não tem nada a ver com isso, é simplesmente um sistema político que deve permitir aos indivíduos desenvolver sua inesgotável capacidade de livre escolha na única esfera que garante e potencializa a referida capacidade individual: o mercado.28

Assim, a letalidade do neoliberalismo é crucial, situando o mercado como o definidor fundamental das relações humanas, sob a idéia de que a igualdade e a democracia são elementos nocivos à eficiência econômica. Como lembra Francisco de Oliveira (1990), no Brasil a letalidade do neoliberalismo se dá, sobretudo, pelo atrofiamento da esperança, da utopia e da resistência social popular organizada. 25

Referente sua apresentação de trabalho na 22ª. Reunião Anual da ANPED: Para fazer frente ao apartheid educacional imposto pelo Banco Mundial: notas para uma leitura da temática trabalho-educação. Caxambu – MG, 27/09/99 26 Banco Mundial Política Urbana y desarollo económico: um programa para el decênio de 1990. Washington, 1991, p.05 27 Que serve, pelo menos em tese, como fundamento filosófico da existência de uma esfera de direitos sociais nas sociedades ditas democráticas 28 Grifo meu


Sendo o mercado emissor dos sinais que permitem orientar as decisões em matéria das políticas, especialmente das políticas educacionais, as propostas formativas, nesse sentido, são estruturadas, na sua grande maioria, para qualificação de mão-de-obra para o mercado de trabalho.

A função "social" da educação esgota-se neste ponto. Ela encontra o seu preciso limite no exato momento em que o indivíduo se lança ao mercado para lutar por um emprego. A educação deve apenas oferecer essa ferramenta necessária para competir nesse mercado. O restante depende das pessoas. Como no jogo de baccarat, do qual nos fala Friedman (1987), nada está aqui determinado de antemão, embora saibamos que alguns triunfarão e outros estarão condenados ao fracasso.

Desse modo, podemos concluir que a política educacional era/é convergente com a forma de desenvolvimento e de regulação de nosso mercado de trabalho. Estabelecendo, portanto, como afirma Dedecca (2005, p.79), “uma santíssima trindade entre desigualdade, exclusão e baixa qualificação”. Não somente o desenvolvimento era/é para poucos, como também as políticas de educação fundamental de “qualidade” e profissional se destinam a grupos específicos.

Por outro lado, é importante destacar, ainda, que quando os neoliberais enfatizam que a educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão se referindo a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se ajuste às demandas do mundo dos empregos. Isto não significa que a função social da educação seja garantir esses empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelo contrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam de


empregabilidade29, ou seja, a capacidade mutante/flexível de adaptação às diversas demandas do mercado.

Nessa direção, os processos formativos para o mercado de trabalho devem “possibilitar” o desenvolvimento de competências e habilidades, produzindo capacidades para gestão da qualidade, para a produtividade e para a competitividade, “elementos não mais da aquisição do emprego e qualificação profissional, mas elementos da empregabilidade30.” (FRIGOTTO, 2005. p.66)

A empregabilidade, cuja essência reside na compreensão de que a permanência no emprego ou a mobilidade dos indivíduos no mercado de trabalho dependerá, como bem evidenciou Conceição (2005. p.125),

sobretudo, de sua capacidade de se adaptar e aprender as finalidades e os resultados previstos pela nova metodologia proposta, agora voltada prioritariamente apenas para entender as demandas dos processos produtivos, logo voltada para o desempenho do trabalhador no exercício da ocupação, desconsiderando-se a existência de outros condicionantes na aprendizagem e, sobretudo, no acesso e permanência no emprego.

Desse modo, para garantir o emprego é preciso que o trabalhador seja competente para aglutinar a polivalência, policognição, multiabilitação, formação abstrata, formação flexível, e os traços culturais, valores e atitudes de integração, de cooperação, empatia, criatividade, liderança, capacidade de decisão, responsabilidade e capacidade de trabalhar em equipe.

Conceição (2005) observa, assim, que a noção de competências vem definindo uma nova sociabilidade em que pretendem adaptar os sujeitos às inseguranças do mercado de trabalho no “mundo moderno”, sob a égide da acumulação flexível do capital. A partir da noção de competências, o sujeito é ressignificado 29

Conceito cunhado e difundido pelos organismos internacionais para expressar as novas exigências feitas aos trabalhadores frente à nova lógica da concorrência. 30 Para Frigotto (2005, p,28) seria a conseqüência do empenho pessoal de cada trabalhador no sentido de adquirir alguma qualificação para o trabalho.


como indivíduo abstraído das relações sociais e a ênfase do processo de aprendizagem é dada aos aspectos cognitivos e subjetivos, reforçando-se as dimensões da individualização do conhecimento e das relações de trabalho.

Segundo Frigotto (2005), a flexibilização interna da produção é caracterizada por alterações nos padrões tayloristas-fordistas de produção, cujos exemplos são a integração de tarefas e do trabalho em equipe e a operação automatizada da produção que, por suposto, requereria dos trabalhadores maior

polivalência,

capacidade

de

trabalhar

em

equipe,

criatividade,

pensamento abstrato, etc. Esse tipo de flexibilidade apontaria para o requerimento de competências genéricas juntamente com as específicas, a serem renovadas permanentemente.

A flexibilidade externa à produção, como evidencia Antunes (2003), tem no desemprego, no trabalho informal e na precarização das relações de trabalho sua maior expressão. Na verdade, indica, cinicamente, a necessidade de os trabalhadores estarem permanentemente preparados para as fases de emprego e de desemprego; para instituir e gerir seu próprio negócio; ou, ainda, para o trabalho temporário e precário.

Em substituição a uma noção de qualificação como dimensão virtuosa da dinâmica econômica em favor da elevação dos níveis de produtividade e de renda, adotou-se uma outra noção que passou a tratar a qualificação como determinante da situação de desemprego. Isto é, o desemprego passou a ser visto

como

decorrente

de

baixa

qualificação

do

trabalhador,

cujos

conhecimentos seriam incompatíveis com as novas necessidades do processo produtivo. A qualificação passou a ser vista, segundo Dedecca (2005), como um instrumento alternativo para solução da falta de emprego, ao viabilizar formas de trabalho não assalariadas. Um culto obsessivo ao empreendedorismo foi vendido à nação, sinalizando a permanência no desemprego como única possibilidade para aqueles que se mostrasse incapazes para o emprego.


Nessa direção, houve destinação de um montante considerável de recursos públicos para programas de qualificação centrada no empreendedorismo. Conclui o autor que o aspecto mais curioso, e trágico, desta orientação adotada na política pública foi o total descasamento entre o diagnóstico e as ações de qualificação implementadas. Ao mesmo tempo em que o governo diagnosticava que o desemprego decorria do descasamento entre oferta e demanda, em termos de qualificação, afirmando que esta última exigia trabalhadores com conhecimento compatível com as novas concepções de competência, ele implementava políticas de qualificação que referendavam tanto a baixa qualificação como o próprio setor informal. Falava-se em alta tecnologia e se implantava programas de qualificação para funções características do setor informal. É difícil compreender como as novas tecnologias estariam incorporadas à ocupação de elaboração de Salgadinhos para venda entre a população de baixa renda. Uma das ocupações autônomas mais antigas da região nordeste era valorizada sob o discurso das novas tecnologias e competências. (DEDECCA, 2005, p.81)

Assim, o autor considera absurda a posição adotada, o que declara na seguinte expressão: “à política pública não cabe dar o peixe, mas ensinar a pescar”. Tal afirmativa considera que o problema do desemprego está sendo atribuído à ordem individual, negando as implicações de ordem institucional, o que levou/leva o Governo a dar as costas para o problema da geração de emprego o que está associado à política de desenvolvimento econômico.

1.1.2 - O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO Será que é possível responsabilizar o sujeito pelo seu não-emprego, uma vez que “alguns” já proclamam o fim do trabalho? Qual o lugar do trabalho? Será que é possível (re)configurar a tríade Trabalho- Educação-Capital?

Ciavatta (2005) nos esclarece que desde meados do decênio de 1980, a sociologia pôs em questão a centralidade da categoria trabalho para as


análises sociais. Mas esta não era apenas uma questão das ciências sociais. Já no final da década, acompanhando a evidência da crise de emprego que se anunciava na Europa Ocidental e a desintegração do mundo socialista, um alto funcionário do Estado norte-americano (FUKUYAMA aput FRIGOTTO, 1992), proclama o “fim da história”. Mais recentemente, o grupo Krisis31 lançou um manifesto contra o “fim do trabalho”.

No entanto, toda evidência do mundo vivido por nós deixa claro que a sobrevivência do ser humano depende de meios de vida obtidos mediante o trabalho ou algum tipo de ação sobre os recursos naturais, sobre o ambiente em que vivemos. Nesse intercâmbio com a natureza, o ser humano produz os bens de que necessita para viver, aperfeiçoa a si mesmo, gera conhecimentos, padrões culturais, relaciona-se com os demais e constitui a vida social.

Onde estaria o “fim de trabalho” senão na sua identificação com o emprego assalariado característico da sociedade capitalista?. O trabalho como atividade fundamental da vida humana existirá enquanto existirmos. Para Frigotto (2005), o que muda é a natureza do trabalho, as formas de trabalhar, os instrumentos de trabalho, as formas de apropriação do trabalho, as relações de trabalho e de produção que se constituem de modo diverso ao longo da história da humanidade.

Não podemos deixar de pensar na relação do trabalho com a educação, principalmente para os jovens que buscam os meios de sobrevivência no trabalho precoce. A primeira pergunta que se coloca é: de que trabalho e de que jovem trabalhador/a estamos falando? O que implica pensar qual a natureza específica do trabalho nesta sociedade capitalista.

Segundo Ianni (1996), esta questão pede também uma reflexão sobre “a perda da inocência”. Não a inocência moral de muitos jovens sem emprego, mas a perda da inocência intelectual. Isto é, devemos, segundo o autor, procurar ver a 31

(GRUPO, 2003)


realidade do trabalho posta sobre os próprios pés e não vê-la invertida, explicada, direcionada por idéias e soluções que vêm de cabeças até bem intencionadas, mas que não explicam todos os seus problemas.

Partimos da tese de que é inocência pensar que o trabalho é sempre bom. E quais são estas condições? São aquelas que estão além das aparências dos fenômenos, das relações imediatas, visíveis. Devemos buscar as bases, os fundamentos dos fenômenos que estão conduzindo, precocemente, cada vez mais

jovens

aos

mundos

do

trabalho

e,

simultaneamente,

gerando

subempregados e desempregados desamparados pela sociedade e pelo Estado.

É possível identificar, pelo menos, duas vertentes contraditórias sobre o que pensamos, sentimos e vivenciamos, mesmo que inconscientemente, em relação ao trabalho, pois são concepções que fazem parte do ideário cultural de nossa sociedade. Segundo Frigotto (2005), uma dessas vertentes tem origem no pensamento religioso, segundo o qual o trabalho dignifica, valoriza e enobrece o homem, ao mesmo tempo em que disciplina o corpo e eleva o espírito. De outra parte, no Brasil, temos a experiência recente da escravidão e da rejeição do trabalho como forma de opressão, de rebaixamento social, de separação das pessoas, das raças/etnias e das classes sociais e de discriminação do trabalho manual.

Vemos, segundo Ciavatta (2005), que ainda que a sociedade capitalista, em relação ao trabalho infanto-juvenil, aponte para uma dimensão importante, ela busca incorporar o trabalho humano desde a infância. E aí o trabalho se apresenta como uma dupla preocupação: como atividade propriamente produtiva e como atividade educativa.

Ocorre que isto é, por si só, nesta sociedade, uma contradição, dado que as condições do trabalho são de exploração. Em vez de ser para a criança e jovem uma atividade formativa, uma relação de construção humana,


fundamental, o trabalho se torna uma forma de exploração, uma flagelo de vida, uma estratégia de ampliação de mais valia.

Assim, quando se fala no trabalho como um princípio educativo, é preciso parar e se perguntar em que medida, em que situações o trabalho é educativo. O que quer dizer que não podemos pensá-lo abstratamente, “inocentemente”, fora das condições de sua produção. Sendo assim, é com/pelo trabalho que o ser humano cria e recria os elementos da natureza que estão ao seu redor e lhes confere novas formas, novas cores, novos significados, novos tons e novas subjetividades. De modo que o trabalho é o fundamento da produção material e espiritual do ser humano para sua sobrevivência e reprodução (IANNI, ibid.).

O trabalho ou as atividades a que as pessoas se dedicam são formas de satisfazer as suas necessidades que, por sua vez, são os fundamentos dos direitos estabelecidos na vida em sociedade. Entretanto, o que presenciamos em nossa sociedade não é o compromisso básico e fundamental com esses direitos, não é o compromisso com o homem ou com o/a jovem. O sujeito das relações sociais, em uma sociedade capitalista, não é o homem ou a criança. O sujeito é o mercado, é o capital. Para Frigotto (2005, p.25), o grande sujeito é a acumulação do capital.

Desse modo, como entender o quadro de desemprego, da precarização do trabalho, sobretudo juvenil? Estado associado ao capital, não vai se interessar pelo/a jovem pobre, trabalhador/a, não do ponto de vista de sua formação mais integral, de sua humanização, no sentido de fazer-se homem, mas, apenas enquanto uma mercadoria especial.

É o jovem que vai ter uma formação restrita, parcial, ou vai ser precocemente especializado dentro de uma ótica de terminalidade em instituições do tipo Sistema S e, mais recentemente, ao que parece, nos programas/projetos focalizados na pobreza. Há subjacente a esse processo uma visão paternalista e autoritária da disciplina pelo trabalho e o descompromisso com a criação de


um espaço digno, humano, adequado à inserção social de jovens. Porque o compromisso do capital e desta sociedade não é com o ser humano, com o desenvolvimento do adolescente e de jovens lançados ao seu próprio destino, no trabalho precoce nas ruas ou recapturadas, como bem evidencia Frigotto (2005),

por uma mediação institucional, de instituições assistencialistas, “perversas”, deformadas no sentido de inorgânicas no ponto de vista da mudança da situação das crianças recolhidas e orgânicas do ponto de vista de desviar a atenção das causas da situação de privação e abandono, para concentrar-se nos seus efeitos, que são tomados como fato em si -instituições que têm sido criadas ao longo da história da sociedade brasileira, cadeias, internatos corretivos, instituições caritativas diversas. E o mais dramático desse processo é que muitas destas instituições têm a função de triagem para o mercado de trabalho-o que é muito funcional, recordando a antiga idéia da “salvação” pelo trabalho (CIAVATTA FRANCO, ibid.). Ora é falso - e a evidência disso - que todo trabalho dignifica (p.26).

Aqui é preciso fazer uma distinção entre o trabalho como relação criadora do homem com a natureza, o trabalho como atividade de autodesenvolvimento físico, material, cultural, social, político, estético, o trabalho como manifestação de vida e o trabalho nas suas formas históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão, ou do trabalho moderno, assalariado, alienado, forma específica de produção da existência no capitalismo. Estas são formas de trabalho que se constituem num princípio educativo negativo, deformador e alienador. O que significa que o capitalismo educa para a consecução de seus fins de disciplina, subordinação, produtividade. Algumas perguntas devem ser feitas. No caso da infância e, sobretudo da juventude, é

preciso

saber se

esses jovens

necessitam, para

seu

desenvolvimento, de trabalho ou de educação. Ou, em que medida a submissão precoce ao trabalho na empresa é educativa, é recurso de desenvolvimento de todas as suas potencialidades ou uma acomodação e um endurecimento precoce? É possível manter nesses trabalhos o nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, de qualidade, que exige a participação


ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do jovem? Como conciliar essas necessidades com a cultura tradicional da “salvação” pelo trabalho? Vale lembrar que antes desses conflitos, os jovens passam por um processo de seleção para conseguir o seu primeiro emprego, pois solicita-se (leia-se mercado) aos mesmos, com pouca escolaridade e/ou de escolaridade precária, oriundos

da

escola

pública,

que

demonstrem

a

capacidade

de,

permanentemente, “(re) converterem” seus saberes profissionais, mas não se garante a eles a formação básica necessária que lhes permita o reconhecimento como sujeitos sociais, que de fato são como cidadãos e trabalhadores. Nas relações capitalistas, o sujeito é o capital e o homem é o objeto. Assim, assumir o trabalho como princípio educativo na perspectiva do trabalhador, como diz Frigotto, implica superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica inverter a relação, situando o homem e todos os homens como sujeitos do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de busca prática de transformação das relações sociais desumanizadores e, portanto, (des) educativas. A consciência crítica é o primeiro elemento deste processo que permite perceber que é dentro destas velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras relações, nas quais o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo (FRIGOTTO, 1989, p.23).

O trabalho como princípio educativo não é apenas uma técnica didática ou metodológica no processo de aprendizagem, mais um princípio ético político. Dentro desta perspectiva, o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um direito. O que é inacreditável e deve ser combatido são as relações sociais de exploração e alienação do trabalho em qualquer circunstância e idade. Marx e Engels concebiam as atividades de trabalho e de educação como integrantes de um único processo com articulação entre teoria e prática. Pela chamada educação politécnica, através da qual seriam transmitidos os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção, além de uma iniciação no manejo das ferramentas das diversas profissões,


acreditavam que seriam atingidos três objetivos: a intensificação da produção social, a produção de homens pluralmente desenvolvidos e a obtenção de poderosos meios de transformação da sociedade capitalista (MACHADO, 2001, p.88-9). Nessa direção, educar jovens para uma leitura crítica do mundo e para construírem a sua emancipação implica, concretamente, que o processo educativo os ajude a entender e responder, desde suas condições de vida, às questões, entre outras: qual a especificidade que assume o trabalho humano? Quais os cenários atuais do mundo do emprego e do desemprego e que novas formas de trabalho daí emergem? Mas a quem compete essa formação do/a jovem? Quais arranjos e espaços foram criados? Para Frigotto, a materialização desse receituário é expressa por uma série de políticas que se articulam e dão coerência a processos formativos implementadas por sucessivos governos tecnocratas. Dentre essas políticas destacarei três, explicitadas anteriormente32: •

Subsídio do Estado ao capital privado, mediante incentivos de diferentes formas, no limite para que grandes empresas tenham seu sistema escolar particular ou em parceria, a exemplo da Escola Bradesco e da Rede Globo;

Escolas cooperativas, adaptação a partir da tese de Milton Friedman. Vale lembrar que idéia de Friedman para educação é um negócio como qualquer outro e que, portanto, deve ser regulada pelo mercado. O que o Estado deve fazer é dar um montante de dinheiro, em forma de cupom para cada aluno pobre e deixar a ele, ou a sua família, a decisão de comprar no mercado o tipo de educação e de instrução que quiser;

Surgimento de centenas de Organizações não Governamentais ONGs, que disputam o fundo público, a exemplo do Fundo do

32

No artigo Os Delírios da Razão: Crise do Capital e Metamorfose Conceitual no Campo Educacional o autor vai elencar uma série de políticas derivadas das idéias neoliberais aqui no Brasil.


Amparo ao Trabalhador-FAT, em sua grande maioria, para autopagamento e para desenvolver projetos de qualificação para o mercado de trabalho.33

1.2 - ESPAÇOS DE FORMAÇÃO PARA O MUNDO DO TRABALHO: PRÁTICAS E DISCURSOS

As idéias reformistas, impulsionadas especialmente pelo processo neoliberal, e a globalização proporcionaram a maior participação de novos espaços de formação frente às demandas de bens e serviços reclamados pela sociedade, trazendo modificações consideráveis na ordem do dia. Os novos atores, representados pelos Movimentos Sociais/ Associações Civis e Organizações Não-Governamentais passaram a ser responsáveis pela implementação de projetos financiados, sobretudo, com recursos públicos, voltados a diferentes setores sociais.

Esses atores, a nosso ver, expressam-se das mais variadas formas: sejam através dos movimentos sociais, com suas ações reivindicatórias que, segundo Tarrow (1994), na contemporaneidade, surgem como expansão da atividade política do século XIX, defendendo interesses coletivos e próprios, a fim de provocar mudanças institucionais, utilizando-se de formas de organização e atuação não-convencionais, ou seja, pela passeata, protestos, etc; sejam por entidades do chamado Terceiro Setor, que muitas vezes, na sua grande maioria, estão nas disputas dos recursos públicos para implantação de políticas de qualificação para o mercado de trabalho.

O conceito de movimentos sociais é uma construção contínua que tem seus lugares e tempos demarcados com seus fluxos e refluxos, não havendo uma definição única e universalizante. Para GOHN (1995, p. 44), porém, movimentos sociais 33

Grifo meu


são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.

Para outros autores, os movimentos sociais constituem os principais atores sociais na conquista, garantia e ampliação de direitos civis (por exemplo: liberdade pessoal, de pensamento, de religião e liberdade econômica); direitos políticos34; direitos sociais (basicamente educação, saúde, habitação, trabalho e alimentação); e dos denominados direitos de terceira e quarta geração (novos direitos que fazem referência à diversidade, e às diferenças entre pessoas e grupos sociais, ao meio ambiente, paz e cidadania global, patrimônio genético, entre outras questões da contemporaneidade)35.

Neste sentido, o movimento social compreende, por exemplo, as revoltas de escravos, heresias, levantes camponeses; os motins rurais, ocorridos desde a Antigüidade até o século XIX; os movimentos socialistas e trabalhistas pósRevolução Industrial; os movimentos de bairro ou populares urbanos e operários, no Brasil, já na segunda metade do século XX; os movimentos de trabalhadores rurais brasileiros destas últimas décadas e os anteriores e, ainda, os denominados novos movimentos sociais, aqui compreendidos como os movimentos das mulheres, os movimentos ecológicos, os contra a fome e outros, sinalizando em princípio um distanciamento do caráter classista que se configurava nos movimentos sindicais, operários em torno do mundo do trabalho.

Dessa forma, entendemos os movimentos como ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e 34 35

Referem-se, sobretudo, à associação em partidos e aos direitos eleitorais. Marshall (1967); Bobbio(1992);Castells (1983).


camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflito e disputas vivenciados pelo grupo na sociedade, gerando uma série de inovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política.

Parafraseando Touraine (1977), os movimentos sociais podem ser definidos como ações coletivas associadas à luta por interesses, associadas à organização social, a mudanças na esfera social e cultural. Evidentemente, essa mobilização é realizada contra um opositor, que resiste. Eles (os movimentos sociais) falam de si próprios como agentes de liberdade, de igualdade, de justiça social ou de independência nacional, ou ainda como apelo à modernidade ou à liberação de forças novas, num mundo de tradições, preconceitos e privilégios (Touraine, 1978). Eles, movimentos, não seriam heróis coletivos, acontecimentos dramáticos, mas simplesmente parte do sistema de forças sociais dessa sociedade, disputando a direção de seu campo cultural. Ao mesmo tempo, Touraine (1978) assinalou que os movimentos são as forças centrais da sociedade por serem sua trama, o seu coração. Suas lutas não são elementos de recusa, marginais à ordem, mas, ao contrário, de reposição da ordem36. Segundo (TOURAINE apud GOHN, 2004), os movimentos aglutinam bases demandatárias, assessores e lideranças e têm estreitas relações com uma série de outras entidades sociopolíticas como partidos, igrejas, sindicatos, ONGs, setores da mídia e atores sociais formadores de opinião pública, universidades etc, articulados em redes sociais com interesses comuns, pois os movimentos não são simples idéias ou entes fantasmas. Eles têm uma concretude, e para viabilizar e operacionalizar suas pautas e agendas de ação apóiam-se em intuições e em organizações da sociedade civil e política. 36

Grifo meu


Segundo GOHN (2003), os movimentos nos seus processos formativos, passam pelas seguintes fases: 1. Situação de carência ou idéias e conjunto de metas e valores a se atingir; 2. Formulação das demandas por um pequeno número de pessoas (lideranças e assessorias); 3. Aglutinação de pessoas (futuras bases do movimento) em torno das demandas; 4. Transformação das demandas em reivindicações; 5. Organização elementar do movimento; 6. Formulação de estratégias; 7. Práticas coletivas de assembléias, reuniões, atos públicos etc; 8. Encaminhamento das reivindicações; 9. Práticas de difusão (jornais, conferências, representações teatrais etc) e/ou execução de certos projetos (estabelecimento de uma comunidade religiosa, por exemplo); 10. Negociações com os opositores ou intermediários por meio dos interlocutores; 11. Consolidação e/ou institucionalização do movimento. Para a autora, essa enumeração é uma caracterização não-etapista da realidade,

do

cotidiano

dos

movimentos,

pois

tais

fases

não

são

necessariamente seqüenciais, não têm uma linearidade de um esquema racional, porque os movimentos não são puros, autônomos, isolados e autodeterminados, sejam os ditos “velhos” ou “novos” movimentos sociais.

Os denominados “novos” movimentos sociais, na visão de GOHN (1995, p.44), têm sua :

expressão cunhada na Europa, nas análises de Claus Offe, Touraine e Melucci e diz respeito aos movimentos sociais ecológicos, das mulheres, pela paz ,etc. Os novos movimentos se contrapõem aos velhos movimentos sociais, em suas


práticas e objetivos, ou seja, se contrapõem ao movimento operário-sindical, organizado a partir do mundo do trabalho.

Consideramos, no entanto, que esses denominados novos movimentos também podem assumir, em determinados momentos históricos, uma contraposição com o sistema econômico e social vigente. Entretanto, assevera GOHN (1995 p.112) que os novos movimentos sociais se contrapõem aos velhos e historicamente tradicionais movimentos sociais em suas práticas e objetivos. Os

movimentos

novos

sociais

desenvolvem

ações

particularizadas,

relacionadas às dimensões da identidade humana, deslocada das condições socioeconômicas predominantes, de modo que suas práticas não se aproximam de um projeto de sociabilidade diferenciada das relações sociais capitalistas, ou seja, não se voltariam para a transformação das atuais formas de dominação política e econômica, no sentido da construção de sociedade baseada na organização coletiva e no desenvolvimento das potencialidades humanas na direção não-capitalista. Os ditos novos movimentos sociais para possibilitarem aos indivíduos a sociabilidade coletiva e plena de sentido, que é seu objetivo principal, necessitam construir e desenvolver ações para além das formas atuais de sociabilidade capitalistas, questionando a ordem do capital, não se perdendo no campo de ações fenomênicas, imediatas e particularizadas. Essas ações são importantes na medida em que estiverem vinculadas a um projeto mais amplo de sociedade, que se constitua em alternativa ao capitalismo, pois se os movimentos se restringem às lutas cotidianas limitadas às reivindicações setoriais, desarticuladas com outras mobilizações, passam a se configurar como ações paliativas e insuficientes para possibilitar mudanças estruturais, fechando-se em si mesmos. Conforme

Antunes

(2001,

p.

15),

a sociedade

contemporânea

vem

presenciando profundas transformações, tanto nas formas de materialidade quanto na esfera da subjetividade, dadas as complexas relações entre essas formas de ser e existir da sociabilidade


humana. A crise experimentada pelo capital, bem como suas respostas, das quais o neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível são expressões, têm acarretado, entre tantas conseqüências, profundas mutações no interior do mundo do trabalho. Dentre elas podemos inicialmente mencionar o enorme desemprego estrutural, um crescente contingente de trabalhadores em condições precarizadas além de uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre o homem e a natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias e para a valorização do capital.

Por isso, Gohn (2003), em um dos seus últimos livros, faz um panorama geral dos movimentos sociais na contemporaneidade a partir de dez eixos temáticos das lutas e demandas dos movimentos sociais no Brasil, a saber:

1. Lutas e conquistas por condições de habitabilidade na cidade, nucleados pela questão da moradia, expressa em três frentes de luta: •

articulação de redes sociopolíticas que militam ao redor do tema urbano (do habitat, a cidade propriamente dita) e participaram do processo de construção e obtenção de um “Estatuto da cidade”;

movimentos sociais populares dos Sem –Teto (moradores de ruas e participantes de ocupações de prédios abandonados);

contra a violência urbana (no trânsito, ruas, escolas, ações contra as pessoas e seu patrimônio).

2. Mobilização e organização popular em torno de estruturas ambientais institucionais de participação na estrutura político-administrativa da cidade (Orçamento Participativo e Conselhos Gestores); 3. Mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico-espaciais (como praças, parques), assim como de equipamentos e serviços coletivos (área de saúde, educação, lazer, esportes e outros serviços públicos degradados nos últimos anos pela política neoliberal); 4. Mobilização e movimentos contra o desemprego; 5. Movimentos de solidariedade e apoio a programas com meninos

e

meninas de ruas, adolescentes que usam drogas, portadores de HIV e de necessidades especiais;


6. Mobilizações e movimentos dos sem-terra, na área rural e suas redes de articulações com as cidades via participação de desempregados e moradores de rua, nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra(MST); 7. Movimentos étnico-raciais (índios e negros); 8. Movimentos

envolvendo

questões

de

gênero

(mulheres

e

homossexuais); 9. Movimentos rurais pela terra, reforma agrária e acesso ao crédito para assentamentos rurais; e 10. Movimentos contra as políticas neoliberais e os efeitos da globalização (contra Alca, Fórum Social Mundial etc.) Os

movimentos

sociais,

sejam

novos

ou

tradicionais,

encontram-se

contextualizados em meio a essas transformações ocorridas na economia, à expansão dos mercados, marcados pela profunda crise estrutural da economia mundial e pelas mudanças nos modelos de organização da produção e do trabalho.

Vale lembrar que uma compreensão mais adequada dos movimentos sociais deve partir de uma análise totalizante das condições de reprodução do capital na atualidade, a partir das mudanças verificadas na sociedade. Deve-se, também, ir para além do que está explicitamente (in)posto, discernindo os discursos, por sinal idênticos, e práticas de outros autores que entraram em cena, vendendo “esperança”: Terceiro Setor e, principalmente, ONGs.


