Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gĂŞnero. REPORT DE PESQUISA QUALITATIVA Novembro de 2016
Um projeto:
Pesquisa Quantitativa:
Viabilizador:
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A ONU Mulheres e o portal PapodeHomem, com viabilização do Grupo Boticário, realizaram uma pesquisa nacional - desenvolvida pela Questto|Nó Research em parceria com a Zomma e a consultoria de gênero de Gustavo Venturi – cujo objetivo é entender como os homens podem participar do diálogo pela igualdade de gênero. Este trabalho faz parte da campanha mundial ElesPorElas, lançada pela ONU Mulheres em 2014 por meio de um vídeo de grande popularidade protagonizado pela atriz Emma Watson. A ONU Mulheres é a nova liderança global em prol de mulheres e meninas. A sua criação, em 2010, foi aplaudida no mundo todo e proporciona a oportunidade histórica de um rápido progresso para as mulheres e as sociedades. Na visão da ONU Mulheres, as mulheres e meninas de todos os países têm o direito a uma vida livre de discriminação, violência e pobreza e a igualdade de gênero é um requisito central para se alcançar o desenvolvimento. A ElesPorElas é uma campanha para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, cujo objetivo é engajar homens e meninos para novas relações de gênero, sem atitudes e comportamentos machistas.
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Este estudo tem o objetivo de criar um material que aproxime homens e mulheres da discussão sobre equidade de gêneros. Para tal, foi adotada uma linguagem mais acessível na forma de dissertação sobre os principais conceitos do tema, conceitos que, em sua maioria, envolvem um vocabulário acadêmico e intricado para o público geral. Na etapa inicial, uma pesquisa bibliográfica foi realizada com o intuito de alcançar uma visão holística e abrangente sobre o universo estudado, além disso uma pesquisa qualitativa ouviu por meio de entrevistas em profundidade estudiosos e a outros profissionais relacionados ao tema, bem como mais de 150 pessoas abordadas nas ruas de três capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro e Recife). Em um segundo momento, foi realizada e ntre os meses de fevereiro e abril de 2016 u ma extensa pesquisa quantitativa online, com mais de 20.800 respondentes de todos os estados do país. Tal estudo contou com a participação proporcional de mulheres e homens, considerando-se tanto o sexo biológico como o gênero. Ainda em relação à pesquisa quantitativa, aqueles e aquelas que responderam ao questionário têm idade média de 28 anos (foram ouvidas pessoas com idade entre 16 e 60 anos). Além disso, pouco mais da metade é solteira, enquanto um em cada quatro é casado/casada ou mora com sua parceira ou parceiro. Já a escolaridade mostrou-se acima da média nacional: cerca de uma em cada duas pessoas possuem curso superior completo ou em andamento, e quase três a cada dez, algum tipo de pós-graduação. Ao longo do trabalho, a equipe de realização da pesquisa e do relatório contou com a consultoria e o suporte de Gustavo Venturi, professor de sociologia da Universidade de São Paulo, pesquisador da questão de gênero e outros marcadores sociais da diferença, coordenador da pesquisa e organizador do livro "Mulheres e Gênero nos Espaços Público e Privado" (Ed. Sesc/FPA, 2013). Fica aqui um profundo agradecimento por sua dedicação e ensinamentos.
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Vivemos em uma cultura e sociedade com valores que seguem construindo contextos de desigualdades, sejam elas econômicas, raciais e de gênero, entre outras. Este material parte dos argumentos de que a cultura brasileira contemporânea é uma cultura machista. Nosso objetivo é mostrar como o machismo surge, quais as suas consequências para homens e mulheres e possíveis caminhos para a construção de outras narrativas sobre os papéis de gênero em nossa sociedade.
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ÍNDICE
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Desigualdade de gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 15 O patriarcado e suas construções simbólicas.
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Os estereótipos de gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 Homem e mulher em suas piores faces: a armadura do herói e o vestido de princesa
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Desconstrução de papéis.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 47 A caminhada das mulheres e a desvalorização do capital viril
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Caminhos de desconstrução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Conscientização e outras narrativas
INTRODUÇÃO 1.Os estereótipos de gênero masculinos e femininos A experiência de masculinidade ou feminilidade varia para cada pessoa ao longo de sua vida, no entanto existem crenças fundamentais do sobre o que é ser homem e mulher que atingem a sociedade como um todo e formatam a narrativa da nossa cultura. Este conteúdo pretende abordar a construção e desconstrução dessas crenças assumidas como verdade, sobretudo o masculino em sua rede de dominação e privilégio em relação a outros homens e às mulheres. Não está proposto aqui um aprofundamento referente às diferentes orientações sexuais de homens e mulheres nem à questão da população transgênera, suas lutas e desafios específicos na sociedade. O estudo se concentra na premissa da percepção de que as características atribuídas ao masculino são vistas como superiores àquelas associadas ao feminino e busca apontar caminhos inspiradores para possíveis desconstruções.
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2.Diferenças biológicas e o viés da cultura Homens e mulheres são diferentes. Têm hormônios, órgãos sexuais e atributos biológicos distintos – as mulheres podem gestar filhos, os homens não. Os homens produzem mais testosterona e, em geral, são fisicamente mais fortes que as mulheres. A composição biológica é relevante. Contudo, a biologia é atravessada pela cultura. A narrativa cultural vigente se utiliza, muitas vezes, de diferenças biológicas para justificar expectativas de comportamentos e atribuir uma aparente naturalidade a eles, visando estabelecer ou manter a ordem desejada. Existem diversas visões quem apontam o que é instinto, o que é uma construção histórica, onde termina um e começa o outro, mas os limites ainda não estão estabelecidos nem constituem uma unanimidade. Este trabalho reconhece tal questão e por isso busca se concentrar nos aspectos mais contundentes da cultura em suas consequências para mulheres e homens.
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capítulo 01 Desigualdade de gênero O patriarcado e suas construções simbólicas
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A sociedade vive sob um sistema de regras de comportamento e valores. Pode parecer natural, pois estamos acostumados a ele, mas esse conjunto de condutas é construído e reforçado ao longo do tempo pelas diversas instituições sociais - Estado, religião, mídia, família, empresas, entre outros.
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O sistema vigente há aproximadamente cinco mil anos é o chamado:
PATRIARCADO
Homens desempenham os papéis de liderança, são a autoridade moral e possuem uma série de privilégios sociais: todas as relações refletem o poder e o domínio masculinos.
A origem do patriarcado remonta à época da passagem do nomadismo para o sedentarismo, possível a partir do domínio da domesticação de animais e da agricultura. Destas, surge a noção de propriedade da terra, primeiro, coletiva, depois privada. Com essas mudanças, começa a surgir uma geração excedente de recursos, que geralmente fica de posse dos homens. Isso teria levado à passagem de sociedades matrilineares – em que prevalecia o direito e a descendência maternos – para sociedades em que passa a prevalecer a descendência paterna e o direito dos pais sobre os filhos (patrilineares). Institui-se a família patriarcal, centrada no homem mais velho, cujo poder lhe dá direito de vida e morte sobre a esposa, filhos e escravos. E, da necessidade de assegurar a paternidade dos filhos para a transmissão de herança, impõe-se a família monogâmica, selando a dominação dos homens sobre as mulheres também no campo da sexualidade. Assim, os valores do patriarcado chegam a nossos dias, trazendo consigo o machismo e a misoginia, que defendem a ideia da supremacia masculina e heterossexual diante do feminino da homossexualidade, bem como reproduzindo desigualdades e discriminações de gênero em todas as esferas sociais.
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PATRIARCADO
Homens buscando exercer poder sobre outros homens: competindo e controlando em
Homens buscando exercer poder sobre as mulheres: estabelecendo o feminino como inferior.
um esforço por supremacia.
Esta é a estrutura cultural sobre a qual a sociedade contemporânea está apoiada. Não é um destino inevitável, mas sim uma rede de acontecimentos e escolhas que formou, estabeleceu e reproduz esse cenário. Uma história que se tornou verdade e que pode ser resumida em uma palavra:
MACHISMO. O machismo é a ideia de que existe um sistema hierárquico de gênero no qual o que é masculino ocupa sempre uma posição superior ao que é feminino. Ou seja, o machismo é a concepção errônea de que os homens são “superiores” às mulheres. O machismo está presente no nosso cotidiano, nas ruas, no trabalho, na mídia, na publicidade e em casa. Basta observar o contexto social e os acontecimentos para perceber suas manifestações, que acarretam desigualdades e atraso no desenvolvimento sócioeconômico. No entanto, muitas vezes o machismo não é identificado enquanto tal ou é classificado como exagero. Aprendemos a conviver com ele, naturalizando-o, e dificilmente questionamos suas expressões.
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Sobre a percepção da existência do machismo:
“Existe machismo no Brasil?”
81% homens
95% mulheres
Concordam que “existe muito machismo”. Além de reconhecer que existe machismo, a grande maioria das pessoas acredita que ele é ruim para homens e mulheres.
“Você diria que o machismo é:”
87% homens
86% mulheres
Acreditam que “o machismo é ruim para os homens e para as mulheres”.
Mesmo reconhecendo a existência do machismo e seu caráter negativo, na prática, poucos homens se assumem machistas:
“Quão machista você se considera, pensando em suas atitudes do dia a dia?”
3%
consideram “bastante machistas”
23%
consideram “nada machistas”
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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E por que isso acontece? Falta repertório Tem gente que não vê o machismo porque o naturaliza e não tem repertório para reconhecê-lo. Para esses, machista, é aquele cara ultra violento e extremamente conservador.
“Eu não sou. Machista é o tiozão bêbado que bate na mulher.”
Falta reconhecimento Tem gente que concorda com a teoria mas não enxerga suas atitudes, não aceita quando comete um deslize. Dois pesos, duas medidas: machistas são os outros.
“Consigo reconhecer um cara machista, mas eu não sou.”
Falta acolhimento Tem gente que sabe que existe o machismo mas acredita que é assim mesmo, “que essa onda do politicamente correto está deixando tudo muito chato…”.
