Educação Infantil como direito: acesso, diretrizes e parâmetros de qualidade

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MÓDULO 3

Educação Infantil como direito: acesso, qualidade e participação da família


SANTANDER BRASIL AVANTE EDUCAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL

PROJETO

Educação Infantil como direito: acesso, diretrizes e parâmetros de qualidade MÓDULO 3

Bahia 2012


REALIZAÇÃO SANTANDER BRASIL Vice-Presidência de Recursos Humanos Projeto Escola Brasil Gerente de Recursos Humanos Mara Christofani Analista de Recursos Humanos Herica Aires

AVANTE – EDUCAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL Gestora Institucional Maria Thereza Oliva Marcílio de Souza Gestora da Linha de Formação para Mobilização e Controle Social Sonia Margarida Bandeira de Cerqueira

ELABORAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA PUBLICAÇÃO Projeto Tece e Acontece Coordenadora Ana Luiza Oliva Buratto Responsável pela elaboração do material didático Ana Luiza Oliva Buratto Andrea Luz Glaucia Lara Borja José Humberto Silva Judite Amélia Lago Dultra Mônica Martins Samia Projeto Gráfico e Editoração KDA Design


SUMÁRIO

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OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

EDUCAR E CUIDAR OU, SIMPLESMENTE, EDUCAR? BUSCANDO A TEORIA PARA COMPREENDER

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DISCURSOS E PRÁTICAS

APONTAMENTOS SOBRE O CENÁRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E

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INDICADORES DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A IMPORTÂNCIA DO OUVIR E DO ESCUTAR FAMÍLIAS

PROJETOS DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

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ESTUDO DE CASO

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SITES INTERESSANTES

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PLANEJAR É FAZER PLANOS?

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PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAA)

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Educação Infantil como direito: acesso, diretrizes e parâmetros de qualidade

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OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Mudança conceitual e transferência de gestão Os movimentos em defesa da educação de crianças de 0 a 6 anos em instituições de ensino trazem, em seu bojo, a dualidade entre a educação e a assistência, entre a educação e o cuidado na primeira infância, entre creches e pré-escolas acrescida pela interface, por vezes ambígua, das instâncias públicas e privadas. Essas dualidades, mais de dez anos após o prazo estipulado para a inserção da Educação Infantil nos sistemas de ensino, ainda representam obstáculos para mudanças nas concepções de atendimento às crianças pequenas. Por outro, não se pode desconsiderar a busca permanente pela construção de uma identidade da Educação Infantil capaz de resguardar suas especificidades, não se tornando apenas um local salubre para os bebês ou um espaço preparatório para o ensino fundamental. Na história da educação das crianças pequenas, o atendimento às crianças pobres teve como base o voluntariado e a precariedade de recursos. Assim se organizaram creches domiciliares, creches comunitárias, filantrópicas e até mesmo privadas com fins lucrativos. Muitas dessas instituições permanecem até hoje e são frutos de movimentos comunitários, de mulheres em luta pelo direito a um lugar digno para deixar os filhos durante a jornada de trabalho. Várias surgiram nos anos de repressão política, no vácuo de uma ação governamental junto à população de baixa renda. Mas se os tempos políticos mudaram as condições precárias de muitas destas creches se mantiveram: muitas ocupam espaços improvisados, localizados nas comunidades pobres, funcionam como podem, com recursos da comunidade e de convênios com o poder público. São elas instituições que prestam um serviço público - não-governamental, não-estatal - junto às camadas mais pobres da população e que precisam mais do que os recursos que recebem dos convênios atuais para poderem oferecer um serviço de melhor qualidade à população infantil, seja com instalações e materiais mais adequados, seja com pessoas habilitadas para atender as crianças. Tratar a creche como um equipamento educacional e pensá-la para ser fundamentalmente complementar (e não substitutiva) à ação da família nos aspectos físico, psicológico e social e na constituição de conhecimentos e valores indispensáveis ao processo de desenvolvimento e socialização das crianças é uma questão provocadora para a sua integração ao sistema de ensino, diferentemente da pré-escola, que já fazia parte das preocupações dos educadores e da política educacional brasileira, embora de forma marginal e com a justificativa de etapa preparatória para o ensino fundamental. Todavia, os processos de transição e regulamentação são variados e distintos entre si, bem como as condições de funcionamento das instituições. Assim, os municípios convivem com os desafios decorrentes da mudança de concepção do atendimento às crianças de 0 a 6 anos nos discursos oficiais e nas práticas existentes no seu interior: a herança do trabalho assistencial, modelo que embasou as iniciativas públicas e privadas de atendimento à criança pobre, caracterizando parte significativa dos estabelecimentos como depósito de crianças e a existência de sistema educacional pouco flexível e hierarquizado. No centro dessa questão está a conquista legal: um atendimento educacional de qualidade, com professores habilitados, escolas com condições físicas adequadas à faixa etária, currículos formulados a partir de uma concepção de criança que a perceba na sua integralidade e não apenas como aluno.

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Educação Infantil como direito: acesso, diretrizes e parâmetros de qualidade

Sobre o acesso Observa-se que o acesso à Educação Infantil vem apresentando pequena redução nos últimos 2 a 3 anos que, segundo estudiosos do assunto se deve à diminuição de um ano na educação infantil, em razão da passagem das crianças de 6 anos para o ensino fundamental. Entretanto, se analisada a faixa 0 a 5 anos, a educação infantil cresceu, de acordo com as pesquisas, cerca de 600 mil matrículas. Segundo estudo do INEP, que buscou os dados do Censo de 2010 e do IBGE, e os comparou com os seus resultados de matrícula, o quadro do acesso à Educação Infantil no Brasil é o seguinte: Crianças de 0 a 5 anos Censo 2010

Matrículas segundo INEP

%

Creche

10.925.892

2.064.653

18,89

Pré-escola

5.802.254

4.681.345

80,86

Estabelecimento

Percebe-se que enquanto o atendimento a criança de 0 a 3 anos em creches é ainda muito baixo, inclusive em relação à meta do PNE, o percentual de 80,86% do atendimento a crianças de 4 e 5 anos na pré-escola anuncia um quadro um pouco mais otimista, já que, conforme pesquisa feita pelo INEP com os dados dos alunos que participaram do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Básica (SAEB), há um aumento de 32% nas chances de uma criança brasileira concluir o ensino médio quando tem acesso à educação infantil (MEC, 2007, p.44). Os estudos também têm evidenciado que frequentar educação infantil tem efeitos positivos ao longo da vida escolar para qualquer criança, mas com maiores repercussões nas camadas mais pobres da população (Campos 1997; MEC/SEB 2006). Conforme o terceiro relatório As desigualdades na Escolarização no Brasil (SCDES, 2009), entre as razões identificadas para o baixo acesso das crianças pequenas à educação infantil, encontram-se: 1. falta de visão da Educação Infantil como parte da primeira etapa educacional; 2. insuficiência de recursos públicos para financiar toda oferta necessária; 3. e, para a faixa etária de 0 a 3 anos, sabe-se que sempre existirá uma parcela da população que não demandará a educação nos primeiros anos de vida. Qualidade na Educação Infantil: outra face na busca da universalidade Mas, se a expansão da Educação Infantil tende a aumentar nos próximos anos, esta não pode prescindir da qualidade do serviço oferecido à população. As causas da sua baixa qualidade estão relacionadas com os seguintes fatores: i) infra-estrutura deficiente nas escolas públicas e conveniadas; ii) desvalorização da profissão docente; iii) formação inadequada de docentes e iv) fragilidade educacional de muitos municípios. Quanto à infra-estrutura, a elaboração de Parâmetros Básicos de Infra-estrutura para instituições de Educação Infantil, volumes 1 e 2 (MEC/SEB, 2006a), Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, volumes 1 e 2 (MEC/SEB, 2006 b) e os Indicadores de Qualidade na Educação Infantil ( MEC, 2009) constituem-se em importantes referências para as instituições se auto-avaliarem hoje em dia. Dados do Censo Escolar, entretanto, dão um panorama ainda pouco animador em relação a esse aspecto. Mais da metade das crianças da educação infantil frequentam escolas que não possuem parque, o que determina que grande parte delas, no horário escolar, fica restrita a atividades em áreas internas das instituições, praticamente “confinadas” nesse ambiente.