1.2.1 - DA POBREZA AO BALCÃO DE ESPERANÇAS: A TRAJETÓRIA DE GEÓRGIA O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial prospectado para 2007 do Banco Mundial37 inicia seu texto nos sensibilizando com três histórias de meninos e meninas pobres de diferentes partes do mundo. A história de Geórgia elencada é uma delas. Como podemos perceber, nossa jovem encontrava na ONG que a assistia um “terreno fértil” para o desenvolvimento de suas aptidões e a possibilidade de vir a sonhar com um futuro menos injusto. Seu desempenho foi fascinante. Geórgia, 15 anos, uma criança pobre de rua que não freqüentava a escola e aspirava a ser atriz, acabava de quase levar às lágrimas os membros de uma missão de assistência para o desenvolvimento que visitava um abrigo de meninas no Brasil. Ela representava o papel de uma menina que sofria abusos em uma peça simbólica, na qual sonhava vencer as dificuldades de sua vida: a falta de atenção da família, a dificuldade de continuar a estudar, a pressão para cheirar cola, as indesejáveis abordagens dos homens, o trabalho de meio expediente como empregada doméstica. Talvez não encontrasse dificuldade em desempenhar esse papel porque ele reproduzia tão bem sua própria vida, mas também tinha muito talento. Depois da peça, ao falar com os visitantes estrangeiros, a atriz precoce voltou a ser a adolescente tímida, envergonhada e desajeitada que ainda era. Estava grata pela oportunidade de desenvolver sua arte em um local seguro, ao mesmo tempo em que melhorava sua leitura, escrita e conhecimentos sobre os aspectos práticos da vida. Estava ansiosa a respeito de seu futuro, especialmente como motivar-se para as aulas enfadonhas da escola pública às quais assiste de vez em quando. Porém, pela primeira vez em sua jovem vida, ela tinha esperança. (Banco Mundial, 2007, p.01).

Até então não nos pareceria perverso se tudo isso não fosse um caso único entre milhões de Geórgias, Marias, Josés espalhados pelo nosso Brasil afora. Não haveria problema algum achar fantástica essa história se ela não passasse de uma tentativa de reduzir um problema local, focalizado, de uma só brasileira. No livro A Metamorfose da Questão Social, Castel (1997, p. 538), suspeita de que esses esforços consideráveis, que vêm sendo realizados, há 37

Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial de 2007. O Desenvolvimento e a Próxima Geração.


mais

ou

menos

15

anos,

nessas

direções,

poderiam

não

ter,

fundamentalmente, mudado a seguinte constatação: essas populações são, talvez e apesar de tudo, na atual conjuntura, inintegráveis. É essa eventualidade que deve se encarada. Essas ações, para o autor, podem ser compreendidas como um conjunto de empreendimentos de reequilíbrio na tentativa de recuperar a distância em relação a uma completa integração de um quadro de vida decente, uma escolaridade “normal” e um emprego estável digno. Não haveria problema algum, também para ele, se essas políticas fossem provisórias, mas sua consolidação, progressiva, marca a instalação no provisório como modo de existência (p. 542-3). Não haveria problema se no lugar dessas fossem implantadas políticas de integração, cujo objetivo é promover o acesso de todos aos serviços públicos, numa redução das desigualdades sociais e uma melhor divisão das oportunidades. Essas políticas compensatórias, denominadas por Castel de políticas de inserção, na sua origem, eram pensadas e apresentadas como experimentais. Era urgente a necessidade de melhorar as condições de escolarização e de formação de uma juventude cuja ausência de qualificação, mais do que de trabalho, torna o jovem “não-empregável” (p. 546). Melhorar a socialização dos jovens, como a de Geórgia, e ampliar seus potenciais representam as condições necessárias a um “equilíbrio” para que possa estar no mesmo nível das oportunidades que lhes serão abertas. Condições necessárias, mas não suficientes. Esse novo público não depende diretamente nem da injunção ao trabalho, nem das diferentes respostas preparadas pela ajuda social. As políticas de inserção vão se mover nesta zona incerta onde o emprego não está garantido, nem mesmo para quem quisesse ocupá-lo, e onde o caráter errático de algumas trajetórias de vida não decorre somente de fatores individuais de inadaptação. Para essas novas populações, as políticas de inserção vão precisar inventar novas tecnologias de intervenção. (1997, p. 542)


Essas tentativas, bem lembra o autor, evocam o trabalho de Sísifo38 rolando sua rocha que sempre volta a descer encosta abaixo no momento de atingir o cume, porque é impossível encaixá-la num lugar estável, pois o número de “beneficiários” diretos dobrou. Geórgia que é uma hoje, amanhã serão centenas. Para estas, que (con)vivem com a pobreza, a inserção não será uma etapa provisória: será um estado. Vale lembrar que esse estado de pobreza não ganha centralidade apenas com o caso de Geórgia. Desde início dos anos 90, discute-se sobre a pobreza, sobretudo em função de sua ampla utilização, tanto em relatórios de organismos internacionais, a exemplo do próprio Banco Mundial, quanto em documentos de formulação e avaliação de políticas públicas, principalmente de países seguidores das recomendações dessas agências. O terreno fértil para essas políticas surge, principalmente, a partir da crise que o mundo capitalista enfrenta no período posterior à II Guerra Mundial. Nos países desenvolvidos, a crise do Estado de Bem-Estar Social, nos países de Segundo Mundo a crise do Estado Comunista e já nos países de Terceiro Mundo a crise do Estado Desenvolvimentalista39.

38Na

mitologia grega, Sísifo, mestre da malícia e dos truques, rouba os segredos dos deuses. Sabendo do rapto da filha de Esopo por Júpiter, prometeu revelar a autoria caso Esopo fornecesse água à cidade de Corinto, despertando a raiva de Zeus, que enviou o deus da morte, Tânatos, para levá-lo ao mundo subterrâneo. Sísifo engana o enviado de Zeus, fazendoo seu prisioneiro. Tânatos prisioneiro, ninguém na Terra podia morrer, ameaçando o reino de Hades. Foi enviado o deus da guerra, Ares, para libertá-lo, reestabelecendo a ordem natural. Para não voltar ao mundo inferior, Sísifo fez sua esposa prometer não enterrá-lo, expondo seu corpo numa praça pública. Quando acordou nos Ínferos, solicita de Hades seu retorno à terra para castigar sua esposa, alegando que enquanto não recebesse as devidas oferendas, não podia ser considerado morto.Usando este subterfúgio, Sísifo ficou mais algum tempo no mundo dos vivos, até que a paciência de Zeus se esgotou e pôs um fim na malícia do mortal, enviando Hermes para conduzi-lo à força ao reino das sombras. Dessa forma, foi castigado pela sua ousadia e por toda a eternidade foi condenado a rolar uma grande pedra até o cume de uma montanha e quando estava quase alcançando o topo, a pedra rolava montanha abaixo até o ponto de partida por uma força irresistível. Por esse motivo, tarefas que envolviam esforços inúteis passaram a ser chamadas "Trabalhos de Sísifo". Resumo adaptado da obra O Ensaio de Sísifo do autor francês Albert Camus, extraido da página http://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Camus 39

Para um estudo mais aprofundado ver a “Era do Ouro” Hobsbawm (1995, p 95-6).


Foi nesse contexto, também, que as idéias neoliberais chegaram a todo o Mundo. Na América Latina, primeiramente, houve a experiência da ditadura de Pinochet. Desde então, a estratégia de política econômica para toda a América Latina e inclusive no Brasil, não muito diferente, voltou-se para um tema central: a renegociação da dívida externa. O que pode ser feito com a América Latina para sair da crise, da estagnação, inflação, dívida externa e retomar o crescimento? De uma reunião de 1989, em Washington, voltada para discutir essa questão, elaborou-se consensualmente um conjunto de propostas de políticas e reformas requeridas para a “salvação” latino-americana. A esse conjunto Williamson (1992, p. 12) chamou de “Consenso de Washington”, cujo receituário de políticas foi utilizado pelos organismos internacionais – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial etc. – como condicionamento para a realização da tão requisitada renegociação da dívida externa dos países latino-americanos. Para tanto, os governos latinos-americanos tiveram que seguir passo a passo a cartilha do Consenso, transferindo a “capacidade de decisão” para aquelas entidades internacionais, que passaram a ditar o que se deveria ou não fazer(FIORI, 2001, P.33). Nesse cenário, o Banco Mundial vem atuando como importante formulador de recomendações políticas para os países da periferia e como disseminador, junto ao FMI, das políticas de cunho neoliberal. 40 A cartilha do Banco Mundial (1997) já indicava41 aos dirigentes da América Latina, em seus relatórios, a uma mudança no Estado, pois era preciso se adaptar ao mundo que se transforma; devem, desse modo, procurar aumentar sua eficiência. Isso significaria, segundo o Banco Mundial, que, no contexto atual, o Estado não deve ser mais o promotor direto do desenvolvimento, mas sim deixar essa tarefa para os mercados. O Estado deve, portanto, minimizar a sua atuação, de modo a tornar-se um catalisador, facilitador e parceiro dos mercados. Dessa forma, os Estados devem complementar os mercados e não

40 41

Leia-se e políticas de combate à pobreza. Leia-se também obrigava.


substituí - los (p. 18); devem voltar sua ação para a implantação e adaptação de instituições que estimulem um melhor desempenho dos mercados. Já no que diz respeito ao trabalho como superação da pobreza, é possível perceber no relatório do Banco Mundial que o trabalho passa a estar dividido em dois. De um lado, estão os indivíduos que conseguem atuar no mercado – que seria o mecanismo de funcionamento “mais eficiente” da sociedade – e, de outro, aqueles incapazes de integrar-se aos mercados – os pobres –, dos quais o Estado deve cuidar, por meio de suas políticas sociais residuais e focalizadas. Para Ugá (2004), esse novo mundo do trabalho pode ser recortado a partir das recomendações do Banco Mundial, que se volta para o “combate à pobreza”, que têm sido elaboradas desde o início dos anos 90. Segundo a autora, esse tema foi tratado, sobretudo, nos Relatórios sobre o desenvolvimento mundial de 1990 e de 2000-2001, em que o Banco Mundial encarrega-se de instruir e recomendar aos países em desenvolvimento estratégias para o enfrentamento dos elevados custos sociais decorrentes das políticas de ajuste. Dessa maneira, nota-se que, em vez de tratar das conseqüências negativas do ajuste – como o alto nível de informalidade do trabalho e o aumento do desemprego – e propor soluções estruturais, as estratégias de combate dos custos sociais das políticas neoliberais são reduzidas à estratégia de “combater a pobreza”. Nesse sentido, se o Estado proposto pelo Banco Mundial ainda reserva algum papel no âmbito econômico, garantidor do bom funcionamento do mercado, no que se refere à questão social, pode-se perceber que o termo “Estado Mínimo” é bastante propício, uma vez que se percebe a tendência a uma redução do seu papel de provedor de políticas sociais. Uma das estratégias de redução da pobreza, segundo o Banco Mundial (1990), é identificar políticas que estimulem a criação de novas oportunidades econômicas para que os pobres possam obter rendimentos. Assim, com mais renda, o indivíduo poderia ultrapassar a “fronteira” da pobreza e, dessa forma, ser considerado um não-pobre.


Uma outra estratégia de combate à pobreza, proposta pelo relatório, refere-se à necessidade de o governo prestar serviços sociais – educação e saúde – aos pobres. O documento ressalta a íntima relação da prestação de serviços sociais com a diminuição da pobreza, pois ela significa uma promoção de políticas focalizadas no aumento do “capital humano” dos indivíduos. Ressalte-se que a teoria do capital humano afirma que as diferenças de rendas entre os indivíduos são influenciadas pelo capital humano, sobretudo educação, que cada um investe em si mesmo. Nas palavras de Schultz (1973, p. 31): apesar do fato de que os homens adquirem habilidade e conhecimento úteis seja algo evidente, não é evidente, entretanto, que habilidade e conhecimentos sejam uma forma de capital, que esse capital seja em grande parte um produto do investimento deliberado, que nas sociedades ocidentais cresceu num ritmo muito mais rápido que o capital convencional (não humano), e que seu crescimento pode ser o traço mais característico do sistema econômico. Se observou amplamente que os incrementos da produção nacional têm sido relacionados em grande medida com os incrementos da terra, horas de trabalho e capital físico reproduzível. Mas o investimento em capital humano é provavelmente a principal explicação dessa diferença.

Dessa

forma,

podemos

concluir

que

aumentando

a

educação

dos

trabalhadores, estes terão suas habilidades e conhecimentos melhorados e, por conseguinte, quanto maiores as habilidades e conhecimentos, maior a produtividade do trabalhador. Essa maior produtividade acaba gerando maior competitividade e, assim, maiores rendas para o indivíduo. De acordo com o documento do Banco Mundial de 1990, o investimento em capital humano é um dos meios mais importantes para reduzir a pobreza, pois o principal bem dos pobres é o tempo para trabalhar. A educação aumenta a produtividade deste bem. O resultado, no nível individual, é uma renda mais alta, como demonstram muitos estudos (p. 85). A idéia presente seria, portanto, que, ao educar-se mais, o indivíduo torna-se mais apto a competir com os outros por um emprego melhor no mercado e, conseqüentemente, a obter uma


renda maior. Assim, haveria uma contínua necessidade de buscar ser mais competitivo que os outros, por meio do aumento de sua “empregabilidade”42. Aqueles que não são munidos desse tipo de capital são incapazes de atuar no mercado, ou seja, não conseguem ser autônomos para competir com os outros. Esses indivíduos configurariam a definição de “pobres”, com os quais o Estado deve preocupar-se, compensando-os com suas políticas sociais focalizadas no aumento de capital humano. Assim, o jovem competitivo é aquele capaz de atuar livremente no mercado, uma vez que tem competitividade (empregabilidade) para conseguir um emprego, assegurar que não vai perder o que tem ou, ainda, se acontecer de perdê-lo, conseguir um novo emprego. O indivíduo incapaz é aquele que não consegue nada disso. Ele não tem empregabilidade, nem é competitivo, uma vez que não pôde (ou não quis) investir em seu próprio “capital humano”. Conseqüentemente, a pobreza acaba sendo vista como um fracasso individual daquele que não consegue ser competitivo. Geórgia passará pelo o que o relatório de 2007 chama de Oportunidades, Competência e Segundas Oportunidades. (p. 02). Será oferecida a ela oportunidade de ampliar o desenvolvimento do seu capital humano, expandindo o acesso e melhoria da qualidade da sua educação. Também lhe será dada a oportunidade de desenvolver competências para que faça boas escolhas e, por fim, oferecido um sistema eficaz de segundas oportunidades por meio de programas direcionados que proporcionem a esperança e o incentivo para recuperar-se da má-sorte ou de escolhas mal feitas anteriormente. Mas quem ficará responsável pela materialização dos programas de “esperanças” fomentadores das Oportunidades, Competências e Segundas Oportunidades?

42

Conceito cunhado e difundido pelos organismos internacionais para expressar as novas exigências feitas aos trabalhadores frente à nova lógica da concorrência.


1.2.1.1-O BALCÃO DAS OPORTUNIDADES

Na década de 90, novos atores entram em cena, impelidos, principalmente, graças a estímulos de algumas políticas sociais de cunho reformista lideradas especialmente pelo político Bresser Pereira, o qual acreditava que o Estado vigente era burocrático e ineficiente.

Na mesma época em que se fez evidente a crise do modelo social-burocrático do Estado e em que a globalização exige novas modalidades, mais eficientes, de administração pública, cresce a importância de uma forma nem privada nem estatal de executar os serviços sociais garantidos pelo estado: as organizações de serviço público não-estatais, operando na área de oferta de serviços de educação, saúde e cultura com financiamento do Estado (PEREIRA, 2000, p 16).

Passaram os tecnocratas neoliberais a constituir uma figura jurídica nova: privado sem fins lucrativos, voltados para áreas de interesse público. Trata-se do chamado “Terceiro Setor”, conjunto heterogêneo de entidades composto de organizações, associações comunitárias de filantropias ou caritativas e fundações. O Terceiro Setor é também conhecido como setor público nãoestatal, setor não-governamental ou setor sem fins lucrativos. Mas segundo Perreira (2000, p 16), a expressão “público não-estatal” define com maior precisão o que se trata: são organizações ou formas de controle “públicas” porque voltadas ao interesse geral; são “não-estatais” porque não fazem parte do aparato do Estado, seja por não utilizarem servidores públicos, seja por não coincidirem com os agentes políticos tradicionais. O público não-estatal ganha espaço nos anos 90 porque passou a desempenhar o papel de intermediação entre o Estado e a sociedade, antes ocupado

pelos

movimentos

sociais

populares,

sindicatos

e

ONGs

combativas/orgânicas. Só que ele, o público não-estatal, assume aquele espaço numa nova conjuntura e correlações de forças: agora é para implementar e executar políticas sociais, desativadas nas instâncias de execução pertencentes aos órgãos estatais.


A expansão do campo do Terceiro Setor nos últimos anos em áreas de atuação onde se trabalha em parceria com órgãos públicos possibilitou a criação de novas instituições e programas sociais oriundos de antigas entidades reformistas e conservadoras ou entidades novas criadas segundo os princípios neoliberais. A grande maioria atua segundo a lógica do mercado, preocupandose apenas com os resultados, bem como não tem o mínimo interesse em trabalhar com entidades politizadas que exerçam a militância em favor dos direitos sociais e busquem transformações sociais. Segundo Gohn (1999), há neste caso uma transferência de fundos públicos do Estado para os programas de parceria com a sociedade civil organizada. Esta transferência apresenta-se como parte de um programa de racionalização dos gastos na busca de maior eficiência, e uma resposta à urgência de cortes públicos. Mas, de fato, não há aumento de verbas para área social e a transferência de fundos somente modifica o caminho no qual estas despesas seguem para serem alocadas. Esta transferência de fundos do Estado para entidades do Terceiro Setor altera a relação cidadão-Estado, à medida que a verba é transferida para ser gerenciada por uma entidade da sociedade civil. O atendimento ocorre aos usuários na qualidade de cidadãos indivíduos, clientes e consumidores de serviços prestados pelas entidades do Terceiro Setor, ao contrário da época em que o Estado alocava diretamente verbas para setores sociais, ou atendia à pressão organizada de determinados grupos ou movimentos. O Estado estava atendendo a sujeitos coletivos. Como afirma Gohn (2001, p.95), tem-se como resultado final, não uma ampliação do espaço público dos cidadãos, mas um retraimento, havendo uma perda das fronteiras entre o público e o privado que, no limite, poderá levar a perdas de direitos sociais já conquistados.


1.2.2 – ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS: DA ORIGEM À ATUAÇÃO

Na América Latina, e o Brasil não foge à regra, a formulação e implantação das políticas neoliberais e reformistas no campo social foi muito maior do que na maioria dos países capitalistas centrais, sobretudo os europeus. O desmonte das políticas sociais, segundo Soares (2000), foi mais fácil e também mais devastador devido à fragilidade ou à inexistência de um Estado de Bem-Estar Social na maioria dos países latino-americanos.

Evidentemente, diante de uma estrutura social marcada pela desigualdade social, as conseqüências desse desmonte e/ou dessas reformas também foram muito mais graves. Ao lado do acirramento e da ampliação das desigualdades, foi gerada uma nova exclusão social de dimensões e características até então desconhecidas.

Diante desse quadro de enorme complexidade, esclarece Soares (2000), ao invés de evoluirmos para um conceito e uma estratégia no sentido de constituir uma rede universal de proteção social que explique o dever do Estado na garantia de direitos sociais, retrocedemos a uma concepção de que o bem-estar pertence ao âmbito do privado, ou seja, as famílias, a comunidade, as instituições religiosas e filantrópicas devem responsabilizar-se por ele, numa rede de “solidariedade” que possa proteger os mais pobres.(p. 12)

Para a autora, a versão mais sofisticada e atual dessa concepção são as organizações não-governamentais (leia-se ONGs), devidamente bancadas por recursos públicos, na medida em que a maioria dessas organizações é financiada por governos.


Como podemos perceber, as ONGs - organizações não-governamentais são atores sociais “recentes” na história do país; podem (e devem) ser interpretadas sob diferentes perspectivas, uma vez que sua origem e atuação demarcam contextos diferentes.

Para Cabral (1994), a expressão surgiu pela primeira vez, em âmbito mundial, na Ata de Constituição das Organizações das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial, com o uso da denominação em inglês “NonGovernmental

Organizations

(NGOs)”

para

designar

organizações

supranacionais e internacionais que não foram estabelecidas por acordos governamentais.

Do ponto de vista jurídico, o termo ONG não se aplica. Nossa legislação prevê apenas dois formatos institucionais para a constituição de uma organização sem fins lucrativos. Portanto, toda organização sem fins lucrativos da sociedade civil é uma associação civil sem fins lucrativos ou uma fundação privada. Ou seja, toda ONG é uma organização privada não-lucrativa. No entanto, nem toda organização privada não-lucrativa é uma ONG. Nessa perspectiva, as ONGs são definidas como entidades civis sem fins lucrativos, de direito privado, que realizam trabalhos em benefício de um grupo específico.

Para Fernandes (1994), o termo foi pulverizado no Brasil a partir da ECO 92, mas a expressão foi habitualmente relacionada a um universo de organizações que surgiu, em grande parte, nas décadas de 70 e 80, apoiando movimentos sociais e organizações populares e de base comunitária, com objetivos de promoção da cidadania, defesa de direitos e luta pela democracia política e social. As primeiras ONGs, para o autor, nasceram em sintonia com as finalidades e dinâmicas dos movimentos sociais, pela atuação política de proteção aos direitos sociais e fortalecimento da sociedade civil, com ênfase nos trabalhos de educação popular e na atuação, elaboração e monitoramento de políticas públicas.


Dessa forma, sua constituição com maior expressão foi a partir dos anos 70, quando assumiu um claro papel articulador ao lado dos movimentos sociais e captador de recursos para eles. Para Montaño (2002), esses anos e nas décadas seguintes, não eram as ONGs, mas os movimentos sociais os que lutavam contra a ditadura, contra mecanismos de opressão e exploração, os que se articulavam em torno de interesses específicos, como alimentação para creches, “caldeirões” populares, uma cooperativa de consumo, os que demandavam por iluminação e saneamento público num bairro, os que defendiam os direitos da mulher, da criança e dos adolescentes, do trabalho etc. As ONGs que surgiram aqui tinham como “missão” tanto contribuir para a melhor organização interna como para a articulação entre os movimentos sociais, além de transferir para estes os recursos captados de organismos estrangeiros (p.270-1). Esta concepção deixa clara a distinção entre as ONGs e os movimentos sociais, no sentido de garantir sua especificidade e legitimação no conjunto da sociedade civil. As entidades representativas dos movimentos (sindicatos e associações de moradores, por exemplo) têm íntimo envolvimento político com decisões e questionamentos que levantam, ao passo que a bandeira característica das ONGs, como afirma Gohn(1997) é, na sua grande maioria, a da autonomia com compromisso para com a sociedade civil organizada, ou seja, sendo agentes de capacitação política, não se comprometem com a organização das estratégias de atuação dos movimentos. Ainda sobre esse aspecto, Beatriz (1987) esclarece que, no primeiro momento, as ONGs se desenvolveram em sua maioria a partir dos trabalhos de educação popular junto às comunidades. Pode-se dizer que foram a existência possível dos movimentos sociais em tempos de ditadura militar, equacionando uma fachada de escola comunitária com uma clandestinidade sempre proporcional à radicalidade de suas ações. Por sua vez, militantes que viviam no exílio passaram a travar contatos com pessoas que trabalhavam ou militavam junto às agências de cooperação no exterior, muitas delas ligadas às igrejas, com as quais conseguiam intermediar a relação de apoio financeiro e político com/nas ONGs (CABRAL 2003,


p.08).Já na opinião de Petras(1999), a medida que cresceu a oposição ao Neoliberalismo, no início dos anos 1980, os governos europeus e norteamericanos, juntamente com o Banco Mundial, aumentaram a destinação de verbas para as ONGs43. Com o processo de abertura política, evidencia Cabral(2003), as ONGs se viram num impasse, já que muitas delas serviam de apoio, ou mesmo sustentação formal, para a continuidade da ação política durante a ditadura militar. Começa então a abertura de caminhos para a afirmação de sua identidade, concebida como um fenômeno institucional específico, com características próprias e autônomas em relação a outros atores sociais.

Como afirma Gohn (1998) A herança dos anos 70 e dos primeiros anos 80, de confronto entre movimentos e Estado, demarcou o caráter das ações que os movimentos adotaram nas relações com o poder público, com ações de negociação ou de simples pressão sobre os aparelhos estatais. Com isso a maior parte dos movimentos sociais entrou , nos anos 90, despreparada diante de uma nova conjuntura de políticas sociais estatais de parceria entre Estado e entidades da sociedade civil organizada. Sabemos que, se de um lado estas políticas retiram direitos e benefícios sociais dos cidadãos, de outro, elas abrem espaços para acesso e construção de novas práticas que podem levar à democracia de setores estratégicos governamentais, responsáveis por políticas em áreas sociais. O despreparo dos movimentos possibilitou que novas ONGs, e outras entidades associativas do Chamado Terceiro Setor, ocupassem aqueles espaços. (p. 11)

Como condição de existência, necessária para quem estava descobrindo as particularidades de atuação desenvolvidas, as ONGs vão redefinindo seu papel numa conjuntura de reorganização da sociedade civil. Dessa forma é que constroem seus discursos de “autonomia” face ao Estado, às Igrejas, aos

43

Na verdade, continua, “o Banco Mundial, os regimes neoliberais e as fundações ocidentais cooptarem e encorajarem as ONGs a solapar o Walfare state nacional, oferecendo serviços sociais para compensar as vítimas das Corporações Multinacionais” (ibidem) (p.272)


movimentos populares, partidos e Universidades.Como descreve Silva (2003), as ONGs tiveram que realizar reengenharias internas e externas para sobreviver; alteraram seus procedimentos: passaram a buscar a autosuficiência financeira e tiveram que encontrar/construir ou incrementar caminhos no setor de produção. A economia informal – então florescente e estimulada pelo novo modelo da globalização – passou a ser uma das principais saídas, pois a crise gerada pelo desemprego crescente transferiu para a economia informal o grande peso de demandas antes localizado no setor formal. Assim concordo com Montaño quando afirma: se nos anos 80 as ONGs cresceram como hongos,44nos

anos 90 elas crescem como uma bolha.

Efetivamente, na década de 90, processa-se um efeito de aumento de ONGs, produto das “parcerias” com o Estado, que mostra uma aparência de enormes dimensões, mas que é, na verdade, vazio por dentro (2002 p. 225). Ainda conclui o autor (2002), se as ONGs e as organizações sem fins lucrativos tiveram, na América Latina, um primeiro momento, nos anos 80, de crescimento quantitativo mediante o financiamento de agências internacionais, hoje, nos anos 90 a enorme expansão das ONGs – com o corte das remessas, redirecionadas a outras latitudes – deveu-se ao campo vazio que deixa paulatinamente o Estado e ao estímulo e financiamento estatal destas organizações, mediante as chamadas “parcerias”. O Estado fornece a essas organizações crédito fácil, isenção fiscal, facilidades legais, destina recursos financeiros, materiais e humanos. De acordo com Soares (2000), é

justamente este caráter “substitutivo” e não complementar que desmascara as supostas “parcerias” entre o “Estado e a sociedade”. Ao abandonar-se a constituição de redes públicas permanentes capazes de oferecer bens e serviços justamente onde eles são mais necessários, ficam evidentes a fragmentação das ações e seu caráter emergencial e provisório. Substituem-se programas nacionais e regionais por iniciativas “locais” incapazes de dar uma cobertura suficiente e 44

“Hongos”: cogumelos em castelhano.


cujo impacto é praticamente nulo quando se trata de grandes contingentes populacionais em situação de pobreza e/ou “exclusão”. Caímos no reino do “minimalismo”, onde pequenas soluções são mostradas como grandes exemplos pelo governo e pela mídia.45 (p.12)

Devido a esse minimalismo, sobretudo as ONGs passam a ter bem mais espaço na mídia, maior respaldo e credibilidade social; sua atual lógica gerencial dá-lhes um ar de maior eficiência que, num contexto altamente meritocrático, passa a constituir uma distinção central com os movimentos sociais. Assim, afirma Montaño (2002, p. 273), nos anos 90, as ONGs crescem em quantidade e em número de membros, enquanto os movimentos sociais seguem o caminho inverso.

Daí conclui

hoje os membros das ONGs não são mais considerados como “funcionários”, mas como os próprios “militantes” – que vieram quase que a ocupar o lugar do membro da organização popular, esta sem recurso, relativamente desmobilizada, com menos adeptos etc. Ser “militante” era tarefa dos membros dos movimentos sociais (desde sindicatos, movimentos comunitários insurrecionais, de cooperativismo, associações, categorias, etc), além dos de partidos políticos46. (MONTAÑO 2003, p. 272)

Desse modo, inicia dentro do processo de centralidade a qualificação do corpo técnico das ONGs, pois a palavra de ordem passara a ser eficiência e produtividade na gestão de projetos sociais, para gerir recursos que pudessem garantir a sobrevivência das próprias entidades. Ter pessoal qualificado, com “competência” para elaborar projetos qualificados e captar recursos nacionais e internacionais passara a ser uma diretriz, e não mais a militância como antes era feita por algumas ONGs.