“Machista, eu? Imagina… Foi só uma piadinha, deixa de ser chata…”
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“Há uma grande dificuldade de a pessoa se reconhecer como machista. A primeira reação é: ‘Eu não sou machista, você está falando com a pessoa errada’... As pessoas tem grande dificuldade de reconhecer em si atitudes que elas recriminam. Quem é a pessoa que vai se dizer racista? Homofóbico? Machista? Mas as nossas instituições, a nossa cultura, se reproduzem a partir do modelo machista, homofóbico, sexista e orientados por classes. Portanto, não tem como você, de dentro do buraco, tentar sair. Qual é o grande movimento? Passe a reconhecer, a ter dúvidas, e comece a repensar suas práticas. Você vai perceber, direta ou indiretamente, que em algum momento você assumiu uma prática – até mesmo por defesa, por afirmação de si – que estava baseada em um modelo que você não gostaria.” “Desconfie sim de alguém que diz que tudo mudou, desconfie sim de alguém que acha que os homens e as mulheres já estão em posições de igualdade. (…) Essa ideia de diferenciação do masculino e do feminino não nos ajuda de forma alguma. Ela contribui para a manutenção de determinado modelo de opressão e não garante felicidade a ninguém.” Homem, especialista, Recife
“Uma das formas mais perversas de impedir que a igualdade realmente aconteça é dizer que ela já existe.” Daniela Lima, escritora, em artigo sobre a obra de Simone de Beauvoir
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A maior expressão do machismo é a: física
VIOLÊNCIA emocional
simbólica
Violência de homens contra mulheres, de homens contra outros homens.
A pesquisa quantitativa mostrou, que existe uma enorme discrepância entre homens que afirmam ter cometido violência e mulheres que afirmam ter sofrido violência. Ou seja, embora amplamente percebida pelas mulheres, a violência é pouco reconhecida pelos homens. Pergunta
“Insistir muito para que o sexo aconteça, mesmo quando o parceiro não está nada a fim.” Gênero* masculino
Gênero feminino
Já sofri e cometi esse ato
11%
6,1%
Nem sofri nem cometi esse ato
63,3%
46,2%
Já cometi esse ato
15%
13,7%
Já sofri esse ato
10,7%
34%
*Gênero é um conceito social e se refere aos aspectos culturais e sociais associados ao fato de se pertencer ao sexo masculino ou feminino. As características de gênero podem variar de acordo com a sociedade. Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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Às vezes não se nota a violência. É difícil enxergá-la no cotidiano, mas ela está presente nas mais diversas modalidades de agressão: uma palavra, um preconceito, uma piada, uma ameaça, um apertão, um tapa. O primeiro passo é reconhecer que o machismo existe e que ele NATURALIZA a violência e a desigualdade entre homens e mulheres. “O machismo é nocivo para os homens enquanto efeito, porque as práticas do machismo são violências sobre o outro. Então elas aparentemente resolvem o problema. Qualquer ação machista está sustentada na ideia da ausência de diálogo. Então, em um primeiro momento ela cria certa sensação de vitória, de conquista, de poder, ma s ela é esvaziada porque ela anula o outro.” Homem, especialista, Recife.
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capítulo 02 Os estereótipos de gênero Homem e mulher em suas piores faces: a armadura do herói e o vestido de princesa
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A cultura patriarcal é constituída de estereótipos de gênero que determinam a forma como homens e mulheres devem se comportar na sociedade.
HOMENS
PATRIARCADO
MULHERES
A masculinidade hegemônica Todo menino atravessa um período de aprendizagem sobre o que se espera dele como representante do sexo masculino. A família, a comunidade, a escola, a religião e a mídia ensinam a ele quais comportamentos são masculinos, e ele percorre um longo caminho até tornar-se “homem”. Os homens também são levados a seguir um modelo ocidental, heteronormativo, branco. Neste sentido, homens negros, homossexuais e índígenas são vistos como “de segunda categoria” na nossa sociedade. A obtenção das atribuições consideradas masculinas costuma se caracterizar por um processo violento (físico, emocional e simbólico), sendo a violência uma das raízes que constituem a masculinidade.
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HOMENS A construção da identidade masculina estereotípica pode ser expressa em 9 ensinamentos básicos. 1. Cultura do Herói 9. Provedor
2. Expressão: violência
8. Trabalho
3. Heterossexualidade
7. Sexo 6. Pertencimento ao grupo
5. Capital Viril
4. Restrição emocional
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1.Cultura do Herói Por meio de histórias, vivências e ensinamentos , o menino aprende que o mundo é violento, que existem o bem e o mal, heróis e vilões, ganhadores e perdedores, e que é preciso saber lutar e ser valente para conquistar o que se deseja. A mídia e os meios de comunicação de massa têm um papel estrutural na reprodução e reforço dessas concepções de ideal masculino. A imagem do homem corajoso, forte e viril de um lado e da mulher sexy, delicada e doce, de outro, é comunicada de forma constante e por meio dos estereótipos do “Herói” e da “Princesa”. A identificação com a figura do Herói acontece por dois motivos: 1) O homem vê no Herói a manifestação do ideal masculino: junto com a “perfeição moral” que se deve atingir, o Herói também alcança a “perfeição física”. 2) O herói dos filmes se apresenta como alguém real, que vive conflitos existenciais similares aos que um homem comum pode enfrentar.
2.Expressão: violência Meninos aprendem que homens são fortes e que mulheres são frágeis; que homens não levam desaforo para casa; que não devem apanhar; que devem saber se defender e reagir quando provocados ou ameaçados. A violência masculina é um dever ensinado. A violência pode ser entendida como uma expressão de insegurança masculina ou como uma forma de manutenção e perpetuação do ideal masculino hegemônico. “Os meninos são ensinados. Eles não nascem violentos. Os jogos infantis os colocam na rua, e as meninas ficam com o ‘cuidar’. São formas institucionalizadas de conduta que se reproduzem tanto que viram verdade. E, para você ser homem, tem de ter um posto de poder e exercer violência.” Homem, especialista, Recife
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3.Heterossexualidade Meninos são ensinados que devem sentir atração apenas pelo sexo oposto. Desse modo, a heterossexualidade passa a ser um referencial “obrigatório” para o homem. Qualquer indivíduo que fuja da regra heterossexual pode ser tratado com descaso, desprezo, humilhação e até violência física. A violência também pode se manifestar como um sentimento negativo contra si mesmo em razão de sua orientação fora da “norma sexual”. “É difícil ser um homem hetero que tem amigos gays e que não se preocupa em ferir a sua masculinidade por isso...” Homem, 26 anos, São Paulo
“Na escola tem isso. Se o cara sabe desenhar, as pessoas falam: ‘Vai ser arquiteto, arquiteto é gay… Se fosse homem mesmo, fazia engenharia’. Um bagulho escroto que vem do professor, do mestre, como se fosse brincadeira. Quando tem a ver com gênero, com raça, nunca é brincadeira.” Homem, 26 anos, São Paulo
4.Restrição emocional Expressões populares como “para de chorar e fala que nem homem, rapaz!”, “medo é coisa de mulherzinha” e outras criam um temor nos homens de serem percebidos como fracos e afeminados. Com isso, o menino aprende a desprezar as emoções e a controlar sentimentos que o tornem vulnerável ou o associem ao feminino. A proibição social da expressão das emoções por parte dos meninos cria uma inabilidade em compreender a si ao outro. Consequentemente, essa falta de sustentação emocional e de empatia leva muitos homens a assumir comportamentos violentos. “Se um menino cai da bicicleta, você diz logo: ‘Menino, levanta daí, aguenta o choro’. Se uma menina cai da bicicleta, você faz carinho, vê se ela está bem, arruma o vestidinho, porque ela é um ser frágil.” Homem, especialista, Recife 21
5.Capital viril Nossa sociedade incentiva os meninos a manifestarem a sua virilidade e a provarem que são “machos”. Para se afirmarem, eles precisam competir, vencer, derrotar, rebaixar e feminilizar outros meninos. A imagem do homem viril se faz justamente em oposição aos valores femininos: o homem macho, forte e inflexível é construído socialmente em detrimento da mulher frágil, doce e flexível. A aproximação a valores e comportamentos femininos representa um afrontamento à condição de macho do homem viril. Qualquer homem que se afaste desse ideal é atacado em algum momento com palavras de violência. “O homem é criado para ser forte, dominante. O pai passa para o filho que se ele apanhou, deve bater também. Eu escutava muito do meu pai: ‘Se chegar em casa apanhado, apanha de novo’.” Homem, 40 anos, Recife
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6.Pertencimento ao grupo
A entrada em um grupo é um acontecimento inevitável na passagem da infância para o mundo adulto e um referencial significativo na construção da identidade do homem. Para se afirmar e ser aceito nesse coletivo o jovem desempenha papéis sociais e passa por uma série de situações cotidianas nas quais precisará testar a sua coragem, competência sexual e lealdade. Os grupos formados por homens jovens costumam reforçar os estereótipos masculinos nocivos que podem ser identificados, por exemplo, em comportamentos agressivos na rua, no uso exacerbado de drogas/bebidas alcoólicas e na direção imprudente. Ou seja, a necessidade de demonstrar força para a afirmação da masculinidade dentro do grupo faz com que homens jovens se exponham deliberadamente a situações de risco. “Quando eu tinha meus 17 anos, a gente fazia muita loucura por aí. Tinha uma turma, vários amigos de fé, e a gente brigava na rua, roubava o carro do pai dava carona para as meninas, bebia até cair e achava graça.” Homem, 35 anos, São Paulo
7.Sexo
O desempenho sexual é apresentado como uma das principais referências e preocupações para a construção da masculinidade. Ele passa a ser percebido como uma espécie de “novo esporte” em que se disputa a dominação da mulher; espera-se do homem um comportamento ativo, e da mulher, um comportamento passivo, receptivo e de objeto de desejo. Além de pressupor que o homem sente desejo sexual constantemente, esse ideal sugere a subjugação da mulher a partir da violência: o homem entende que a mulher deve estar a seu dispor e que ele pode controlar a sua sexualidade. Em sua forma mais cruel, essa hostilidade sexual compreende, entre outros, o estupro, o incesto e o assédio, violências que expressam a dominação de gênero. “Meu pai dizia que eu tinha de transar com todas as mulheres até os 30 anos e depois escolher uma para casar. E para conseguir isso, valia tudo: dar bebidinhas, passear de carro, pagar jantares, comprar presentes...” Homem, 28 anos, São Paulo
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8.Trabalho O trabalho é um fator fundamental na constituição da identidade tradicional masculina, pois comporta valores morais que qualificam os homens que trabalham como honestos, responsáveis e dignos, e os que não trabalham, como vagabundos, desonestos e sem valor. O desempenho profissional é uma das principais referências para o ideal de comportamento masculino e, quando ele é pouco satisfatório, pode desencadear o sentimento de fracasso no indivíduo enquanto “homem”. Em alguns casos, essa sensação de frustração e baixa autoestima pode levá-lo a fazer uso da violência como uma alternativa de defesa contra essa condição. Ao mesmo tempo, a representação social dos homens no mercado de trabalho carrega benefícios significativos quando comparados às mulheres. Eles são maioria nos cargos de direção, são culturalmente mais aceitos na esfera pública e política e recebem maiores salários. “Meu marido não está trabalhando nesse momento… Ele é músico e hoje passa o dia em casa. O novo apelido dele é Zé Bostinha (risos).” Mulher, 41 anos, Recife
9.Provedor A posse de determinados bens materiais e a aquisição de poder econômico são alguns dos atributos do ideal masculino contemporâneo. Se ser homem está atrelado a ter poder, não ser poderoso significa simbolicamente não ser homem. Ou seja, para ser considerado um “homem de verdade” é necessário trabalhar, acumular bens e sustentar a família. Quando esse padrão não se concretiza, a violência se torna um meio de comprovar para si mesmo e para os outros a sua condição viril e, portanto, masculina. “Eu falo para o meu filho que ser o provedor da casa faz parte de ser homem… Acho que o homem tem esse dever bíblico… O homem tem de ser o provedor, ser forte, proteger… O homem que protege é um homem bom…” Homem, 36 anos, Rio de Janeiro 24
Estereótipo masculino: o Herói Durão Seguir essa receita significa preencher boa parte dos requisitos de uma lista de expectativas de como os homens devem ser, agir, sentir e falar. Ao longo do tempo, esses padrões de crenças e comportamentos são absorvidos enquanto verdade e, como que instintivamente o homem atinge a vida adulta vestindo uma armadura: a Armadura do Herói.