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Em razão desse panorama foi concebido e está sendo implementado o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil - ProInfância, que visa a expansão, reforma e construção de espaços mais adequados para as crianças de 0 a 5 anos, e a aquisição de móveis e equipamentos para aparelhar adequadamente estes espaços. Entre 2007 e 2008, 973 escolas em 939 municípios foram beneficiadas e no período 2011-2014, o objetivo é financiar 6.000 unidades em cada ano. Outra conquista da educação infantil foi a sua inclusão, em 2008, no Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE). Como resultado tem-se que 1.948.140 livros de literatura foram distribuídos a 85.179 creches e pré-escolas públicas. Quanto à proposta pedagógica das instituições, foi aprovada pelo CNE a Resolução n.5, de 17/12/2009, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil que se constituem em importante referencial para revisão ou construção de novas propostas. Outra medida recente com vistas a qualidade na oferta da Educação Infantil foi a conquistada a partir da LDB, que equiparou a carreira do professor da Educação Infantil à do professor do Ensino Fundamental. Dessa forma esse profissional passou a ter direito a um plano de carreira e a todos os ganhos da categoria, como a inclusão na Lei n. 11.738/2008, que institui o piso salarial nacional para professores da educação básica pública. Consequências da integração: lições e conquistas da Educação Infantil A grande consequência da integração de creches e pré-escolas à educação tem sido a afirmação da educação infantil como direito das crianças: uma conquista histórica, que passou a responsabilizar o Estado pela educação das crianças desde que nascem. Importante lembrar que sem o movimento social organizado, não teria sido possível vislumbrar os avanços já hoje alcançados, na cobertura do atendimento, na elaboração de um currículo para a infância com indicadores de qualidade, no financiamento dessa etapa e também nos canais de participação e controle social. Entretanto, não se pode desconsiderar que enquanto está bastante visível o movimento de uma universalização da pré-escola, não se pode dizer o mesmo do segmento creche. Embora se reconheça a creche como direito e como instituição educativa, a oferta incipiente, muito aquém da demanda, revela que o parco atendimento é fruto de uma orientação política duplamente residualista: a oferta publica é para as camadas mais pobres da população e atinge a pouco mais de 15% das crianças. Mantém-se também, em muitos municípios, uma precarização da função docente e das condições dos equipamentos. Diante dessa realidade resta juntar forças e lutar para que esta política residualista faça parte de um processo de transição rumo ao rompimento com a lógica da política tradicional de Estado que fazia o mínimo e deixava o mercado regular a oferta. Afinal já podemos contar com vários indicadores de avanço como a inclusão das creches no FUNDEB, o Proinfância, as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil e outros Programas Federais voltados para essa faixa etária como Brasil Carinhoso e Rede Cegonha.

Síntese do texto Políticas Públicas Universalistas e Residualistas: os Desafios da Educação Infantil, de Maria Fernanda Rezende Nunes e Patricia Corsino e apresentado em 2010 na 33ª Reunião Anual da ANPED, Caxambu, com atualização de informações sobre acesso à educação infantil com base em estudo do INEP realizado em2011.

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EDUCAR E CUIDAR OU, SIMPLESMENTE, EDUCAR? Buscando a teoria para compreender discursos e práticas

Ao iniciar os estudos que deram origem a este texto, a autora – Lea Tiriba - buscou elementos teóricos para a compreensão da confusão que provoca o binômio educar e cuidar sempre que se procura analisar discursos e práticas. A hipótese era a de que, em realidade, as dificuldades de integração entre os dois polos estão relacionadas à dicotomia entre corpo e mente. A partir da origem etimológica das palavras a autora descobriu outro divórcio característico da sociedade ocidental – o que separa razão e emoção. Descobriu também que este, por sua vez, era a expressão de uma dicotomia maior, entre ser humano e natureza. Segundo TIRIBA o binômio cuidar e educar, é geralmente, compreendido como um processo único, em que as duas ações estão profundamente imbricadas. Mas, muitas vezes, a conjunção sugere a ideia de duas dimensões independentes: uma que se refere ao corpo e outra aos processos cognitivos. Na sociedade ocidental, é no cuidado que se evidenciam as dimensões mais profundas da diferenciação tradicional entre homens e mulheres. De acordo com TRONTO (1997:189) “cuidar é uma atividade regida pelas mulheres tanto no âmbito do mercado quanto da vida privada. As ocupações das mulheres são geralmente aquelas que envolvem cuidados, e elas realizam um montante desproporcional de atividades de cuidado no ambiente doméstico privado”. Valorizar a experiência feminina, desconstruindo elementos de subordinação patriarcal, sem jogar fora o saber que é fruto de seu modo histórico de pensar-sentir-fazer, seriam desafios para um projeto de formação de educadores que visasse enfatizar a importância do cuidar. “Cuidado é mais que um ato singular ou uma virtude ao lado de outras. É um modo de ser, isto é, a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros. Melhor, ainda: é um modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com todas as coisas. (...) Significa uma forma de existir e de co-existir, de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-se com todas as coisas do mundo. Nessa coexistência e con-vivência, nessa navegação e nesse jogo de relações, o ser humano vai construindo seu próprio ser, sua própria consciência e sua identidade”. BOFF (1999: 92) Para cuidar é necessário um conhecimento daquele que necessita de cuidados, o que exige proximidade, tempo, entrega. Por isto, cuidar é necessariamente, uma atividade relacional. Se o objeto de minhas ações são pessoas e não coisas, cuidar envolve “responder às necessidades particulares, concretas, físicas, espirituais, intelectuais, psíquicas e emocionais de outros” (TRONTO, 1997:188). Por este conjunto de razões, cuidar é uma ação que afeta tanto quem cuida como quem está sendo cuidado. Vem daí, provavelmente, o profundo envolvimento e satisfação das profissionais de educação infantil com o seu trabalho: a relação estreita com as crianças provoca respostas infantis que funcionam como elementos realimentadores, transformadores de si próprias, de sua subjetividade.