45

Grifo meu Hoje as ONGs congregam uma massa tão vasta de voluntários recrutando muitas vezes os próprios sujeitos portadores de carências, que estes passam a ser vistos, não sem certa razão, como “militantes”. Isto não teria nada de mais se não fosse pelo que se segue. (p. 272) 46


Vale ressaltar que, em meados da década de 90, esse cenário ganha mais força com o surgimento de novas organizações privadas sem fins lucrativos, trazendo perfis e perspectivas de atuação e transformação social muito diversa. Para Gohn(1996), emergiram no cenário nacional outros tipos de ONGs , próximas do modelo norte americano non-profits, articuladas às políticas com o espírito da filantropia empresarial, atuando em problemas cruciais da nossa realidade brasileira, a exemplo, problemas com os jovens em situações de maior vulnerabilidade social e econômica.

Além disso, a condição de autonomia conquistada e atribuída às ONGs também as credenciou para o diálogo com “outro ator social”, a saber: o Mercado. Desprovidas de uma origem partidária, ou mesmo ideológica pelas quais se referenciam sustentadas pela contribuição financeira às pesquisas e projetos que desenvolvem, as ONGs tornam-se interlocutores ideais de governos e empresas na medida em que não mais representam ameaças a estes. Essa condição, somada ao conhecimento que as ONGs possuem sobre as fontes de financiamento, faz com que se crie uma relação de dependência clientelista entre as ONGs e os setores por elas assessorados. Segundo Gohn(1998, p 16 ), as políticas de desativação de atividades do Estado e transferência para setores da iniciativa privada encontram, em muitas ONGs, interlocutores ávidos por implementar as novas orientações. Rapidamente o universo das ONGs alterou seu discurso, passando a enfatizar as políticas de parceria e cooperação com o Estado, destacando que estão em uma nova era onde não se trata mais de dar costas ao Estado, ou apenas criticá-lo, mas de alargar o espaço público no interior da sociedade civil, democratizar o acesso dos cidadãos nas políticas públicas e contribuir para a construção de uma nova realidade social, criando canais de inclusão dos excluídos do processo de trabalho.

Dessa forma, as ONGs passam a atuar não apenas na geração de empregos e oportunidades de trabalho temporário, sem vínculos empregatícios, sob a forma de cooperativa, onde a renda é gerada pela quantidade produzida, mas,


também, no âmbito da requalificação dos jovens trabalhadores, financiando cursos de curta duração para desenvolver novas habilidades e competências para aqueles que estão sendo historicamente excluídos do mercado/mundo do trabalho, ou pela conseqüência dos processos excludentes da própria contemporaneidade. Os cursos desenvolvidos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT, a saber, o Consórcio da Juventude, derivado do Programa Primeiro Emprego do Governo Federal, é um dos exemplos. Assim, evidencia Montaño (2002), as ONGs passam a ter uma relação diferente com o Estado, um relacionamento

dócil, despolitizado e

despolitizador, funcional ao projeto neoliberal de reestruturação sistêmica. Da luta (dos movimentos sociais), passa-se à negociação (entre ONG e Estado), de relação de interesses conflitantes (das organizações populares), à relação clientelista. Como podemos perceber, há uma significativa alteração na relação Movimento Social/Estado. Esta relação, que até a década de 80 foi direta, com o apoio das ONGs, nos anos 90 passa a ser intermediada pela ONG, sendo portanto, não mais uma relação direta. Ocorre assim uma verdadeira “terceirização” dos movimentos sociais. De atores principais nas relações com as ONGs passam a segundo plano, dado o êxodo de adesão daqueles para estas; e de relações diretas com o Estado passam a uma relação indireta, agora intermediadas pelas ONGs. Desse modo, Estado e agências internacionais não são mais “obrigados” a tratar diretamente com os movimentos sociais, agora a relação é de forma indireta, intermediada pela ONG, mais “eficiente”, mais “razoável”, “mais bemcomportada”, e, além disso, estes organismos podem escolher seu parceiro, seu interlocutor, definindo a ONG com a qual tratarão. As conseqüências dessa relação, conclui Montaño 1) o movimento social, intermediado pela ONG na sua relação com o Estado, com menos adesão e sem recursos, tende a se reduzir em quantidade e em impacto social, deixando seu lugar para esta última. 2) a ONG, que tem como parceiro o Estado, assume a “responsabilidade” das organizações


sociais, carregando agora as demandas populares, só que não mais numa relação de luta, de reivindicação, mas de “pedido”, de “negociação” entre parceiros, e quase sempre relegando para segundo plano a atividade do movimento social e submetendo-o à nova “lógica da negociação”. Se aqueles movimentos tinham relativa autonomia do poder público, estas organizações agora formam “parcerias” (dependência) com os governos. (2002,p. 274).

Dessa forma, surgem ONGs dos mais diversos tipos, tamanhos e finalidades. Independentemente de suas boas intenções, a maioria delas, por políticas explícitas por parte dos próprios governos, vem assumindo um papel substitutivo ao Estado. Entretanto, não poderíamos deixar de elucidar o trabalho sério desenvolvido por uma pequena minoria. Por isso, ousadamente, mesmo sabendo que é um terreno perigoso e ideológico, tentarei distinguir, pelo menos, duas perspectivas de atuação, pois as conhecidas Organizações não-governamentais, embora sejam muitas e em processo de crescimento acelerado, se distinguem radicalmente entre aquelas que nascem sob inspirações dos movimentos sociais com objetivos claros de transformação social e aquelas que descendem do chamado Terceiro Setor que tem sua base de apoio no empresariado. Chamaremos de orgânicas aquelas entidades não-governamentais que direcionam sua práxis para uma dimensão contra-hegemônica. São as organizações que surgem demandadas de problemas locais e/ ou globais, com objetivos de criar estruturas coletivizadas de combate, de proposição e diálogos com outros setores da sociedade civil e do Estado. São ONGs que têm como finalidade melhorar ou fortalecer a própria sociedade civil, objetivando provocar microtransformações, locais ou no cotidiano, ou macrotransformações, mais globais ou sistêmicas. Têm no seu fazer pedagógico diário o trabalho como princípio educativo, pois no trabalho não ocorre apenas fabricação de “produtos”, “mercadorias”, mas também, produção de mundo, civilizações, culturas, sujeitos, relações e novos espaços de (con)vivência e de transformação.


Sua relação/diálogo com o Estado não é a de cumpridora de serviços e ações de responsabilidades do mesmo, contudo quando executora desses serviços, a ONG tem no seu fazer o compromisso com o fomento e a construção de políticas públicas, ou seja, executa apenas para construir, organizar, dialogar e devolver a quem de fato lhe compete essas ações - o Estado. Sua base social não é a única definidora de sua organicidade, a ONG Orgânica poderá ser de abrangência “global”, entretanto seus discursos e práticas precisam estar assentados na promoção e alargamentos dos direitos sociais. As ONGs Orgânicas, quando envolvidas na formação/qualificação da classe trabalhadora, jovens e/ou adultos, para o mundo do trabalho entende que o problema do desemprego não é um problema de qualificação exclusivamente, recaindo sobre o trabalhador, assim, a culpa pelo desemprego, mas, sobretudo, um processo estrutural resultante de um processo histórico. Podemos ainda aglutinar a essa organicidade, as ONGs derivadas dos Centros de Educação e/ ou de Assessoria Popular, as quais desempenharam um importante papel político no Brasil junto aos movimentos sociais nos anos 1970 e 1980. Por fim, são entidades que têm nos seus princípios básicos a clareza da função da educação. Ela, a educação, não é a salvação de todas as mazelas do mundo. Sem dúvida que a educação é uma transformação necessária, mas não é uma transformação suficiente, pois as transformações sociais não dependem só da educação. Já as ONGs aqui denominadas de Mercantis se justificam social e legalmente no campo da solidariedade, da filantropia e da responsabilidade social (com alguns benefícios em termos de impostos e subsídios das esferas governamentais). Essas ONGs fazem parte do chamado Terceiro Setor, A maioria dessas entidades, segundo Gohn (1995): atua segundo a lógica do mercado, a partir de articulação de atores “plurais”; não se coloca a


questão da mudança do modelo vigente, ou luta contra as formas geradoras da exclusão, atua-se apenas sobre os resultados. Elas não têm o mínimo interesse em trabalhar com entidades politizadas, que exerçam a militância em favor dos direitos sociais e buscam transformações sociais. Ao contrário,

atuam

para

incluir

(

no

sistema

econômico atual), de forma diferenciada(leia-se, de forma precária e sem direitos sociais), os excluídos pelo modelo econômico (p. 94).

São instituições que têm no seu discurso, principalmente, desenvolver atividades visando ao alívio do sofrimento dos pobres, promover os interesses destes, proteger o meio ambiente, prover serviços básicos ou preencher as lacunas com saberes que a escola pública não dá conta além de outros hiatos deixados pelo Estado. Os seus cotidianos revelam (re)produções de modelos dominantes e oportunistas de captação de recursos, transformam-se em verdadeiras “fábricas de projetos” a qualquer custo. Seus trabalhadores estão acumulando “capital humano” para somente gerar lucro a essas ONGs Mercantis. Se, por um lado, as ONGs Orgânicas são possibilidades importantes de fortalecimento da organização e participação da sociedade civil, por outro, as ONGs Mercantis podem ser principalmente executoras de programas e políticas, participando parcamente de sua discussão, elaboração e gestão. ONGs Mercantis estão inseridas na esfera privada da solidariedade - imersas no campo da ajuda emergencial aos setores carentes ou vulneráveis da sociedade -, isto é, desligadas da solidariedade como momento de construção de identidades e de laços coletivos na perspectiva da cidadania – termo sempre inserido na esfera pública e imerso no campo dos direitos da população.. Essa classificação, ousadamente construída e aqui apresentada de ONGs Orgânica e Mercantil, não tem a pretensão de menosprezar uma ou outra,


inclusive porque com a deterioração das condições sociais são inúmeras as demandas localizadas ou emergenciais que necessitam ser atendidas. No entanto, há que se reconhecer que as ações desenvolvidas, principalmente pelas ONGs Mercantis, não contribuem para construção de políticas públicas, tampouco para a inserção social de homens, mulheres e jovens como Geórgia.


CAPÍTULO 2. GOVERNO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO QUE SUPERA OS LIMITES (IM)POSTOS PELO CAPITAL? Eu diria que nós estamos dando um passo excepcional para resolver um dos problemas mais graves que o Brasil vive hoje. E a verdade é que não é um compromisso só do Presidente da República ou do Ministro do Trabalho. Ou individualmente, de qualquer pessoa. Gerar empregos passa a ser uma responsabilidade coletiva. E gerar empregos para jovens é mais do que uma responsabilidade coletiva: é a gente plantar, hoje, o futuro que precisamos colher 47 amanhã. Luiz Inácio Lula da Silva

Foi com esse pronunciamento que o presidente da República, em 2004, definiu o desafio coletivo de enfrentar a problemática do desemprego estrutural vivenciado pela juventude. Esse discurso “convocatório” tinha como objetivo mobilizar a sociedade civil e, especialmente, as ONGs para o desenvolvimento de políticas públicas de qualificação e inserção de jovens no mundo do trabalho. Uma possível leitura pode levar a pensar que, na tentativa de “resolver” os problemas do desemprego juvenil, o governo não só transfere recursos públicos48, mas, também, a responsabilidade pela resolução do desemprego juvenil. A publicização, transferência de recursos públicos para o terceiro setor, parece não ter sido uma marca exclusiva do governo Fernando Henrique Cardoso. Pelo pronunciamento é possível deduzir que há vínculos dessa parceria governo e sociedade civil com a reforma gerencial do Estado proposta pelo exministro Bresser Pereira. Para Silva Jr. (2001) essa parceria gera, na verdade, um novo paradigma de políticas públicas: o das políticas públicas de oferta, a serem executadas na sociedade civil, em geral pelas ONGs. Os componentes ou processos básicos da reforma do Estado dos anos 90 são:

47 48

Revista Consórcio Social da Juventude Sampa, outubro de 2005. Leia-se publicização.


(a) a delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho em termos principalmente de pessoal através de programas de privatização, terceirização e publicização (este último processo implicando a transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta); (b) a redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário através de programas de desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competição do país a nível internacional, em vez de protetor da economia nacional contra a competição internacional; (c) o aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, através do ajuste fiscal, que devolve autonomia financeira ao Estado; da reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial e a separação, dentro do Estado, ao nível das atividades exclusivas de Estado, entre a formulação de políticas públicas e a sua execução; (d) o aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graças à existência de instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou democracia direta. Para a delimitação do tamanho do Estado estão envolvidas as idéias de privatização, publicização49 e terceirização. Como evidenciou Pereira, privatização é um processo de transformar uma empresa estatal em privada. Publicização, de transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas pública não-estatal. Terceirização é o processo de transferir para o setor privado serviços auxiliares ou de apoio (1997, p.19).

49

A palavra publicização foi criada para distinguir este processo de reforma do de privatização. E para salientar que, além da propriedade privada e da propriedade estatal, existe uma terceira forma de propriedade no capitalismo contemporâneo: a propriedade pública não-estatal. Em sendo pública não-estatal, a transferência de atividades do setor público para aquele constituirse-ia num processo de publicização.


Considerava que o Estado do século XXI seria um Estado Social-Liberal. Explicita o autor: social porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando mais os controles de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalhos mais flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e de suas empresas para a inovação e a competição internacional (PEREIRA,1997, p.18).

Aos poucos, e de forma muito perversa, foi se reconhecendo que o Estado não deve executar diretamente uma série de tarefas. Que reformar o Estado significa, antes de mais nada, definir seu papel, deixando para o setor privado e para o setor público não-estatal as atividades que não lhe são específicas. Para tanto, era preciso distinguir três áreas de atuação: as atividades exclusivas do Estado; os serviços sociais e científicos do Estado e a produção de bens e serviços para o mercado. Por outro lado, é conveniente distinguir, em cada uma dessas áreas, quais são as atividades principais e quais as auxiliares ou de apoio. Atividades exclusivas de Estado são as atividades monopolistas em que o Estado exerce o poder de definir as leis do país, de impor a justiça, de manter a ordem, de defender o país, de representá-lo no exterior, de policiar, de arrecadar impostos, de regulamentar as atividades econômicas, fiscalizar o cumprimento das leis. São monopolistas porque não permitem a concorrência50 A produção de bens e serviços para o mercado é uma atividade dominada por empresas privadas. No entanto, no século XX, o Estado interveio fortemente nesta área, principalmente na área monopolista dos serviços públicos, em setores de infra-estrutura e em setores industriais e de mineração com

50

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997. (Cadernos do MARE da Reforma do Estado, N.1, p.23).


elevadas economias de escala. O motivo fundamental pelo qual o Estado interveio nesta área, não foi ideológico, mas prático51. Já as atividades na área social e científica são atividades não exclusivas do Estado, que não apenas envolvem o poder do mesmo. Incluem-se as escolas, as universidades, os centros de pesquisa científica e tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais, as entidades de assistência aos carentes, principalmente aos menores e aos velhos, os museus, as orquestras sinfônicas, as oficinas de arte, as emissoras de rádio e televisão educativa ou cultural, etc 52. Para essas atividades os argumentos são: Se o seu financiamento em grandes proporções é uma atividade exclusiva do Estado – seria difícil garantir educação fundamental gratuita ou saúde gratuita de forma universal contando com a caridade pública53 - sua execução definitivamente não o é. Pelo contrário, estas são atividades competitivas, que podem ser controladas não apenas através da administração pública gerencial, mas também e principalmente através do controle social e da constituição de quase-mercados ( PEREIRA,1997, p.25).

Nesse sentido, para o reformista, não há razão para que estas atividades permaneçam dentro do Estado, sejam monopólio estatal. Mas também não se justifica que sejam privadas, ou seja, voltadas para o lucro e o consumo privado - já que são, freqüentemente, atividades fortemente subsidiadas pelo Estado, além de contarem com doações voluntárias da sociedade. Por isso, a reforma do Estado nesta área não implica privatização, mas publicização, isto é, transferência para o setor público não-estatal, com controle social através de conselhos constituídos para este fim. Entra em cena o setor público não-estatal, constituído por organizações sem fins lucrativos, no sentido de responsabilizar-se pela execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e

51

Idem, p.25 Idem,ibidem 53 Grifo meu 52


pesquisa científica. Por meio de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal, o denominado terceiro setor, a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. Desse modo, o Estado abandonou o papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente, dos serviços sociais, como educação e saúde, que são essenciais para o desenvolvimento, concebido como investimento em capital humano54. Como foi evidenciado, a partir da análise do plano diretor da Reforma do Estado, a estratégia central se apóia na publicização dos serviços nãoexclusivos do Estado que, uma vez fomentados pelo Estado, assumirão a forma de organizações sociais. Desse modo assinalou Pereira: Essa forma de parceria entre sociedade e Estado, além de viabilizar a ação pública com mais agilidade e maior alcance, torna mais fácil e direto o controle social, mediante a participação, nos conselhos de administração, dos diversos segmentos beneficiários envolvidos. As organizações nesse setor gozam de uma autonomia administrativa muito maior do que aquela possível dentro do aparelho do Estado (Plano Diretor do Aparelho do Estado1997, p.37) 55.

O reconhecimento de um espaço público não-estatal, segundo Pereira (1997), tornou-se importante em um momento em que a crise do Estado aprofundou a dicotomia Estado-Privado, levando muitos a imaginar que a única alternativa à propriedade estatal é a privada. A privatização é, portanto, uma alternativa considerada adequada quando a instituição pode gerar todas as suas receitas da venda de seus produtos e serviços, e o mercado tem condições de assumir a coordenação de suas atividades. Quando isto não acontece, está aberto o espaço para o público não-estatal.

54

Preservo o termo capital humano que é evidenciado durante todo o denso documento da Reforma do Estado 1997, caderno do MARE da Reforma do Estado. 55 Grifo meu.


Sendo assim, as Organizações Sociais (OS) têm um modelo de organização pública não-estatal destinada a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica e estará habilitada a receber recursos financeiros e a administrar bens e equipamentos do Estado. Em contrapartida, ela se obrigará a celebrar um contrato de gestão, por meio do qual serão acordadas metas de desempenho que assegurem a qualidade e a efetividade dos serviços prestados ao público. Conforme orienta Pereira, Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais tenderão a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento (Plano Diretor do Aparelho do Estado, 1998. p. 37).

Por outro lado, ainda acrescenta que, no momento em que a crise do Estado exige o reexame das relações Estado-sociedade, o espaço público não-estatal pode ter um papel de intermediação ou pode facilitar o aparecimento de formas de controle social direto e de parceria, que abrem novas perspectivas para a democracia. Para legitimar seu discurso, Pereira, no texto da reforma, cita inúmeros teóricos e políticos defensores, em tese, da transferência de responsabilidade do Estado para o terceiro setor, a exemplo de Cunill Grau, Manuel Castells. Contudo, ao nosso ver, um político citado no texto da reforma merece destaque: ministro56 das relações políticas do governo Lula, Tarso Genro. Segundo ele, através das organizações públicas não-estatais a sociedade encontra uma alternativa para a privatização. Esta pode ser a forma adequada de propriedade quando a empresa tem condições de se auto-financiar no mercado. Todas as vezes, entretanto, que o financiamento de uma determinada atividade depender de doações ou de transferências do Estado, isto significará que é uma atividade pública, que não precisando 56

Ministro das Relações Políticas na segunda gestão do Presidente Luis Inácio Lula da Silva.


ser estatal, pode ser pública não-estatal, e assim ser mais diretamente controlada pela sociedade que a financia e dirige. Ora, em uma situação em que o mercado é claramente incapaz de realizar uma série de tarefas, mas que o Estado também não se demonstra suficientemente flexível e eficiente para realizá-las, abre-se espaço para as organizações públicas não-estatais57. (GENRO apud PEREIRA,1996, p.27)58

Como podemos perceber, o processo de ampliação do setor público nãoestatal ocorre a partir de duas vias: de um lado, a partir da sociedade, que cria entidades dessa natureza; de outro lado, a partir do Estado, que na reforma se engaja em processos de publicização de seus serviços sociais e científicos. No que se refere às Atividades Principais (core functions) e às Atividades Auxiliares ou de Apoio, Perreira (1997) assinala que as principais são as atividades propriamente de governo, nas quais o poder do Estado é exercido. São as ações de legislar, regular, julgar, policiar, fiscalizar, definir políticas e fomentar. Nesta direção, creio ser pertinente ainda, elencar sinteticamente as principais características explicitadas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1997, p.42), da administração pública gerencial, que também vem sendo

chamada de nova administração pública: a) orientação da ação do Estado para o cidadão-usuário ou cidadão-cliente; b) ênfase no controle dos resultados através dos contratos de gestão (em vez de controle dos procedimentos); c) fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal, organizada em carreiras ou “corpos” de Estado, e valorização do seu trabalho técnico e político de participar juntamente com os políticos e a sociedade, da formulação e gestão das políticas públicas; d) separação entre as secretarias formuladoras de políticas públicas, de caráter centralizado, e as unidades descentralizadas, executoras dessas mesmas políticas;

57 58

Grifo meu Artigo “A Esquerda e um Novo Estado”. Folha de São Paulo, 7 de janeiro, 1996.


e) distinção de dois tipos de unidades descentralizadas: as agências executivas, que realizam atividades exclusivas de Estado, por definição monopolistas, e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo, em que o poder de Estado não está envolvido; f) adoção cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas, dos mecanismos (1) de controle social direto, (2) do contrato de gestão em que os indicadores de desempenho sejam claramente definidos e os resultados medidos, e (3) da formação de quase-mercados em que ocorre a competição administrada; g) terceirização das atividades auxiliares ou de apoio, que passam a ser licitadas competitivamente no mercado; h) transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos competitivos59. Vale ressaltar, ainda, que esses pontos, ora aglutinados, estão em dois momentos denominados Reforma da Primeira Geração e Reforma da Segunda Geração. As primeiras estiveram em torno da estabilização macroeconômica, cortes de alíquotas e de orçamento, privatizações e similares. As segundas, em curso, são compostas por variadas reformas do Estado, do serviço público e fornecimento dos serviços públicos, do sistema de saúde, do ambiente das empresas privadas e, sobretudo, das instituições educacionais. (SILVA e SGUISSARDI, 2005). A perspectiva de transferência de responsabilidade da sociedade civil é presente, também, nas medidas adotadas pelo atual Governo, o que favorece a ampliação do terceiro setor no atendimento a segmentos da população que constituem os supranumerários na denominação de

Castel

(1998). Uma outra possível leitura do discurso do presidente Lula é que coloca na pauta de discussão um tema que adquire visibilidade crescente nos últimos anos no Brasil: os jovens. Segundo os dados da pesquisa do DIEESE (2006), é possível afirmar que os jovens estão entre as principais vítimas desse modelo econômico observado nas últimas décadas: aumentaram o desemprego e a precariedade da ocupação nesse segmento. 59

Grifo meu


Uma das conseqüências mais visíveis desse quadro é a violência nos grandes centros urbanos, que envolve os jovens de forma acentuada como vítimas ou como agressores. Segundo dados do Mapa de Violência IV60 a taxa de homicídios na população jovem foi de 52,2 para cada 100 mil, contra 21,7 para o restante da população. Embora esses dados não tenham sido usados pelo presidente na sua convocatória, acredito que foram impulsionadores para os projetos, programas e/ou políticas criadas pelo governo Lula para a juventude. Um programa que merece especial destaque pela natureza deste trabalho, ainda que não seja o seu foco, é o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego. Em outubro de 2003, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Lei 10.748 61, instituiu o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para jovens (PNPE). Com base nas suas diretrizes, é um dos programas do Governo Federal que vem se consolidando como uma política geradora de oportunidades de trabalho digno, inclusão social e cidadania para a juventude em situação de maior vulnerabilidade social, criando oportunidades de qualificação sócio-profissional e de efetiva inserção de jovens no mundo do trabalho. O PNPE tem por objetivo atender jovens entre 16 e 24 anos em situação de desemprego, sem vínculos empregatícios anteriores, integrantes de famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo e que estejam matriculados

e

freqüentando

regularmente

estabelecimento

de

ensino

fundamental ou médio, ou cursos de educação de jovens e adultos62, sendo que 30% do total podem já ter concluído o ensino médio.

60

Mapa da Violência IV (WAISELFIS,2004), extraído de Políticas Públicas de/para/com as juventudes Brasília UNESCO 61 Esta Lei já foi atualizada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva pela Lei nº 10.940 de 27 de Agosto de 2004. 62 Como consta nos termos dos arts. 37 e 38 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.


2. 1 - OS CONSÓRCIOS SOCIAIS DA JUVENTUDE Os Consórcios Sociais da Juventude se constituem em uma linha de ação do PNPE que estabelecem a parceria entre o Ministério do Trabalho e Renda e a sociedade civil na execução das atividades, com foco em seus três eixos de organização: •

Fomento à geração de postos de trabalho formais e formas alternativas geradoras de renda;

Preparação para o primeiro emprego;

Articulação com a sociedade civil.

A participação da sociedade civil, que atua junto à juventude em ações de qualificação e inserção de jovens no mundo do trabalho, nos Consórcios Sociais da Juventude, dá-se por meio de Audiências Públicas realizadas pelo MTE em articulação com a Delegacia Regional do Trabalho - DRT. As entidades interessadas em executar as ações de formação para os jovens deverão preencher os pré-requisitos estipulados no termo de referência63. Já a entidade âncora, entidade que celebra o convênio com o MTE, poderá ser selecionada pelo próprio Ministério, e/ou DRT, e/ou rede de entidades, e/ou parcerias locais com base nos critérios estabelecidos no Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude64, em ambos os casos, devendo ser validada nas Audiências Públicas pelos presentes.