A Caixa do Homem Heterossexual Fisicamente apto Corajoso Forte No controle Ativo Sexualmente experiente Prontidão sexual Fala firme Não demonstra emoções Sabe se defender Não chora
Sexualmente impositivo Trabalhador Provedor Não comete erros Não desiste Aguenta o tranco Competitivo Bem-sucedido Bully Dominante em relação à mulher
A chamada Caixa do Homem é uma linha traçada em torno das expectativas de um ideal masculino, com formas e limites rígidos, que oferece privilégios e ao mesmo tempo “aprisiona” os homens. Uma lista tão extensa que demanda deles um heroísmo artificial e inatingível. Muitos homens carregam desde a infância o estigma de fracassados ou inferiores por apresentarem características físicas, psicológicas, sexuais ou sociais que não correspondem às expectativas da masculinidade hegemônica. Não alcançar esse modelo cultural significa ter a masculinidade ameaçada, e a forma mais primária de reafirmá-la é por meio da violência.
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A Caixa representa e reforça os parâmetros do que é socialmente esperado, ao mesmo tempo que salienta e pune os comportamentos e atitudes indesejados. Quando meninos e homens se portam de forma que remetem ao universo feminino, frágil ou infantil, eles escapam para “fora da caixa” e chamam atenção pela quebra do “código de conduta” . Logo serão empurrados de volta por meio de expressões ofensivas, que funcionam como lembretes de que não estão se comportando conforme o esperado, ou seja, como “homens de verdade”.
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Filho da mamãe
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A Caixa do Homem
Criado pela vó Frouxo
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MULHERES Assim como os homens, as mulheres são fruto de uma sequência de aprendizados sobre como devem se comportar. Há uma rigidez no conjunto de características associadas ao feminino e, em geral, os atributos mais valorizados são aqueles adotados, direta ou indiretamente, com o intuito de beneficiar e agradar os homens. A expressão da feminilidade é marcada pela constante validação masculina. E reflete uma submissão: aos seus desejos, seu julgamento, seu domínio.
A construção da identidade feminina Profundamente apoiado sobre as bases do amor romântico, o ideal cultural do ser mulher é formado e reforçado visando um objetivo primordial: agradar ao homem. Essa receita é avaliada pela capacidade da mulher de atrair o “melhor partido”. A identidade feminina se divide em 4 ensinamentos complementares:
2. CUIDADO
1. PUREZA Construção da Identidade Feminina
4. BELEZA
3. FRAGILIDADE
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1.Pureza Desde criança, a menina é ensinada a desenvolver hábitos e comportamentos que a associem à pureza e à castidade. O recato sexual é uma aura construída junto a outros códigos de conduta, como a suavidade em suas maneiras e o resguardo de seus hábitos (não beber, não se exaltar, não usar roupas ou linguagem extravagantes). É alimentada a concepção de que essa mulher sensível e casta é “para casar” e naturalmente se comportará melhor diante das obrigações e vontades de seu marido.
2.Cuidado De geração para geração, a responsabilidade do cuidado com crianças e idosos, além das tarefas domésticas, é atribuída à mulher. Esse ensinamento é transmitido, como uma aptidão e recebido como um dom. A mulher se mantém confinada ao ambiente doméstico e realiza tarefas que não são valorizadas: todo o trabalho ordinário (invisível, sem destaque social), em contraponto ao homem, detentor do trabalho extraordinário (visível e com potencial de destaque social). Tal restrição e orientação constante em direção ao outro exigem da mulher uma postura ideal de respeito e devoção, limitando assim sua autoestima, autonomia e independência.
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3.Fragilidade Ao mesmo tempo que cuida, a mulher, para reafirmar sua pureza, deve precisar ser cuidada. A fragilidade se torna um componente da sua identidade e se expressa na aproximação da mulher à imagem de uma criança, alguém dependente de outro ser. Tal dualidade – no ambiente doméstico ela é cuidadora, mas no espaço público tem de ser frágil – é constituída por meio de comportamentos e atitudes: a mulher deve ser calada, pouco expressiva, passiva e emotiva.
4.Beleza O potencial de atração da mulher é condicionado à sua aparência física. Os atestados de beleza são características que representam visualmente a pureza, a fragilidade e a aura de alguém que sabe cuidar tanto dos outros quanto de si. O ideal de beleza feminino é muito restrito, evocando traços infantis e específicos – corpo magro, pele perfeita, cabelos lisos, higiene excessiva, feições angelicais. Forma-se um ciclo no qual as características físicas representam e, ao mesmo tempo, produzem a fragilidade idealizada para a figura feminina.
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Estereótipo feminino: O Vestido de Princesa Adequar-se ao modelo de feminilidade da sociedade significa dedicarse à adaptação e lapidação constantes com o objetivo de ser atraente para os desejos e julgamentos do homem. Para corresponder a esse conjunto de expectativas, só há um caminho: trajar o Vestido de Princesa. O homem está no centro da construção da identidade da mulher. Se ele é o herói, ela é sua conquista. O feminino em sua plenitude é visto como a mãe, uma mulher servil e polida, aquela que nutre e obedece ao homem. Sua atuação é sempre circunscrita e limitada. Ela deve ser sexy, mas não tão sexy. Inteligente, mas não tão inteligente. Qualquer desvio desse padrão ou exacerbação de uma característica configuram inadequação e são punidos com violência por parte da sociedade como um todo e, principalmente, do homem.
1. PUREZA
Construção
2. CUIDADO
da Identidade Feminina
4. BELEZA
3. FRAGILIDADE
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O machismo é o conjunto de crenças que perpetua os estereótipos de gêneros.
Estereótipo masculino: Armadura do Herói
A cultura patriarcal é constituída de estereótipos de gênero que determinam a forma como homens e mulheres devem se portar na sociedade.
Estereótipo feminino: Vestido de Princesa
Além de afirmar erroneamente uma suposta superioridade dos homens sobre as mulheres, o machismo ajuda a perpetuar as expectativas de gênero da cultura patriarcal. Ou seja, determina que certas atitudes e comportamentos só podem pertencer a um dos dois gêneros.
O machismo tem três implicações claras em nossa sociedade: 1. Privilégios masculinos
MACHISMO
2. Controle sobre quem a mulher deve ser 3. Tensões do homem
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1.Privilégios masculinos Atitudes, potencialidades e liberdades muitas vezes vistas como cotidianas, comuns ou naturais deixam claras a diferença e desigualdade entre os gêneros.
“O masculino é menos perceptível que o feminino na medida em que o primeiro pode mais facilmente disfarçar-se de interesse geral: os conteúdos culturais completamente neutros em aparência mascaram a essência masculina.” Georg Simmel
1a. Desigualdade naturalizada HOMENS: •
Estão na maioria das posições de poder no mundo;
•
Ocupam o espaço público com segurança e sem medo;
•
Não se preocupam com assédio sexual;
•
Podem andar sozinhos pela rua sem serem considerados “objetos”;
•
São os protagonistas da maioria dos filmes e livros da nossa cultura de massa;
•
Podem andar pela rua sem ter o corpo avaliado pelos outros;
•
Podem ter uma vida sexual ativa e intensa sem serem julgados por isso;
•
Têm mais liberdade para envelhecer, mantendo-se sexualmente desejáveis;
•
Não precisam ter filhos para serem considerados completos.