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Nos anos 90, com a perspectiva das creches e pré-escolas serem incorporadas aos sistemas de ensino como primeira etapa da educação básica, foi preciso integrar as atividades de cuidado, realizadas nas creches, com as atividades de cunho claramente pedagógico, desenvolvidas nas pré-escolas. No campo da educação infantil, o cuidar estava historicamente vinculado à assistência e relacionado ao corpo. Até meados da década de 80, o usual era o termo “guarda”. A partir de então é que esta expressão passou a ser substituída por “cuidado” e “cuidar” (MONTENEGRO, 2001). Em razão de fatores socioculturais específicos de nossa sociedade, a cisão entre o educar e o cuidar inclui também uma conotação hierárquica: as professoras se encarregariam de educar (a mente) e as auxiliares de cuidar (do corpo). Tanto assim que em espaços de formação de profissionais que atuam junto à criança pequena são freqüentes as polêmicas em torno das suas atribuições, em especial quando se trata de professoras das redes públicas que, em inúmeros casos, não assumem para si a função de cuidar, por entendê-la como relacionada ao corporal e ao doméstico, como dar comida, banho, cuidar do espaço em que se trabalha/estuda. A dificuldade em reintegrar estes pólos decorre, portanto, do fato de que somos marcados, ainda, por esta cisão. A partir desta idéia, uma pergunta se coloca: se educar e cuidar são dois pólos que precisam estar integrados, ao invés de assumirmos o binômio, não seria o caso de questionarmos a manutenção da dualidade, propondo, simplesmente, educar? A descoberta da origem comum (cogitare) das palavras cuidar e pensar nos leva a inferir que essa dualidade está relacionada às tantas outras dualidades, que, ao longo da modernidade, através de um processo histórico que divorciou ser humano e natureza, separou o corpo da mente, partiu razão e emoção, elegendo aquela como salvo conduto para a busca da verdade. Nesta lógica, o corpo assume o lugar secundário destinado aos prazeres, aos desejos, à inconsciência. Nele, a cabeça abriga a razão, a consciência, o pensamento, tomado por Descartes como a prova da nossa existência humana. Nesta lógica, o corpo é simplesmente um portador. Religar o que foi historicamente divorciado, articular razão e emoção, corpo e mente, cuidado e educação. Este é um desafio fundamental na luta por uma nova sociedade planetária, fundada no cuidado e no amor entre os humanos; no respeito a cada pessoa e à diversidade cultural dos povos. E, igualmente, no cuidado e no amor à natureza, no respeito à biodiversidade, buscando superar o divórcio fundamental da modernidade (entre ser humano e natureza) e a cultura antropocêntrica que o constitui.

BIBLIOGRAFIA BOFF, Leonardo. Saber cuidar: Ética do Humano - Compaixão pela Terra. Petrópolis, Vozes, 1999. MONTENEGRO, Thereza. O cuidado e a formação moral na educação infantil. São Paulo, EDUC, 2001. TRONTO, Joan C. Mulheres e cuidados: o que as feministas podem aprender sobre moralidade a partir disso? In: JAGGAR, A. e BORDO, S. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro, Record, Rosa dos Tempos, 1997.

Síntese elaborada por Glaucia Lara Borja do texto de mesma denominação, produzido por Lea Tiriba e apresentado na 28ª Reunião Anual da ANPED em outubro de 2005.

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APONTAMENTOS SOBRE O CENÁRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Mônica Samia

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O país protagonizou, nos últimos anos, conquistas relevantes, especialmente relacionadas ao arcabouço legal, descritas a seguir, em relação à garantia do direito à educação das crianças brasileiras de 0 a 5 anos. Como um gigante que acordou depois de um longo sono, a ânsia por "recuperar o tempo perdido" impulsiona uma corrida para atender esta demanda de crianças que têm direito ao acesso a espaços educativos de qualidade, não porque suas mães têm direito de trabalhar, mas porque o direito à educação é um direito de cada criança brasileira. Há apenas duas décadas este movimento ganhou proporções significativas com a mobilização em torno da nova Constituição, que promoveu o reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos e merecedoras de atenção prioritária das políticas públicas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, também é um exemplo da conquista de dispositivos legais e institucionais nos âmbitos jurídico e das políticas públicas. Entre os direitos definidos nestes marcos legais consta o do acesso a creches e pré-escolas para as crianças até 6 anos de idade (esta idade foi ajustada para 5 anos), sendo responsabilidade do poder público municipal oferecer este serviço a todas as crianças cujas famílias assim o desejassem ou dele necessitassem. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/1996 veio responder aos anseios da sociedade, definindo os deveres das diferentes instâncias governamentais e os direitos dos cidadãos em relação à Educação Infantil. Nela se reconhece este segmento como a primeira etapa da Educação Básica, portanto integrante do sistema de ensino, tendo como função o desenvolvimento integral da criança. Estabelece a necessidade de formação específica em magistério de nível superior para o educador, admitindo o nível médio, mas colocando prazos mínimos para a habilitação - nível médio em 5 anos e nível superior em 10 anos - o que enseja a busca de qualificação profissional com repercussões diretas na qualidade dos programas e no reconhecimento da Educação Infantil como serviço de alta qualificação profissional. Recentemente, a Emenda Constitucional 59, em seu inciso I do art. 2082 delibera a obrigatoriedade da escolarização das crianças de 4 e 5 anos. Também é preciso ressaltar como fonte de apoio e de orientação, os diversos documentos publicados e distribuídos pelo MEC ao longo destes anos referentes à Educação Infantil. São eles: Referenciais Curriculares para a Educação Infantil (1998), Política Nacional de Educação Infantil (2006), Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil (2006), Parâmetros Básicos de Infraestrutura para instituições de Educação Infantil (2006), Critérios para um atendimento em creche que respeite os direitos fundamentais das crianças (2009) Indicadores de Qualidade na Educação Infantil (2009).

1 A autora é pedagoga, doutoranda em Educação da Universidade Federal da Bahia - UFBA, mestra em Educação e pós graduada em Leitura e Linguagem pela Universidade Estadual da Bahia – UNEB. Coordena a Linha de Formação de Educadores e Tecnologias Educacionais da Avante – Educação e Mobilização Social. 2 Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (NR)


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Outro importante documento, de natureza mandatória são as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil. Sua primeira versão foi elaborada e disseminada em 1999 pelo Conselho Nacional de Educação, contribuindo para o processo de institucionalização deste segmento. Após 10 anos dessa promulgação, as DCNEI (Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil).foram submetidas a um processo de revisão de forma participativa. Esta revisão, com o objetivo de realinhamento, fazia-se necessária em vista da ampliação do atendimento e da diversidade de concepções e políticas existentes. Foram realizadas audiências públicas em quase todas as regiões do Brasil e algumas reuniões em Brasília, com a presença dos conselheiros da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de consultores educacionais, de estudiosos da área, de gestores da educação e de militantes dos diversos movimentos sociais. Por ter passado por este processo amplo de validação, este documento é considerado uma referência extremamente pertinente e significativa para a orientação das práticas da Educação Infantil. Outra vitória foi a inclusão da Educação Infantil – creches e pré-escolas – no texto da Lei que criou o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), aprovada em 30 de maio de 2007, o que significou recursos para o financiamento da Educação Infantil. Mais recentemente, o PROINFANCIA, programa do governo federal de assistência financeira aos municípios para construção, reforma e aquisição de equipamentos e mobiliário, efetiva mais uma conquista importante no sentido de um atendimento de qualidade. Este cenário não deixa dúvidas dos passos largos, embora um pouco tardios, que a política de Educação Infantil percorreu ao longo destas duas últimas décadas. Em relação à qualificação docente os números também impressionam. Segundo dados do INEP (2003; 2010) em 2002, apenas 22,5% dos professores que atuavam neste segmento tinham cursado o ensino superior completo; em 2010, o percentual subiu para 49,9%. Entretanto, este avanço expressivo em termos quantitativos, tanto em relação aos documentos, quanto em termos de formação, não tem reverberado como esperado no "chão da escola", ou seja, pode-se depreender que a brecha entre o legal e o real corre o risco de se alargar, visto que, em tese, estamos cada vez mais munidos de referências legais e de professores com certificação, e continuamos dando passos lentos na apropriação destes referenciais na prática. Neste sentido, os processos formativos, que deveriam impulsionar e estreitar esta brecha, têm se mostrado, no mínimo, insuficientes. Mesmo com o aumento expressivo do percentual de professores com Ensino Superior, o que se observa é que pouco se avançou no sentido de que as concepções de infância, criança e educação infantil, tão bem descritas nos documentos, se efetive na prática. A pouca ênfase dada a este segmento no currículo dos cursos de Pedagogia e os investimentos escassos em formação continuada são agravantes deste cenário. Além disso, o foco da formação se dá, em geral, para o segmento Pré-escola, que corresponde aos 4 e 5 anos, ficando a creche (0 a 3 anos) ainda menos assistida em termos de formação profissional. Outro agravante deste cenário refere-se ao apressamento dos processos de escolarização das crianças, especialmente de 4 e 5 anos. Com os problemas relativos ao processo de alfabetização que tem dado sinais de fracasso em muitas redes e com a herança dos saberes profissionais