63

a) ser uma entidade social de reconhecida atuação em âmbito local, regional ou nacional, com no mínimo três anos de regular atuação; b) ter em sua missão o trabalho com a juventude, atuando na área a que se propõe (comprovar através do Estatuto da Entidade, releases na imprensa, projetos realizados ou em andamento, publicações próprias, etc); c) ser uma associação civil sem fins lucrativos, fundação ou ser qualificada como organização da sociedade civil de interesse público; d) possuir capacidade logística e infra-estrutura suficiente para a realização das ações propostas, considerando que somente parte das ações será realizada no Centro de Juventude; e) comprovar capacidade técnica para realizar as ações a que se propõe, mediante apresentação de atestados; f) comprovar capacidade para aportar contrapartida proporcional aos recursos envolvidos nas ações sob sua responsabilidade; e g) comprovar regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária. (Termo de Referência 2005, p. 22) 64 Além de atender os critérios para a escolha das entidades executoras, poderá se caracterizar, dentre outros aspectos, por: a) disponibilidade e garantia de cessão de espaço físico adequado para a implantação do Centro de Juventude; b) estar sediada em sua base de atuação; c) disposição de dedicar-se predominantemente às ações do consórcio; d) Ser uma entidade social de reconhecida atuação em âmbito local,


A entidade escolhida ou eleita à função de âncora celebra o convênio junto ao MTE e contrata65 uma rede de entidades para execução das ações de qualificação básica, social e profissional e de inserção de, no mínimo, 30% dos jovens66 no mundo do trabalho67. Conforme orientam as diretrizes explicitadas no Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude (2005, p.20), esse processo deve: a) ser constituído por entidades ou movimentos da sociedade civil organizada, que desenvolvam ações dirigidas ao público juvenil, relacionadas à qualificação ou à inserção do jovem no mundo do trabalho, por meio de ações conjuntas e complementares, para o alcance dos objetivos do PNPE; b) ter a sua rede composta por entidades ou movimentos sociais legalmente constituídos há, no mínimo, três anos, e buscar o apoio e a parceria de órgãos e entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais; c) o Ministério do Trabalho e Emprego deve firmar convênio com uma entidade, denominada “entidade-âncora”. Esta entidade é sugerida pelo MTE, com base nos critérios estabelecidos neste Termo de Referência, sendo posteriormente validada pelas entidades e parceiros locais. A “entidade âncora”, por sua vez, deverá executar as ações previstas no Plano de Trabalho segundo as normas vigentes que tratam da execução de convênios; d) ter uma estrutura organizacional que lhe possibilite trabalhar de forma transparente e coletiva, devendo ser constituídos conselhos de caráter consultivo e deliberativo, além da Secretaria Executiva; e) serem executadas as atividades constantes no Plano de Trabalho, preferencialmente, nas comunidades de domicílio dos jovens; regional ou nacional, com no mínimo cinco anos de atuação; e) Comprovar capacidade para aportar a contrapartida prevista no convênio (TR, 2005, p. 22). 65 A celebração se dará por um contrato de prestação de serviço, regidos pela Lei nº 8.8666 de 21de junho de 1993. 66 Essa meta é de responsabilidade de todas as entidades executoras, mesmo não constando no contrato com a entidade âncora, essa responsabilidade é condição sine quan non para sua habilitação nas próximas edições. 67 O termo “Mundo do Trabalho” só veio ser inserido na versão atual do Termo de Referência de 2005.


f) entender-se como qualificação básica para os jovens atendidos pelo Consórcio Social da Juventude: 1) inclusão digital; 2) valores humanos, ética e cidadania; 3) educação ambiental, saúde, qualidade de vida, promoção da igualdade racial e eqüidade de gênero; e 4) ações de estímulo e apoio à elevação da escolaridade. Além da qualificação básica, os jovens também são inseridos em alguma Oficina-Escola, onde são desenvolvidas as atividades de qualificação profissional específica. A fim de garantir que a meta de inserção seja atingida, pode ser prevista a qualificação específica, com base nas demandas de mercado; g) beneficiar os jovens participantes com o auxílio financeiro de que trata a Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998 e o Decreto nº. 5.313, de 16 de dezembro de 2004; h) atender jovens, encaminhados às empresas cadastradas para contratação, que tenham sido recusados cinco vezes por falta de qualificação. Sendo assim, o foco central dos Consórcios Sociais da Juventude, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (2005), é promover a criação de oportunidades de trabalho, emprego e renda para os jovens em situação de maior vulnerabilidade social, por meio da mobilização e da articulação dos esforços da sociedade civil organizada. A centralidade na mobilização e articulação da sociedade civil organizada demonstra uma clara transferência de responsabilidade do Estado, o que pode ser observado pela composição dos Consórcios Sociais da Juventude (entidades da sociedade civil)68; pela parceria público/privado; pela constituição dos conselhos para o controle social, reafirmando a proposta contida no documento do MARE69. Com os Consórcios Sociais da Juventude (2005), pretende-se inserir jovens no mundo do trabalho por meio da intermediação de mão-de-obra e promoção de atividades autônomas; preparar os jovens para o mercado de trabalho e ocupações alternativas, geradoras de renda; proporcionar qualificação e 68 69

Item a do Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude (2005, p.20). Item d do Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude (2005, p.20).


atividades que possam despertar o espírito empreendedor dos jovens; elevar a auto-estima e incentivar a participação cidadã da juventude na vida social e econômica do país; fomentar experiências bem sucedidas da sociedade civil organizada; constituir um espaço físico, denominado “Centro da Juventude”, como ponto de encontro das ações desenvolvidas pelas entidades da sociedade civil; incentivar a prestação de serviço voluntário e social pelos jovens; por fim, estimular a elevação da escolaridade70. O público prioritário dos Consórcios Sociais da Juventude são jovens de 16 a 24 anos, com renda familiar per capita de até meio salário mínimo e que estejam cursando o Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos e até 30% de jovens que tenham concluído o Ensino Médio. Devem ser priorizados os/as jovens de maior exclusão social71, conforme consta no Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude/ MTE (2005), a saber: jovens afro-descendentes, jovens em conflito com a lei e/ou em cumprimento de medidas sócio-educativas; jovens portadores(as) de necessidades especiais; jovens mulheres; jovens indígenas; jovens que assumem função de provedor/a (arrimo) da família. A definição de público prioritário demonstra a focalização em determinados segmentos da população. Em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo MTE, no Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude (2005), a gestão dos Consórcios se faz a partir das seguintes instâncias: Rede, Conselho Deliberativo, Conselho Consultivo, Secretaria Executiva, Conselho Jovem. Estas são instâncias de controle social, que estão de acordo com a proposta da Reforma do Estado de Bresser Pereira. A Rede define o modelo de funcionamento do Consórcio, caracterizando-se por relações predominantemente ditas horizontais72 e formada pela totalidade das 70

Informações contidas nos objetivos específicos expostos nos Termos de Referências dos Consórcios Sociais da Juventude (2003/2005). 71 Requisitos estabelecidos pela Lei de Implantação dos Consórcios Sociais da Juventude, nº 10.748, de 22/11/2003. 72 Segundo a dissertação de Elisa Maria Barbosa de Amorim Ribeiro apresentada ao Programa de Pós de Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, a relação de horizontalidade, na prática, apresenta alguns obstáculos entre eles: o fluxo de informação disseminado nesta rede e as relações de poder restabelecido.


instituições participantes. Sendo assim, suas atribuições são: a) acompanhar as ações do Consórcio aprovando o Plano de Trabalho; b) deliberar sobre situações problemas levadas pelo Conselho Deliberativo ou por sua iniciativa; c) reunir-se, mensalmente, em caráter ordinário. O Conselho Deliberativo é formado pela entidade-âncora e por entidades eleitas pelos seus pares para representar a rede de entidades executoras. Desse modo, suas atribuições consistem em: a) acompanhar as atividades nas diversas entidades parceiras e decidir sobre situações e problemas, encaminhando-as para reunião ampliada junto a toda a Rede; b) reunir-se quinzenalmente ou sempre que necessário; c) garantir o registro em Ata de todos as reuniões do Conselho Deliberativo e divulgar junto à Rede do Consórcio e encaminhá-las ao TEM; d) convocar a rede de entidades do Consórcio para reuniões, sempre que julgar necessário, para avaliação das ações e tomada de decisões que tenham impacto em sua execução. O Conselho Consultivo é formado pela entidade âncora e por instituições representativas do empresariado, dos trabalhadores e dos governos locais. São atribuições do Conselho Consultivo: a) promover a articulação com o setor privado; b) colaborar com a inserção de jovens no mundo do trabalho; c) reunirse mensalmente ou sempre que necessário; d) garantir o registro em Ata de todas as reuniões do Conselho Consultivo e divulgar junto à Rede do Consórcio, ao Conselho Deliberativo e encaminhá-las ao MTE. O Conselho Jovem73 é formado por representantes eleitos pelos pares, tendo como principais atribuições: a) representar os jovens, intermediando nas decisões e deliberações do Consórcio Social da Juventude, trazendo demandas do grupo e sugerindo encaminhamentos; b) encaminhar sugestões para enriquecimento e melhoria do Consórcio; c) colaborar com a coordenação da Estação da Juventude para a plena utilização deste espaço.

73

Instância constituída no Manual de Funcionamento do Consórcio Social da Juventude de Salvador e RMS, embora legalmente não constituída nos documentos “atuais” consultados do MTE.


A Secretaria Executiva é a instância do Consórcio Social da Juventude responsável por toda a gestão das ações previstas no Plano de Trabalho. A coordenação é feita pela Entidade Âncora compreendendo uma Coordenação Geral, uma Coordenação Pedagógica, uma Coordenação Administrativa Financeira,

uma

Coordenação

de

Inserção,

uma

Coordenação

de

Monitoramento e Avaliação, uma Coordenação de Comunicação e Marketing. Cabe à Entidade Âncora a contratação de profissionais qualificados a partir de perfil estabelecido, submetendo-a a apreciação e aprovação por parte do MTE. Cabe,

ainda,

à

Secretaria

Executiva

as

seguintes

atribuições:

a)

responsabilizar-se pela gestão técnica-pedagógica e administrativa -financeira do

Consórcio

Social

da

Juventude;

b)

reunir-se

mensalmente

para

planejamento e (re)alinhamento das ações desenvolvidas no Consórcio. Como consta no Termo de Referência (2005), a instância de visibilidade e capilarização das ações dos Consórcios no contexto da rede de entidades é o Centro de Juventude74, cujos objetivos são: a) servir como local de encontro e troca entre as organizações da Rede, dando visibilidade às suas ações, b) oferecer, às organizações da Rede, serviços cuja escala e custos não justifiquem a sua pulverização nas sedes das entidades executoras; c) disponibilizar espaço de encontro dos jovens para trocas e vivências; d) facilitar a aproximação e articulação do Consórcio com a sociedade e o mercado. Segundo o manual de Implantação dos Consórcios Sociais da Juventude, aprovado pelo Conselho do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (2003), cada Consórcio Social da Juventude deverá trabalhar um mínimo de três temáticas, desenvolvendo Oficinas-Escolas, tomando por referência os seguintes temas: a) arte e cultura; b) beleza e estética; c) comunicação e marketing social; d) atenção específica aos jovens em conflito com a lei ou em situação de rua; e) empreendedorismo, turismo e economia solidária; f) esporte e lazer; g) meio ambiente, saúde e promoção da qualidade de vida; h) promoção dos saberes indígenas e popular; i) promoção da igualdade racial e eqüidade de gênero; j) segurança alimentar e promoção da qualidade de vida no campo; k) voluntariado e trabalho social. 74

Espaço destinado ao desenvolvimento de algumas atividades formativas para os jovens participantes e serve como ponto de encontro/troca entre os mesmos


Os termos marketing social, voluntariado e trabalho social tendem à formação na perspectiva de legitimar e ampliar a cultura de transferência de responsabilidade do setor público para o terceiro setor. Os termos empreendedorismo

e

economia

solidária

indicam

a

legitimação

das

transformações no mundo do trabalho que perde a predominância do emprego, devendo cada indivíduo obter renda para a sua sobrevivência e investir na sua formação enquanto empreendedor. Para Dedecca (2005), o culto obsessivo ao empreendedorismo foi vendido à nação, sinalizando a permanência no desemprego como única possibilidade para aqueles que se mostrassem incapazes para o chamado mercado formal. O processo formativo dos jovens tem uma carga horária total de 400(quatrocentas) horas, distribuídas geralmente em um semestre de curso. Além dessa qualificação profissional, os jovens prestam 100(cem) horas de Serviço Civil Voluntário75 a entidades públicas de qualquer natureza, ou à instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos e de assistência social. Por esse serviço prestado os jovens recebem ao longo do curso quatro parcelas no valor de R$ 150,00(cento e cinqüenta reais). Já o processo de inserção dos jovens no mundo do trabalho dar-se-á após 80% das 400 horas de qualificação previstas. Para tanto, segundo o Termo de Referência, a entidade deve: promover ações e eventos junto ao empresariado local, em parceria com a DRT, a fim de divulgar as ações dos Consórcios Sociais da Juventude e de sensibilizá-los quanto à inserção do jovem no mercado formal de trabalho. Estas também poderão operar junto às linhas de crédito disponíveis no mercado financeiro local, para apoio à formação de cooperativas e associações, ou ainda junto a outros agentes para alavancar ações empreendedoras, disponibilizando infraestrutura ou outro tipo de incentivo, visando à colocação de, no mínimo, 30% desses jovens no mundo do trabalho76.(Termo de Referência, 2003, p.08) 75

Decreto nº 5.313/2004. Este decreto regulamenta o art. 3º-A da lei nº 9.608, de 1998, que autoriza a União a conceder auxílio financeiro ao prestador de serviço voluntário com idade de dezesseis a vinte e quatro anos, integrantes de família com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. 76 Grifo meu


Para as empresas77 que absorvem os jovens oriundos dos Consórcios Sociais da Juventude, a entidade âncora pode oferecer a linha de ação do Incentivo à Contratação e conseqüente recebimento de subvenção econômica (R$ 1.500,00 em 06 parcelas de R$ 250,00 por posto de trabalho criado), visando reduzir os custos da contratação do jovem, ou a linha de Responsabilidade Social, sem o recebimento dos recursos financeiros governamentais. O acompanhamento das ações do Consórcio Social da Juventude é responsabilidade da entidade âncora e da Delegacia Regional do Trabalho – DRT. A entidade âncora acompanha e avalia processualmente o cumprimento das ações de qualificação e inserção junto às entidades executoras, mantendo cadastro individualizado dos beneficiários, bem como as listas que comprovem a freqüência dos jovens nos cursos realizados. Cabe também à entidade âncora e à DRT, o envio à Coordenação Nacional dos Consórcios Sociais da Juventude, em Brasília, dos instrumentos previamente definidos pelo MTE, contendo relatórios mensais, parciais e finais, para avaliação por parte da mesma. Nessa perspectiva, em 2004 foram implantados os primeiros Consórcios Sociais da Juventude como experiência “piloto”: Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana; Consórcio Social da Juventude de Brasília, Região Geoeconômica do Distrito Federal e Mesorregião de Águas Emendadas; Consórcio Social da Juventude de Fortaleza; Consórcio Social da Juventude do Rio de Janeiro; Consórcio Social da Juventude de Belo Horizonte e o Consórcio Social da Juventude do ABC Paulista. Em 2005, após os resultados positivos da primeira edição dos Consórcios, segundo evidencia o MTE (2005), o número aumentou de 6.811(seis mil oitocentos e onze) jovens qualificados para 20.376(vinte mil trezentos e setenta e seis). Além dessa ampliação de mais de 300% de jovens qualificados, o número de Consórcios Sociais da Juventude passou de 6 (seis) para 15 (quinze) em todo o Brasil. 77

Vale lembrar que para o recebimento da subvenção a empresa deverá comprovar regularidade fiscal e tributária, por meio de certidões do INSS, FGTS, Receita Federal e Dívida Ativa da União, e cadastro no Sistema Informatizado fornecido pelo MTE.


Em 2006, com o objetivo de intensificar essa parceria governo e sociedade, o número de entidades78 envolvidas diretamente chegou a 400 (quatrocentas) nos 25 (vinte e cinco) consórcios existentes em quase todos os estados brasileiros. Atualmente, esse projeto de formação de jovens para o mundo do trabalho, como evidenciam os documentos do Ministério do Trabalho e Emprego (2006), alcançou dados jamais esperados, atingindo uma meta de 66.327(sessenta e seis mil trezentos e vinte e sete) jovens qualificados e 22. 043 (vinte dois mil e quarenta e três) inseridos no mercado formal de emprego e outras formas alternativas geradoras de renda. A área de abrangência desses Consórcios Sociais da Juventude não se limitou aos grandes centros urbanos. No início de 2006 foram construídos, como resposta aos problemas do desemprego e a pouca qualificação do jovem do campo, os Consórcios Sociais Rurais da Juventude. Como esclarece a Coordenadora Geral dos Consórcios (2006), temos também Consórcios Rurais, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 15 estados e também nos eixos das rodovias Regis Bittencourt e Castelo Branco (2005, p.13). Segue, na tabela 02, o quadro geral dos Consórcios Sociais da Juventude nos estados brasileiros, com suas respectivas metas de qualificação e de inserção desde o ano de sua implantação ao ano de 2006.

78

Leia-se ONGs.


TABELA 02

2005/2006(Metas Conveniadas)

2004/2005

ABC BELO HORIZONTE BELÉM CAMPINAS CURITIBA DISTRITO FEDERAL FORTALEZA GUARULHOS JOÃO PESSOA PORTO ALEGRE RECIFE RIO BRANCO RIO DE JANEIRO SALVADOR SÃO PAULO TERESINA ARACAJU CAMPO GRANDE CONTAG-RURAL FLORIANÓPOLIS EIXO REGIS BITTENCOURT EIXO CASTELO BRANCO SANTOS SÃO LUIZ SÃO PAULO - ZONA LESTE GOIÂNIA NATAL INSTITUTO ALIANÇA RURAL LONDRINA VITÓRIA SÃO PAULO - ZONA NORTE ALCANTARA/MA Quilombola FETRAF/SUL - RURAL TOTAL

QUALIFICAÇ Ã 992 539

2312 1063

801 1104

6811

INSERÇÃO

QUALIFICAÇÃO

INSERÇÃO

QUALIFICAÇÃO

INSERÇÃO

321 71

1867

706

2000

600

911 954 652 1870 1941 1890 631 1518 908 851 2135 1387 1893 968

269 307 262 546 715 1383 117 514 346 303 767 402 624 302

601 442

443 172

2050

20376

7563

2006/2007 (Metas Conveniadas) QUALIFICAÇ ÃO

INSERÇÃO

1200

360

1000

300

TOTAL INSERÇÃO

2003/2004 CONSÓRCIO

TOTAL QUALIFICAÇÃ O

CONSOLIDAÇÃO DAS AÇÕES DOS CONSÓRCIOS 2003 A 2006

4859 539 2111 954 652 6182 5104 3890 631 3518 1958 851 4636 3991 1893 1668 1181 954 1005 2134

1627 71 629 307 262 1747 1787 2183 117 1114 661 303 1720 1024 624 512 425 280 300 677

2000 2100 2000

600 630 800

2000 1050

600 315

1700 1500

510 450

700 1181 954 1005 1134

210 425 280 300 377

2000

600

2000

600

2000 458 2058 1000 500 1500

800 166 677 400 150 450

2000 1158 2058 1000 500 1500

800 376 677 400 150 450

2000

600

2000

600

700 1500

210 450

700 1500

210 450

2000

600

2000

600

500

150

500

150

35540

11350

700 66327

210 22043

700

210

700 3600

210 1080

FONTE MTE, 2006

2.2 - O CONSÓRCIO SOCIAL DA JUVENTUDE DE SALVADOR E REGIÃO METROPOLITANA O desemprego cala fundo nas pessoas. Deixa as pessoas cabisbaixas. Rouba a sua auto-estima. E faz as pessoas perderem o rumo da vida, sentindo-se inúteis e impotentes frente ao problema. José Dari Krein


Para Krein (1998), o desemprego é um dos problemas que mais preocupam governos e sociedades, especialmente quando atinge chefes de família, homens ou mulheres, dado seu potencial desestruturante da vida social. Com efeito, níveis crescentes de desemprego e de subemprego significam a multiplicação do número de pessoas que deixam de manter qualquer relação de direitos e deveres com a sociedade. Ambos os fenômenos se associam à queda da auto-estima, a desagregações familiares, à menor renda disponível, à busca precoce de trabalho por parte dos filhos (quase sempre no mercado informal) em prejuízo de sua formação escolar, etc. Por isso, quando as sociedades se confrontam com tendência de desemprego crescente, espera-se que os governos atuem, alterando suas políticas macroeconômicas e adotando medidas específicas. Em Salvador e Região Metropolitana, o problema do desemprego juvenil e conseqüente deterioração das condições de inserção do jovem no mundo do trabalho se constituem em preocupação corrente que tem mobilizado governos em seus diferentes níveis e a sociedade civil de uma forma geral. Ao considerar a taxa de desemprego deste grupo populacional, verifica-se a existência de um alto nível de exclusão dos jovens, configurada na falta de oportunidades no mercado de trabalho. Conforme os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego79 dentre os jovens dispostos a inserir-se no mercado de trabalho regional 44,7% encontravam-se em situação de desemprego. Embora o desemprego no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Salvador seja generalizado, jovens com atributos pessoais específicos são mais vulneráveis, isto é, o desemprego é maior entre os jovens negros (45,6%) e mulheres jovens (48,3%)80. Ainda segundo a pesquisa (2003), para superar tais dificuldades é necessária, primordialmente, a criação de um ambiente macroeconômico que permita produzir taxas de crescimento econômico maiores e mais estáveis. Neste sentido, poder-se-ia criar maior oferta de empregos reduzindo as taxas de

DIEESE/SEADE/UFBA/SEI/SETRAS DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Sócio-Econômicos / PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego para a Região Metropolitana de Salvador. “Inserção Ocupacional e o Desemprego dos Jovens”, 2006. 79

80


desemprego de jovens e adultos. Os jovens, por sua vez, seriam beneficiados à medida que pudessem combinar estratégias de emprego com aumento de experiência no trabalho, escolaridade ou formação profissional e ampliar as suas oportunidades futuras no mundo do trabalho. A escolarização e a formação qualificada democratizadas são elementos fundantes para se desenhar um projeto de superação desta ordem excludente. Neste aspecto, tentou-se associar programas que combinassem educação e trabalho para jovens, priorizando a sua inserção no mundo do trabalho. Nessa direção, o Projeto Consórcio Social da Juventude emergiu em Salvador e Região Metropolitana como uma estratégia de articular e convocar governo e sociedade civil para o enfretamento e superação dos impactos sociais provocados pelo alto índice de desemprego, reflexo das políticas macroeconômicas vigentes. Neste sentido, o Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana busca construir espaços de inclusão para jovens que vivem à margem das políticas de desenvolvimento humano em seus aspectos econômicos, sociais e culturais. As discussões preliminares para a implantação81 do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana iniciou-se por meio de uma reunião realizada no dia 14 de outubro de 2003, convocada pela Delegacia Regional do Trabalho - DRT. Nesse espaço estiveram presentes como representantes da Sociedade Civil Organizada: as ONGs, Movimentos Sociais e Sindicais e representantes do Governo Federal. A proposta desafiadora apresentada pelo Governo Federal, naquele momento, era construir junto com os representantes da sociedade civil um projeto de qualificação e inserção no mundo do trabalho para jovens de Salvador e Região Metropolitana, a partir da apresentação e discussão da primeira versão do Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude de (2003). Após três meses de discussões nos grupos de trabalhos (GT)82, construídos com o objetivo de formatar uma proposta, foi apresentada uma versão preliminar do Conforme registro das súmulas das reuniões. Fizeram parte desse Grupos de Trabalho as ONGs: Avante Educação e Mobilização Social, Associação Vida Brasil, Liceu de Artes e Ofício, CRIA, GAPA, Instituto Integrar CNM/CUT e ADS 81

82


projeto ao MTE. Na ocasião fiz parte deste processo representando o Instituto Integrar da CNM/CUT. Os dilemas apresentados na construção desta proposta eram evidenciados, sobretudo, pelos vários interesses emanados dos diversos “movimentos sociais”, com especificidades de público, de objetivo e, especialmente, de ideologias. Pautado nas diretrizes do Programa de Estímulo ao Primeiro Emprego, em dezembro de 2003, o Ministério do Trabalho e Emprego realizou uma audiência pública na DRT para escolha da entidade âncora e das demais entidades que compuseram a Rede e o Conselho Gestor do Consórcio de Salvador e Região Metropolitana. Sendo assim, esclarece a Coordenadora Geral do Consórcio de Salvador e Região Metropolitana83, Começa a funcionar na capital baiana o Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana. O Consórcio uma vertente do Programa Nacional de Estimulo ao Primeiro Emprego - é formado por uma rede de 14 ONGs coordenadas por uma entidade âncora - Avante Educação e Mobilização Social. Nós próximos seis meses o Consórcio vai beneficiar 1.120 jovens carentes de Salvador e Região Metropolitana, com idade entre 16 e 24 anos, qualificando-os e capacitandoos para o mercado de trabalho. Os recursos no valor de 2, 3 milhões são provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador- FAT84

Os princípios norteadores deste consórcio, conforme projeto apresentado ao MTE, em 2004, pela entidade âncora, são: a) respeitar os processos de construção e gestão coletiva, investindo na transparência, na ética, na honestidade, na socialização do conhecimento e na democratização da informação; b) combater a corrupção, bem como toda e qualquer outra forma de injustiça e de desrespeito ao bem público e aos valores humanos; c) instituir e

fortalecer

processos

de

auto-gestão,

monitoramento

e

avaliação

participativos; d) alinhar práticas e procedimentos aos princípios que regem o consórcio, respeitando a autonomia e identidade de cada instituição.

83

Trata-se de Maria Tereza Marcílio, coordenadora, também, do Núcleo de Educação da Avante Educação e Mobilização Social – Entidade Âncora Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana. 84 Jornal A Tarde, fevereiro, 2004.


Guiada por esses princípios, a primeira edição do Consórcio Social da Juventude de Salvador e RMS foi constituída por uma Rede de entidades, por um Conselho Gestor, por uma Secretaria Executiva e uma Ouvidoria Jovem. O objetivo central e comum a todos envolvidos na gestão era construir uma Rede de organizações da sociedade civil e um espaço de Juventude capaz de mobilizar e articular diferentes atores sociais para a criação e ampliação de oportunidades de inserção dos jovens no mundo do trabalho85. Naquele momento a Rede foi constituída por 54 (cinqüenta e quatro) entidades86 que participaram de forma direta e/ou indireta do processo, pois diferente das edições a posteriori, nem todas estiveram envolvidas na execução,

ficando

boa

parte

delas

responsáveis,

unicamente,

pelo

encaminhamento de jovens às qualificações oferecidas pelas demais entidades. O Conselho Gestor foi formado pela AVANTE - Educação Qualidade e Vida87, entidade

âncora,

e

por

mais

13

(treze)

organizações

sociais

que

desenvolveram ações diretas de qualificação profissional para jovens em suas bases sociais. São elas: Cecup, Gapa, Vida Brasil, Pangea, Cipó, Projeto Axé, 85

Projeto do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana 2003, p.12. ACOPAMEC – Associação das Comunidades Paroquiais de Mata Escura e Calabetão, ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário; ADESOL – Associação para o Desenvolvimento Social Integrado; Associação Criança e Família; Associação Vida Brasil; AVANTE Qualidade, Educação e Vida; CAMA – Centro de Artes e Meio Ambiente; CECUP – Centro de Educação e Cultura Popular; Centro Projeto AXÈ – Defesa e Proteção da Criança e do Adolescente; CESEP – Centro Suburbano de Educação Profissional; CESSAM – Centro Social Semente do Amanhã; CIPÓ – Comunicação Interativa; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - Pastoral do Menor ; Comitê Para Democratização da Informática – CDI; CRIA – Centro de Referência Integeral do Adolescente; Empresa Júnior; FASE ;Fundação Dois de Julho; Grupo Cultural OLODUM; IDE – Centro de Desenvolvimento Sócio-Comunitário; ILÊ AYÊ; Instituto Integrar; Liceu de Artes e Ofícios da Bahia; Organização do Auxílio Fraterno; PANGEA – Centro de Estudos Sócio-ambientais; Projeto Ágata Esmeralda; Rede de Protagonismo Juvenil e Fórum o de Quilombos Educacionais da Bahia; Sociedade 1 . de Maio; GAPA- Grupo de Apoio à Prevenção à Aids na Bahia; Caritas Regional Nordeste III; AME- Associação da Missão Educacional; SOFIA Centro de Estudos; Ibeji; Instituto Steve Biko; Associação de Moradores de Bom Juá;Associação de Pais e Mestres de Saramandaia; Coopedeb; CJP Comissão de Justiça e Paz; Associação 20 de Novembro; Sociedade Beneficente Democrática dos Alagados de Itapagipe; Movimento pela Paz Escoteiro Walter Huffnagel; ADEPE ; Associação dos Moradores Dom Lucas; Clube de Mães de Cajazeiras e Adjacências; Associação Comunitária dos Moradores do Bairro de Areia; Associação Joanes Leste; Ampla; Ampli; Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente; Conselho Municipal da Criança e do Adolescente; FUNDAC; CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços; Fundação Cidade Mãe;CEAFRO/UFBA. 87 Em 2005 seu nome foi alterado de AVANTE, Educação e Qualidade de Vida para AVANTE, Educação e Mobilização Social, conforme o Estatuto da entidade. 86


Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, ADS, Instituto Integrar, Empresa Jr., Instituto Steve Biko, OAF. A Coordenação Executiva ficou a cargo da Entidade Âncora, compreendendo uma coordenação geral, uma coordenação administrativo financeira, uma coordenação de inserção, uma coordenação de acompanhamento e avaliação, uma coordenação de comunicação e marketing e uma entidade responsável pela gestão do Espaço da Juventude. A Ouvidoria Jovem fez parte da gestão da Rede. Foi constituída no Espaço da Juventude e nas entidades executoras do Consórcio. A Rede de Protagonismo Juvenil foi a entidade escolhida para cumprimento dessa atribuição. A Ouvidoria tinha como objetivo acompanhar as atividades e criar canais de comunicação e participação com parceiros, voluntários, familiares e com as comunidades em geral. O Espaço de Juventude foi o ponto de encontro dos jovens para troca e vivências. Este espaço foi gerenciado pela ONG CIPÓ, entidade do Conselho Gestor, sob a coordenação da Entidade Âncora. Constituiu-se em um “lugar” de intercâmbio de experiências e saberes, de formação pessoal e social, de mobilização e atuação social e cultural, de encaminhamento para a inserção no mundo do trabalho. Ao longo dessa edição, os 1.126 (mil cento e vinte seis) jovens passaram por uma formação integral de 400 (quatrocentas) horas, distribuídas na formação básica e na qualificação específica. Na formação básica todos os jovens passaram pela formação em: Valores Humanos, Ética e Cidadania; Inclusão Digital; Meio Ambiente, Saúde e Qualidade de Vida; Promoção da igualdade de raça/etnia, de gênero e portadores de necessidades especiais e Ações de Apoio ao Desenvolvimento Escolar. Além dessa formação comum, cada grupo de 80 jovens, nas suas entidades de origem, se qualificou nas seguintes áreas temáticas: Arte e cultura; Comunicação e Marketing; Economia Solidária e Turismo; Meio Ambiente e Econegócio. Complementar a essa formação foram oferecidos na Estação da Juventude :


palestras, exibição de vídeos e documentários, apresentações culturais e outras formas de valorização da cultura local. Em 2005, mesmo sem ter atingido a meta de 30%(trinta) de jovens inseridos no Mundo do Trabalho, foi assinado o segundo convênio88 de parceria com o Governo Federal/MTE e Sociedade Civil para execução de mais uma edição do Consórcio Social da Juventude. Como elementos “novos”, em relação à edição anterior, foi inserido um Conselho Deliberativo e extinto o Conselho Gestor. A Rede que até então tinha um papel de “ceder” público para as executoras passa a ser responsável diretamente pela qualificação e inserção de jovens no mundo do trabalho. O Conselho Deliberativo foi constituído por entidades da Rede e teve/tem um papel estratégico na operacionalização e avaliação do Consórcio Social da Juventude como um todo, pois teve/tem como objetivo central acompanhar as ações nas diversas entidades parceiras e decidir sobre situações e problemas, encaminhando-as para reunião ampliada junto a toda a Rede. O espaço da juventude também hospedou, nessa segunda edição, um serviço pioneiro nos consórcios sociais, o Balcão da Juventude. O Balcão foi um espaço informativo e interativo de escuta e acolhimento, construído em/com instituições, projetos e programas que atendiam, por excelência, a essa faixa etária, visando favorecer o acesso dos integrantes do Consórcio a estes serviços e, ao mesmo tempo, fortalecendo a rede social de apoio ao jovem. Além disso, foi através do Balcão que os jovens se inscreveram para participar dos dois outros focos da ação:

88

A meta de qualificação que era de 1.126 foi para 1.500 jovens qualificados como consta no Convênio/2005 MTE assinado com a EntidadeÂncora.


a) orientação para projeto de vida – constituiu-se em um espaço individual de escuta para onde o jovem trouxe suas dúvidas, inquietações, questões e / ou conflitos acerca do seu projeto de vida, da sua escolha profissional e do seu perfil vocacional. b) grupos de jovens – este foco do Atendimento Psicossocial foi constituído por grupos de desenvolvimento e aprendizagem, com abordagem teóricometodológica de Grupos Operativos. Além da implantação do Balcão, nesse ano foi inserido o Serviço Civil Voluntário89 para justificar, principalmente, o repasse do auxílio financeiro que foi feito desde a primeira edição do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana. Desse modo, os jovens também prestaram 100 (cem) horas de Serviço Civil Voluntário em diversas entidades públicas e Privadas Sem Fins Lucrativos. Em “troca” dessa prestação, o jovem fez jus a um auxílio mensal de R$ 600,00(seiscentos) reais em quatro parcelas mensais. Seguem abaixo alguns resultados: GRÁFICO Nº 01 Jovens Qualificados e Inseridos da Segunda Edição, 2005

1.500 1.000 500 0 Total de jovens inseridos

Total de jovens qualificado s

S1

Total de jovens qualificados Total de jovens inseridos

Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).