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“Eu não aprendi a arrumar a cama, a lavar a louça, a comprar coisas para a casa. Eu usufruía da casa. Quando eu era criança, quem fazia era minha mãe, minhas irmãs. Aí, quando a gente fica mais velho, quem faz é a mulher ou alguém que a gente contrata para isso, que é outra mulher.” Homem, 55 anos, São Paulo
“Deus falou isso na bíblia, que a mulher tem de ser submissa ao marido.” Homem, 40 anos , Recife
“O nosso corpo não é pensado como um corpo a ser violado do ponto de vista da sexualidade. É um corpo que violenta, não que é violentado.” Homem, especialista, São Paulo
“Nós, homens, sempre tivemos todos os espaços da sociedade. O espaço público é nosso, o espaço da fala é nosso, o espaço de se colocar é nosso.” Homem, especialista, Recife
“Onde eu morava, as meninas eram criadas para ter muita cautela por onde iam. Apesar de ser uma cidade pequena, sempre se dizia: ‘Cuidado com tarado’. Pairava no imaginário coletivo e na educação das meninas que, em determinadas horas e locais da cidade, elas não podiam sair porque corriam o risco de serem atacadas por um tarado.” Mulher, 33 anos, Recife
“Essa ideia de ‘eu sou o homem’ tem benefícios. Muitas vezes nós fazemos uso deles, e não é por mal, porque não é algo consciente. Quando eu coloco meu corpo para defender o de uma mulher no carnaval, eu estou usando um privilégio, porque eu sou o corpo que protege, e ela, o que é protegido.” Homem, especialista, Recife 33
2.Controle sobre quem a mulher deve ser Diferentes manifestações do machismo visam controlar o comportamento da mulher. Essa forma violenta de domínio vai muito além do abuso físico e do estupro. Trata-se de uma maneira de diminuir a liberdade e o campo de ação da mulher dentro dos ambientes doméstico e público. “Continuo acreditando que essa questão dos privilégios precisa vir mais à tona. Uma mulher que sofre cantadas, que nunca está tranquila ao andar na rua – ainda existe uma confusão sobre isso, mas mesmo que questionem: ‘Sozinha? A essa hora? Com essa roupa?’, os homens e as mulheres já conseguem entender. No entanto existem aspectos mais sutis. Por exemplo, meu companheiro sempre me interrompe, atrapalha minha linha de raciocínio. Eu falo: ‘Ainda não acabei de falar! Me deixa falar!’.” Mulher, especialista, Rio de Janeiro
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2a.Expectativas e sugestões de comportamento Espera-se que a mulher cumpra com expectativas relacionadas à vaidade, beleza e feminilidade por meio de ações como cuidar do corpo, depilar-se, fazer as unhas, alisar os cabelos e usar salto alto. Quando vestem roupas consideradas curtas ou justas, as mulheres são julgadas como “sexualmente disponíveis” e correm o risco de sofrer abusos verbais e físicos. Espera-se que a mulher case para que alcance respeito e reconhecimento. Depois de certa idade, estar solteira ganha o status de “encalhada” ou infeliz. Nossa cultura sugere que as mulheres possuem “instinto materno” e precisam exercer a maternidade para que se tornem “mulheres de verdade”. O conjunto dessas crenças e padrões faz com que ser mãe seja praticamente uma obrigação. Entende-se que a mulher tem mais aptidão para o trabalho doméstico do que o homem e, por isso, deve ser a responsável por essas tarefas. Caso não se interesse ou não tenha habilidade, é julgada como inapta. O corpo da mulher é visto como público, um objeto passível de desejo do homem, algo aberto à avaliação nas ruas. Dessa forma, ensina-se que as mulheres devem se proteger e evitar certos lugares e situações para que não corram o risco de sofrer abusos verbais e físicos. No caso da mulher negra, a hipersexualização é ainda mais presente (maior objetificação sexual), bem como a expectativa da agressividade (estereótipo de “barraqueira”). O corpo e a liberdade sexual da mulher são controlados e reprimidos por homens e mulheres em uma sociedade que ainda conserva a defesa de uma honra puritana e julga aquelas que buscam viver plenamente a sua sexualidade. Caso assumam um comportamento sexual avaliado como “livre”, são julgadas: “piranhas”, “vagabundas”, “vadias”.
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RESULTADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA Grau de concordância em relação às frases abaixo:
Discordo totalmente
Discordo em parte
Não concordo nem discordo
Concordo em parte
Concordo totalmente
87,38%
5,14%
3,83%
2,01%
1,65%
3,31%
4,53%
7,48%
12,14%
72,55%
71,61%
14,22%
4,07%
7,69%
2,41%
55,44%
11,02%
9,53%
7,69%
16,32%
Mulheres devem tomar cuidado com a roupa que vestem para não serem muito provocativas.
58,26%
16,48%
6,49%
13,51%
5,27%
A política seria melhor se NÃO existissem mais mulheres em postos importantes.
26,65%
27,28%
25,45%
10,9%
9,72%
Mulher que anda com camisinha é safada.
Homens e mulheres deveriam dividir por igual o trabalho doméstico. A responsabilidade de evitar a gravidez é principalmente da mulher. Mulheres deveriam decidir se a prioridade na vida delas é a carreira ou os filhos.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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2b.Micromachismos* 1. Micromachismo coercitivo Configura-se quando o homem usa sua força moral, psicológica ou econômica para tentar subjugar a mulher e convencê-la de que ela não tem razão. Inclui exemplos como: Intimidação: dar a entender por meio de um comportamento assustador (olhar, tom de voz) que, se a mulher não obedecer, algo negativo ocorrerá. Insistência abusiva: obter o que se deseja por meio do esgotamento da mulher, que acaba por ceder em troca da paz. Tomada súbita de comando: cancelar ou ignorar as decisões da mulher, tomar decisões sem consultá-la, dar opiniões sem ter sido solicitado, monopolizar as conversas. Gaslighting: distorcer fatos e omitir situações para deixar a mulher em dúvida sobre sua memória e sanidade mental. Bropriating: apropriar-se da ideia de uma mulher e levar o crédito por ela.
*Conceito popularizado pelo psicoterapeuta Luis Bonino em referência às “violências leves”, “pequenas tiranias”, “violência cotidiana”. Fontes: Luis Bonino, Think Olga, Lugar de Mulher.
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2. Micromachismo dissimulado O homem esconde seu objetivo de domínio por meio de atos tão sutis que muitas vezes passam despercebidos. Inclui exemplos como: Maternalização: induzir que a mulher dê prioridade ao cuidado de terceiros (filhos, familiares), tornando-se incapaz de cuidar de si tanto pessoal quanto profissionalmente. Paternalismo: fazer com que a mulher se sinta como uma criança que necessita de cuidados. Mansplaining: explicar algo óbvio para uma mulher como se ela não tivesse capacidade intelectual para entender. Manterrupting: interromper a fala de uma mulher e impedi-la de concluir sua frase. Justificativas para o próprio comportamento prejudicial: esquivar-se da responsabilidade por suas ações, negar ou não dar importância às reclamações da mulher. “Eu não percebi”, “eu quero mudar, mas é difícil”, “eu não tenho tempo para cuidar de crianças” são alguns exemplos. “Homens que têm poder dentro do mercado de trabalho falam de emocionalidade, que mulheres não têm cabeça fria. ‘Mulheres brigam com mulheres’ é outro argumento muito utilizado. Fala-se também sobre a maternidade, que o comprometimento profissional da mulher será menor porque ela terá de sair no meio do expediente para levar o filho ao médico. Mas, claro, [isso se dá] porque os papéis sociais fazem com que a obrigação de fazer isso seja da mãe.” Homem, 30 anos, São Paulo
“Dependendo do contexto, é difícil para a mulher se colocar, porque os homens têm mais domínio da fala pública.” Homem, especialista, Recife
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3. Micromachismo de crise Configura-se quando o homem realiza atos para restabelecer o domínio da relação, mantendo a desigualdade de poder. Inclui exemplos como: Pseudoapoio nas tarefas: anunciar a participação nas tarefas realizadas pela mulher, sem fazê-lo de fato. Evita-se um confronto direto, mas sem a efetiva colaboração nas atividades domésticas. Promessas superficiais: praticar atos como dar presentes, prometer e ajudar nas tarefas, apenas com a intenção de produzir mudanças superficiais que evitem questionamentos sobre as causas da crise (especialmente em casos de ameaça de separação). “Para mim não houve aprendizado sobre a condição feminina. Eu resistia a fazer as tarefas de casa. Achava que elas estavam muito abaixo de mim. (...) Mesmo em uma situação em que estava tudo pronto para eu assumir esse lado doméstico, era difícil. Eu fazia de maneira relutante, e isso era motivo de conflito em casa.” Homem, 26 anos, São Paulo
4. Micromachismo utilitário Configura-se quando o homem não divide a responsabilidade dos afazeres domésticos, deixando implícito que é a mulher quem deve cuidar da casa. “[A aversão do homem aos trabalhos domésticos] Manifesta-se claramente como preguiça. Em segundo lugar, como direito à preguiça. Poxa, eu trabalhei o dia inteiro, e você ainda quer que eu trabalhe em casa? A gente tem um milhão de justificativas para não realizar essas tarefas. Por quê? Isso é cultural. Eu nunca fiz na minha casa. Minha mãe trabalhava fora e cozinhava; eu ficava em casa e não fazia nada. Quando, poucas vezes, eu levantei para fazer, minha mãe morreu de orgulho. Ela achava que estava me corrigindo. Não, nem assim.” Homem
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2c. A Lei Maria da Penha define cinco formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres: Violência emocional ou psicológica: Xingar e humilhar a mulher; ameaçá-la, intimidá-la e amedrontá-la; criticála continuamente, desvalorizar seus atos e desconsiderar sua opinião ou decisão, debochar publicamente dela, diminuir sua autoestima; tirar sua liberdade de ação, crença e decisão; tentar confundí-la ou fazê-la achar que está ficando louca; atormentá-la, não deixá-la dormir ou fazê-la se sentir culpada; controlar o que ela faz, quando sai, na companhia de quem e para onde; impedir que ela trabalhe, estude, saia de casa, vá à igreja ou viaje; procurar mensagens em seu celular ou e-mail; usar as/os filhas/os para chantageá-la; isolá-la de amigos e parentes. Violência sexual: Forçar relações sexuais quando a mulher não quer, quando está dormindo ou doente; forçar a prática de atos sexuais que causam desconforto ou nojo; obrigá-la a olhar imagens pornográficas; obrigá-la a fazer sexo com outra(s) pessoa(s); impedí-la de prevenir a gravidez, forçá-la a engravidar ou forçar a realização do aborto. Violência patrimonial: Controlar, reter ou tirar dinheiro da mulher; causar danos propositais a objetos que ela gosta; destruir ou reter objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens e direitos. Violência moral: Fazer comentários ofensivos sobre a mulher diante de estranhos e/ ou conhecidos; humilhá-la publicamente; expor a vida íntima do casal, inclusive nas redes sociais; acusá-la publicamente de cometer crimes; inventar histórias e/ou criticá-la para terceiros com o intuito de diminuí-la perante amigos e parentes; Violência física: Bater ou espancar a mulher, empurrá-la, atirar objetos contra ela, sacudí-la, mordê-la ou puxar seus cabelos; estrangulá-la, chutá-la, torcer ou apertar seus braços; queimá-la, cortá-la, furá-la, mutilá-la e torturá-la; usar arma branca (faca, ferramentas de trabalho etc.) ou arma de fogo contra ela. 40
3.Tensões do homem O machismo é muito prejudicial às mulheres, mas também interfere negativamente na vida dos homens. A necessidade de provar que são “homens de verdade” ou a falta de identificação com esse modelo geram tensões cotidianas que limitam a satisfação de desejos autênticos, restringindo a maneira como os homens constroem a identidade e interagem socialmente. “As vozes masculinas antigas estão dentro de você dizendo como você deve ser, como você deve agir. E elas te limitam muito, limitam quem você quer ser, limitam o desenvolvimento pessoal do homem. Te limitam a um papel, um papel antigo, que te deixa num lugar do passado.” Homem, especialista, São Paulo
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Tensão 1 Provar que é heterossexual - Carinho com amigos
Gostaria de ser mais carinhoso com meus amigos, mas não quero ser chamado de gay ou imaturo. “Quando um amigo me abraça forte fico sentindo aquela sensação estranha e vergonha de que alguém que eu conheça esteja vendo… Abraçar é bom, mas abraçar homem é meio proibido.” Homem, 22 anos, São Paulo
“Já abracei os meus amigos algumas vezes, mas isso só acontece quando a gente já tá bêbado… Se abraçar em outros momentos o cara vai ficar pensando coisa errada de você.” Homem, 29 anos, Recife
Cerca de 45,5% dos homens gostariam de se expressar de modo menos rígido ou agressivo, mas não sabem como.