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relativos ao Ensino Fundamental, percebe-se uma forte influência do modo de funcionamento deste segmento na Educação Infantil. Assim, “aula”, “trabalho”, “interdisciplinaridade”, “tarefa”, são palavras comumente usadas por crianças pequenas para descrever suas rotinas nas instituições e por professores, para relatar a natureza das atividades que propõem. Todo este aparato legal, bem como as iniciativas e conquistas ligadas ao financiamento e à ampliação da oferta são muito bem-vindos e necessários; entretanto, devem ser acompanhados por ações efetivas que visem equilibrar o “aumento da oferta” com a “melhoria na qualidade do atendimento”, pois sem isso, como já dito, a brecha entre o que se deseja e o que se realiza se aprofundará. Certamente teremos mais crianças nas instituições de Educação Infantil, mas a questão que fica é: será que estas instituições têm condições de oferecer um atendimento de qualidade, que implica em profissionais sintonizados com as diretrizes curriculares, que conheçam as necessidades físicas, psíquicas, afetivas, sociais e motoras das crianças e, portanto, garantam o direito de elas viverem uma infância feliz?


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DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E INDICADORES DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Nas últimas décadas o campo da educação infantil no Brasil tem passado por intenso processo de revisão de suas concepções e práticas, alimentando um debate permanente sobre a qualidade da educação que está sendo oferecida às crianças pequenas por estabelecimentos educacionais públicos e privados. Essa discussão se pauta na certeza de que o direito à educação infantil não se traduz apenas na garantia do acesso ao serviço, mas principalmente, em oferecer uma educação infantil que promova, de fato, o desenvolvimento integral de nossas crianças. Buscando consolidar no país a política nacional de Educação Infantil, o Ministério da Educação (MEC), através da Resolução nº 5 de 17 de dezembro de 2009, fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais com objetivo de normatizar e orientar a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas na Educação Infantil. Segundo essas diretrizes, as propostas pedagógicas das instituições de educação infantil devem observar princípios éticos, políticos e estéticos, além de garantir uma função sociopolítica e pedagógica. É preciso, também, que ofereça à criança, “acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças.” Desse modo, as propostas pedagógicas das instituições de educação Infantil devem prever questões fundamentais como condições para o trabalho coletivo e para organização de materiais, espaços e tempos necessários ao desenvolvimento da criança. As diretrizes curriculares nacionais também destacam a importância da indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança, chamando atenção para a relevância da participação, do diálogo e da escuta cotidiana das famílias, além do respeito e valorização de suas formas de organização. Recomenda, ainda, que as propostas pedagógicas observem os direitos das crianças com deficiência, em termos de acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções, bem como de crianças afrodescendentes, indígenas, asiáticos, europeus e de outros países em termos da apropriação de suas contribuições histórico-culturais, de suas crenças, valores, identidade étnica e a proteção dessas crianças quanto à discriminação e o preconceito. O documento também expressa uma atenção especial às crianças do campo, filhas de agricultores, de extrativistas, de assentados e de pescadores ou de populações ribeirinhas, recomendando que as propostas pedagógicas observem suas condições próprias de vida, em termos da valorização dos seus saberes e crenças, recomendando também a flexibilização do calendário, das rotinas e atividades, quando necessário. Ao tratar do currículo, alguns eixos norteadores foram destacados por essas Diretrizes Curriculares Nacionais como as interações e as brincadeiras, além da garantia de experiências que levem à criança ao “conhecimento de si mesmo e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão

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da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança.” O documento defende ainda que essas experiências devem “favorecer a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical”. Além desses pontos, outros foram considerados importantes para a criança, a exemplo da necessidade de ampliação do aprendizado, da autoconfiança, da curiosidade e estímulo à convivência saudável com outras crianças. Os processos avaliativos também foram pontuados no documento como um item que merece atenção especial por parte das instituições de Educação Infantil, para que assim possam garantir padrões de qualidade nos serviços que oferecem. Segundo as diretrizes curriculares nacionais essas instituições devem criar procedimentos que garantam a “observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano”, fazendo uso de múltiplos registros (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns, etc.)

O documento das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil poderá ser obtido, na sua integralidade através do site do MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task

Visando a orientar as creches e pré-escolas nesse processo de autoavaliação, o MEC elaborou outro documento, fixando Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil e, com base nele, grupos de trabalho de todo o país, colaboraram na elaboração do documento Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. De forma participativa, os grupos discutiram as questões e chegaram a um consenso indicando sete dimensões consideradas fundamentais para se medir a qualidade da educação infantil oferecida pelas creches e pré-escolas. O processo de avaliação deve destacar as seguintes dimensões fundamentais: Planejamento institucional Multiplicidade de experiências e linguagens Interações Promoção da saúde Espaços, materiais e mobiliários Formação e condições de trabalho das professoras e demais profissionais Cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social. O documento dos indicadores de qualidade na educação infantil sugere também uma metodologia de avaliação participativa, em que as instituições devem promover o envolvimento de diversos segmentos da comunidade escolar, incluindo pais, professores, funcionários, conselheiros tutelares, conselheiros da educação e outras pessoas da comunidade no processo, para que juntos possam contribuir na discussão dos problemas em relação aos indicadores de qualidade e no encaminhamento da proposta de melhoria das condições da oferta e do funcionamento das instituições.