89

Como exigência para o recebimento do auxílio financeiro por partes dos jovens, o Tribunal de Contas da União exigiu que todos os Consórcios Sociais da Juventude, em 2005, se ajustassem à lei do Serviço Civil Voluntário.


TABELA 03 Entidades Participantes e Qualificações Oferecidas na Segunda Edição ENTIDADE

OFICINA

ABAQ

Aqüicultura

ACOPAMEC

Serviços Administrativos Alimentação e Hotelaria Técnico de Secretariado

ADESOL ADS AVANTE

Empreendedor Socioambiental Oficina de Papel Reciclado Operador em Telemarketing

CAMA

Educação Ambiental e Eco-Turismo

CEAFRO / FAPEX

Rede de Informática Técnico Administrativo Manutenção Náutica

CENAB CESEP

Informática Mecânica Industrial Instrumentos Percussivos

ILÊ AIYÊ ILÊ OXUMARÉ INTEGRAR OAF OMI DÚDÚ PANGEA PRACATUM SOCIEDADE 1º DE MAIO

STEVE BIKO ÚNICA SOCIEDADE 25 DE JUNHO

Corte / Costura / Bordado Instrumentos musicais Gestão e Planejamento Empreendedorismo Navegação Estética Afro Empreendedorismo e Liderança na Gestão e Gerencia de Cooperativas Moda em Serigrafia Eletricidade Predial, Consertos de Eletrodomésticos e Mecânica Automotiva, Aproveitamento de Retalhos e Confecção de Peças Intimas Atendimento a área de Saúde DJ’s Técnicas de Contabilidade Cuidado de Idosos Corte / Costura / Bordado

Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).


2.2.1 - UM PASSAGEIRO NA TERCEIRA ESTAÇÃO DA JUVENTUDE Depois de um breve passeio nas duas primeiras edições do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana percorrerei com mais afinco essa terceira, uma vez que os sujeitos desta pesquisa emergem dela. Em 2006 sua terceira edição qualificou 1500 jovens na região Metropolitana de Salvador, nos municípios de Itaparica, Vera Cruz e na capital. Participaram dessa edição 21(vinte e uma) entidades, na sua grande maioria ONGs. Foram elas: Avante, Acopamec, Adesol, Aesos, Cama, Cenab, Cesep. Ilê Oxumarê, Instituto Integrar, Oaf, Núcleo Omidudu, Pangea, Pracatum Primeiro de Maio, Sofia - Centro de Estudos, Steve Biko, 25 de Junho, Liceu de Artes e Ofícios, Cipó, e CEAFRO. Além dessas entidades que compuseram a Rede, o Consórcio Social da Juventude se (re)estruturou nas/com as seguintes instâncias: O Conselho Deliberativo, Conselho Consultivo, Conselho Jovem e Secretaria Executiva. O Conselho Deliberativo foi integrado por seis organizações escolhidas e eleitas em reunião de Rede. Atendendo a uma prerrogativa do Manual e Funcionamento do CSJ/RMS (2005), a Avante indicou 02 (duas) executoras; OAF e Primeiro de Maio. As demais, Instituto Integrar, Aesos, Acopamec e Cenab foram eleitas por aclamação, em assembléia da Rede, após as respectivas candidaturas, realizada de forma espontânea e democrática. O Conselho Consultivo foi integrado pela Entidade Âncora, AVANTE Educação e Mobilização Social90, por instituições públicas como o Ministério do Trabalho e Emprego na representação da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), Prefeitura de Salvador na representação da Secretaria Municipal de Emprego, Trabalho e Renda (SEMPRE), Governo do Estado na representação da Secretaria do Trabalho e Ação Social (SETRAS), Comissão Tripartite Municipal de Trabalho e Renda, Federação das Associações Microempresas e Empreendimentos de Pequeno Porte do Estado da Bahia (FEMICRO), e mais 90

Na terceira edição do Consórcio Social da Juventude o nome da Entidade Âncora já estava alterado de AVANTE, Educação Qualidade de Vida, para AVANTE, Educação e Mobilização Social, conforme seu Estatuto.


instituições privadas convidadas para participar nesta edição do Conselho por terem sido parceiras estratégicas na inserção de jovens nas edições anteriores do Consórcio: Bahia Out-let Center do Arranjo Produtivo Local de Confecções, da Rua do Uruguai, Lojas Le Biscuit, Restaurante EL Nacif. O Conselho Jovem foi composto por representantes eleitos pelos pares, um por turma/ oficina. Cada representante eleito teve um suplente que foi o segundo mais votado. O suplente substituiu o titular no caso de renúncia ou afastamento. As atividades desse Conselho restringiram-se na representação de sua turma, enviando sugestões e encaminhamentos para enriquecimento e melhoria do Consórcio. 91 A Secretaria Executiva foi exercida pela Coordenação Geral e pelas equipes técnicas de assessoramento da Avante, como entidade âncora do Consórcio, identificadas nas coordenações Administrativa e Financeira, Pedagógica, de Inserção, Comunicação, Estação da Juventude, Balcão e Acompanhamento e Avaliação. Um dos objetivos “visíveis” comum em todas as coordenações dessa secretaria era possibilitar condições mais adequadas de qualificação e inserção dos jovens pertencentes às entidades envolvidas. Ainda sob a coordenação da Secretária Executiva ficou a gestão do espaço de referência do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, aqui chamada de Estação da Juventude. Tal denominação foi atribuída por ocupar uma parte da Estação Ferroviária de Salvador, localizada em uma zona comercial da cidade baixa, no bairro da Calçada. Caracterizou-se como um lugar aglutinador de experiências e visões não só sobre o Consórcio, mas sobre a vida, o mundo, a cultura e a arte. Segue abaixo sua estrutura organizacional

91

A partir das visitas feitas às reuniões do Conselho da Juventude e no contato “informal” mantido com os jovens foi possível perceber um terreno fértil para se trabalhar a formação política e de liderança, contudo não foi dada prioridade a este conteúdo de uma forma mais focada.Os poucos momentos reservados para discussão coletiva eram utilizados para programar agendas.


ESTRUTURA DA ESTAÇÃO DA JUVENTUDE

Estação da Juventude

INFORMAÇÃO Biblioteca Videoteca Acesso à Internet

FORMAÇÃO Oficinas e palestras Atividades culturais Balcão da Juventude

INSERÇÃO Aproximação com empresas Banco de oportunidade

Conselho Jovem

NÚCLEO DE INCLUSÃO DIGITAL: Ciber Solidário

Foi na Estação da Juventude que muitas ações do processo formativo aconteceram, como palestras, cursos, seminários, feiras culturais, exposições e outros eventos dessa natureza para os jovens. A Estação serviu como um espaço de troca constante de saberes e culturas entre os jovens das diferentes entidades envolvidas no Consórcio. Vale ressaltar que, do conjunto das entidades envolvidas no processo, 17(dezessete) realizaram as qualificações específicas, com a carga horária de 180 horas de formação. As outras 4 (quatro), com uma carga horária total de 220 horas, desenvolveram os componentes de formação básica92: Ações de Apoio ao Desenvolvimento Escolar, Inclusão Digital e Formação de Jovens nos Novos paradigmas da Eqüidade. O Componente de formação Básica, Ações de Apoio ao desenvolvimento Escolar, foi desenvolvido pelas entidades: Avante, Instituto Integrar, Adesol, Instituto Steve Biko e Pangea; O Componente de Inclusão Digital pelas ONGs: Cipó, Liceu de Artes e Ofício, Acopamec, Cesep, 1º de Maio, Pangea, OAF e Aesos; já a Formação de Jovens nos Novos Paradigmas da Eqüidade foi executado pelo Ceafro/Fapex em parceria com o Instituto Steve Biko e Associação Vida Brasil.

92

Esses componentes foram distribuídos transversalmente nas aulas de qualificação específica.


No componente de Ações de Apoio ao Desenvolvimento Escolar foram desenvolvidas ações com o foco em práticas de escrita e de leitura, na expressão oral e matemática. Foram desenvolvidas, também, atividades de acompanhamento dos jovens no intuito de garantir um melhor desenvolvimento nas atividades escolares e a permanência dos jovens que ainda não concluíram o ensino médio. Essas ações de Apoio ao Desenvolvimento Escolar tornaram-se significativas neste Consórcio, pois a análise da Pesquisa de Emprego e Desemprego para a Região Metropolitana de Salvador, realizada em junho de 2004, demonstrou que as exigências em relação à escolaridade são outro fator determinante dos altos índices de desemprego deste grupo etário. Neste sentido, os jovens participantes do Consórcio estariam/estão em condições desfavoráveis de inserção no Mundo do Trabalho, uma vez que 71,13% dos jovens do Consórcio não concluíram, ainda, o Ensino Médio.

GRÁFICO 02

Escolaridade dos jovens do CSJ-RMS Distribuição por Escolaridade 2% ,9 15

Fundamental Incompleto Médio Completo

1% ,2 54

7% ,8 29

Médio Incompleto

Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).

As condições desfavoráveis tornam-se mais perversas quando somadas a outras condições de vulnerabilidade social, a exemplo dos 17(dezessete) jovens em conflito com a lei e 39 (trinta e nove) em situação de deficiência.


GRÁFICO 03 Condições de vulnerabilidade social dos jovens Condições de vulnerabilidade social dos jovens 95,8% Portadores de Deficiência Conflito com a Lei

1,3%

3,0%

Outros Jovens

Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).

As atividades desenvolvidas no componente de Inclusão Digital voltaram-se não apenas ao acesso à Internet e aos principais programas: editor de texto, editor de planilha, editor de imagens, mas, sobretudo, às discussões dos fatores imbricados na exclusão digital. Essa problematização ganha relevância quando analisados os dados nacionais de exclusão digital, pois segundo Silveira (2001), somente 9.5% da população brasileira está incluída digitalmente. A Formação de Jovens nos Novos Paradigmas da Eqüidade93 é um componente exclusivo do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, construído e implantado desde a primeira edição. Este componente torna-se essencial, principalmente, para a Região Metropolitana de Salvador, uma vez que concentra a maior população negra do Brasil, com um índice de 83% e um crescimento médio desse segmento, de 3,7 % em 10 anos, superior à média brasileira de 3%, portanto, o público de jovens do Consórcio Social da Juventude é um reflexo destes dados do IBGE.

93

Componente curricular oferecido, exclusivamente, aos jovens do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana.


GRÁFICO 04 Características étnicas dos jovens do CSJ-RMS

Distribuição por Cor/Raça

26,31%

0,91%

3,79% Branca Preta Amarela

1,14%

Parda 67,85%

Indigena

Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).

Ainda se analisada a questão de cor ou raça dos jovens do Consórcio Social da Juventude, observa-se que a maioria absoluta é de jovens afro-descendentes 94,4 % que, seguindo a classificação oficial do IBGE, estão distribuídos entre 67,9% de pretos e 26,3% de pardos, perfazendo um total, nesta edição, de 1.243 jovens, condizendo perfeitamente com a realidade da população da Bahia e de Salvador. Aglutinada a essa itinerância de formação básica, os jovens tiveram em cada entidade de origem uma qualificação profissional específica de 180(cento e oitenta) horas. A escolha das qualificações referidas (ver tabela 02) pelas entidades participantes deu-se mediante análise das possibilidades de inserção do/a jovem no Mundo do Trabalho, levando-se em conta, ainda, a história e competência construída pelas ONGs, espaço físico disponível para tal e educadores/ instrutores qualificados. Segue o quadro de qualificações distribuído em 7 (sete) áreas específicas.


TABELA 04 ÁREAS DE QUALIFICAÇÃO OFERECIDAS NA TERCEIRA EDIÇÃO

CURSOS POR ÁREA DE QUALIFICAÇÃO EXECUTORAS M F VENDAS / ADMINISTRAÇÃO 1. Serviços administrativos ACOPAMEC 13 30 2. Auxiliar de secretariado ADESOL 16 21 3. Atendimento em serviços e Vendas AVANTE 25 47 4. Vendas e atendimento ao público ILÊ OXUMARÉ 15 16 5. Atendimento Excel. Rel. Comerciais PANGEA 16 23 6. Informárica / Aux de atendimento CESEP 5 15 HOTELARIA / ALIMENTAÇÃO 7. Serviços alimentação e hotelaria ACOPAMEC 9 21 8. Serviços de bar ACOPAMEC 13 5 9. Receptivo afro OMIDUDÚ 16 19 10. Culinária e Congelamento INTEGRAR 19 43 MODA 11. Confecção e customização ILÊ OXUMARÉ 4 30 12. Costura / acessórios de moda PRACATUM 3 52 13. Confecção e moda afro OMIDUDÚ 6 34 14. Estética afro OMIDUDÚ 3 26 15. Corte, costura e bordado 25 DE JUNHO 5 32 16 Moda praia 1º DE MAIO 1 16 INDÚSTRIA E SERVIÇOS AFINS 17. Construção náutica CENAB 37 34 18. Instalador polivalente OAF 26 7 19. Serigrafia 1º DE MAIO 7 11 20. Panificação 25 DE JUNHO 35 1 21. Eletricidade predial 1º DE MAIO 16 3 22. Artes gráficas 1º DE MAIO 13 6 23. Mecânica automotiva 1º DE MAIO 11 8 24. Atend. De Materiais na Mecânica CESEP 13 6 25. Mecânica materiais/ Maquina de costura CESEP 8 10 SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA 26. Ass. Área de saúde STEVE BIKO 17 17 27. Aux Serv de Farmácia ADESOL 22 14 28. Empreendedor Senior Material Reciclável CAMA 29 45 29. Artesanato PANGEA 23 15 30. Pasagismo e jardinagem SOFIA 17 16 INFORMÁTICA / MANUTENÇÃO 31. Informática e manutenção de micros AESOS 17 19 32. Manutenção de Micro SOFIA 15 21 33. Manutenção de computadores OAF 39 35 EDUCAÇÃO, ARTES, CULTURA 34. Gestores de prod. Cultural STEVE BIKO 19 16 35. Web design CESEP 8 11 36. Design gráfico e web design 1º DE MAIO 8 12 37. Recreadores e aux de desenv infantil AVANTE 11 22 TOTAL 560 759 Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).

JOVENS TOTAL 43 37 72 31 39 20 30 18 35 62 34 55 40 29 37 17 71 33 18 36 19 19 19 19 18 34 36 74 38 33 36 36 74 35 19 20 33 1319

Além dessa itinerância de formação básica e de qualificação específica em uma das sete áreas relacionadas no quadro 01, os jovens prestaram o Serviço Civil Voluntário94 em 11(onze) tipos de entidades e, prioritariamente, em escolas públicas estaduais e municipais, associações comunitárias, igrejas, cooperativas, bibliotecas públicas e outros projetos sociais.

94

Segundo dados da Entidade Âncora


Ao final do percurso, 1.319 (mil trezentos e dezenove) jovens concluíram todo o processo formativo; desses 401 (quatrocentos e um)95 foram inseridos no mundo do trabalho. Dessa forma, concluiu-se que nesta terceira edição a meta de inserção estipulada no Termo de Referência de no mínimo 30% dos jovens inseridos foi atingida pelas diferentes modalidades de inserção: Emprego Formal; Formas Alternativas Geradoras de Renda, pela Lei do Menor Aprendiz e, por fim, pelos Estágios (Ver tabela abaixo). TABELA 05 Modalidade de Inserção dos Jovens no Mercado de Trabalho Tipo de Inserção

N° de Jovens Inseridos

Emprego Formal

63

Formas Alternativas Geradoras de Renda

192

Lei do Menor Aprendiz

81

Estágios

12

Autônomo

20

TOTAL

368

Fonte: Banco de dados da entidade âncora AVANTE – Educação e Mobilização Social, (2006).

Esses dados de inserção apresentados corroboram com a afirmação do Ministro do Trabalho, Luis Marinho96 esse modelo de parceria entre governo e sociedade é eficientíssimo, porque , se não fossem as parcerias que estabelecemos, jamais teríamos condições de atingir os números que estamos atingindo. O fato de termos metas rigorosas(se as entidades não cumprem têm de devolver os recursos públicos) faz com que não apenas se cumpram as metas como as superem97 (2005, p.15).

Os resultados quantitativos e a afirmativa do ministro induzem ao entendimento de que a relação governo e sociedade civil “supera” os limites impostos pelo capital. Entretanto, questiona-se: como vem ocorrendo o processo de inserção desses jovens, egressos do Consórcio Social da Juventude, no Mundo do Trabalho? E como o Projeto tem contribuído? E como os saberes e espaços 95

Conforme dados de novembro de 2006, emitidos pela Entidade Âncora. Ministro do Trabalho e Emprego. Final da primeira e início da segunda gestão do governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. 97 Grifo meu 96


formativos apropriados pelos jovens, ao longo Cons贸rcio Social da Juventude, s茫o ressignificados na sua vida cotidiana e na sua vida profissional?


CAPITÚLO 3 - ITINERANTES PARA O MUNDO DO TRABALHO “Para encontrar alguém ou alguma coisa, é preciso sair ao encontro (...)” Henri Lefèbvre

Dentre os vários dilemas que vivencia a juventude brasileira, um chega com mais força a esse segmento: o desemprego. Para Rogério98, que afirma conviver “de perto” com essa situação, é muito difícil pensar em outras “questões” próprias da juventude, se o desafio diário é manter sua própria sobrevivência: “Temos que matar um leão por dia”. A fala de Rogério conduz a uma investigação para além de uma problemática a priori estruturada na pesquisa: na perspectiva dos/as jovens participantes do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, qual a contribuição deste projeto para sua inserção no Mundo do Trabalho e para sua vida cotidiana? Conhecer essa Juventude e o lugar de onde falam esses jovens era estruturante para a construção deste trabalho. Missão, se não impossível, complexa frente à pluralidade de teorias, essencialmente psicológicas e sociológicas construídas nas últimas décadas sobre a temática Juventude. Contudo, o ponto de partida foi reconhecer que a própria definição da categoria juventude encerra um problema, especialmente, sociológico e psicológico, passível de investigação na medida em que os critérios que constituem essas teorias são históricos e culturais. Sendo assim, a única (in)certeza conceitual era de que a juventude brasileira não é homogênia, é multicultural, representativa de cada período da nossa história com as suas diferentes influências e plural nas suas manifestações. Os conceitos têm variado muito, segundo diferentes culturas e diferentes épocas. Para Peralva (1997), é uma condição social e, ao mesmo tempo, um tipo de representação. Sposito (2001) reconhece que, histórica e socialmente, 98

Jovem entrevistado


a juventude tem sido considerada como fase de vida marcada por uma certa instabilidade associada a determinados “problemas sociais”, mas o modo de apreensão de tais problemas também muda. No artigo, Do que está se falando quando se fala “No problema da Juventude”, Bourdieu (1996)99 examina as ambigüidades presentes na expressão. Pais (1990) também alerta para as diferenças existentes entre a definição da juventude como problema social e a definição da juventude como problema para análise sociológica. Os estudos realizados na psicologia tendenciam privilegiar os aspectos negativos da juventude, sua instabilidade, irreverência, insegurança e revolta. A sociologia ora investe, segundo Sposito (2001), nos atributos positivos dos segmentos juvenis, responsáveis pela mudança social, ora acentua a dimensão negativa dos “problemas sociais” e do desvio de comportamento. Assim, se nos anos 60 a juventude era um “problema” na medida em que podia ser definida como protagonista de uma crise de valores, de um conflito de gerações, essencialmente situado sobre o terreno dos comportamentos éticos e culturais, a partir da década de 70, os “problemas” de emprego e da entrada na vida ativa tomaram progressivamente a dianteira nos estudos sobre a juventude, quase transformando-a em categoria econômica (PAIS, 1990; ABRAMO, 1997)100. Atualmente os jovens ocupam o centro de questões que comovem o país, principalmente no que diz respeito aos problemas gerados pelo agravamento das desigualdades sociais. É possível afirmar que os jovens estão entre as principais vítimas do tipo de desenvolvimento econômico e social observado nas últimas décadas, aprofundando os problemas da exclusão. Segundo Sposito (2001), os jovens compõem um dos grupos mais atingidos pelo problema do desemprego no Brasil. Há uma crescente dificuldade para

“De quoi parleton quando on parle du probléme de la .jeunesse ?’ .A temática do desemprego, fortalecida no fim da década de 1990, não rompe de fundamental com o campo simbólico anterior aparecendo como um problema social por levar jovens a uma ociosidade focada, propiciadora de um tempo livre perigoso ,que os aproximaria,inevitavelmente,das condutas criminosas, sobretudo aquelas ligadas ao tráfico de drogas ilícitas(cf.Corrochano e Gouvêa,2003). 99

100


conseguir uma ocupação entre aqueles que querem trabalhar (freqüentemente, numa primeira ocupação). Aumentaram o desemprego e a precariedade da ocupação profissional nesse segmento. Retomando os dados do DIEESE, cerca de 3,7 milhões de jovens estavam sem trabalho em 2005, representando 45,5% do total de desempregados do país101. Para UNESCO (2004, p.40), o desemprego juvenil tem características estruturais e tem persistido em níveis elevados nos últimos quarenta anos. Desse modo, Foi possível compreender a fala de Paula102 quando afirma que “a juventude tem sido uma fase difícil, sem dinheiro no bolso e sem emprego”. Conseguir um primeiro emprego, manter sua sobrevivência e “vencer” as barreiras que são postas pelo Mundo do Trabalho eram os problemas centrais para esta jovem, assim como para todos os jovens pesquisados. Para Rogério, em uma entrevista concedida no início das aulas do Consórcio Social da Juventude, esses limites impostos à juventude são muito cruéis aí começa a crueldade do Mundo do Trabalho;, uma das exigências é que para aquela possível vaga de trabalho o candidato tem que ter experiência ou ser qualificado. Este é um dos obstáculos na vida dos jovens. Como ele vai ter experiência se a maioria dos jovens nunca teve a oportunidade de emprego? Coitado da gente.

Naquele momento Rogério me dizia que mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, ele era “guerreiro”, não desistia. Já tinha percorrido a cidade de Salvador à procura de emprego; “já coloquei não sei quantos currículos e nada, é o que tenho mais feito nessa minha caminhada e aí fiquei sabendo do Consórcio, espero que assim eu consiga um trabalho”103. Naquele momento Entre a PEA juvenil das regiões pesquisadas, Região Metropolitana de Salvador (41,4%) foi observada a taxa mais elevada, seguida de Recife (39,9%), Distrito Federal (35,4%), Belo Horizonte (30,5%), São Paulo (29,8%) e Porto Alegre (26,3%), conforme tabela 01 – página 36 deste trabalho. 102 Jovem entrevistada 103 A entrevista foi realizada antes da inserção de Rogério no mercado de trabalho, quatro semanas após o início das aulas no Consórcio Social da Juventude, em que todos os jovens que compõem o universo da pesquisa foram entrevistados. A partir de Castel, podemos definir 101


seu rosto e sua fala demonstravam um tom de cansaço com essa sua itinerância não muito bem sucedida. Essas últimas palavras de Rogério destacam as expectativas em relação ao Consórcio Social da Juventude como um meio, senão indutor, responsável pelo seu ingresso no Mundo do Trabalho. Todos os jovens entrevistados, naquele momento inicial da pesquisa, relatavam as suas expectativas de conseguir um primeiro emprego e, todos/as viam o Consórcio Social da Juventude como a possibilidade para alcançar tal objetivo. Todas as histórias de vida lidas nos memoriais, ouvidas e transcritas nas entrevistas e grupo focal, durante todo o processo investigativo, foram essenciais e trouxeram elementos significativos a serem analisados. As itinerâncias pessoais de cada um conseguiam, se não explicar, contribuir para o entendimento do porquê conseguir um emprego era tão importante para vida desses jovens, bem como por que depositavam tanta “esperança” no Consórcio Social da Juventude. Seguem três breves recortes da itinerância de Álisson, Luciana e Iranildes Paula104, na tentativa de explicar a esperança depositada no Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana. Álisson - LEMBRANÇA DE UM COMEÇO Começar uma história é sempre difícil, porque você tem vários locais por onde ela pode ser iniciada, mas, vamos começar por algum lugar. Lá vai! Tudo começou em 2005 logo que o 3º ano do colégio terminou e eu fiquei em dependência de duas matérias e percebi que ministrar aulas de Taekwondo não estavam trazendo “satisfação financeira” já que, claro e obviamente, as aulas eram gratuitas para crianças desfavorecidas do bairro onde moro e onde eu também iniciei a prática deste esporte. Então, como na maioria das famílias, fui ajudar meu pai em seu comércio simples (uma barraquinha) que ele possui em uma estação de ônibus da o estado de Rogério como um “estado-transitório-durável”, situação de alguns jovens que estão desempregados há algum tempo (1998, p.557). 104 Os recortes expostos foram extraídos dos memoriais dos depoentes e estão literalmente transcritos respeitando, assim, toda sua tipologia textual, feita apenas a pontuação a fim de facilitar sua leitura.


cidade. Lá eu ficava das 8 da manhã às 16 horas da tarde e às19:30 eu me deslocava para o local onde eu treino Taekwondo e só retornava para casa às 22:00 da noite. Esta rotina se repetiu durante todo verão, além de mim e toda a minha família, contando com as minhas TIAS (que são meus anjos da guarda), estarem procurando emprego para mim; em qualquer lugar da cidade perguntávamos a todos e a todas se não conheciam uma empresa que “precisava de alguém para fazer qualquer coisa “.Mas, como sempre não encontrávamos, até que em um belo dia, pela 6 horas da manhã, quando meu pai me acordou,ele me informou sobre um curso que uma amiga dele tinha ouvido falar que seria ministrado no Pelourinho no INSTITUTO STEVE BIKO e que exatamente neste dia era a última chance de inscrição até as 17:00 horas.Só que eu precisava abrir a barraca do meu pai, porque de lá que vinha o sustento da minha família, assim iria sair mais cedo e iria me inscreve;, chegando lá descobri que não precisava apenas da documentação simples que eu tinha levados (RG,CPF e foto), então voltei para casa para providenciar o restante da documentação. Depois de inscrito passei por duas seleções para saber se iria ficar entre os 80 jovens que a BIKO possuiria. Finalmente consegui algo! Um curso de Produção Cultural que oferecia transporte, lanche e uma bolsa-auxílio de 150 reais durante quatro meses. Eu sabia que a partir daquele momento minha vida iria mudar.

Luciana – O Começo de uma História da Menina Negra de Periferia Bem! Meu nome é Luciana Santiago de Souza, nasci no Rio de Janeiro no dia 02 de Janeiro de 1985 que para me é uma cidade maravilhosa. Morei lá até os 5 anos de idade, pois meus pais se separaram e eu e meus irmão tivemos que vim morar em Salvador. Tenho 4 irmãos: Juliana de 20 anos, Júnior de 18 anos “ele prefere ser chamado assim”, Rebeca de 5 anos e Catheri de 4 anos (elas são por parte de pai). Como toda menina negra de periferia e com a família grande tive e tenho várias dificuldades ou barreiras. A primeira foi a vinda pra Salvador, a segunda foi a aprender a ler “essa tomou horas de paciência de mainha” e a terceira foi terminar o ensino médio e ter uma boa qualificação. Eu já havia feito vários cursos: informática pela Politécnica e mais tarde (Liceu de Artes e Ofícios), Telemarketing (Senac) entre outros. E já havia conhecido outras ONGs como o Liceu e o Cria Poesia, mas uma me chamou a atenção foi o Pangea e através dele e de uma amiga Dani eu conheci o Consórcio Social da Juventude. Mas, até conseguir a vaga foi um sufoco. Mas consegui.


Iranildes Paula – Quando tudo começou Olá! Sou a Jovem Iranildes Paula Pereira dos Santos e é com grande satisfação que escrevo toda trajetória em uma busca incansável ao Mercado de Trabalho. Aqui descreverei o caminho que eu percorri para ingressar no CSJ, os processos seletivos que participei, a felicidade de ter sido aprovada, os problemas que enfrentei no CSJ, as alegrias que compartilhei com os meus colegas de Classe, as aulas que tive e a importância de cada uma delas, o serviço voluntário que me ensinou muito, a ajuda financeira que recebi e que de fato me ajudou bastante, o aprendizado que obtive e levarei para sempre comigo, o término do CSJ, a expectativa de ingressar no mercado de trabalho, as entrevistas para empregos após o CSJ, a conquista pelo meu 1° emprego de carteira assinada.(...) Certo dia ouvi alguns comentários sobre um curso que a ACOPAMEC iria oferecer e este curso fornecia uma ajuda de custo. Procurei maiores informações e descobri que as inscrições iriam acontecer mais ou menos pelo mês de Outubro. A inscrição só seria realizada mediante a apresentação de certos documentos, tais eram: carteira de identidade, CPF, Título de Eleitor, Carteira de Trabalho com o carimbo do SINE, e foto 3x4, comprovante de residência (todos os documentos deveriam estar em situação de xerox juntamente com os seus originais). Então, lá foi eu para fila na porta do ACOPAMEC fazer a minha inscrição. Eu acordava às 03h da madrugada para ir enfrentar a fila, porque a quantidade de jovens em busca da mesma oportunidade era muito grande(...). Enfim, após um longo desconforto de voltar para casa sem nenhum sucesso, conseguir realizar minha inscrição, porém ela não foi tão fácil de se realizar. Minutos antes de entrar na ACOPAMEC fui informada que deveria tirar xerox da carteira de trabalho, na parte que continha o carimbo do SINE e eu não sabia desse detalhe; eu só entraria com todos os documentos em ordem, nessa hora entrei em pânico, porque eu estava sem um centavo no bolso. Para minha sorte, uma funcionária da ACOPAMEC que se chama Fabiana, me emprestou R$ 1,00 e foi a minha salvação; agradeço a Deus tanto por isso. Fiz a inscrição. Passaram-se meses até chamar o pessoal para fazer a 1ª etapa do processo seletivo. A 1ª etapa foi constituída por um questionário no qual faziam perguntas sobre minhas preferências, entre elas o curso que escolheria para fazer se caso fosse aprovada; escolhi o curso de Alimentação em Hotelaria em 1º lugar, no segundo lugar o de Administração e em 3° lugar o de Barmen.(...)de tanto tempo de espera, saiu o resultado de quem foi aprovado ou não. Fui conferir o resultado e passei, eu estava no CSJ.