20,5% vivem moderadamente essa situação
13,5% vivem muito essa situação
11,5% vivem totalmente essa situação
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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Tensão 1 Provar que é heterossexual - Vaidade Quero cuidar melhor de mim, ficar mais bonito, mas não quero que meus amigos pensem ou falem que eu sou gay. “Só consegui radicalizar no corte de cabelo quando vim morar em São Paulo… aqui ninguém conhece você… Ninguém vai ficar zoando você, chamando de veado…” Homem, 25 anos, São Paulo
“Não consigo me olhar no espelho e ficar ajeitando o cabelo quando tem alguém olhando… Parece que é proibido pra homem querer ficar bonito.” Homem, 28 anos, São Paulo
43,5% dos homens gostariam de ter mais cuidado com a aparência sem se sentirem julgados por isso.
18,5% vivem moderadamente essa situação
13%
vivem muito essa situação
12%
vivem totalmente essa situação
77% dos homens se preocupam com a aparência, mas não falam sobre isso.
33%
vivem moderadamente essa situação
26%
vivem muito essa situação
18%
vivem totalmente essa situação
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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Tensão 2 Provar que é forte
Às vezes, me sinto ansioso, estressado ou deprimido, mas tenho dificuldade em falar sobre isso com alguém e admitir que não estou bem. “Confesso que não consigo conversar com os meus amigos sobre problemas mais íntimos…Das vezes que isso aconteceu acabei falando com meus pais. Homem, 26 anos, São Paulo
“Esses dias discuti feio com com a minha esposa e depois ela veio perguntar o que tava acontecendo comigo…não falei nada…a verdade é que tava nervoso porque achava que ia ser demitido…” Homem, 45 anos, Recife
56,5% dos homens gostariam de ter uma relação mais próxima com amigos, expressando mais afeto e podendo falar sobre sentimentos e dúvidas.
21%
vivem moderadamente essa situação
19,5% vivem muito essa situação
16%
vivem totalmente essa situação
66,5% dos homens não falam com amigos sobre medos e sentimentos.
22,5% vivem moderadamente essa situação
23%
vivem muito essa situação
21%
vivem totalmente essa situação
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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Tensão 3 Provar que é poderoso
Quero que meus amigos me admirem por quem eu realmente sou, mas muitas vezes invento histórias para me sentir aceito e respeitado. “Muitos homens tentam enganar as mulheres querendo mostrar que são mais ricos, inteligentes ou mais famosos do que realmente são.” Mulher, 29 anos, Recife
“Todo homem conta alguma história pra se promover rs, mas o problema é quando isso passa dos limites e você fica vivendo uma mentira pra mostrar para alguém algo que você não é.” Homem, 35 anos, São Paulo
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Tensão 4 Provar que é responsável
Quero aprender novas atividades, ir em busca da minha verdadeira vocação, mas não quero que os outros pensem que eu sou infantil, irresponsável ou sem ambição. “Ja tive vontade de jogar tudo pro alto várias vezes, mas nunca consegui… minha família não ia me perdoar por correr esse tipo de risco… precisam muito da segurança que eu consigo dar pra eles” Homem, 41 anos, Recife
“A coisa que eu mais gosto de fazer é escalar montanhas… sou bom nisso e já viajei pra muitos lugares…sonho em fazer só isso na vida, ajudar os outros a fazer… Minha família diz que isso é coisa de adolescente e que levar isso a serio é bobagem” Homem, 28 anos, São Paulo
54% dos homens gostariam de ter mais liberdade para explorar hobbies, talentos ou opções de carreira pouco usuais, sem serem julgados como frouxos ou pouco ambiciosos.
17,5% vivem moderadamente essa situação
17,5% vivem muito essa situação
19%
vivem totalmente essa situação
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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Tensão 5 Provar que é provedor
Mesmo quando trabalha e recebe um salário justo, o homem se sente diminuído quando sua esposa ganha mais do que ele. “Eu sinto que preciso ganhar um salário maior porque minha esposa ganha mais do que eu… é como se eu estivesse falhando…” Homem, 41 anos, São Paulo
“É difícil, como homem, ter uma mulher que ganha bem mais que você…Prefiro que as pessoas não saibam.” Homem, 34 anos, São Paulo
45% dos homens gostariam de não se sentir obrigatoriamente responsáveis pelo sustento financeiro da casa.
22%
vivem moderadamente essa situação
13%
vivem muito essa situação
10%
vivem totalmente essa situação
44% dos homens sentem pressão por serem responsáveis pelo sustento da casa, mas não falam sobre isso.
20%
vivem moderadamente essa situação
10%
vivem muito essa situação
14%
vivem totalmente essa situação
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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Essa masculinidade baseada no medo, que precisa ser provada a todo momento, estimula a violência, a homofobia, a inabilidade emocional e a obsessão por poder, dinheiro e sexo. É uma masculinidade tóxica que acompanha e marca a vida de homens heterossexuais, homossexuais, transexuais, negros, pardos e brancos.
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Nossa sociedade ainda espera e exige a reprodução das identidades de gênero tradicionais. E isso por si é uma forma de violência. A partir das nossas características biológicas, somos condicionados a nos identificar e nos comportar de acordo com um determinado estereótipo. Um processo cultural que nos molda inconscientemente desde os primeiros anos de vida. Entender que os ideais de masculinidade e feminilidade são construções sociais que afetam diretamente a maneira como nos relacionamos e convivemos em sociedade é o primeiro passo para compreender as diversas manifestações de violência e desigualdade. Ter atitudes machistas não é um comportamento exclusivo do homem. Todos e todas são ensinados a agir de modo machista, e pouco vai mudar se continuarmos a reproduzir os discursos e ações que mantém o status quo. “Eu vejo em muitos momentos minha mãe e minhas irmãs estranhando um pouco esse meu papel tão efetivo de pai. Como se dissessem: ‘ele está fazendo mais do que devia’. Eu noto que ainda tem um incômodo nisso, não é bem resolvido para pessoas que foram pais e mães antes. A mãe parece não ter o direito de estar sentada se o pai está dando banho.” Homem, 41 anos, Recife
“Não dá pra poder devolver mais uma vez para as mulheres essa responsabilidade. A responsabilidade é de todos e de todas. E poder fazer de forma diferente, poder discutir, transformar, fazer essa crítica. A gente precisa colocar para a gente também esse movimento de nos afetar sobre isso e fazer sobre isso. E de não ficar alheio, isento, não ficar cúmplice desse silêncio.” Homem, especialista, São Paulo
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“A ideia de que o feminismo liberta os homens é muito simples e muito bonita, muito iluminosa. Ao adotar uma postura de igualdade, os homens podem ser mais felizes.” Homem, 32 anos, São Paulo
As brincadeiras que fazemos, às vezes, criam uma realidade.A linguagem que usamos reforça a cultura. É preciso, de um lado, incentivar os homens a ser mais conscientes de suas limitações e de seus exercícios diários de poder e, de outro, ajudar as mulheres a ampliar sua percepção sobre possibilidades de resistência diante das prováveis tentativas de abuso. Se não transformarmos a história que contamos para nós mesmos e a maneira como ensinamos as crianças, pouco vai mudar. Nossa sociedade continuará perpetuando um ciclo de violência e de desigualdade de gênero que afeta a todos e todas desde a infância “Eu tinha e tenho um sentimento pela minha mãe muito forte e é um sentimento que eu queria que meus filhos tivessem por mim também, um sentimento de carinho. Eu tinha com meu pai também, mas minha mãe conseguiu, por uma relação mais afetiva, provocar muito mais em mim. Eu queria que meus filhos tivessem esse sentimento em relação a mim. Então terminou que foi uma coisa que me instigou a querer ter essa presença. A querer que esse sentimento de carinho.” Homem, 28 anos, Recife
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“A partir do momento em que o homem se depara com a pluralidade de papeis e que é plenamente possível ele se reconhecer e se afirmar em um papel que é mais associado ao feminino, é possível a ressignificação. Os homens também podem se identificar com papeis muito maiores do que até hoje foi colocado pra eles como o melhor a ser seguido.” Mulher, especialista, Recife
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capítulo 03 Desconstrução de papéis A caminhada das mulheres e a desvalorização do capital viril
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Muito ainda se tem pela frente, mas muito já se caminhou em direção a uma sociedade igualitária. Essa evolução se deve, em primeiro lugar, à luta das mulheres, do movimento negro e LGBT, oprimidos pelo patriarcado hegemônico.