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Foi ressaltado que os representantes dos diferentes grupos da comunidade escolar devem proceder à avaliação observando essas dimensões que, por sua vez, desdobram-se em questões específicas a elas agrupadas. Para que o processo de avaliação seja exitoso, o documento recomenda que estes atores sejam previamente preparados, de modo que possam responder, com a maior fidedignidade possível, ao questionário que apura as condições reais apresentadas pela instituição em cada dimensão. É recomendado ainda que cada grupo disponha de um coordenador e um relator, que devem atuar como facilitadores do processo de diagnóstico, que dará origem a um quadro síntese. O passo seguinte refere-se à apresentação desse quadro síntese em reunião plenária, onde a comunidade escolar poderá ter um retrato dos seus pontos fortes e fracos, sendo sugerido que a instituição atribua cor verde, para indicar o que já melhorou ou está melhorando; a cor amarela, para o que ainda precisa de cuidado e atenção; e cor vermelha para aqueles indicadores que demonstram gravidade e exigem providência imediata. As prioridades identificadas na plenária devem ser discutidas, passando a servir de base para um plano de ação, elaborado por uma comissão representativa de todos os segmentos da comunidade. Essas comissões devem estudar os problemas e definir o que precisa ser feito, identificando as pessoas responsáveis pelas atividades e o tempo e os meios necessários para sua execução. Outra etapa igualmente importante refere-se ao monitoramento da execução do plano, momento em que toda a comunidade deve avaliar se as ações planejadas estão solucionando os problemas detectados. Recomenda-se que o instrumento de avaliação seja utilizado a cada um a dois anos. Esse processo, quando incorporado ao cotidiano das instituições, pode ajudá-las a fazerem as mudanças necessárias nas suas concepções e práticas e assim assegurar uma educação infantil de qualidade a todas as nossas crianças.

O documento dos Indicadores de Qualidade na Educação Infantil poderá ser obtido, na sua integralidade através do site do MEC: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/indic_qualit_educ_infantil.pdf ou no site da Rede Nacional de Primeira Infância: www.primeirainfancia.org.br

Texto elaborado por Judite Amélia Lago Dultra, consultora da Avante no Projeto Tece e Acontece, com base nos documentos “Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil” e Indicadores de Qualidade para Educação Infantil”, editados pelo Ministério da Educação e Cultura( MEC).

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A IMPORTÂNCIA DO OUVIR E DO ESCUTAR FAMÍLIAS José Carlos Dantas Meirelles

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O objetivo das breves considerações que se seguem é chamar a atenção para a importância do ouvir e do escutar no trabalho com famílias. Afinal, se desejamos nos aproximar delas para compreender melhor suas necessidades e problemas e contribuir para o exercício consciente e adequado de suas competências em relação à educação, proteção e cuidado de suas crianças e adolescentes, antes de tudo precisamos escutá-las. Em algumas situações – por exemplo, no exercício de nosso papel em defesa da prevenção e eliminação do trabalho infantil – essa escuta é fundamental. Precisamos escutá-las atenta e respeitosamente para, então, tentar sensibilizá-las e esclarecê-las sobre os males do trabalho da criança e do que representa em termos de prejuízos para o seu desenvolvimento. Da mesma forma, as prescrições, regras e condicionalidades que precisam ser informadas só serão efetivamente escutadas e compreendidas pelas famílias se, antes de fazê-lo, tivermos tido o cuidado de dedicar um momento do nosso tempo e atenção para conhecer um pouco mais da sua situação, suas preocupações, seus planos. Aliás, ultimamente muito se tem falado da necessidade de reaprendermos a ouvir e a escutar. Mas é o caso de perguntarmos: quem, dentre nós, algum dia, foi educado ou treinado para ouvir ou escutar? Embora o ouvir obviamente preceda – e, até, condicione – o falar, sabe-se que desde muito cedo em nossas vidas somos ensinados e aprendemos a respeito da importância do falar, não do ouvir ou escutar. Na família, na escola, nos mais variados ambientes sociais, sobretudo entre nós, latinos, somos frequentemente avaliados pela maneira como nos expressamos oralmente. Lembra um estudioso do assunto: “papais, mamães, dindos e avós babam com nossas primeiras palavrinhas”. (www.casaconhecimento.com.br). Realmente, cultuamos o ato de falar. Adultos, fazemos cursos de oratória, de como falar em público, de dicção, impostação de voz, técnicas de emissão e expressão etc. Esquecidos, muitas vezes, da noção, elementar, de que “comunicação é uma rua de duas mãos”, mão e contramão, tendemos a negligenciar uma dessas vias – a busca e a recepção de informações. E só queremos passar informações adiante, levá-las, transmiti-las a outras pessoas. A respeito do assunto, especialistas em comunicação advertem ainda sobre a distinção que precisa ser feita entre o ouvir e o escutar. Para ouvir, dizem, basta ter ouvidos. É ação biológica, orgânica. Escutar, porém, é ato intelectual; exige atitude adequada, respeito, disposição real de ouvir, atenção, registro, análise, interpretação. E consciência. Ouvir ou escutar? A escolha faz grande diferença, diz-se. Já dizia, há muito tempo, o poeta – Fernando Pessoa, sob um de seus heterônimos, o de Alberto Caeiro – “Não é bastante ter ouvidos, para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. (www.e-zen.com.br)

1 José Carlos Dantas Meirelles foi sócio fundador e integrava a equipe técnica da Avante – Educação e Mobilização Social. Professor fundador da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia – UFBA, com vasta experiência como gestor de organizações públicas e consultor na área da administração pública e privada.


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Embora todos nós estejamos exigindo sempre a atenção dos nossos ouvintes, nem sempre a contrapartida é verdadeira. Decidido a enfrentar uma missão que, ele próprio, considerou desafiadora, a atual e crescente falta de tempo, e de disposição, das pessoas para, efetivamente, escutarem as outras, um especialista em Psicologia da Família, Dalton Barros de Almeida, criou e mantém em Belo Horizonte o que denominou “Oficinas de Escutadores”. (www.ccj.org.br) Vale a pena sumariar, em algumas palavras, os fundamentos e as proposições desse valoroso psicólogo da família. Em primeiro lugar, registra ele, a tendência que temos para o tempo todo estar ouvindo e poucas vezes escutando. Na escuta, ressalta, importa mais a pessoa escutada do que quaisquer problemas. Toda escuta tem um fundamento comum: permitir ao outro tornar-se sujeito. É imprescindível acolher a outra pessoa. A acolhida já é uma maneira, suave, de escuta. Durante a escuta, façamos um esforço para refrear nossos preconceitos, opiniões prévias, argumentos, nossos esquemas de autoridade e poder, que acabam degenerando em autoritarismo. Lembremo-nos de que, na própria família, há pessoas, especialmente os jovens e os adolescentes queixando-se de que não são escutados. Ao aprendermos a fazer silêncio e a escutar, apostemos na força e no dinamismo das outras pessoas, como sujeitos de suas escolhas e de suas soluções. Finalmente, ao darmos aos outros nossa escuta, o façamos de forma tal que essas pessoas que nos confiam pedaços, difíceis de suas vidas, se expressem, se situem, em suma, descubram onde desejam, de fato, chegar e possam escolher como fazê-lo.

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PROJETOS DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (2)1

O cuidado com a infância como atribuição e dever do Estado tem história recente no Brasil e vem ganhando força no cenário político, nos espaços acadêmicos e nos movimentos sociais. Percebe-se também que, à medida que o tema Infância ganha força no debate social, diferentes grupos e um número cada vez maior de pessoas passam a compreender o verdadeiro significado da expressão “criança sujeito de direitos”. Em razão disso, diversas instâncias sociais tem se mobilizado para pensar, propor, articular e implementar ações voltadas para a infância, , no movimento de promover e garantir seus direitos, inclusive a uma educação infantil de qualidade, respeitando as especificidades dessa etapa da vida e sua diversidade. A seguir são apresentados alguns projetos e programas governamentais e não governamentais que revelam o crescente interesse e mobilização social por uma infância mais bem acolhida pela sociedade e, consequentemente com mais chances de ser feliz.