Das três itinerâncias apresentadas, parece-me evidente que Álisson, Luciana e Paula não estavam só em/na busca dessa vaga no Consórcio Social da Juventude, se pensarmos a partir da possibilidade de ingresso no Mundo do Trabalho, como afirmaram os jovens entrevistados; junto com eles estaria um número significativo de jovens, visto que Salvador ocupa, segundo os dados da pesquisa do DIEESE, o primeiro lugar no ranque, com 41,4% de seus jovens desempregos em idade de trabalho. Os dados supra apresentados, somados às trajetórias de vida de Álisson, Luciana e Paula evocaram cenas de um cotidiano real como o de Paula: às três horas da madrugada em uma fila quilométrica de jovens na disputa por uma vaga em um Balcão de Esperança105. Essas imagens, embora fossem uma produção mental, reproduziram histórias de vidas reais de jovens, desfiliados, na denominação de Castel106, à procura de um primeiro emprego. As filas quilométricas representadas no meu imaginário foram chocantes naquele momento, como se eu e a sociedade em sua volta redescobríssemos, com surpresa, a presença em seu seio de um perfil de população que se acreditava desaparecido ‘inúteis para o mundo’, que nele estão sem verdadeiramente lhe pertencer. Ocupam uma posição de supranumerários107, flutuando numa espécie de no man’s land social, não integrados e, sem dúvida, não integráveis, pelo menos no sentido que Durkheim fala da integração como o pertencimento a uma sociedade que forma um todo de elementos interdependentes (CASTEL, 1998, 530).

Mas, desses supranumerários de jovens, desfiliados de seu direito básico, o trabalho, apenas mil quatrocentos e noventa e sete somaram-se a Álisson, Paula e Luciana, pois como afirma Bourdieu (1980), somente estes passaram pela super seleção108.

105

Terno já usado nesse trabalho para referir-se aos Espaços Formadores de jovens para inserção no Mercado de Trabalho 106 Jovens que não possuem inscrição em estruturas portadoras de um sentido, a exemplo do emprego(CASTEL, 1998, p.536) 107 grifo meu 108 Segundo Bourdieu os superselecionados são aqueles que a despeito de todas as barreiras, que se colocaram no trajeto de um estudante das camadas populares, conseguem ultrapassar esses obstáculos e chega a níveis mais elevados de escolarização (BOURDIEU, 1980).


3.1 - O SERVIÇO CIVIL VOLUNTÁRIO: DA OBRIGAÇÃO À CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS

O auxílio financeiro tranqüiliza os jovens, onde os mesmos vão mais abertos a aprender sabendo que ao chegar ao fim do mês irão poder ajudar em casa, ou até mesmo investir em si mesmo. Daniel

É esclarecedora a fala de Daniel sobre a importância que o auxílio tinha na vida desses jovens. Desse modo, fica evidente que o auxílio financeiro não só garantia o interesse na sua entrada como a “permanência” no projeto. Em um dos nossos encontros, Rogério relatou que:

na turma de manhã teve jovens que falava que veio por causa do dinheirinho...muitos jovens falaram que não arrumaram emprego por causa do dinheiro, sem o dinheiro não tinha como comer, então nem como andar...os jovens pediam, na rua mesmo, coisa pra comer e vendia bala, num sei o quê. A bolsa para esse caras era uma forma de sustento para que não pudesse morrer de fome.

E assim ele falou: “se isso não der certo eu vou ter que voltar a roubar, matar porque eu não tenho mais meios de lutar na vida”. Essas falas de Daniel e Rogério indicam que muitos desses jovens, os quais dormiam nas filas à espera de uma vaga, não só almejam a oportunidade de conseguir um emprego, como também a possibilidade de uma renda, talvez, a única para muitos, no valor de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) ao longo de quatro meses. Tais relatos trazem os seguintes questionamentos: Como qualificar jovens para o primeiro emprego se grande parte deles não tinha garantidas as três refeições básicas no seu núcleo familiar? Será que, de fato, o auxílio garante a


entrada e a permanência dos mesmos no projeto, a ponto de se qualificarem para uma ocupação?109 Em uma das minhas visitas à Estação da Juventude, encontrei um número significativo de jovens fora dos seus respectivos espaços de aprendizagens, os laboratórios de informática. Achei estranho, visto o entusiasmo que o acesso ao computador propiciava a muitos dos jovens entrevistados. Ao me aproximar de um dos grupos ali constituídos, perguntei à jovem Ana Paula por Rogério, haja vista a entrevista agendada para aquela data. Ela me disse: “Hoje, tá uma loucura aqui, saiu a primeira parcela da bolsa. Muitos saíram para o banco”. Esses jovens que iam receber a primeira parcela do auxilio financeiro, correspondente às primeiras vinte e cinco horas do Serviço Civil Voluntário. São serviços prestados a uma entidade pública de qualquer natureza, ou à instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social110. O pagamento do auxílio financeiro aos jovens mediante a freqüência aos cursos e/ou ao seu cumprimento do Serviço Civil Voluntário prestado a uma instituição, também acabava por transformar-se em objeto de muitas polêmicas. Segundo Leão (2004, p.264), na medida em que os jovens se frustravam com os cursos, canalizavam sua permanência no programa, particularmente em função da bolsa, do vale transporte, do lanche, ou seja, dos benefícios recebidos. Outros teóricos111 não negam o potencial da ação voluntária. Mas, pode ocorrer um

novo

ocultamento

ou

naturalização

das

condições

em

que

as

desigualdades sociais operam, pois

109

A minha itinerância com esses/as jovens ensinava-me, a cada dia, que era preciso, antes de encontrar respostas às minhas inúmeras perguntas, ouvir e observar, pois muitas das minhas inquietações eram feitas de um lugar diferente e, por isso, observar e ouvir era a melhor forma de compreendê-los. 110 Termo de Referência dos Consórcios Sociais da Juventude (2005). 111

(SPOSITO,2000; NOVAIS,1997).


na ausência de direitos assegurados, resta aos atores jovens, muitas vezes sem nenhum apoio de caráter mais duradouro, a tarefa de construir um projeto voltado para o “desenvolvimento local ou comunitário”, deslocando-se para o sujeito a responsabilidade de empreendimentos que não seriam a rigor de sua alçada. Sempre há um risco da mera farsa ou do simulacro de projeto de ação coletiva. Mas, se os jovens são responsáveis pelo projeto, provavelmente poderão sentir-se também responsáveis por seu fracasso individualizando situações que encontram seus limites nas barreiras estruturais das desigualdades (SPOSITO e CORROCHANO 2005, p. 18).

Contudo, para UNESCO em 2004, existe consenso em reconhecer que a contribuição do voluntariado juvenil é grande, mas também não se dispõem de avaliações precisas sobre os impactos efetivamente derivados por meio dessas ações. Em 2001, tematizando essa questão, Castro pontua que o pagamento de uma bolsa paga aos jovens é “até uma forma de evitar que eles trabalhem nas ruas, vindo a prejudicar, assim seus estudos”. (p. 49) O relatório feito pelo IPEA112 sobre as experiências piloto dos Consórcios Sociais da Juventude113 evidenciou uma confusão de sentidos e finalidades em relação aos auxílios pagos. De um lado, eles os encaram naturalmente como salário, remuneração justa por serviços prestados junto à comunidade, de outro, isso acaba por descaracterizar o sentido mais profundo do trabalho voluntário, que é, justamente, a gratuidade na prestação de um serviço civil à comunidade à qual pertence (IPEA, 2005, p. 31). Na maioria dos casos, para muitos dos jovens pesquisados, o auxílio financeiro, de fato, se caracterizou como o principal componente da renda domiciliar. Como relatou Paula Eu e o pessoal da turma ficou na expectativa de receber o auxílio bolsa, que era uma ajuda de custo no valor de R$ 600 dividido em 4 parcelas de 150 reais. Recebemos a bolsa nos meses de maio, junho, julho e Agosto. Esse auxílio foi de grande valia pra mim, porque nesse tempo a minha mãe estava desempregada e com esse dinheiro eu ajudava minha família. 112 113

Devo ressaltar que não percebi tal confusão nas falas e relatos dos jovens pesquisados A pesquisa foi feita nas cidades de Salvador, Fortaleza, Brasília e Rio de Janeiro.


Os relatos orais, emitidos no início das aulas do Consórcio Social da Juventude, indicaram uma forte relação do interesse/ingresso dos jovens no CSJ com o auxílio financeiro, entretanto, fui, ao longo do processo, percebendo que o Serviço Civil Voluntário(SCV) desenvolvido por esses jovens ganhava outro significado, conforme afirma Leidze: O Serviço Civil Voluntário foi uma mega experiência para mim (...) Trabalhei como suporte nas salas de aula com crianças de 3 (três) anos, onde ajudei a professora a desenvolver atividades internas e externas, na produção e execução de atividades lúdicas e na orientação dos alunos dentro das atividades extracurriculares propostas pela instituição.Nas atividades internas ocorriam aulas de música, artes cênicas, artes plásticas e educação elementar convencional durante toda a semana em exceção da sexta-feira que era destinada para a reunião de planejamento e avaliação com a coordenação pedagógica e com os professores (...) eu desempenhei tão bem meu trabalho voluntário que meu vínculo com a instituição continuou mesmo depois da carga horária cumprida (100 horas).O SCV dentro do Consórcio em mim gerou grandes mudanças, crescimento aproveitamento ao máximo daquilo que o CSJ havia me proporcionado. O Serviço Civil Voluntário foi muito importante para o meu crescimento profissional e pessoal, pois adquiri uma nova postura no meu convívio diário, uma visão mais ampla e crítica perante os assuntos e situações existentes na sociedade. Meu grau de responsabilidade aumentou ainda mais, serviu, serve e servirá para meu currículo toda a experiência vivida e adquirida dentro dessa instituição de forma clara e direta naquilo que quero.114

Em seu relato, Leidze (re)significa o papel do Serviço Civil Voluntário, dando a ele um lugar de formação para a vida e para o Mercado de Trabalho. Vale lembrar que esse “outro” sentido foi registrado e perceptível em todos os dez jovens acompanhados desde o ingresso no Consórcio Social da Juventude até a inserção dos mesmos no Mundo do Trabalho.

114

Grifo meu


3.2 - A ESTAÇÃO DA JUVENTUDE: UM ESPAÇO DE/PARA JOVENS

aqui eu me sinto muito bem, tem tudo que a juventude precisa. Tem debates, tem oficinas, cursos, tem grupo de desenvolvimento, tem o conselho de jovens e eu participo de tudo mesmo.

Ana Paula

A fala de Ana Paula justifica a sua presença permanente aos sábados na Estação da Juventude115, das oito horas da manhã até o encerramento das atividades. Não há dúvida de que a Estação da Juventude foi um espaço muito importante de formação para os jovens que por ali passaram116. Era muito comum, naquele espaço de convergência, ver jovens de diferentes localidades se (re)encontrando, partilhando experiências, dividindo dores e alegrias e, principalmente, debatendo questões relativas à sua formação para o trabalho e para a vida. Foi com um ar de saudosismo que Rogério se referiu à Estação da Juventude: “na Calçada, lá era super bom, véio, porque tinha filmes, tinha pintura, oficina de vídeo, tinha várias apresentações, tinha o grupo de desenvolvimento que me ajudou bastante a crescer e amadurecer”117. Com esta colocação, o jovem Rogério chamou a atenção para uma ação aparentemente significativa que acontecia em uma das salas daquele espaço. As informações gerais sobre esse espaço indicavam que ali se aglutinavam grupos de jovens, oriundos das diversas ONGs, envolvidas no Consórcio Social da Juventude, debatendo questões/conflitos vivenciados

por esses jovens. Mas, foi Ana Paula que

melhor explicou esses encontros:

A Estação Juventude funciona na sede da Estação de trem, no bairro da Calçada. Nos eventos em que eu tive oportunidade de estar, compartilhei muitos saberes e presenciei muitas alegrias e contradições. 117 Fala a partir do grupo focal

115

116


Os encontros dos grupos de desenvolvimento eram com duas psicólogas, eram feitas dinâmicas em grupo e eram abordados temas polêmicos, assuntos da atualidade, e sem falar que aprendi a conviver com outras pessoas, com costumes diferentes, de outras regiões e tudo isso aconteceu de maneira muito tranqüila. Aprendi a falar, a expor as minhas idéias e, aprendi a ouvir, até porque ouvir também é muito importante. Eu pude falar sobre tudo que eu sentia118.

Esta fala de Ana Paula reafirma o que foi dito por Daniel: “o grupo de desenvolvimento foi um espaço de falar e pra ser ouvido também. Foi o que mais me ajudou na convivência com as pessoas ditas diferentes, pessoas de religiões diferentes, de outra cultura, que falava de maneira diferente”119. O contato com as narrativas de Ana Paula e Daniel evidenciam a contribuição desse espaço para a vida desses jovens, ou como esclareceu Rogério: “para a formação cidadã”120. Em um outro encontro com todo o grupo, Ana Paula ampliou esse conceito: eu consigo planejar a minha vida, os meus planos, então assim, por exemplo: eu já planejei hoje o que vou fazer amanhã com o meu dinheiro até março121, já tenho tudo organizado, janeiro, fevereiro, e março. Eu já sei e não vou fazer mais dívidas nenhuma nesses três meses e nem tudo acontece como você quer, mas é sempre bom planejar122.

Luciana ouviu atentamente o discurso de Ana Paula, no grupo focal, e com gestos corporais emitia sinais de concordância com o que estava sendo falado por sua colega. Logo em seguida a complementou: “pra mim foi impressionante também como o grupo ajudou a me planejar e até hoje eu exerço. Antigamente o dinheiro que eu ganhava era pouco. Eu gastava todo, agora não, eu separo da diversão, das compras. Então, agora eu sempre quando estou com dificuldade, eu sempre tenho meu dinheirinho”. Sabe? Mesmo sabendo que ser capaz de planejar ações, respeitar as diferenças, ouvir quando necessário, relacionar-se com a diversidade, sejam saberes e Grupo focal Idem 120 Idem 121 Esse encontro aconteceu em dezembro de 2006 122 Idem 118

119


atitudes essenciais na hora de concorrer a um emprego, perguntei aos jovens pesquisados em que medida esses encontros ajudaram na inserção no Mundo de Trabalho? Leidze, com seus olhos sempre vivos, sintetizou em poucas palavras: “ouvir, falar quando conveniente, planejar o que vai dizer e fazer, isso foi tudo pra mim na hora da seleção” 123. Para Ana Paula, além do grupo de desenvolvimento, um outro espaço fundamental para sua formação, que também acontecia na Estação da Juventude, foram as reuniões do Conselho de Jovem que aconteciam aos sábados. Ao assumir o papel de conselheira da sua turma que funcionava no bairro

do Bariri,

no

subúrbio ferroviário

de Salvador, ela

declarou,

enfaticamente, a importância de ser conselheira para sua vida: Meu Deus como eu sou uma pessoa muito responsável. Isso eu agradeço a oportunidade de ser conselheira, representar minha turma. Não foi nada fácil, eu sofri muito, mas eu cresci também. Olhe, quando eu cheguei na seleção pra esse emprego que estou hoje, eu disse logo que já tinha sido conselheira. Eu acho que não só o fato de falar que fui conselheira, mas agir como uma conselheira foi importante demais, meu Deus, para eu estar empregada. Porque olhe só: lá eu falava dos problemas de minha entidade, os problemas que eu enfrentava como conselheira. E tudo isso foi de extrema importância, eu posso dizer que estou preparada para fazer qualquer entrevista para qualquer emprego dentro de minhas habilidades profissionais124.

Corroborando com a fala de Ana Paula, Daniel expõe: “tive a felicidade de participar do Conselho Jovem onde eu pude trocar experiências com outros jovens, criar juntamente com eles e a coordenação da Estação vários eventos que possibilitassem esse tal de protagonismo juvenil”.

Ao dizer isso, Daniel destaca um termo muito pulverizado e polêmico na contemporaneidade, o protagonismo juvenil que segundo Castro: o protagonismo juvenil se entrelaça com uma série de outros conceitos próprios de um léxico preocupado em qualificar a democracia, dando-lhes um sentido gerencial, quer em termos 123 124

Grupo focal Grupo focal


de propriedade para um ciclo da vida, ou seja, a juventude, quer para um pretendido momento da história. É assim que protagonismo sugere auto-estima, busca por pertencimento, exploração de identidades, afirmação de cidadania. (2001, p.483)

Desse modo, é salutar a inserção dos jovens conselheiros na tomada de decisões sobre o funcionamento da Estação da Juventude. Ratifica, sobretudo, uma participação necessária da juventude em todos os espaços construídos para este segmento. “ aqui a gente aprende muito, véio, esse lance de opinar, decidir em tudo que vai ocorrer na estação é muito massa, me faz sentir importante e também responsável. Eu aqui falo por toda minha turma”125. Essa fala de Rogério reafirma a importância desse processo para o protagonismo dos jovens conselheiros nas decisões tomadas, mas explicita, também, um papel ainda restrito do Conselho Jovem, funcionando, apenas, como uma instância de decisões no que tange ao funcionamento da Estação da Juventude e, minimizando, desse modo, sua função política, de discussão e proposição de estratégias de articulação e intervenção nas políticas públicas para a juventude. Embora a Estação da Juventude, com suas diversas ações de formação tenha sido um espaço de produção de significados, ou seja, espaço de mudanças para os jovens que por ali passaram, vale ressaltar que nem todos os jovens do Consórcio Social da Juventude tiveram a oportunidade de acesso a esse espaço. Segundo relatou Vanessa, “poucos podiam ir, pois as vagas eram limitas”. Vejamos o que Vanessa diz no grupo focal: Muitas vezes, inclusive eu brigava quando tinha o conselho pra poder ver quem ia, porque não podia ir todos né. Eu brigava. Tinha eu e uma colega minha, Luciana, e a gente sempre brigava porque a gente ia e participava dos eventos, enfim a gente brigava e sempre quase todo sábado a gente tava lá. Se a gente num fosse sorteada, a gente arranjava o dinheiro do transporte e tava lá sempre.126

125 126

Dados da entrevista Grifo meu


Mesmo tendo um valor estruturante para a vida desses jovens, os eventos, palestras, oficinas e, especialmente, o Grupo de Desenvolvimento e o Conselho Jovem, como bem registrados nas falas e escritas desses jovens, Vanessa (re)coloca a Estação da Juventude em um outro lugar: o da contradição, pois traduz, sobretudo, a focalização de algumas de suas ações. Ou seja, como não se pode universalizar para os mil e quinhentos jovens atendidos pelo Projeto, estabelecem-se critérios para excluir os que já são historicamente excluídos. Contrário a essas ações, as aulas de Formação de Jovens nos Novos Paradigmas de Eqüidade, que aconteciam também na Estação da Juventude, eram oferecidas a todos os mil e quinhentos jovens que participavam do Consórcio Social da Juventude, sem exceção, pois diferentemente das ações anteriores, esse componente fazia parte do seu currículo “oficial” de formação. Sendo assim, a Estação da Juventude conseguia, por meio desse componente, ser um espaço transitado por todos/as.

3.3 - TRABALHANDO A ALTERIDADE JUVENIL (...) tratava sobre o respeito às diferenças, sobre a situação do negro na sociedade hoje, os mitos, os preconceitos, o racismo e a falta de humanidade para com os negros.. Aprendi a banir o preconceito contra os homossexuais Ana Paula

Desde as primeiras entrevistas e observações realizadas no locus da pesquisa, falas como essa de Ana Paula se reproduziam com muita força quando insistentemente perguntava: em que medida esse componente de Formação de Jovens nos Novos Paradigmas da Eqüidade contribuía para sua formação e, por conseguinte, para a inserção no Mundo do Trabalho? Ficou evidente, por meio de seus relatos e manuscritos, que esse espaço de formação foi de extrema importância, principalmente nas questões de identidade, de raça/etnia, nas questões de gênero, do respeito às opções/orientações sexuais de cada


um, da deficiência física e de outras iniqüidades que passavam despercebidas anteriormente por todos. Como afirmou Álisson no seu memorial: “antes eu não tava nem aí para essas questões de gênero, a desigualdade de gênero sobre homem e mulher, certo? Os homens sempre querendo ser os melhorais. Então a gente trabalhou sempre essas questões (...)” 127. A questão assinalada por Álisson demarca o forte traço machista em que foi/é historicamente constituída a sociedade brasileira. Segundo Abramo (2005, p.91), essa formação respinga, sobretudo, no mercado de trabalho brasileiro e, por isso, “é um aspecto que deve ser levado em conta nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas em geral e, em particular, das políticas de emprego, inclusão social e redução da pobreza”. Nesse sentido, fica visível em todas as narrativas dos jovens pesquisados que essas questões foram postas na pauta de suas formações. Vejamos o que Rogério diz: Minha vida antes e depois do Consórcio Social da Juventude mudou totalmente. Porque antigamente, assim [...] tipo: eu tinha muito preconceito com pessoas assim, gays. Eu sempre dizia se algum homossexual sentasse perto de mim: __Pô veado sai de perto de mim, eu vou te bater. Depois das aulas passei a ver eles diferentes, antigamente se tivesse um gay numa roda eu nem sentava, não chegava nem perto. Hoje eu sento, converso, me abro. Eu acho que todo mundo é ser humano e não tem direito de ser tratado como animal, então isso foi passando e o Consórcio Social da Juventude me proporcionou isso. O Consórcio Social da Juventude muda a mente de qualquer adolescente que entra no Consórcio, de qualquer um, possa ser uma pessoa ignorante, uma pessoa lerda que tem uma cabeça meio devagar, que pensa muito lento, entendeu? Pode ser uma pessoa que não goste de falar muito, entendeu? Então nesse grupo aqui fechado com certeza as pessoas vão se sentir bem e se abrir, entendeu128? Quando entra alguém te falando: é isso mesmo, isso ajuda qualquer pessoa que entra no Consórcio, seja jovem, adolescente, o que for, muda a mente de qualquer um.

127 128

Opinião exposta no memorial. Rogério refere-se ao grupo focal.


Assim como Rogério, Naiara considera que participar desse componente foi um “divisor de águas” na leitura e no reconhecimento de sua comunidade. “Antes eu tinha vergonha não só da minha cor, do meu cabelo. Eu tinha vergonha da comunidade que moro. Hoje eu falo com muito orgulho que sou negra, mulher e moro em uma bairro de pessoas dignas e trabalhadoras”129. O relato de Naiara dialoga com as conclusões de Castro: Os jovens sentem-se discriminados por várias razões: por serem jovens, pelo fato de morarem em bairros de periferia ou favelas, pela sua aparência física, a maneira como se vestem, pelas dificuldades de encontrar trabalho, pela condição racial e até pela impossibilidade de se inscreverem nas escolas de outros bairros (2001, p. 62).

As questões pontuadas pela autora revelam, principalmente, os dilemas identitários que vive esse segmento. Nessa direção, ficou evidente que a Formação de Jovens nos Novos Paradigmas da Eqüidade desenvolveu, ao longo

do

processo,

espaços

de

aprendizagem

fomentadores

do

reconhecimento de si e do outro. Um dos espaços que considero mais significativo, bem como os jovens pesquisados, conforme seus relatos, foi a aula prática que tivemos em um Shopping de Salvador. Coloco-me mais presente nesse momento, com o intuito de ressaltar os saberes construídos nesse processo130. Segue uma pequena parte dos meus escritos contidos no diário de bordo, onde relato essa experiência. Pela primeira vez da pesquisa eu estou muito apreensivo e com medo do que virá. Neste momento os jovens estão todos envolvidos na organização do cenário. Naiara embora aparentasse nervosa, ria muito da situação. Ela exclamou: como será ser cega, meu Deus? Tá me dando um frio na barriga. Do outro lodo da sala a cadeira de rodas é preparada para outro jovem assumir o papel de cadeirante. No centro da 129

Grupo focal Trata-se de uma aula prática do componente curricular Formação de Jovens nos Novos Paradigmas da Eqüidade, cujo objetivo era fazer com que os jovens vivenciassem no cotidiano os conflitos e preconceitos que alguns grupos vivenciam, a exemplo da deficiência física e visual e do homossexualismo. 130


pequena sala está o casal de jovens do sexo masculino que ensaia as primeiras cenas da vida de um casal homossexual. Como será que as pessoas a sua volta irão tratar esses jovens? Será que eles estão preparados para lidar com essas iniqüidades tão de perto? Os seguranças do Shopping Center não irão expulsar parte dos jovens que estão “mal” vestidos131?

Naiara, que a priori demonstrava-se preocupada em se passar por cega, relatou-me semana depois: (...) de tudo que eu vivi no Consórcio o mais significativo foi quando eu fiz o papel de cega. Realmente o que a gente passou lá foi incrível, foi a melhor experiência da minha vida. Eu lembro que depois que nós retornamos e abriu o debate na sala, meus colegas que ficaram no papel de homossexual falaram que as pessoas diziam: ____ Meu Deus, o que é isso! É fim de mundo. Outras diziam: _____Que desperdício. Já sobre mim diziam: _____Coitadinha dessa menina, tão nova e já cega132.

Possivelmente as pessoas que passaram por esses “personagens” no Shopping Center não imaginavam que era uma aula prática, pois os jovens, mesmo não sendo cadeirantes, homossexuais e deficientes, conseguiram “representar” e “vivenciar” o quanto era difícil ser visto como o doente, o coitado. O impacto dessa experiência vivida por esses jovens era incalculável; “uma coisa é você tá na sala falando, outra coisa é você passar na carne por tudo isso”133. Essa foi a frase em que Rogério resumiu tudo que ele vivenciou. Naquele momento, os discursos de todos os jovens, sobretudo os pesquisados, convergiam para o relato da significação da experiência vivida, seja como personagens, seja como observador e/ou relator da experiência, onde os mesmos deixavam de ser platéia de uma encenação e passavam a ser personagens “reais” de uma cena que se reproduz constantemente.

131

Registro do diário de bordo relativo às observações feitas durante os preparativos para a aula prática do componente curricular Formação de Jovens nos Novos Paradigmas da Eqüidade 132 Grifo meu 133 Grupo focal


Jutham relatou que diferente das demais turmas, passou por uma outra experiência: Aconteceu uma situação interessante em nossa sala, nós não fomos para o Iguatemi e nem para nenhum shopping, fizemos na região da Praça da Sé, Campo Grande e Dois de Julho. Luciana, uma colega nossa, foi uma das relatoras, ela estava acompanhando o casal homossexual feminino numa joalheria para comprar as alianças para o casamento delas duas. Uma de nossas colegas que era negra que ficou do lado de fora esperando e observando as reações, foi logo olhada pela atendente, pensando que ela era alguma assaltante que ia assaltar as meninas. Aí o preconceito contra o homossexual foi embora quando apareceu o preconceito contra os negros134.

Embora não seja objeto da pesquisa o comportamento/reações de outras pessoas que não participam do Consórcio Social da Juventude e, embora não tenha como avaliar o episódio interpretado pelo jovem Jutham, o seu discurso aponta um aspecto importante para análise. Segundo Vieira (2004, p. 16): o racismo cordial brasileiro é uma presença evidente e pode ser visto nos indicadores. Todos os indicadores mostram a população negra em desvantagem. Ocupa os piores indicadores na educação, na inserção no mercado de trabalho. A força do racismo cordial brasileiro reside justamente na sua dissimulação e hipocrisia. Trata-se de um inimigo que não se mostra, que se mantém na penumbra. Como bem diz o professor Helio Santos, é como o avião B-2, do arsenal da guerra norte-americana: só se sabe que ele passou pelos estragos que deixa pelo caminho.