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A luta das mulheres A emergência do movimento feminista promoveu críticas e questionamentos ao sistema patriarcal, gerando transformações significativas no modelo de organização tradicional familiar e no processo de emancipação sexual e social das mulheres. Em consequência, elas assumiram novas tarefas e responsabilidades, repensando o lugar exclusivo do homem como provedor da família. Além disso, a mulher deixou de ser um objeto de satisfação do marido para exigir a realização de seus próprios desejos pessoais e profissionais.
Feminismo: outra palavra para igualdade O feminismo é a luta pelo fim da dominação do gênero masculino sobre o feminino e pela consequente igualdade de gênero. Diante da comum falta de entendimento, é essencial frisar que feminismo não é o contrário de machismo. Segundo a história, a luta feminista tem origem organizada no início do século XX. Atualmente vive sua quarta onda, muito influenciada e potencializada pela internet.
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1900
1ª ONDA: IGUALITARISTA
‘homens e mulheres são iguais’ Focada na luta por poder político – especialmente o direito ao voto – como instrumento para a conquista de outros direitos civis.
2ª ONDA: DIFERENCIALISTA
‘homens e mulheres são diferentes’ Crítica à opressão no espaço privado (busca de autonomia e denúncia da violência de gênero) e ao universalismo abstrato – diferenças não justificam desigualdades.
3ª ONDA: INTERSECCIONAL
‘as mulheres não são iguais entre si’ Ser mulher negra, lésbica ou trabalhadora não é o mesmo que ser mulher branca ou heterossexual: a desigualdade de gênero se constrói em conexão com outras formas de opressão (de classe, raça, etc.).
4ª ONDA: ANTIESSENCIALISTA
‘cada indivíduo é único’ Mesmo com avanços que possibilitam expressões identitárias interseccionais (trabalhadora, negra, lésbica), concepções essencialistas de gênero ainda são reproduzidas: homens e mulheres são como são por força de uma natureza pré-cultural e imutável. A luta da quarta onda é desnaturalizar os papéis de gênero. 2020
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Qual das frases abaixo mais se aproxima do que você pensa ser feminismo? *Gênero masculino
Gênero feminino
Necessário para defesa por direitos e oportunidades iguais
45,8%
71,6%
Justa por direitos iguais, mas às vezes agressiva e radical demais
40,4%
22,3%
Defende a superioridade das mulheres em relação aos homens
7,3%
2,9%
É o oposto do machismo
6,6%
3,1%
Quão favorável ao feminismo você se considera? Gênero masculino
Gênero feminino
Nada favorável
16%
5,7%
Um pouco favorável
16,3%
10,2%
Razoavelmente favorável
16,1%
12,2%
Bastante favorável
28,1%
27,8%
Extremamente favorável
23,5%
44,1%
*Gênero é um conceito social e se refere aos aspectos culturais e sociais associados ao fato de se pertencer ao sexo masculino ou feminino. As características de gênero podem variar de acordo com a sociedade. Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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O ativismo LGBT O movimento LGBT também contribui significativamente para a quebra de estereótipos de gênero. Em sua luta por direitos, reconhecimento e respeito à sua identidade de gênero e orientação sexual, o ativismo LGBT enfrenta o ideal da heteronormatividade e coloca em xeque expectativas e papéis de gênero baseados em uma lógica dualista de pensamento (o que é masculino e o que é feminino). “A autoria dessa reflexão toda vem a partir do que as mulheres propuseram, dos que os gays propuseram, do que as lésbicas propuseram. E aí, pouco a pouco, sim, há espaço pra que a gente chegue junto e faça espaços de transformação. Desde que a gente queira de verdade transformar esses processos de privilégios.” Mulher, especialista, Recife
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A partir desses movimentos críticos que questionam o modelo de masculinidade hegemônica e sua universalidade, “ser homem” passa por conflitos nunca antes vivenciados.
“Hoje eu só vejo o quão bonito é tudo isso de ser quem eu sou.” Rico Dalasam, rapper, São Paulo
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O masculino viril e provedor já não tem lugar como dominante na sociedade. A modernidade chega impactando os valores de um mundo que tinha o modelo de masculinidade hegemônica como centro: força física, vigor, coragem e aptidão para a guerra são valores que resistem com menos intensidade, e a habilidade de sustentar a casa deixa de ser exclusividade masculina. Ao mesmo tempo, a emancipação feminina e os movimentos pela não dualidade de gênero transformam a sociedade e abalam as posições de poder do homem. “Vejo meus amigos falando: não tem espaço pra quem eu fui criado pra ser, mas eu também não me encaixo em nenhum estereótipo de homem. E a gente não precisa encaixar também, isso é uma coisa que perpassa o feminismo: você pode ser só o que você quer ser, sem padrões pré estabelecidos. É uma liberdade de trânsito mesmo.” Homem, especialista, São Paulo
A Armadura do Herói está em decadência, e o homem passa a ser prisioneiro do ideal de virilidade. Características que antes garantiam o poder do homem sobre o mundo e sobre a mulher já não são suficientes para assegurar uma posição hegemônica. O lugar de provedor passou a ser compartilhado com as mulheres. A emancipação sexual feminina abre espaço para que elas busquem o próprio prazer. Os dois principais pilares de expressão e sustentação da masculinidade foram atingidos: os desempenhos profissional e sexual. “Quando você não pensa na construção da masculinidade como um problema, você tende a criar uma guerra entre homens e mulheres e isso não é o foco. Você tem que desconstruir os dois. E a desconstrução tem que ser ampla, pra você conseguir lidar com avanço nisso.” Homem, especialista, Rio de Janeiro
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O homem ainda não sabe lidar com essa mudança de posição na hierarquia social. Para não perder seu espaço, precisa provar constantemente a sua masculinidade e, quanto mais inseguro ele se sente, mais violento fica. A dificuldade em lidar com tais inseguranças e frustrações levou e ainda leva, muitos homens a resolver esses conflitos da forma como foram educados quando criança: por meio da violência. “Os homens precisam conversar entre si sobre o que é isso do outro precisar comer um monte de mulher, sobre o outro precisar dominar a relação, porque a gente vê muito isso: ‘ah a mulher ta mandando’. E tudo em forma de piadinha para ferir uma masculinidade que é tão frágil. Tão frágil que precisa de creme especial pra homem, pra não dizer que eles estão usando os nossos cremes.” Mulher, especialista, São Paulo
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A luta pela ressignificação do feminino e pela desconstrução do estereótipo do Vestido de Princesa se mostra mais avançada e publicizada. “Tem que assumir que é machista. Se não assumir, nunca vai mudar. E não é assim “eu sou machista para sempre e ponto.” Ok, eu sou machista, então como eu mudo? Quem eu escuto? Quem eu leio? (...) O processo de se libertar do machismo é uma desconstrução eterna, porque sempre nos empurram formas do que você precisa fazer para ser a mulher mais desejada.” Mulher, especialista, São Paulo
Tal ressignificação é inevitável. Resta ao homem escolher entre acompanhar essas mudanças culturais ou ser atropelado por elas. “Os homens e as mulheres são vítimas e produtores e reprodutores do machismo. Se a gente quer mudar a situação de violência dos homens, tem que perceber que eles são parte do problema e parte da solução.” Homem, especialista, Recife
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capítulo 04 Caminhos de desconstrução Conscientização e outras narrativas
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Como a transformação dos homens acontece? Gatilhos e caminhos práticos de mudança Ao longo desta pesquisa, procuramos entender também a transformação em relação a atitudes e crenças sobre gênero. Quais abordagens acessam os homens e conseguem sua escuta? Quais os afastam? No caso dos homens que passaram por mudanças, como elas aconteceram? Com essas perguntas em mente e baseados nas entrevistas e questionários aplicados, mapeamos grandes gatilhos do processo de transformação. Se é farto o material disponível sobre o problema do machismo na nossa sociedade e a gravidade de suas consequências, não é tão comum a produção de mapeamentos dedicados a compreender de que maneira os homens podem mudar seu comportamento. Sabemos que uma mudança de comportamento e mentalidade não acontece da noite para o dia. Não é razoável exigir que alguém ensinado e estimulado a agir de determinada maneira durante décadas se transforme de forma imediata. Tal percurso leva tempo e exige paciência. Além disso, é preciso considerar que cada indivíduo possui um sistema próprio de crenças, valores e referências, e cada pessoa se encontra em um estágio diferente em sua vida. Ressaltarmos ainda que esses gatilhos não são os únicos possíveis e nenhum deles se caracteriza como o mais eficaz. Trata-se de abordagens distintas que podem e devem ser combinadas de acordo com o contexto. Desejamos que esse esforço estimule mais indivíduos e organizações a buscar caminhos para que a transformação aconteça.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. 5. Paternidade Espiritualidade Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
7. Choque: sofrimento profundo, rupturas e crises
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1. Afeto Em uma perspectiva ampla, o ativismo compassivo e afetuoso foi observado como uma maneira bastante eficaz de acelerar as mudanças. É comum que homens jamais tenham tido espaço para discutir suas noções de masculinidade e gênero. Considerando ainda o quanto são pressionados para se mostrarem fortes e viris a todo momento, é compreensível sua dificuldade em se abrirem e abaixar a guarda. O afeto genuíno pode quebrar essa casca, como mostram os exemplos do Instituto Papai, em Recife, e da organização não governamental Promundo, no Rio de Janeiro. Cabe apontar que ter uma abordagem inicial acolhedora não significa necessariamente apoiar as visões que o indivíduo possa ter.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. 5. Paternidade Espiritualidade Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
7. Choque: sofrimento profundo, rupturas e crises 64