Programa Pró-Infância Governo Federal O Pró-Infância é um Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil, criado pela Resolução nº 6, de 24 de abril de 2007, como parte das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Governo Federal. O programa objetiva prestar assistência financeira suplementar a projetos de construção, ampliação, reforma, pequenos reparos e equipamentos para creches e pré-escolas públicas da educação infantil. Além disso, o programa debruça-se na promoção da correção progressiva das disparidades de acesso e de garantia do padrão mínimo de qualidade de ensino, na melhoria da infra-estrutura da rede física escolar de educação infantil e na reestruturação e aparelhamento da rede física escolar infantil para ajustá-la às condições ideais de ensino e aprendizagem. O programa beneficia o Distrito Federal e os municípios definidos como prioritários no Manual de Assistência Financeira do FNDE-2007 (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Para tanto, os municípios devem enviar uma solicitação ao referido FNDE, sob a forma de plano de trabalho, com os projetos de infra-estrutura padrão das redes públicas escolares e de equipamento e mobiliário das unidades educacionais a serem beneficiadas. O plano deve observar os parâmetros básicos de infra-estrutura para instituições de educação infantil e, no caso de construção, concordar em adotar o projeto executivo disponibilizado pelo FNDE. Informações retiradas do site portal.mec.gov.br

1 Este texto é complementar ao de mesma denominação apresentado no Módulo 2 – Primeira Infância: direitos e estratégias de defesa em busca de sua garantia, da 2a oficina com conselheiros do Tece e Acontece (nota de rodapé)


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Rede Nacional Primeira Infância Avante - Educação e Mobilização Social (Secretaria Executiva 2011-2013) A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) – formada por um conjunto de organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de outras redes e de organizações multi-laterais que atuam na promoção e defesa dos direitos da primeira infância – tem como objetivo influenciar políticas públicas que assegurem os direitos das crianças no Brasil. A RNPI tem suas origens no ano de 2007 e, durante esses quatro anos de existência, tem se organizado de forma propositiva no sentido de fomentar, promover e articular políticas públicas e ações sociais em prol de uma primeira infância de maior qualidade no país. Como exemplo, podemos destacar a elaboração do Plano Nacional pela Primeira Infância, já aprovado pelo CONANDA com indicação de integrar-se ao Plano Decenal do Governo. Além do Plano Nacional, a RNPI também busca a elaboração dos Planos Municipais; a articulação de Redes Estaduais; a identificação e/ou implementação de um orçamento nacional para a primeira infância; dentre outras ações. Outro relevante aspecto do trabalho desenvolvido pela RNPI é o de escuta das próprias crianças no que tange a seus direitos. A escuta, registro e veiculação das questões levantadas pelas crianças de 0 a 6 anos acerca de suas necessidades, seus direitos e suas experiências, são fundamentais para a legitimidade das propostas da Rede no que diz respeito à garantia de direitos para a primeira infância. Um bom exemplo é o livro O que a criança não pode ficar sem, por ela mesma. A Rede pretende ter um impacto real na vida das crianças, fortalecendo direitos básicos à saúde, à educação, à segurança, à moradia, à cultura, ao convívio familiar, dentre outros. Nos últimos dois anos a RNPI cresceu, e possui, atualmente, 96 instituições afiliadas, entre organizações governamentais, não governamentais e internacionais. Hoje a RNPI tem o desafio de dar ao Plano Nacional uma existência real, transformá-lo em um imaginário convocante para toda a sociedade, apoiando a elaboração e implementação dos Planos Municipais pela Primeira Infância (PMPI), de modo que, em cada município brasileiro, a primeira infância receba os cuidados e a atenção devidos Informações retiradas do site www.primeirainfancia.org.br

Projeto Paralapracá Instituto C&A e Avante – Educação e Mobilização Social O PARALAPRACÁ é um projeto do PROGRAMA EDUCAÇÃO INFANTIL do INSTITUTO C&A, que tem como finalidade contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento às crianças que frequentam instituições de Educação Infantil, através de duas linhas de ação complementares e articuladas: a formação continuada de educadores e o acesso a materiais de qualidade, tanto para as crianças quanto para os educadores. É realizado em parceria com 5 Redes Municipais de Educação no Nordeste, atingindo um público de mais de 18 mil crianças de 0 a 5 anos, mais de 1000 professores e 134 coordenadores pedagógicos, em 125 instituições de Educação Infantil.

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A formação é realizada a partir de seis eixos considerados centrais para o currículo da Educação Infantil, conforme os documentos nacionais, a saber: Brincadeira, Arte, Música, Literatura, Organização do Ambiente e Exploração do Mundo Físico e Social. As instituições parceiras recebem um kit contendo materiais, tanto para os profissionais quanto para as crianças, com vistas a contribuir com a qualidade do acesso a materiais de boa qualidade, sendo esta uma inovação do projeto: aliar uma proposta formativa ao acesso a esses materiais. A formação é realizada junto aos coordenadores pedagógicos, por serem estes considera-dos os profissionais responsáveis pela formação dos professores in loco, o que acontece regularmente, não em uma perspectiva de “repasse” ou multiplicação, mas de apro-priação, de autoria. O paradigma que orienta o processo formativo valoriza as práticas pedagógicas como objeto privilegiado de reflexão, considera os saberes e a cultura locais como componentes fundamentais no currículo, abrange as 3 dimensões - pessoal, profissional e institucional e tem compromisso com autonomia dos profissionais e com a formulação ou fortalecimento das políticas públicas relativas a este segmento.

Projeto Criança Segura ONG Criança Segura O projeto Criança Segura debruça-se sobre a promoção e prevenção de acidentes com crianças e adolescentes de até 14 anos, tendo como meta a redução em 25% do número de mortes por acidentes com esse segmento populacional, até 2015. O projeto está no Brasil desde 2001 e faz parte de uma rede internacional, conhecida como SAFE KIDS Worldwide, que integra 22 países espalhados pelos 5 continentes. Desde o início de suas atividades nos Estados Unidos, o índice de mortes provenientes de acidentes com crianças apresentou uma queda considerável de 45%. A SAFE KIDS tem um importante papel neste cenário por meio, principalmente, de sua grande atuação junto à comunidade, com programas de prevenção, com estratégia de comunicação e intenso trabalho realizado junto aos governos, entre outros grandes esforços. O projeto tem como norte o respeito ao desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, a igualdade social do direito à prevenção, respeito à diversidade sócio-cultural e à valorização da vida. Informações retiradas do site http://criancasegura.org.br/

Projeto Criança e Consumo Instituto Alana O Projeto Criança e Consumo foi criado em 2006 para desenvolver atividades relacionadas ao consumo infantil e a hábitos não saudáveis de crianças e adolescentes. O trabalho consiste em um esforço para conscientizar a sociedade brasileira sobre o assunto, com especial atenção ao debate sobre os impactos da mídia e do marketing no desenvolvimento infantil. Neste sentido, o


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projeto envolve-se na regulação da comunicação mercadológica e da publicidade dirigida ao público infantil. O Criança e Consumo trabalha em duas áreas, de forma interdisciplinar: Jurídico e Advocacy, onde a equipe analisa queixas de abusos, elabora notificações e representações e acompanha as discussões do Poder Público voltadas a elaboração de políticas de proteção aos direitos da criança no que tange ao consumo. Trabalha também com educação e pesquisa, uma vez que é um centro de referência científico-cultural sobre o consumismo, além de produzir e distribuir material de apoio pedagógico para pais, educadores e pesquisadores. Realiza também eventos, no quais são elaboradas campanhas audiovisuais de conscien-tização e documentários sobre questões ligadas a infância e ao consumo.