Os relatos apresentados não deixam dúvidas da contribuição desse componente para a formação dos jovens, entretanto uma inquietação fez-se presente durante todo o processo de investigação: como esses saberes eram ressignificados na vida cotidiana desses jovens? Após a conclusão das atividades do Consórcio Social da Juventude e de alguns relatos de jovens, inseridos no Mercado de Trabalho, dissolveram-se essas questões:

134

Grupo focal


eu tava passando no ônibus e eu vi o professor Vander [professor cadeirante do Consórcio que ministrou aulas do componente eqüidade]. Ele tava na calçada esperando ônibus que viesse adaptado para ele subir. E aí eu percebi que até então essas coisas para mim não tinha importância. E hoje eu já consigo ver com uma importância muito grande, de me preocupar com as pessoas, de pensar no próximo como gostaria que alguém pensasse em mim. De ver as pessoas assim: eu vejo Jutham, mas também me vejo. Eu tenho que respeitar isso. (Ana Paula) Eu acabei discutindo com meu gerente porque ele é muito preconceituoso. Como nós somos uma loja de vender coisas para casa, e vendemos mais para os homossexuais, e quando chega um casal, na frente meu gerente trata tudo bem e, quando eles dão as costas, ele diz: olhe as bichinhas.Tome vergonha, uma coisa dessa. Isso me irrita, já tive várias vezes vontade de chorar, de ver tantas coisas hediondas, eu não aceito.(Vanessa) No meu trabalho o que tento fazer a cada dia é lembrar de tudo que aprendi no Consórcio e colocar na prática. Respeitar as pessoas independentes de cor, de sexualidade. Não é justo no meu ambiente de trabalho e também em nenhum outro lugar invadir o espaço do outro ou julgar. Quem sou eu pra isso135? (Naiara)

Essas narrativas aqui transcritas pontuam a necessidade do respeito ao outro, da legitimação da diversidade em um país injusto, mais do que um país pobre. O combate às discriminações e construção da eqüidade, ou seja, tratar de maneira distinta os que não se encontram em condições de igualdade, pode melhorar a situação do país. Quando se percebe que a pobreza, o desemprego, o subemprego, o baixo índice educacional sofrem recortes na linha de cor, raça/etnia, gênero, deficiência e idade, a destruição destas barreiras transforma-se em oportunidade de crescimento menos injusto e com mais igualdade de oportunidades.

135

Falas extraídas a partir do Grupo focal


3.4-

AÇÕES

COMPLEMENTARES

À

ESCOLA:

SIGNIFICADOS

E

CONTRADIÇÕES (...) eu era muito tímida, não conseguia falar em grupo, morria de vergonha. As aulas de ADE, tanto de matemática quanto de português me ajudou muito, inclusive no colégio. Vanessa

Vanessa trouxe esse relato quando questionada sobre a contribuição do Consórcio Social da Juventude para a continuidade dos seus estudos, uma vez que o componente de Ações de Apoio ao Desenvolvimento Escolar objetivava136, não só o desenvolvimento dos saberes da língua e da matemática, que a escola pública ainda não dá conta, mas contribuir para a permanência e desenvolvimento dos jovens na escola. Ações dessa natureza, complementares à escola, desenvolvidas, sobretudo, pelos ONGs, são “alvo” de muitas críticas. Um dos pontos mais polemizados é a obrigatoriedade da comprovação da matrícula para o ingresso nos programas/ações/projetos, pois a mera exigência de retorno à mesma escola, que não foi capaz de lidar com essas situações, apenas sinaliza a permanência dos mesmos processos de exclusão. Segundo Sposito e Corrochano (2005, p.20), muitos estudiosos ressaltam que é preciso, antes de mais nada, transformar as condições de funcionamento e a qualidade da educação pública, uma vez que o abandono escolar precoce decorre de fatores internos ao sistema de ensino, incapaz de acolher, efetivamente, os grupos menos privilegiados da população brasileira. As autoras concluem, ainda, que quanto mais bem-sucedidas, as práticas não convencionais podem favorecer certas habilidades pessoais dos jovens no âmbito de suas interações( superação da timidez, facilidade de trabalho em grupo, entre outras), mas em geral esses efeitos 136

Conforme Manual de Funcionamento do Consórcio Social da Juventude (2005)


são pouco absorvidos pelas orientações do mundo escolar. Se as atividades são inovadoras, os jovens tendem a estabelecer comparações com a educação escolar, aumentando provavelmente sua reflexão crítica à escola, muitas vezes sem a contrapartida dos caminhos que fortaleceriam uma capacidade de interferência das práticas educativas no interior da rede pública de ensino. De modo paradoxal, a crítica destituída de capacidade de ação pode favorecer um maior distanciamento da vida escolar, sobressaindo uma relação meramente instrumental que reforça o caráter meritocrático e credencialista da educação escolar (2005, p.21).

Embora as conclusões da autora vetorizem até a “raiz” do problema das ações complementares e “reparadoras” à escola pública e evidenciem a pouca interferência, ou quase nenhuma, dessas práticas no cotidiano escolar, esta pesquisa (re)direciona essas discussões. Assim, esclarece Leidze: Eu mudei até meu hábito de ler e escrever que antes não tinha. Eu apenas lia, mas não gostava de escrever e eu passei a escrever mais, aumenta o vocabulário. Eu mais de que nunca estou com muita vontade de estudar mais, de fazer universidade e ser mais do que sou. Despertou em mim o desejo de buscar coisas novas e colher bons resultados. Buscar o poder de transformação é ser alguém que tem visão de mundo137.

Leidze, assim como os demais entrevistados, apontava as contribuições do componente de ações de Apoio ao Desenvolvimento Escolar, conhecido por todos os jovens como ADE, para o fomento e continuidade da vida estudantil, na construção de perspectivas futuras e de leitura de mundo. Na direção da contribuição desse componente para a inserção no Mundo do Trabalho, Rogério afirmou: Se me perguntasse o que mais eu gostava de fazer antes eu dizia: ficar na rua brincando de jogar bola com os meninos. Com as aulas de ADE, o Consórcio foi me ensinando que conhecer o mundo e as coisas é a melhor coisa, véio (...) Foi fundamental pra mim, ensinou escrever boas redações, como

137

Entrevista


falar melhor, como participar de entrevista e isso me ajudou bastante na hora da seleção138.

Apesar dos significados evidenciados por meio das falas e escritas dos jovens pesquisados, sobretudo no que concerne à contribuição do componente para a continuidade e expansão dos estudos, em nenhum momento percebi uma articulação coletiva por parte desses jovens na mobilização de ações em prol do desenvolvimento e fortalecimento da escola pública, materializando, dessa forma, o próprio adjetivo dado ao componente: ação complementar. Uma inquietação colocada na pesquisa era em relação às contribuições do componente Inclusão digital para a formação dos jovens, uma vez que boa parte desses jovens do Consórcio Social da Juventude nunca teve acesso à principal representação coletiva da era da informação: o computador. Entretanto, vale ressaltar que apenas o curso de informática não caracteriza a inclusão digital. Em entrevista, Daniel relatou que: “hoje em dia quem não tem o básico de informática está praticamente atrás de um bilhão de pessoas, vamos dizer assim, o básico de ontem era alguma coisa e hoje é nada e quem não tem é pior ainda”. Assim a fala deste jovem me fez retornar à categorização já feita nesse trabalho, por Milton Santos, sobre a globalização como perversidade. A “globalização como fábula” representa a dimensão produzida pela “máquina ideológica” que através de um sem número de recursos potentes, como a mídia, nos faz acreditar em muitas fantasias. Uma delas, a certeza de que viveremos numa “aldeia global” pelo fato de acreditarmos que a difusão instantânea de notícias e informações aproxima e informa as pessoas. Há uma falsa impressão de que o mundo está menor e que todos podem deslocar-se rapidamente para qualquer parte. Fazem-nos crer que existe um mercado global capaz de atender a todos, de “homogeneizar o planeta” e permitir a todos a satisfação de seus desejos de consumo e satisfação de necessidades básicas, mas, na realidade, este mercado só está verdadeiramente à disposição de um grupo privilegiado, representativo de uma pequena parte da população. Assim, mais uma vez, a mundialização da sociedade capitalista usa

138

Grupo focal


de todos os meios para transformar em “ideologia dominante a ideologia da classe dominante”. (2001, p.18)

Fala-se muito em globalização e com ela criam-se, assim, novas necessidades. Existe uma necessidade de nivelamento de conhecimentos e informações para que todos possam fazer parte deste novo processo. Como bem lembra Lévy (1999), o principal obstáculo à participação não é a falta de computador, mas o analfabetismo e a falta de recursos culturais. Segundo Silveira (2001), as oportunidades dos incluídos na sociedade da informação são muito maiores do que as daqueles que vivem o apartheid digital, haja vista que para se obter um emprego é imprescindível, na maioria dos casos, ter alguma destreza no uso das ferramentas computacionais. Dados recentes do Ibope sobre exclusão no Brasil mostram que 79% dos brasileiros nunca mexeram num computador, 89% nunca acessaram a internet e só 14% têm contato regular com o universo da informática (PIRES, 2005). Conforme os dados da pesquisa Mapa da Exclusão Digital, dos 13 milhões de baianos somente 4,61% da população têm acesso a computadores, quase um terço da taxa média nacional, que é de 10,29%.(NERI, 2003, p. 16) Entretanto, Daniel conclui: “foi legal ter acesso ao computador, mas e agora vamos esquecer tudo, quem poderá pagar um outro curso? Ainda é muito pouco tudo isso”. Naquele momento uma série de questionamentos invadiu os meus pensamentos: será que dar acesso a computadores proprietários com softwares americanizados? Será que incluir é treinar para exercer a sua mecanização eficaz no trabalho? Incluir para quê e para quem? Em uma sociedade como a nossa, onde a inclusão é algo a vir a ser em todos os campos sociais, será que podemos medir a inclusão social pelo número de computadores direcionados a mil e quinhentos jovens, com acesso apenas de 40 horas de curso? De uma coisa tinha/tenho certeza: a inclusão digital139 não deve ser apenas uma simples ação de formação técnica dos aplicativos, mas

Nomenclatura dada em todos os documentos oficiais do Ministério do Trabalho sobre o componente do Projeto. 139


um trabalho de desenvolvimento das habilidades cognitivas, transformando informação em conhecimento, transformando utilização em apropriação.

3.5 - MEU PRIMEIRO EMPREGO: DA (DES)ESPERANÇA AO MUNDO REAL

Eu tenho 19 anos, não tenho experiência nenhuma e estou caindo de cabeça no mercado de trabalho e quero uma oportunidade. Jutham

Jutham confessou que depois de ter sido reprovado em sua primeira seleção de emprego, resolveu, na sua segunda oportunidade, ser mais sincero do que nunca: ”eu já tinha perdido em uma seleção que eu precisava muito, então quando nessa o entrevistador perguntou quem eu era e por que eu queria o emprego, eu não pensei duas vezes, falei a verdade: Eu tenho 19 anos, não tenho experiência nenhuma e estou caindo de cabeça no Mercado de Trabalho e quero uma oportunidade”140. A seleção para todos os jovens entrevistados caracteriza-se em um ritual de passagem, de um interino permanente141, para o desejo de tornar-se permanente no Mercado de Trabalho. Leidze e Luciana relatam como deixaram de ser interinas permanentes O que mais me ajudou no Consórcio Social da Juventude, nas aulas de Valter da Mata foi quando trabalhou a dinâmica de liderança de grupo e colocou vários papéis para que nós escolhêssemos uma figura. Quando cheguei lá no SETEPS para a entrevista, adivinha qual era a dinâmica? Aquela que coloca os papéis no chão, aí eu lembrei logo de quem? Quem? Valter da Mata. Na hora a “ficha caiu”. Pensei: eu vou me comportar assim, assim [...]. Assim por causa disso, daquilo [...]. Aí naquele momento eu peguei a dinâmica para 140

Grupo Focal A expressão “interino permanente” não é um mal jogo de palavras. Existe uma mobilidade feita de alternâncias de atividade e inatividade, de variações provisórias marcadas pela incerteza do amanhã (CASTEL, p. 528).

141


mostrar o meu potencial, chamei o grupo e comecei a debater mesmo sem saber direito o que estava falando, queria mostrar que eu era líder sem pisar em ninguém e isso foi fundamental para o meu sucesso142. (Leidze) A parte que mais gostei foi a entrevista. Uma coisa que ela [Karine], minha eterna educadora, me ensinou foi que sou muito de fazer gesto e na hora da entrevista eu tinha que ter confiança, segurança e uma coisa que me lembrei foi que era para eu fazer a mãozinha de concha143[riso]. Quando a psicóloga me chama, meu Deus. Ai eu parei e disse a mim mesma: eu já tive essa aula no Consórcio, calma, segurança e mãozinha de concha e aí pronto eu estou no SETEPS. (Luciana)

Desse modo, fica evidente que o Consórcio Social da Juventude, além de contribuir para a formação pessoal do sujeito, como já vimos anteriormente, “instrumentalizou” por meio de “técnicas” e “dicas” os jovens participantes para o processo de inserção (leia-se seleção) para o primeiro emprego. Mas, essa conclusão gerou mais uma das minhas inquietações: Se as falas desses jovens demarcam fortemente a contribuição desse processo formativo muito mais para sua vida cotidiana e, ao mesmo tempo, contribuem para inserção dos mesmos, muito mais por técnicas e dicas de seleção, qual é a contribuição do Consórcio Social da Juventude, de fato, para a inserção no Mundo do Trabalho? A convivência com Rogério, se não respondia às questões, trazia elementos fundamentais de análise: Eu já fiz vários cursos no total de quinze. Eu já fiz curso de manutenção de micro, informática, informática básica, eletricidade, panificação, mecânica automotiva no SENAI, culinária, vários cursos. O curso que eu menos esperava ser inserido, esse que eu fiz no Consórcio, eu fui inserido e o curso que eu esperava logo ser inserido, o do SENAI, o de mecânica automotiva, que eu fui o melhor aluno da sala, eu não fui inserido, entendeu144?

Embora Rogério revelasse que sua inserção no Mercado de Trabalho deu-se por meio do curso de qualificação feito no Consórcio Social da Juventude,

Grupo focal Aqui Luciana faz o gesto para todos que participaram do Grupo Focal 144 Grupo focal

142

143


conforme sua fala, isso não aconteceu145, pois o curso feito por ele foi o de Bar man. Assim como Rogério, a maioria dos jovens inseridos no Mercado de Trabalho pelo Consórcio Social da Juventude não condiz com a qualificação, uma vez que dos aproximadamente 30% dos inseridos no Mercado de Trabalho, nessa terceira edição, menos de 5% foram inseridos em postos correlatos à sua qualificação146. Aqui fica explícito que, nesse processo de formação de jovens para o mercado de trabalho, não há uma relação direta, única, de causa e efeito, na relação falta de qualificação e desemprego, o que “faz cair por terra” a idéia de que o problema do desemprego juvenil no Brasil é exclusivamente decorrente da baixa qualificação dos jovens. Falta é Jovem qualificado. Emprego tem. Esse é um discurso que se prolifera nos diversos espaços na contemporaneidade, sobretudo, no meio empresarial para justificar a lógica da empregabilidade147. Por meio do discurso dominante, é passada a idéia de que é necessário um novo perfil do jovem trabalhador. Embora, em alguns casos essas exigências pareçam fundamentais para atender às novas demandas do mercado, muitas vezes exige-se do trabalhador uma qualificação muito acima da necessária para desempenhar a função pretendida e que, na maioria das vezes, pouca relação tem com o posto de trabalho pretendido. Na opinião de Dedecca (1997, p. 161): Por outro lado, um maior nível educacional possibilitaria um resultado produtivo de maior rendimento e qualidade, em um contexto onde o trabalho é crescentemente veiculador de informações, o que favoreceria a capacidade competitiva das empresas, permitindo aumentar sua participação nos mercados em que atuam e, por conseqüência, a elevação dos níveis de emprego e renda. Ainda segundo os defensores deste ponto de vista, tal solução abriu perspectiva para o novo movimento de homogeneização das condições de trabalho e de remuneração da mão de obra. Rogério foi inserido por meio dos esforços da equipe de inserção do Consórcio Social da Juventude, cuja meta era de, no mínimo, inserir 30% dos jovens no Mundo do Trabalho 146 Fonte: análise realizada a partir das informações contidas no banco de dados da Entidade Âncora: ANAVTE, Educação e Mobilização Social, do Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana. 147 Termo já discutido no capitulo I deste trabalho 145


Entretanto, Dedecca ressalta que, ao contrário do otimismo daqueles que associam a redução da desigualdade social à melhoria do nível educacional, a dinâmica real dos mercados de trabalho mostra que, nos países desenvolvidos, são os trabalhadores mais jovens e mais bem qualificados que estão sofrendo mais rapidamente o processo de exclusão social. Para Silva (2003, p. 74) Embora a análise desse autor aborde os países avançados, torna-se útil na busca da realidade brasileira por dois motivos: o primeiro como ele próprio enfatiza, é que as propostas, no Brasil se apropriaram tardiamente dos diagnósticos feitos no capitalismo avançado; o segundo é que tais análises influenciam as práticas veiculadas pelos organismos internacionais.

Nessa perspectiva, o relatório realizado pelo IPEA, sobre os Consórcios Sociais da Juventude, aqui já citado, enfatiza a necessidade de deixar claro que a exigência neoliberal por maior escolarização média da classe trabalhadora não se deve exclusivamente ao aumento de requisitos cognitivos ou habilidades específicas para o desempenho de funções cotidianas (pelo menos não neste seguimento considerado pouco estruturado do mercado de trabalho). Mas, sim, ao fato de que o excesso de oferta de mão-de-obra escolarizada e qualificada já existente e disponível no mercado opera como um filtro adicional no processo seletivo dessas empresas. Contudo, apesar de os jovens virem buscando, a qualquer preço, cursos de qualificação ou de elevação da escolaridade, o número de desempregados só aumentou. Ou seja, os esforços para agregar maior qualificação à mão-de-obra não fazem surgir mais empregos. Portanto, buscar as causas do desemprego numa suposta falta de qualificação dos trabalhadores é limitar a análise. Segundo Pochmann (2006, p.07). Não há uma correlação entre qualificação e emprego. Quem determina a empregabilidade é o desempenho da economia, que deve praticar uma política em que são criadas vagas que valorizem a qualificação da mão-de-obra. É o contrário que vem acontecendo aqui. Ao passo que a população se esforça para elevar a sua qualificação, a economia apresenta um desempenho medíocre com resultados insatisfatórios. Vêm aumentando os índices de quem tem escolaridade e está


desempregado. Nesse cenário a população pobre tem menos chances de competir com o alto desemprego e mais qualificação da população.

Apesar de os jovens entrevistados pontuarem a importância das “dicas” aprendidas no processo para sua aprovação na seleção para o emprego, todos os pesquisados, já inseridos no mercado de trabalho, admitiram que o grande diferencial para os demais concorrentes foi a formação pessoal e social. Jutham que conseguiu passar na primeira fase da seleção, sendo sincero com o entrevistador, relatou que logo em seguida teve que passar um mês no estado do Mato Grosso do Sul, em curso preparatório. Para ele o fato de ter sido jovem do Consórcio foi fundamental pra mim, principalmente quando passei um mês longe de casa, sem família, com várias pessoas num mesmo espaço. Aí meu amigo, tive que colocar na prática tudo que tinha aprendido: respeitar as diferenças, ver o diferente, ser seguro, defender meu ponto de vista, não baixar a cabeça e lutar nesse mundo injusto pela minha sobrevivência148.

3.6 - PRIMEIRO EMPREGO: DILEMAS E POSSIBILIDADES As barreiras impostas pelo Mundo do Trabalho a esses jovens, contudo, não se esgotam apenas no acesso ao primeiro emprego. Para o jovem Jutham, hoje inserido em uma loja de um Shopping Center de Salvador, é muito difícil conseguir demarcar um espaço no Mercado do Trabalho, manter-se empregado. Encontro um pouco de dificuldade por ser jovem, sem experiência no meio de vários adultos, então tô passando como se fosse um conflito. Fico imaginando que eles pensam[os adultos] que eu levei o trabalho de alguém mais experiente. Esse preconceito aumenta mais ainda quando esse jovem consegue ser um pouco melhor do que alguns adultos. O jovem quando é inserido no Mercado de Trabalho, quando você tá dentro de um lugar com várias outras pessoas adultas que têm um patamar diferente, um pouco melhor do que o seu, o jovem tem menor chance de ser ouvido, de não ser levado a

148

Grupo focal


sério. E isso eu estou aceitando cruelmente, porque quando eu falo alguma coisa todo mundo fala149: ____ Nada, ele é jovem, não sabe o que está falando. ____Vamos perguntar às pessoas que têm mais sabedoria do que ele. Então vai pra outra pessoa e ela fala a mesma coisa que eu, então o que aconteceu: eu fico lá como se fosse uma parede, todo mundo passa e eu fico lá, mas quando eu faço alguma coisa errada todo mundo faz questão de falar: ___ você está errado. Mas quando eu acerto faz questão de passar pro outro lado pra não falar comigo150.

No momento em que Jutham dava sinais de conclusão de sua fala, a jovem Luciana perguntou: “o que você tá fazendo pra mudar isso”? Estou fazendo o meu melhor, por exemplo, se por acaso eu errar numa coisa no hoje, no amanhã eu vou fazer 10 vezes melhor do que aquilo que eu errei pra aquela pessoa que pensou, pô ele é jovem, ele não vai conseguir fazer melhor e simplesmente perceber que jovem não é aquele modelo de antigamente, que simplesmente queria saber de rebeldia não queria saber mais nada com a hora da verdade e com o país também151.

A problemática trazida por Jutham demonstra que a definição dada ao segmento

carrega

um

preconceito

ainda

muito

grande,

associando,

principalmente, a imagem do/a jovem à irresponsabilidade, delinqüência ou algo dessa natureza, mesmo sendo obrigado a viver uma “adultização”152 para construir ethnométodos necessários à sua sobrevivência diária, negando muitas vezes a sua própria constituição biológica e psicológica. Nessa direção, Daniel, com apenas 20 anos de idade assumiu, depois de passar por um período de observação/avaliação, o cargo de gerente do núcleo de produção de bambu em uma cooperativa. O itinerário desse jovem não foi muito diferente do de Jutham e dos demais pesquisados, mesmo sendo junto

Todos os jovens que participaram do grupo focal balançaram a cabeça como se estivesse concordando com a fala de Juthan 150 Grupo focal 151 Grupo focal 152 Termo usado por Castro no relatório da UNESCO, 200, p.24. 149


com sua amiga Luciana153 os únicos que estão inseridos no mercado informal, o associativismo. Em um outro encontro, o jovem Daniel demonstrava-se entusiasmado; havia algo diferente no seu olhar, seu rosto expressava um contentamento inexplicável, ainda não presenciado nos encontros anteriores. Seu estado se justificava porque naquele dia ele, junto com os outros cooperados, tinha finalizado uma peça de bambu: “estou muito feliz, só precisa de alguns ajustes e pronto [...] Com esse molde vamos fazer as outras e aí pronto. Vai ficar uma coisa perfeita”154. A cooperativa em que Daniel é gerente fora contratada para construir o mobiliário de um ciber café, logo, a sua obra de arte tinha destino certo, muito diferente de outras peças expostas naquele espaço de trabalho. No entanto, era perceptível pra mim, e sobretudo para Daniel, que aquela peça de bambu era mais que uma mercadoria a ser vendida aos “detentores de capital”. Era parte de si, num esforço coletivo de construção. Ao olhar para sua criação, seus olhos encheram-se de lágrimas. Como era possível alguém reagir de tal forma por causa de uma peça de bambu? Essa minha insensível inquietação logo foi diluída na tentativa de apreender o real sentido de sua obra. Naquele momento Daniel disse: “Fico olhando cada detalhe e, cara, é inexplicável ver isso pronto. É muito bom sentir que você pensou, discutiu com todo o grupo, testou várias vezes e hoje tá assim pronta. É claro que ainda não está toda pronta e acabada mas, cara, falta pouca coisa para isso [...] Que prazer me dá, me faz ficar olhando horas pra ela”155. Para compreender o que Daniel ora demonstrava, foi preciso, a priori, sublinhar a natureza relacional de seu trabalho. Como bem esclarece Arruda (2002), foi, no primeiro momento, reconhecer nele [o trabalho] o próprio modo de ser do homem no mundo, envolvendo, portanto, não apenas uma relação com a Luciana foi a única jovem pesquisada que encontrava-se na pesquisa trabalhando no chamado mercado formal e na cooperativa em turnos opostos. 154 Trecho extraído da entrevista. 155 Registro dos relatos orais durante a visita ao locus de trabalho do jovem entrevistado.

153


natureza, sua atividade produtiva social, mas, também, com outras dimensões sociais, políticas culturais, estéticas, artísticas etc; enfatizar que por meio do trabalho o homem produz também sua subjetividade e, por fim, perceber que tal concepção de trabalho envolve uma percepção não-comportamentalizadora nem reducionista do ser humano: ao contrário, este deve ser concebido como um ser em processo, pluridimensional, que vai se construindo por meio do seu viver e fazer e que vive, ao mesmo tempo, as várias dimensões da sua realidade corpórea, mental, intelectual, afetiva e espiritual. Naquele momento Daniel percebera que, com o seu trabalho, ele constrói o mundo e também se constrói ao construir. Trabalhando se (re)apropria de uma subjetividade, (re)descobre a sua identidade singular e, assim, começa a superar o antagonismo social da relação alienante e opressora na qual foi submetido na experiência profissional anterior, quando assumiu muito brevemente a função de “Severino”156 em uma empresa de cobrança, como bem evidenciou em uma das entrevistas: “ Eu já tinha trabalhado, entre aspas, durante onze meses numa empresa de cobrança, né? Eu ligava todo dia pra cobrar, mas na verdade eu fazia era igual Severino. Lá eu fazia tudo, trocar dinheiro pra dar transporte ao pessoal; fazia tanta coisa lá e ainda era acusado de estar vagabundando quando saía para trocar dinheiro”157. A fala de Daniel atribuía um outro sentido ao trabalho, muito diferente da experiência relatada: demonstra falar de um outro lugar, um espaço que educa e (re)cria no seu cotidiano de contradições. As pilhas de bambu, visivelmente armazenadas em dias anteriores, foram transformadas pelos cooperados em vários compartimentos que separariam os computadores do ciber café. Ao construir aquela peça, ele transforma (a natureza) e se (auto) produz e, ao se relacionar com os outros cooperados, na realização deste produto, estabelece a base das relações sociais, pois o trabalho 156

Severino, referido por Danie,l é um personagem de um programa humorístico que é explorado na ausência de um profissional qualquer. Entrando sempre em cena para “tapar buracos”, “um faz tudo da vida”. 157 Trecho extraído das entrevistas dos jovens pesquisados.


é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza e suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo - braços e pernas, cabeças e mãos (...)-, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. ( MARX, 2003, p. 211).

Na contramão das idéias de Marx e da experiência vivida por Daniel, Vanessa nos relata algo muito diferente no seu cotidiano de trabalho: é porque somos uma pequena empresa, só tem 4 pessoas e só tem eu de mulher. No caso eu como recepcionista e também eu faço a área de limpeza. Fico na recepção atendendo telefone, vendendo por telefone, enfim. Só que eles se prendem muito nos atos, não delegam, se prendem ali. Como eu sou estagiária e estou ali com 5 meses(...) Não tenho liberdade, eles não delegam não têm paciência de passar pra mim, de passar aquilo tudo. Eu fico um pouco inibida de avançar, de poder perguntar de que forma eu posso ajudar(...). Como também eles não passavam pra mim, eu fiquei inibida. No Consórcio Social da Juventude eu aprendi a trabalhar em grupo, a partilhar e lá no trabalho eu não tô tendo oportunidade de desenvolver essas habilidades, aí eu fico um pouco inibida de poder avançar, de ajudar(...) Eu quero, na verdade, é que ele (trabalho) me proporcione crescimento, eu acho que tô até pensando com relação em ficar lá ou não158.

Com esse relato, em especial, a jovem evidencia as outras faces do Mercado de Trabalho. Sua fala, embora, sem ao menos perceber, demonstra o que é mais visível hoje no Mercado de Trabalho contemporâneo: a divisão social do trabalho, a divisão sexcista159 de funções e a posse da informação/ conhecimento como forma de poder e controle das relações sociais do/ no trabalho. Nesse sentido, Frigotto (2005, p.27) nos esclarece que as condições de produção da mercadoria envolvem a divisão e a hierarquização do trabalho dos indivíduos que vão fazer parte de um processo de trabalho que é coletivo. A divisão do trabalho não só potencia, dinamiza a capacidade produtiva, mas, também, limita o trabalhador à tarefa cada vez mais “parcial”, mais “simples”, Grupo focal Essa divisão sexcista nas relações de trabalho se expressam materialmente, sobretudo, no valor econômico que é atribuído a ele[o trabalho]. Segundo Abramo (2005, p.91), as mulheres recebem em média, por hora trabalhada, 79% do que recebem os homens. Por mês, essa proporção se reduz para 66%. 158

159


tarefas que restringem, no trabalhador, o uso de sua sensibilidade, de sua criatividade. Embora Vanessa esteja empregada em uma loja imersa ao capitalismo do século XXI, que imprime na contemporaneidade o “modelo flexível” de produção e de relações de trabalho em que é estimulado a socializar seu saber sob a ideologia de terem patrões e empregados, os mesmos interesses na produtividade e na competitividade da empresa160, é possível constatar, a partir de sua fala, uma herança no seu cotidiano de trabalho, do taylorismofordismo161. Após seu depoimento sobre as contradições de seu primeiro emprego, Vanessa relata algo que até então não tinha sido explicitado em nenhum de nossos encontros. Assim como Daniel, Vanessa também fez parte de uma cooperativa de jovens no bairro de São Cristóvão, denominada Jovens de Mãos Dadas para o Futuro. Questionada sobre a sua opção em desistir de trabalhar no mercado informal de trabalho, explicou: ____ Assim por eu ter um filho e a cooperativa estar em andamento e eu estava precisando de dinheiro urgente. Entendeu?Ai eu optei, mas tanto que o meu contrato vencendo (fica em silêncio por alguns minutos). Eu não saí da cooperativa, apenas eu só não estou participando efetivamente. Assim, vencendo o meu contrato se eu não tiver, assim, agradando mais na empresa eu tenho a cooperativa. Entendeu162?