2. Exposição ao sofrimento das mulheres Ao colocar o homem diante do sofrimento vivenciado por pessoas prejudicadas pelo machismo, a mudança pode ser disparada. Muitos homens são tocados por relatos de mulheres agredidas, estupradas, mortas ou injustiçadas de algum modo por outros homens, apenas por serem mulheres. Isso se dá especialmente quando se trata de uma mulher próxima a eles. Seria excelente se qualquer relato tivesse esse efeito de sensibilização, mas, infelizmente, nem sempre é assim. De forma inconsciente, depoimentos legítimos podem ser interpretados como mentira ou distorção da realidade. Além disso, é importante lembrar que mesmo em tempos de hiperconexão digital, há sempre pessoas silenciadas. A mudança pode acontecer mesmo quando não a vemos.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. 5. Paternidade Espiritualidade Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
7. Choque: sofrimento profundo, rupturas e crises 65
3. Paternidade Torna-se pai, em especial de meninas, tende a fazer com que os homens revejam as crenças e atitudes que vão transmitir a seus filhos e filhas. Ao se verem na posição de educar e cuidar, naturalmente refletem mais sobre o futuro de suas crianças e qual mundo vão oferecer a elas. Homens que cuidam mais de seus filhos tendem a ser mais felizes. Esse é um momento da vida excelente para rever antigas crenças e atitudes de gênero.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. Paternidade Espiritualidade
5. Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
7. Choque: sofrimento profundo, rupturas e crises 66
4. Espiritualidade A bússola ética, altruísta e compassiva oferecida por alguns caminhos de busca espiritual, sem entrar no mérito aqui de quais religiões se associam a esses valores, também foi identificada como um possível gatilho de transformações para os homens. Ambientes masculinos tradicionais costumam passar longe de noções como empatia e compaixão. Ao nos colocarmos no lugar do outro - exercício que costuma ser estimulado pela espiritualidade - é natural nos tornarmos mais sensíveis aos problemas enfrentados por outras pessoas e mais engajados em contribuir para a mitigação de seu sofrimento. Além disso, a compreensão ampliada sobre o próprio mundo emocional, consequência comum da busca espiritual, também tende a facilitar processos de mudança.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. 5. Paternidade Espiritualidade Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
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5. Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens Tratamos aqui de qualquer espaço no qual o homem se sinta seguro para expor seus pensamentos e sentimentos sem ser julgado por isso, recebendo estímulos, ao mesmo tempo, para a busca de novas masculinidades, menos tóxicas, inseguras e violentas, mais lúcidas, conscientes e seguras. Nesse sentido, podemos pensar em círculos e comunidades formados por homens; espaços e vivências em organizações, institutos e coletivos; consultórios de psicologia; encontros construtivos entre amigos, entre outros. Nesses locais, os homens se sentem confortáveis para expressar suas maiores dúvidas, medos e anseios. Não podemos subestimar o valor de transformação desse processo. Diante de um contexto favorável para que essa abertura aconteça, os homens relaxam e naturalmente exercitam a escuta e a confiança. É uma excelente oportunidade para diálogos e vivências mais construtivos e benéficos. Além disso, a rede de apoio constantemente abastece os homens com os exemplos e referenciais de outros homens, encorajando e facilitando a mudança.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. 5. Paternidade Espiritualidade Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
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6. Exaustão e infelicidade profissional Uma vez que o desempenho profissional é um dos centros da identidade de muitos homens, esse aspecto está ligado a boa parte de suas crenças, ações e escolhas. Na exaustão com a carreira e nos tensos ambientes corporativos, muitas vezes pautados por uma cultura de extrema inflexibilidade e pressão que possui traços machistas, é comum observarmos homens que chegam ao limite e decidem alterar radicalmente a maneira como vivem. Nesse momento de ressignificação de suas escolhas e valores, há espaço para reflexões sobre expectativas associadas à masculinidade e seu papel como homem. Quando questionamos a necessidade de ser um homem "vencedor" na vida profissional e quais parâmetros são usados para definir essa ideia de "sucesso", estamos colocando em xeque todo um discurso sobre masculinidade, o que pode levar a mudanças mais profundas nas crenças e atitudes relacionadas a questões mais amplas de gênero. Será que nunca posso falhar na cama? Será que devo ser o provedor do lar, um sujeito sempre pronto para a luta? Se eu dividisse a pressão com minha parceira, de que maneira nossas vidas seriam diferentes? O que será que ela espera de mim como homem?
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. Paternidade
4. Espiritualidade
5. Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
7. Choque: sofrimento profundo, rupturas e crises 69
7. Choque: sofrimento profundo, rupturas e crises Momentos de ruptura e de sofrimento profundo - término de relacionamento, casos de doença, falecimento de pessoa próxima, entre outros - tendem a facilitar e estimular a abertura do indivíduo para mudanças significativas. No caso de um homem que agride uma mulher, por exemplo, ele pode se ver punido social, emocional e juridicamente, o que envia a mensagem de que essa atitude não será aceita nem por sua parceira, nem por amigos(as), nem pela sociedade. Ao longo desse caminho de ruptura, a mudança pode acontecer, em especial quando auxiliada por medidas como os grupos reflexivos para autores de violência (uma determinação da Lei Maria da Penha), a orientação de psicólogos e o diálogo com pessoas próximas.
1. Afeto
2. Exposição ao sofrimento das mulheres
3. 4. 5. Paternidade Espiritualidade Acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens
6. Exaustão e infelicidade profissional
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Quatro níveis de desconstrução Vivemos transformações significativas nos últimos anos, mas o modelo do herói ainda prevalece em nossa sociedade. Esse modelo, ao mesmo tempo que permite privilégios aos homens, limita as suas relações íntimas e sociais. O estereótipo da Armadura do Herói determina diferentes maneiras de relacionamento do homem consigo e com o entorno.
Eu comigo
Eu com o outro
Eu com a sociedade
Eu com o mundo
Conscientizar-se sobre essas diversas formas de ser é o primeiro passo para sua desconstrução.
71
1.RÍGIDO
Eu comigo
Eu com o outro
Eu com a sociedade
Eu com o mundo
A receita cultural do que significa ser homem é restrita e limitada. Meninos crescem aprendendo a negar o feminino dentro de si e a transitar dentro dos limites da caixa masculina. Essa doutrinação cria uma rigidez de identidade, o que impede uma liberdade de expressão mais ampla da individualidade. O homem precisa reconhecer que muito dos seus comportamentos e valores estão pautados em um modelo antigo de crenças e atitudes. Ser forte e sensível ao mesmo tempo, por exemplo, não é algo contraditório. É apenas mais uma maneira de ser. Ao entender que, por um lado, a pressão de outros é uma consequência da prisão da masculinidade e que, por outro lado, atributos femininos e masculinos estão presentes em todos nós, qualquer homem ganha permissão para criar a própria receita do que é ser homem no mundo de hoje.
72
2.DOMINADOR
Eu comigo
Eu com o outro
Eu com a sociedade
Eu com o mundo
Provas de coragem, força e desempenho sexual, além do bullying com outros para que estes se mantenham dentro da Caixa do Homem, são as principais maneiras de o homem elevar sua estima identitária e demonstrar dominicação sobre seus pares masculinos. Já com a mulher, desde o princípio o homem adota uma postura de dominador. Preso ao estereótipo da Armadura do Herói, ele precisa e exige que a mulher cumpra com as expectativas representadas pelo Vestido de Princesa - e essa é a raiz do machismo. Assumir que suas relações íntimas e sociais sofrem pressão para que se ajustem aos estereótipos de gênero é um passo significativo para que o homem pare de julgar o outro de acordo com as lentes do machismo e passe a construir interações sociais mais completas e duradouras.
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3.COMPETITIVO
Eu comigo
Eu com o outro
Eu com a sociedade
Eu com o mundo
O homem aprende que encontrará sua dignidade masculina na rua e no trabalho e que, para isso, deve ser melhor do que os outros, até atingir o posto mais alto dentro de qualquer hierarquia que acredite estar inserido. Cabe a ele questionar sua atuação em sua comunidade. Uma sociedade que ainda precisa lutar por igualdade de gênero e raça carece de lideranças e de representação. Como, em um contexto social tão rico e diverso, alguns privilégios se mantêm e perpetuam um modelo hegemônico antiquado que premia o mais competitivo?
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4.VENCEDOR
Eu comigo
Eu com o outro
Eu com a sociedade
Eu com o mundo
Na relação com o mundo, o homem se vê como um conquistador que comprova sua masculinidade por meio de posses e posições. Dentro dessa lógica, a vitória é o único resultado possível. Essa crença individualista leva a uma relação pouco equilibrada com a vida em sociedade. Uma nova ordem está emergindo, na qual a hegemonia sobre os outros e sobre a natureza não tem lugar. Devemos aspirar a uma sociedade não violenta, com liberdades e relações mais justas entre todos e todas. Essa é a busca que qualquer indivíduo motivado a ser um agente de mudança deve assumir para si. Não perpetuar uma narrativa cultural de desigualdades tem de ir além do discurso. Se não tomarmos atitudes concretas que realmente rompam com o status quo, nada mudará.
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Reconhecer, assumir, questionar e não perpetuar: o caminho de desconstrução da Armadura do Herói. As novas crenças sobre o que é ser homem serão construídas ao longo das próximas décadas, em resposta aos desafios que o modelo de masculinidade dominante enfrenta e seguirá enfrentando. Outra narrativa deve nascer de forma orgânica, resultado das lutas por liberdades individuais, igualdade de gênero e justiça social. Conscientizar os indivíduos para a desconstrução dos estereótipos de gênero nocivos começa por meio de questionamentos e atitudes que ajudem todos e todas a se libertarem de um modelo opressor e obsoleto para as necessidades da atualidade. Na luta por um mundo de equilíbrio, desenvolvimento e igualdade para todos e todas, é fundamental uma nova atitude masculina na relação consigo e com os outros.