Rede não bata, eduque Fundação Xuxa Meneghel (Secretaria Executiva) A Campanha Não Bata, Eduque é uma iniciativa da Rede Não Bata, Eduque e tem como objetivo desenvolver ações de mobilização social, através da promoção de reflexão crítica e discussão sobre o uso dos castigos físicos e humilhantes. Sua ação se dá através da conscientização da sociedade sobre o direito das crianças terem sua dignidade e integridade física respeitadas, com uma educação livre de violência e baseada em estratégias disciplinares positivas. Para atingir este objetivo a Campanha trabalha com um enfoque positivo e não culpabilizador dos pais, ou seja, reconhece que a educação dos filhos é uma tarefa difícil e complexa, para a qual propõe formas educativas que não utilizam a violência física e psicológica e que promovem o desenvolvimento físico, emocional e social das crianças de forma saudável e participativa. Atualmente, mais de 200 membros entre pessoas físicas e jurídicas integram a Rede, além de um grupo gestor, responsável pela coordenação, desenvolvimento e implementação das estratégias de ação do grupo. Informações retiradas dos site http://www.naobataeduque.org.br/

Rede Cegonha Governo Federal A Rede Cegonha é o programa do governo federal que visa garantir a organização de uma rede de cuidados materno-infantil. O objetivo é que a mulher passe a contar com assistência integral à saúde desde a confirmação da gravidez até o segundo ano de vida do filho e com a oportunidade de ser acompanhada por familiares. Para tanto, o governo federal coordena ações estratégicas de saúde cujo objetivo é qualificar, até 2014, toda a rede de assistência obstétrica – com foco na gravidez, no parto e pós-parto – como também no cuidado às crianças, até o segundo ano de vida. As ações têm como mote “Garantia de Vaga Sempre”, tanto para as gestantes como para os recém-nascidos, devendo ser esta efetivada pelos estados e municípios – na lógica da descentralização do SUS. O programa abrange as cidades do Plano Brasil sem Miséria, tendo suas ações direcionadas a regiões com maior relevância epidemiológica e maior carência por serviços de assistência à mulher e à criança como é o caso da Amazônia Legal e da

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Região Nordeste. Abrange também regiões com grande concentração população e locais em que já se desenvolvem experiências de sucesso no atendimento humanizado e seguro a mulheres e crianças. Informações retiradas do site http://portal.saude.gov.br/PORTAL/SAUDE/GESTOR/AREA.CFM?ID_AREA=1816

Estratégia brasileirinhas e brasileirinhos saudáveis: Primeiros passos para o Desenvolvimento Nacional. A Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis – Primeiros Passos para o Desenvolvimento Nacional objetiva garantir, a todos os brasileiros, qualidade de vida desde os seus primórdios, estimulando suas competências e habilidades físicas, emocionais, cognitivas e sociais. A perspectiva do governo é implementar ações que visem o crescimento e o desenvolvimento integral da criança, com novas ofertas de cuidado aliadas às tradicionais dirigidas a mulheres e crianças. Entre os desafios estão a garantia de vida da mulher e do bebê e a diminuição da taxa de mortalidade, o que envolve atenção ao pré-natal, ao parto e ao aleitamento materno, bem como a garantia de atenção aos bebês que nascem ou adquirem deficiências. Enquadram-se também como intervenções dessa estratégia a ampliação das ações de promoção da saúde, construção de consciência sanitária ou assistência, visando à diminuição das vulnerabilidades da mulher e do bebê à violência nesta etapa. Isso engloba o planejamento familiar, a atenção ao uso de substâncias psicoativas (álcool, tabaco e outras drogas), a capacitação da família e de equipes de referência no manejo de situações desse momento da vida como a depressão puerperal. Informações retiradas do site http://www.estrategiabrasileirinhos.com.br

Plano Brasil Protege suas crianças e adolescentes Governo Federal – Secretaria de Direitos Humanos A Estratégia de Ação Brasil Protege suas crianças e adolescentes visa criar uma rede de proteção contra a violência física, sexual e psicológica sofrida por crianças e adolescentes. Entre as ações, o plano pretende: padronizar a notificação da violência por profissionais da educação, assistência social e saúde, passando as unidades a ter uma ficha única, destinada a unidade de saúde que atenderá a criança vítima de violência, que será encaminhada para o Conselho Tutelar assinar um pacto com o Poder Judiciário, com o objetivo de agilizar os processos de adoção, bem como a construção de abrigos que estejam dentro dos critérios de qualidade sinalizados pelo SINASE (Sistema Nacional Sócio-educativo)


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Fazem parte do Plano três eixos temáticos principais, sendo eles: Convivência familiar e comunitária Enfrentamento a violência Ações sócio-educativas voltadas para adolescentes que entram em conflito com a lei. As ações serão voltadas para 500 cidades brasileiras que concentram 70% das ocorrências registradas no disque 100, central que recebe ligações de denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Informações retiradas dos sites: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/noticias-de-governo/plano-brasil-protege-vaidefender-direitos-de-criancas-e-adolescentes http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/53949-dilma-anuncia-plano-de-protecaopara-a-infancia.shtml

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ESTUDO DE CASO Andrea Luz

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Considerando tudo o que foi visto, discutido e construído nas três oficinas do Tece e Acontece referente à Papel e atribuições dos Conselhos; a Primeira Infância: direitos e estratégias de defesa para sua garantia; e a Educação Infantil como direito: acesso, qualidade e participação da família, leia e analise o caso Jorginho junto com seu grupo de colegas e responda ao que lhe é solicitado no último parágrafo.

“Jorginho é um menino de 5 anos, filho de Dona Marta e Sr. João. Ele mora em uma casa de apenas dois cômodos com seus pais e mais três irmãos. Jorginho tem crises de epilepsia, mas sua família nunca o levou no médico. Ele já teve algumas crises na rua e uma vez quase bate a cabeça no meio fio de uma avenida próxima à sua casa. O agente de saúde comunitária já conversou com Dona Marta, mas ela é muito resistente a levar o filho ao médico, pois acha que o que Jorginho tem é de ordem espiritual e não de saúde. O barraco onde mora sua família não tem água encanada, o chão é de piso batido e convivem juntos, sem maiores cuidados, adultos, crianças, um gatinho e dois cachorros que a família cria. O esgoto é de céu aberto e ao lado da casa fica um terreno onde toda comunidade deposita o lixo. Todas as quatro crianças sofrem de escabiose. Seu João é usuário de crack e não trabalha há cinco anos. De vez em quando faz alguns biscates, mas acaba gastando o que recebe com o vício. Os vizinhos suspeitam que ele abuse sexualmente da filha mais velha de 8 anos, Ritinha, que ainda não sabe ler apesar de estar no 2º ano. Ela falta muito à escola. Além disso, muitas vezes, Seu João é violento e costuma bater na sua mulher e filhos quando chega bêbado em casa. Ele vive esmolando no bairro de classe alta, vizinho à comunidade em que vivem. Ele costuma colocar os filhos numa carroça e sair pedindo papelão, latinha e coisas que as pessoas querem doar neste bairro nobre. Para sustentar a família, Dona Marta faz faxina de vez em quando e vive da ajuda de alguns vizinhos e da ajuda extra que recebe dos patrões. Tiago, irmão mais velho de Jorginho tem 10 anos e fica guardando carro até a madrugada. Trabalha também como “aviãozinho” para o tráfico de drogas que é muito intenso onde a família vive. Os vizinhos já alertaram Dona Marta, mas ela não acredita e não faz nada para que o filho não chegue tão tarde em casa. Tiago todo ano se matricula, mas evade da escola. Dona Marta é hipertensa e diabética e não vai ao médico. Quando está muito nervosa acaba espancando os filhos, em especial Ritinha e Jorginho que estão sempre brigando. O outro irmão de Jorginho tem 4 anos.”