Com uma sensibilidade muito própria nos seus relatos, Vanessa acrescentou para todo grupo: “eu acho que eu não nasci para ser empregada. Empregada. Eu não suporto ninguém mandando em mim. Eu quero ser espontânea, eu quero ter meu próprio negócio”. Nesse sentido afirmou Luciana:

160

(FRIGOTTO, 2005, p.26) Conceitos já discutidos aqui neste trabalho 162 Grupo focal 161


Eu trabalho de manhã no emprego formal e de tarde estou com a galera da cooperativa. Eu estou realizada profissionalmente no SETPS, mas pessoalmente na cooperativa, apesar se eu for comparar eu recebo mais no SETPS. Eu gosto de estar lá e fazer um colar, eu me sinto muito bem, muito melhor163.

Os relatos de Vanessa e Luciana conduziam à legitimação da tese de que o trabalho, diante da sua precarização, era/é apenas uma forma de manter a sobrevivência, ou nas palavras de Luciana, “manter o sustento”. O que haveria de educativo em todo esse processo? Somente o jovem Daniel estaria “em plena realização”? O Consórcio Social da Juventude formou para inserção dentro dessa contradição apresentada? Para que “Mundo do Trabalho” o Consórcio Social da Juventude qualificou? Como esses egressos lidam, avaliam e incorporam esse Mundo do Trabalho? “Esse mundo do trabalho é cruel, mercenário e capitalista”. Esta foi a frase que Luciana usou para concordar com a postura adotada por Rogério frente aos seus companheiros de trabalho. Ao descrever sua rotina diária, Rogério relatou para o grupo que no trabalho realiza a supervisão de jovens em um patamar “inferior” ao seu e esclareceu que esses jovens/funcionários são responsáveis pela limpeza/higienização dos telefones públicos de Salvador, mas que muitos deles acabam não fazendo a limpeza e falsificando o papel, assinando como se tivesse prestado o serviço. Para não “dedurar” seus colegas, ele comenta que percorre quase sempre com esses jovens/funcionários todos os telefones que deveriam estar limpos e faz a limpeza dos aparelhos, mostrando-lhes como eles deveriam ser limpados. Ele ainda justifica que não denuncia seus colegas para que estes não sejam demitidos, pois, dos cinco que trabalham sob sua supervisão, quatro têm família. Vejamos o que diz Rogério: Mesmo sabendo que ele agiu errado, eu não poderia dedurar ao meu chefe. Pô, o cara é um pai de família e já aconteceu na época que o filho dele tava doente de eu ver ele de madrugada fazendo o serviço dele, limpando os telefones. Ele não ganha por produção? Foi desse jeito que eu conversei com o meu chefe, numa boa164. 163 164

Grupo focal Grupo focal


As palavras de Rogério demonstravam valores que a sociedade capitalista conseguiu extinguir ao longo do tempo e de forma muito perversa, pois o que é comum, explicou bem Luciana: Esse mundo do trabalho tem isso de você não se colocar no lugar do outro, por exemplo, se fosse num outro emprego, se você não tivesse diálogo com seu chefe ele não quer nem saber se você tem filho doente ou não. Eu quero que você faça esse trabalho tal hora, se você não fizer: rua.

Paulatinamente percebia, através de seus relatos, que aqueles jovens mesmo submetidos às exigências e “exploração” do emprego formal, imersos em um sistema perverso, onde a lei da sobrevivência predomina nas relações, conseguiam fazer análises sobre o Mundo do Trabalho sem ao menos terem sido apresentados aos grandes teóricos clássicos. Foi com muita tranqüilidade que Daniel enfatizou esses valores presentes nos espaços de trabalho e os contrapôs com seu cotidiano: Assim: na verdade tem seu lado de sinceridade, de um trabalho em grupo, de um trabalho com companheirismo, com sinceridade, mas, não é muito a forma como é alimentado esse lado nas pessoas, né? No mercado formal, como a gente sabe capitalista, não é dado esse espaço, né? Vamos dizer assim: você pega uma meta e você tem que atingir aquela meta porque seu patrão diz que você tem que atingir aquela meta e pronto. Dentro do trabalho de cooperativismo não, você se diverte de certa forma, você vê um colega em dificuldade e você vai ajudar. E no formal não e, dessa forma, você tem que fazer o seu e quem não tá preparado sai e vai dar espaço pra outro. E aqui é diferente, é um ajudando o outro, mas também nem todo mundo também se comporta dessa forma. Algumas pessoas até acabam quebrando a cara e mais tarde até precisando um do outro, mas é um processo legal como eu tô falando sempre onde tem pessoas, tem problema, né? E aqui a gente tem uma visão do seguinte: somos todos da mesma comunidade, da mesma realidade, de certa forma estamos dentro de um processo de inclusão, mas já viemos de um processo de exclusão que é o lá de fora. Então por que aqui não se percebe o outro165?

Naquele momento, comecei a buscar no espaço “aparentemente” perfeito e educativo, explicitado por Daniel: o lugar da contradição. Será que não há precarização do trabalho na cooperativa? Será que a solução para o 165

Trecho extraído das entrevistas dos jovens pesquisados.


desemprego é o cooperativismo? Será que esse tipo de emprego educa? Tais contradições, aos poucos, vão surgindo na fala de Daniel: uma coisa que a gente tá quebrando aqui é que o trabalho de cooperativismo é feito de forma individual, então não é trabalho de cooperativismo. Por exemplo: eu faço uma peça aqui em 2 horas e você faz em 5 horas só que se eu fizer 10 eu ganho pelas minhas 10 e se você fizer 2 você vai ganha pelas suas 2 né[...] Aí é uma coisa que eu mesmo tô martelando tanto, sempre. Isso não é trabalho de cooperativismo. O individualismo é complicado. Tipo assim: a galera acaba tendo a idéia de que o outro que está dentro está fazendo a mesma coisa que você, é o seu concorrente. Se eu fizer 10 e o outro fizer 10, nós fizermos 20, eu vou ganhar por 20 e ele também vai ganhar por 20. Mas, não é assim, ele pensa que a minha idéia vai concorrer com as idéias dele, então é melhor que ele consiga fazer 1 e eu 20 é melhor. E é complicado, viu166?

As palavras de Daniel, naquele momento, conduziram-me a uma viagem a um passado

não

muito

distante.

Comecei

a

(re)lembrar

os

inúmeros

encontros/debates fervorosos sobre as questões do trabalho e, principalmente, “as alternativas ao desemprego” que aconteceram em minha itinerância formativa quando assumia, ainda muito mais ingênuo, a coordenação pedagógica do Programa Integrar da Central Única dos Trabalhadores. A fala de Daniel fez lembrar, sobretudo, um questionamento feito, em um desses encontros, pelo professor Farid Eid: Será que é possível construir cooperativas que consigam sobreviver e crescer nessa economia capitalista, onde a ética, a solidariedade, a cooperação e o respeito se tornam cada vez mais extintos167? Ainda que tenhamos caído no reino do “minimalismo”, onde as pequenas soluções são mostradas como grandes exemplos, os dados da DIEESE (2004) são reveladores e desanimadores, pois a pesquisa assinala que de 10 cooperativas que são criadas ao ano, apenas duas conseguem vida útil por mais de cinco anos. Não há dúvida de que esse quadro desanimador poderá ser explicado pela negação dos valores citados na provocação do professor Farid. Contudo, não podemos esquecer que o maior de todos esses limites é a luta desses jovens pela sobrevivência. Para todos esses jovens cooperados, a 166 167

Trecho extraído das entrevistas dos jovens pesquisados. Professor da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar


pobreza não é etapa provisória da vida: é um estado (CASTEL, 1998). Por isso, ganhar um salário ao final de cada mês é uma forma de manter sua própria sobrevivência.

3.7 JUVENTUDE E PROJETO DE VIDA Vencida a batalha do emprego, tem a próxima que é a entrada na Faculdade Luciana

Assim como Luciana, os demais jovens entrevistados “sonham” com a continuidade dos estudos, sendo a universidade o lugar mais cobiçado por todos/as. O primeiro emprego para esses jovens, mais do que uma realização de vida e um mecanismo da sua própria sobrevivência, é um meio indutor para conseguir pagar seus estudos. Para Jutham, que reside na comunidade de São Cristóvão168, o curso superior de História era seu principal objetivo de vida. A minha meta é fazer História, eu sempre gostei de História e agora mais depois do Consórcio. Eu sempre gostei de saber o porquê das coisas, e o curso vai possibilitar isso. E também eu gosto de ser professor, de ensinar as pessoas a pensar diferente. Eu estou estudando pra isso. Se eu não passar em uma pública, eu vou economizar meu salário para pagar os meus estudos. Esse agora é meu projeto de vida.

Fica evidente assim a contribuição do Consórcio Social da Juventude para a construção do projeto de vida desses jovens egressos. O interesse pela continuidade dos estudos e, por conseguinte, pelo ingresso no Ensino Superior foi evidenciado durante o término das atividades no Projeto e, sobretudo, após o ingresso dos jovens no Mundo do Trabalho. Essa constatação legitima o

168

No grupo focal Jutham esclarece que o bairro São Cristóvão é conhecido também como Planeta dos Macacos. Explicou que tal nomenclatura foi dada a partir da formação da própria comunidade pelos moradores dos bairros vizinhos, os quais apelidaram de macacos todos que por ali chegaram nos seus paus-de-arara, maus vestidos e de cor negra.


papel estruturante na projeção futura dos jovens que passaram pela itinerância formativa do Consórcio Social da Juventude. Mas, as falas também demarcam a superposição do emprego sobre a educação. Vejamos o que Paula diz: “agora que já tenho meu emprego, posso comprar minhas coisas, posso e vou entrar na universidade”. Ao dizer isso, Ana Paula aponta alguns aspectos para análise. Um deles é a separação visível entre Trabalho e Educação na formação desse contingente; outro, é pelo fato de não ter acesso ao Ensino Superior gratuito, o emprego tem uma outra função na sociedade contemporânea: pagar um direito que lhe é negado. Nessa perspectiva Ana Paula relata: Eu lembro de quando eu fiz o grupo de projeto de vida com Maria Clara. Assim: ela não sabia o que a gente ia fazer depois do Consórcio, né. E assim eu fiz todos os planejamentos de como ser daqui pra frente na última aula. Coloquei que ainda no ano de 2006 eu ía conseguir o meu primeiro emprego e em 2007 eu ia fazer o curso de enfermagem. Aconteceu mais ou menos isso, eu consegui o emprego em 2006, não foi o emprego que eu queria até então, com o valor que eu queria receber pra poder pagar o meu curso, entendeu? E aí assim: eu consegui o meu emprego, tá ótimo, tá de bom tamanho. Eu tentei a isenção do vestibular da UNEB, mas não consegui, não passei. Eu não tive como pagar os R$ 80 reais da inscrição, aí já não vingou, né. Nos planos que fiz não tive como pagar, aí pronto. O curso de enfermagem eu poderia fazer, mas se eu ganhasse mais no meu trabalho, porque pra manter o curso é um custo um pouco alto. Assim pra mim que eu não posso manter[...] Mas, eu tô falando assim: o que eu planejei não aconteceu como eu queria, mas aconteceu uma parte, e assim que vou crescendo, nunca me desespero com pouca coisa169. Eu tenho esperança de que em 2007 alguma coisa aconteça, ou eu consiga outro estágio além de tá trabalhando aqui170, que não me impeça de nada poder pagar o curso normalmente. Não podendo ser esse ano, que seja ano que vem, mas eu vou conseguir.

169 170

Grifo meu A jovem se referia ao SETPS.


Essa força de vontade explícita na fala de Ana Paula foi visível em todos os jovens pesquisados durante todo o processo. As condições desfavoráveis faziam da jovem Vanessa, com o seu baixo tom de voz, demonstrar uma força que não se mede pela palavra. “Eu engravidei cedo, amo meu filho, mas é uma barra trabalhar, estudar e ser mãe. Eu saio de casa no escuro ainda e só chego depois da doze horas em casa, porque eu do trabalho vou pra escola. É uma vida muita puxada, mas eu estou em uma fase boa da vida [...]”171 Com todas as condições adversas, com todos os limites impostos pela ordem vigente, os sonhos ainda alimentavam sua itinerância. Eu almejo minha Psicologia. É um sonho que eu tenho sempre. Gostei assim de trabalhar com pessoas, de dar conselhos, de ouvir também as pessoas. Assim a minha área é essa de sempre estar em contato com as pessoas, eu almejo chegar à Psicologia um dia com certeza. Eu vou ser psicóloga, eu tô trabalhando pra isso e eu vou vencer, certo?. E daqui pra frente é só felicidade, é só alegria porque eu tive uma transformação na minha vida.

Como Vanessa, Álisson tem uma história de vida nada favorável ao ingresso na vida universitária. Em um dos nossos encontros, contou-me que desde pequeno teve que ralar muito. Contou que aprendeu com seu pai ir em busca de seus objetivos, “nada chegou fácil na minha vida. Assim também não será fácil minha entrada na universidade”. Eu não fiz UNEB, porque não tive isenção. Como eu fiz a UFBA resolvi não fazer UNEB porque eu estudei até o primeiro ano em escola particular. Como eu estudava desde quando eu era pequeno, sempre tive desconto na mensalidade, e também aliviava para meu pai pagar todo no final do ano, entendeu? Ai eu não consegui isenção, tive que escolher porque pagar a UFBA já foi difícil e pagar as duas inscrições, então. Eu sempre fui atrás das coisas, sempre fiz bico com meu colega que era marceneiro, e com esse dinheiro eu conseguia ajudar meu pai em algumas coisas. Então sempre corri atrás de tudo, a fundo mesmo, sempre corri atrás estudando. O emprego no Consórcio acho que foi uma recompensa de Deus. Com relação ao curso que eu quero, Educação Física, eu vou

Nesse momento, a jovem Vanessa fica por alguns minutos em silêncio e seus olhos enchem de lágrimas. 171


conseguir, e eu serei um bom profissional, isso eu tenho certeza.

A trajetória de Álisson revela as barreiras que um jovem brasileiro pobre enfrenta para ingressar na universidade pública, em especial. As dificuldades de acesso ao ensino superior, apresentadas pelos egressos do Consórcio Social da Juventude, corroboram com a pesquisa feita por Queiroz (2007) com jovens universitários, entre os anos 2003 a 2007, na qual demonstra que a universidade pública é um espaço pouco permeável à presença de pobres. O dado da exclusão ao ensino superior é mais perverso quando se soma à questão social a de raça. Essas constatações levam a crer que mesmo o Consórcio Social da Juventude possibilitando a prospecção desses jovens à escolarização futura, muitos, ou quase todos, acabam enfrentando imensas barreiras na materialização do seu projeto de vida. Não se pode negar, hoje, a presença de alguns programas voltados para reparação desse grupo historicamente excluído, impelidos pelo movimento das políticas afirmativas, a exemplo do ProUni172, visto que entre os jovens pesquisados, Leidze e Paula conseguiram, por meio desse programa, materializar o sonho de serem universitárias. Vale ressaltar que a escolarização do jovem não é a única causa da explicação para o desemprego, sobretudo o desemprego juvenil.

172

O ProUni - Programa Universidade para Todos foi criado pela MP nº 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa. No seu primeiro processo seletivo, o ProUni ofereceu 112 mil bolsas em 1.142 instituições de ensino superior de todo o país.(site MEC 2007).


A GENTE QUER INTEIRO E NÃO PELA METADE: NOSSAS (IN)CONCLUSÕES Foi parafraseando esse trecho da música “Comida173”, que Ana Paula iniciou sua avaliação sobre o Consórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana174. Eu acho que o Consórcio Social da Juventude pode se tornar uma política pública. Assim, no meu ponto de vista. Eu espero que a quarta edição do Consórcio vire uma política pública porque, pra mim, ele ainda não é política pública. Eu acho que para o governo não é uma política pública porque assim: eu não vejo um empenho maior do governo em apoiar esse projeto, por exemplo, eu vejo outros programas, em rádios, outdoor, na televisão, e eu nunca vi o Consórcio. ( Ana Paula)

Naiara pergunta: Ana Paula é melhor o governo investir em marketing ou na qualidade do programa? Por exemplo, o PROJOVEM, você vê em tudo, sai na televisão, mas [...] é melhor o governo investir na qualidade do que em propaganda. Eu não disse que para se tornar uma política pública teria que investir mais em marketing. Para se tornar uma política pública teria que ter mais apoio do governo. Isso eu não tô dizendo que tem que aparecer nos jornais, televisão em outdoor, não é isso. É o governo aceitar isso como uma política pública, porque até então não é. Eu posso não saber o que é política pública, posso tá falando merda, porque não entendo o que é política pública.(Ana Paula) Eu vejo o Consórcio assim como uma política pública, sim. É claro que tem que ter um maior apoio do governo para aumentar o tempo de 6 meses para 1 ano. Tem que conseguir mais apoio das empresas para inserir mais jovens no mercado de trabalho. Eu vejo que ele é necessário e eu defendo que tem que existir sim, mesmo como reparação para reparar alguma coisa do passado, mesmo assim, mas mesmo assim existe e tá sendo favorável à sociedade. Lá no meu trabalho mesmo, lá todo

Música de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto Naquele momento [no grupo focal] encontrava-me “resistente” em focalizar minha atenção sobre a fala da jovem, pois não era objetivo da minha pesquisa fazer uma avaliação do Projeto, tampouco discutir se o Consórcio Social da Juventude é ou não uma política pública para jovens, entretanto, a voz de Ana Paula ganhava força em um espaço onde a “vontade” dos sujeitos pesquisados demandava uma avaliação sobre o processo.

173

174


mundo sabe o que é o Consórcio porque eu falo pra todo mundo porque tem que propagar isso.( Leidze)

Ao ouvir Leidze, Ana Paula, aparentemente, fica meio irritada e diz: Deixa eu falar ...eu acho que nós falamos alguma coisa e somos mal interpretados. Eu quis dizer assim: no meu ponto de vista a Princesa Isabel fez o quê? Deu a carta de alforria, ou seja, mas só fez isso, e foi um grande feito para os negros, mas ela só fez isso. Aí você me diz: depois dos quilombos surgiram o quê? As favelas. Então o governo é bom, mas eu acho assim que deveria ter uma junção geral pra tudo que o governo faz.

No fervor da discussão, Daniel levanta o dedo e diz: Posso falar? Na verdade quando a gente fala de política pública é uma coisa que ensinaram pra gente que política é chata mais ou menos isso. E é complicado, porque a maioria das pessoas não se interessa por política. A gente vive no mundo, vamos dizer assim, onde o governo não é só o presidente, governo, deputado, mas é de um modo geral quem tem o poder né? Eu digo o poder financeiro, poder de mídia. O poder do sistema acaba passando para as pessoas que a melhor opção são eles. E essas pessoas na verdade confiam nessas mentalidades, não por culpa, mas porque é uma frase, eu não me lembro agora o autor: “ A arma do opressor é a mente do oprimido”. Então a arma do sistema é a mente das pessoas.

Embora Ana Paula não estivesse muito bem fundamentada sobre o conceito de política pública, não deixou de imprimir uma das suas características básicas: a articulação entre as ações existentes, pois em sua acepção mais genérica, a idéia de políticas públicas está associada a um conjunto de ações articuladas com recursos próprios (financeiros e humanos), envolve uma dimensão temporal e alguma capacidade de impacto. Para Sposito (2001), a política pública não se reduz à implantação de serviços, pois engloba projetos de natureza ético-político e compreende níveis diversos de relações entre o Estado e a sociedade civil na sua constituição. Rua (1998, p.731) opta por uma definição bastante sugestiva de políticas públicas: proponho o entendimento das políticas públicas como conjunto de


decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos. Contrapõe à idéia de “problemas políticos” a expressão “estado de coisas”. Assim conclui a autora: somente quando alcançam a condição de problema de natureza política e ocupam a agenda pública, alguns processos de natureza social abandonam o “estado de coisas”. A autora ainda ressalta que a expressão “os jovens como problema social” tem um estatuto diferente da noção de que políticas públicas ocorrem quando jovens deixam de ser “estado de coisas” para aparecerem como “problemas políticos”. Nesse último caso, tanto pode estar presente a idéia de “proteção” da sociedade diante do risco iminente provocado por seus segmentos jovens, como a percepção de que atores juvenis podem estar contemplados nas políticas enquanto expressão de um campo ampliado de direitos reconhecidos pela democracia. O tema envolve tanto as demandas das camadas mais abastadas quanto as reivindicações das classes populares – materializadas na pauta de diversos movimentos sociais, que buscam saneamento básico, saúde, educação, fim da discriminação sexual e racial, etc. Com essas definições e os relatos dos jovens aqui apresentados, fica muito evidente que esse Projeto tem seu valor social. Mas, segundo Daniel ainda é muito pouco, sabia Zé. A demanda de juventude é gigantesca e a juventude precisa de espaço social pra organizar criatividade, ter aquela idéia, inovação, aquele gás. Falta, eu acredito mesmo, é vontade dos órgãos competentes, é muito discurso e pouca vontade porque, voltando ao Consórcio um pouquinho, o Consórcio é uma ferramenta onde tem uma equipe pedagógica muito forte, mas quantos jovens teve acesso ao que eu tive?

A fala de Daniel enfatiza a característica das políticas sociais de focalização na pobreza em contraposição à universalização do sistema de proteção social, assim como a privatização no sentido da transferência de responsabilidade do Estado para instituições que compõem o terceiro setor, ou seja, privadas sem fins lucrativos. Essas políticas têm um caráter pontual e provisório.


Apesar das limitações e contradições apresentadas (in)conscientemente pelos jovens dessa pesquisa, é

salutar a contribuição do Consórcio Social da

Juventude de Salvador e Região Metropolitana para a inserção dos jovens no Mundo do Trabalho e, principalmente, para suas vidas cotidianas no sentido da cidadania, da sua visão de mundo. Vejamos: Zé, até pouco tempo atrás eu dormia com um pregador no meu nariz. Hoje eu posso falar que me reconheço mulher negra, não preciso negar minha raça. (Luciana). O Consórcio Social da Juventude muda a mente de qualquer adolescente que entrar no Consórcio, de qualquer um, possa ser ele uma pessoa ignorante, uma pessoa lerda que tem uma cabeça meio devagar, que pensa muito lento, entendeu? (Rogério).175 Hoje sou uma pessoa mais segura. Eu era uma pessoa muito tímida, eu não dava uma palavra, hoje sou mais extrovertida, consigo falar com mais firmeza o que penso e o que sinto. Me deu segurança e responsabilidade (Vanessa).

Os recortes apresentados evidenciam uma contribuição de grande importância do Consórcio Social da Juventude de Salvador na formação cidadã dos jovens participantes. Entretanto, não apontam para o alcance do seu objetivo principal, enquanto Projeto que qualifica em termos de conhecimento para a inserção no Mundo do Trabalho. Isto reafirma que as questões do desemprego não estão relacionadas exclusivamente à falta de Qualificação Social e Profissional, o que nos reporta à opinião de Arroyo (1996) de que a redução da questão da cidadania dos trabalhadores a uma questão educativa é uma forma de ocultar que a educação é chamada a arbitrar no processo de exclusão da maioria da participação política, assim, é ilusório achar que a qualificação

signifique, por si só, emprego. É importante lembrar que um problema grave que se apresenta à nossa sociedade é a não empregabilidade dos qualificados. Nessa itinerância como pesquisador/aprendiz, investigando essa experiência formativa para jovens, não deparei em nenhum momento com falas e

175

NOTA: trecho repetido na página 132.


manuscritos que invalidassem o Projeto. Os relatos orais e escritos dos jovens pesquisados sempre deixaram marcas da sua contribuição. Por isso, a experiência, apesar das contradições apresentadas, tem um caráter afirmativo, pois reconhece o problema que afeta os direitos de um determinado grupo,

cria

possibilidades

legais,

financeiras

e

práticas,

ainda

que

desarticuladas com as demais existentes no próprio governo para desenvolver ações no sentido da superação das condições de vida dos jovens oriundos dos extratos mais carentes da população. Entretanto, como afirmou o jovem Daniel, “ainda é Pouco”. Investir na causa dos problemas estruturais do desemprego juvenil é atacar anos da história brasileira de colonização, exploração, escravidão e precarização do trabalho. Isso não é nada fácil, mas precisamos ir além. Precisam-se

urgentemente

criar

mecanismos

de

articulação

entre

projeto/políticas/programas e ações que envolvam o governo e a sociedade civil organizada na tentativa de construir um país mais justo, com mais oportunidades de Emprego, Trabalho e Renda, o que supõe, sobretudo, investir na educação para transformação da vida dos jovens excluídos do acesso a bens e serviços, no sentido da garantia dos direitos de cidadania. No entanto, percebo que são enormes os desafios e tarefas que se colocam àqueles setores da sociedade civil que se contrapõem à nova (des) ordem mundial à medida em que “o rumo que assume a história deste novo século, no plano ético-político, é da afirmação do ideário neoliberal e, portanto, da ‘nova era do mercado’ como a única via possível da sociabilidade humana, reafirmase a ética utilitarista e individualista do liberalismo conservador, justificando-se, assim, a exclusão e a desigualdade como elementos necessários à competitividade”(FRIGOTTO, 1998, P.68). É claro que construir políticas alternativas de inclusão social e de “democratização”

em

nosso

país,

sobretudo

para

enfrentamento

do

desemprego juvenil, depende das possibilidades de mudanças nos costumes -


e na “mentalidade” - de uma sociedade tão marcada pela experiência do mando e do favor, da exclusão e do privilégio. Assim, a prática educativa, de formação para o Mundo do Trabalho, deve pautar-se, principalmente, pela reconstrução da auto-estima e da dignidade dos sujeitos. Também, pela materialização de um processo de construção de um conhecimento e de alternativas que primam pela participação ativa de homens e mulheres, concretizando a dimensão coletiva do trabalho e da produção, onde se expressam valores como os da solidariedade, do respeito aos limites e potencialidades do outro como ser único e integral, o reconhecimento da experiência de vida como fonte de reflexão e para a construção do novo saber. Em contraposição, a luta diária da sociedade civil, sobretudo daqueles que se propõem realizar políticas de juventude, deve ser pela “globalização” dos direitos,

pela

universalização

da

cidadania,

pela

(res)significação

e

humanização do trabalho e pela ampliação da participação dos jovens na elaboração, gestão e avaliação dos projetos. É esta dimensão estratégica que a Qualificação Social e Profissional dos Jovens assume, cada vez mais, uma importância relevante no processo de disputa da hegemonia na sociedade contemporânea e na perspectiva da humanização no processo de globalização.


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ANEXOS


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS: I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

AUTORIZAÇÃO (Local, data)

O pesquisador ............................................................... Eu, (nome por extenso, estado civil, documento de identidade, endereço) declaro para os devidos fins que cedo os direitos de minha entrevista, gravada (data/s), transcrita e autorizada176 para a pesquisa intitulada ........................, de autoria

de

..............................,

tendo

como

orientador

/

a

............................................. do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade desta Universidade, a ser usada integralmente ou em partes, sem restrições de prazos e citações, desde a presente data. Da mesma forma, autorizo a sua audição e o uso das citações a terceiros, ficando vinculado o controle a(o) pesquisador(a) mencionado(a). Para a divulgação da pesquisa fica garantida a preservação do anonimato dos informantes.177 Abdicando de direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a presente, que terá minha firma reconhecida em cartório.

Ass:_______________________________________________

176

Assim como documentos referentes a cópias de _____ fotos cedidas, _____ fotos inéditas, vídeo sobre o evento filmado em ..................., etc. (devem ser listados todos os instrumentos de pesquisa que serão utilizados na dissertação). 177 Salvo em casos especiais (ex. histórias de vida) em que o protagonista autoriza explicitamente a sua identificação na pesquisa.


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS: I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

MEMORIAL Jovem, Faça uma descrição de tudo que você viveu desde seu ingresso no Consórcio Social da Juventude, até seu ingresso no Mercado/ Mundo do Trabalho. Procure escrever os fatos mais significativos de sua experiência vivida ao longo do tempo que você esteve no CSJ (destacando obstáculos, dúvidas, temas que foram trabalhados, experiências aprendidas, situações problemas enfrentadas e outras coisas mais que você considera importante). Esse texto é pessoal, portanto se quiser pode fazer perguntas ao longo da escrita, relacionar um momento com o outro, relatar a situação através de trechos de músicas, poemas ou um outro texto qualquer, relacionar algum fato ao tempo presente, enfim a história é sua, assim como a forma de contá-la também. Agora, não esqueça de escrever a sua trajetória na primeira pessoa (EU), afinal você está falando de você.


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS: I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

ENTREVISTA 1. O projeto se estruturou em diversos espaços e nas seguintes ações: Qualificação Profissional e Social, Apoio ao Desenvolvimento Escolar - ADE, Equidade, Inclusão Digital, Balcão da Juventude, Projeto de Vida e outras ações oferecidas no Espaço da Juventude (palestras, cursos, oficinas, grupos de discussão e outras ações formativas). Em que medida essas ações contribuíram: a. Na sua vida? b. Na sua inserção no mundo trabalho? c. Na sua vida escolar? 2. Quais discussões mais apoiaram você na inserção no mundo do Trabalho? 3. Qual a contribuição que o espaço no qual você está inserido (Emprego formal, formas alternativas geradoras de renda, Estágio, Lei da aprendizagem) traz/ trouxe para sua vida? 4. Quais são os desafios que você encontra no mundo do trabalho? E como você tem lidado com eles? 5. Como a experiência de participar do Consórcio Social da Juventude ajudou você a olhar para os problemas que o cercam, especialmente os da juventude? 6. Ao longo do Consórcio Social da Juventude você participou ou vem participando de algum grupo (associação de moradores, cooperativa, grupos de discussões temáticas, grupos de igreja, grupos artísticos, grupos de jovens


e outros grupos reinvidicatórios)? Como se deu sua participação no(s) mesmo(s)? Quais eram/ são as principais discussões? 7. Como você tem percebido as políticas construídas para a juventude? Qual a contribuição do consórcio pra elas?


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