“Não tem que formatar o homem de outra maneira. Tem que aceitar a diminuição [das regras] e transitar nela.” Mulher, especialista, São Paulo
76
10 atitudes que os homens podem assumir para se tornarem agentes de mudança
1
Questione e confronte amigos que contam piadas preconceituosas (sexistas, racistas, homofóbicas, etc.).
2
Não interrompa uma mulher enquanto ela fala e colabore para que outras pessoas demonstrem o mesmo respeito.
3
Nunca subestime ou desconfie da capacidade de uma mulher de expressar suas ideias ou de compreender o que está sendo dito.
4
Reconheça que você é machista em algum nível e fique atento a comportamentos automáticos que ajudam a perpetuar o machismo. Reflita sobre eles e tente mudar suas atitudes.
5
Nunca use termos agressivos para atacar ou confrontar mulheres que fogem dos estereótipos de gênero femininos seja em seu comportamento, seja em sua expressão de identidade.
77
6
Nunca exponha, publique ou compartilhe fotos e vídeos íntimos de uma mulher nas redes sociais.
7
Demonstre afeto a um amigo, por meio de palavras ou gestos de carinho, sem precisar estar bêbado para isso.
8
Se conhece alguém que está sendo desrespeitoso ou violento com a parceira ou com as mulheres em geral, converse com ele sobre isso e ajude-o a procurar auxílio. Não finja que não é com você.
9 10
Converse com amigos sobre o tema da violência contra a mulher. Ajude-os a entender que os homens praticam vários tipos de violência - não só a violência física - e que esse é um problema grave que precisa ser resolvido. Nunca faça uso de força para ameaçar, coagir, intimidar, assediar ou agredir uma mulher. Aprenda a ouvir "não".
78
Apêndice Para o homem ser um agente de mudança, a sua atuação pode e deve combinar os gatilhos identificados com diferentes mecanismos a seguir. Reforçamos que de modo algum essa lista é definitiva e esperamos conhecer mais histórias inspiradoras que nos ajudem a enriquecê-la.
79
10 mecanismos para envolver os homens no processo de transformação 1. Educação escolar Não tratar de gênero é tratar de gênero. Ao escolher abolir esse tema das salas de aula, estamos enfatizando que a visão correta é a do status quo. Ou seja, significa deixar o mundo como está: machista, sexista, homofóbico e transfóbico.
2. Propagação de outras narrativas sobre gênero na mídia Sabemos que as escolhas de um veículo de mídia são guiadas pelas visões de mundo dos seus proprietários, editores e jornalistas. Quando a imprensa passa a considerar a questão de gênero como um dos pilares centrais do debate social, naturalmente isso se refletirá na escolha de pautas, personagens e fontes, nas perguntas feitas nas entrevistas, nas fotos usadas, nas aspas colocadas em destaque, nas campanhas de marcas veiculadas. Os meios de comunicação podem atuar em prol da igualdade de gênero como mostram o Think Olga e o PapodeHomem.
80
3. Advocacy em políticas públicas A recente extensão da licença-paternidade no Brasil, de 5 para 15 dias, é um exemplo de políticas públicas favoráveis a um mundo com mais igualdade entre os gêneros. Afinal, se ao pai não é concedido tempo para ficar em casa com o bebê, a mensagem é a de que cuidar dos filhos se trata de uma responsabilidade exclusiva da mãe, e não dele. Outro exemplo seria garantir o direito de que as escolas discutam gênero na sala de aula.
4. Grupos reflexivos para autores de agressão A Lei Maria da Penha determina que os homens autores de agressão sejam encaminhados a grupos reflexivos. Lá, ao longo de um série de encontros os homens passam por vivências e conversas facilitadas por especialistas. Pesquisas mostram que é significativa a diferença na taxa de reincidência de agressões entre os homens que não passam pelos grupos e aqueles que passam: 75% no primeiro caso e até 5% no segundo. É necessário garantir a continuidade desse trabalho e mitigar a falta de mão de obra especializada para conduzir os grupos, mas os resultados são bastante animadores.
5. Espaços de acolhimento para discutir masculinidades Trata-se de espaços em que os homens podem se ajudar a deixar de lado comportamentos autodestrutivos que reproduzem uma masculinidade tóxica, desenvolvendo possibilidades mais lúcidas e conscientes. Se o acesso a esses locais é um gatilho para a mudança, conforme mostramos antes, é essencial que mais espaços sejam criados e mantidos.
81
6. Educação pelos pares Por meio de conversas, apoio e exemplos positivos, homens que já possuem um olhar mais crítico devem se tornar parceiros de crescimento para outros homens. Com base nos laços de confiança e afeto, eles podem sensibilizar amigos que não seriam mobilizados de outra forma.
7. Ações educativas independentes Ações independentes conduzidas por pessoas já inseridas na comunidade podem ser meios bastante eficazes de mobilização e transformação. As possibilidades incluem passeatas, protestos, debates e conferências, entre outros. Ao longo dessa pesquisa, nos deparamos com alguns exemplos concretos dessas ações: um grupo de discussão sobre questões de saúde do homem, com o apoio de médicos, na laje de um bar local; um torneio de futebol realizado pela ONG Promundo no morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, onde só podia jogar quem participasse de palestras educativas; ou ainda os cinedebates educativos e a distribuição de camisinhas em escolas, realizados por um dos grupos Gaymado - grupo de queimada LGBT - em Recife com apoio e orientação do Instituto Papai.
82
8. Ativismo compassivo Como manter a própria paz, estabilidade emocional e conexão com outro diante de tanta injustiça e opressão? Como não enxergar inimigos nas pessoas que, em minha opinião, deveriam se transformar? Como não ser consumido pela raiva, frustração e indignação? A partir de perguntas como essas surgiu a perspectiva do ativismo compassivo. Trata-se de uma abordagem mais empática e acolhedora, tanto com quem deseja se transformar, quanto com a própria pessoa ativista, cujo foco é a busca por uma sociedade mais justa e equitativa. Para saber mais, recomendamos o site Compassionate Activism, um projeto do Everyday Feminism, liderado pela ativista Sandra Kim.
9. Comunicação não violenta e didática na discussão do tema A Comunicação Não Violenta (CNV) é uma proposta criada pelo psicólogo clínico Marshall Rosenberg, que aplicou o modelo de CNV em programas de mediação de conflitos em Ruanda, Burundi, Nigéria, Malásia, Indonésia, Sri Lanka, Sérvia, Croácia e Irlanda, entre outros. As contribuições teóricas e práticas de Rosenberg são amplamente utilizadas nas áreas de mediação e definição de conflitos e podem ser bastante eficazes ao lidarmos com diálogos e debates sobre gênero. Assim, em vez de incentivar polarizações, podemos aprender a dialogar com quem pensa radicalmente diferente de nós e a construir pontes de lucidez.
83
10. Respaldo de lideranças organizacionais para a mudança O respaldo declarado dos líderes é mais importante do que parece. Em ambienetes corporativos, por exemplo, é comum que funcionários sejam mal vistos por deixarem o expediente mais cedo para levar o filho ao médico. Ou seja, são silenciosamente punidos por serem percebidos como menos motivados, menos ambiciosos ou até mesmo preguiçosos, ao não priorizar o trabalho. Dessa forma, para deixar claro que a mudança é esperada e estimulada, é fundamental que as lideranças organizacionais declarem abertamente seu apoio. Caso contrário, a mensagem implícita pode ser ambígua, desencorajando as pessoas a assumir comportamentos que fogem à regra. Exemplos positivos seriam uma chefe elogiar publicamente o funcionário que faz uso da licençapaternidade estendida ou um líder político que, diante da opinião pública, valoriza os posicionamentos dos quadros femininos de seu partido.
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Irene Loewenstein Isabella Ferreira Isis Ramos Ivan Martins Jakson Lira Joaquim Pessoa Jorge Lyra José Carlos Arcoverde José Osse Karen Rego Leandro Tonetto Leonardo Cavalcanti Linda Cerdeira Luiz Henrique Ribeiro Lula Queiroga Marcelo Santos Marcelo Silva Ramos Marcia Baja Marcia Tiburi Márcio Chagas Márcio da Paz Márcio Santos Marco Aurélio Martins Marcos Nascimento Mari Messias Maria Giulia Pinheiro
Maria Guimarães Mariana Azevedo Mariana Donatelli Mariana Moura Mariane Barbosa Cabral Michel Alcoforado Milena do Carmo Nicola Sultanum Paula Barcellos Pedro Fonseca Rafael Carlucci Rayssa Araujo Renata Andrade Renata Gamelo Ricardo Crestani Rico Dalasan Rodrigo Bordigoni Rodrigo Trevisan Sirley Vieira Talita Silva Tatiana Moura Thais Fabris Thaisa Person Vanessa Kiling
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TIME DO PROJETO QUESTTO|NÓ RESEARCH
PAPODEHOMEM
Responsável pelo projeto gráfico de pesquisa qualitativa Andrea Kulpas
Diretor de conteúdo e criação Guilherme N. Valadares
Recrutadora e analista de pesquisa Camila Hessel Guimarães Diretor de pesquisa qualitativa Gabriel Rosemberg Diretor de pesquisa qualitativa Gustavo Rosa Silva
Diretor de negócios Felipe Silveira Ramos Diretor financeiro e de operações Eduardo Amuri Gerente de projetos Rodrigo Cambiaghi
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Editores Jader Pires Luciano Ribeiro
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Coordenação-geral Amanda Kamanchek Lemos Produção-executiva Adriana Carvalho
Diretor em pesquisa quantitativa Leandro Tonetto Analista de pesquisa Tiago Moresco Henrique Renk Priscila Renk
Comunicação Isabel Clavelin Amanda Talamonte
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TIME DO PROJETO GRUPO BOTICÁRIO Analista de comunicação Ana Flávia Medina e Marquez Andressa de Ornelas Grilo Coordenadora de comunicação Fernanda Krieger Bacelar Pereira Wallace Faria Vice-presidente de desenvolvimento humano e organizacional Lia Azevedo Analista de sustentabilidade Luana Suzina Gerente de sustentabilidade Malu Nunes Gerente de comunicação Mariana Scalzo Coordenador de sustentabilidade Renato Amendola Diretora de identidade organizacional Vanessa Machado
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Obrigada/o