Em razão desta realidade, o caso de Jorginho foi denunciado ao Conselho Tutelar que, diante da complexidade da situação, convocou os conselhos municipais das áreas de atendimento e defesa da criança para pensarem possíveis intervenções que deverão/poderão ser feitas junto a essa família. Pergunta-se então: o que você e seus colegas fariam caso atuassem nesses conselhos? 1 Andrea Luz é psicóloga, consultora da Avante no Projeto Tece e Acontece e integrante da Linha de Formação para o Trabalho


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SITES INTERESSANTES

www. primeirainfancia.org.br www.avante.org.br http://rodagiganteinfancia.wordpress.com/ http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task www.direitoshumanos.gov.br/conselho/conanda www.unicef.org.br www.andi.org.br www.bvsms.saude.gov.br/bvs/palestras/humanizacao/brasileirinhos www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_Criancas_e_Adolescentes.pdf www.direitosdacrianca.org.br www.aliancapelainfancia.org.br http://acrediteba.org.br/portal/ www.naobataeduque.org.br/site/home/index.php www.espacoimaginario.com www.vivainfancia.org.br www.nepsid.com www.equidadeparaainfancia.org www.promenino.org.br www.brinquedoteca.org.br www.abebe.org.br www.agere.org.br http://w3.ufsm.br/anuufei/ www.aldeiasinfantis.org.br www.campanhaeducacao.org.br www.casadaarvore.org.br www.cbaonline.org.br www.criancasdabahia.blogspot.com www.criancasdabahia.blogspot.com www.ceiias.org.br/page/index.asp www.criancasegura.org.br www.entrelacos.org.br/

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PLANEJAR É FAZER PLANOS? José Carlos Dantas Meirelles1

A pergunta em epígrafe costuma ser feita sempre que se deseja salientar o verdadeiro significado daquela que todos consideram --embora nem todos a pratiquem – uma das mais importantes e básicas funções da administração – PLANEJAR. E, nesse caso, a resposta a essa pergunta é sempre negativa. Não, planejar não é fazer planos. Por quê? Em primeiro lugar, porque nem sempre os planos resultam de um verdadeiro processo de planejamento. Muitas vezes são simples documentos, construídos para benefício apenas dos seus elaboradores. Isto é, para serem exibidos, postos em estantes ou prateleiras ou, simplesmente, engavetados. Por isso, com toda a razão, diz-se: o importante não é fazer planos; o importante é planejar. Vale lembrar aqui uma antiga definição operacional do planejamento que, em poucas palavras, deixa muito claro o que se está querendo dizer com essas afirmações. Planejar é, em termos bem simples, pensar antes de agir. Em outras palavras, o processo do planejamento é igual ao processo do pensamento. Ele inclui – não pode deixar de incluir – pelo menos as seguintes etapas: 1. pesquisa ou busca de informações (percepção); 2. documentação ou registro das informações (memória); 3. análise das informações ou diagnósticos (raciocínio) e 4. tomada de um conjunto de decisões sobre: o que fazer (objetivos), quanto fazer (metas ou objetivos quantitativos), como fazer (diretrizes, políticas), quando fazer ou distribuição das atividades no tempo (cronograma), quais recursos (orçamento) etc. Porque, especialmente no setor público, o que fazer, ou sejam, as necessidades a serem atendidas são, sempre, ilimitadas e os recursos para atendê-las sempre escassos, é imprescindível eleger prioridades. Só o planejamento, realizado com observância cuidadosa de todas as suas etapas, pode conduzir à consecução plena da racionalidade possível e desejável. A formulação e definição de políticas públicas, por exemplo, constituem oportunidades e momentos importantes de uma dessas etapas. É evidente que em um Estado democrático essa definição não se faz – ou não se deve fazer – sem um processo político, sem um jogo de forças, sem a participação ativa de grupos, sociais, econômicos e outros. A política pública daí resultante deve ser muito mais do que um simples conjunto de normas e procedimentos administrativos e burocráticos. Deve ser a expressão e o compromisso com a garantia de determinados direitos sociais.

1 José Carlos Dantas Meirelles foi sócio fundador e integrava a equipe técnica da Avante – Educação e Mobilização Social. Professor fundador da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia – UFBA, com vasta experiência como gestor de organizações públicas e consultor na área da administração pública e privada.


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PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAA)

O PAA – Plano de Ações Articuladas é um documento que foi concebido com o propósito de direcionar as ações municipais, voltadas à implementação dos direitos à primeira infância, destacadamente no campo da educação infantil, elaboradas e implementadas coletivamente pelos conselhos integrantes do processo de formação do Tece e Acontece, quais sejam: Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal de Ação Social, Conselho Municipal de Saúde, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar. Dessa forma, as propostas apresentadas no plano devem indicar ações e/ou buscar potencializar as que já são desenvolvidas pelos órgãos de promoção e defesa de direitos, com vistas a integrar atividades, otimizar recursos e colaborar para a superação da visão predominante sobre sua práxis como um fenômeno isolado, buscando, assim, compreendê-la como uma prática intersetorial. Convém salientar que, mais do que um documento, mais do que um rol de intenções ou um conjunto de metas, o PAA se configura como um vetor que orientará a atuação dos conselhos municipais para o atendimento às reais demandas dos municípios para a primeira infância. Ele poderá se compor de ações de curto, médio e longo prazo que, construídas organicamente pelos conselheiros municipais, terão tomado como ponto de partida o diagnóstico da situação e do atendimento à criança de 0 a 6 anos pelos serviços públicos muncipais. Neste sentido, a metodologia que orienta o PAA buscou a plena participação dos representantes dos conselhos na análise de sua própria realidade, com o intuito de promover estratégias integradas que garantam a materialidade dos direitos à primeira infância, uma vez que, embora prescritos em vários documentos, são, com frequência, violados.

Para tanto, faz-se necessário estabelecer: Qual a missão dos conselhos nesse plano de ação articulada e intersetorial? Quais são os objetivos desse plano? Quais são as metas? Quais são as ações previstas? Quais são os parceiros esperados? Quem são os responsáveis por cada ação elencada? Quais são os resultados almejados (a curto, médio e longo prazo)?

Como forma de padronizar o registro do Plano para que ele possa ser mais bem acompanhado e também analisado comparativamente foi elaborada a matriz lógica a seguir apresentada. Esperase que os conselhos de cada município a utilizem como base para o planejamento e a organização de sua atuação articulada.

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Município : Missão/competências dos conselhos no Plano de Ação Articulada :

Objetivos do Plano de Ação (METAS) : 1. 2. 3. Matriz Lógica do Plano de Ação Articulado

META 2

META 1

Ações Atividades

META 3

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Parceiros para a realização das atividades

Resultados esperados

Responsáveis

Prazos



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