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universidade de são paulo
Escola de Comunicações e Artes
pela capa, parece bom… A Cosac Naify e sua presença singular no mercado editorial contemporâneo (1997-2013)
São Paulo, 2013
universidade de são paulo
Escola de Comunicações e Artes
Vitor Rodrigo Donofrio Arruda
pela capa, parece bom… A Cosac Naify e sua presença singular no mercado editorial contemporâneo (1997-2013)
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Editoração, sob orientação da Profa. Dra. Marisa Midori Deaecto
São Paulo, 2013
banca examinadora Marisa Midori Deaecto (orientadora) Doutora em História Econômica (FFLCH-USP) e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) Plínio Martins Filho Doutor em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) João da Silva Ribeiro Neto Mestre em Teoria e Crítica Literária (Unicamp) e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP)
resumo Este trabalho analisa a trajetória da editora paulistana Cosac Naify, inaugurada em 1997 com a proposta inicial de incentivar a divulgação das artes plásticas no país, cobrindo uma lacuna existente no mercado editorial nacional. Além disso, analisa seu desenvolvimento em outros gêneros, em especial literatura e infantojuvenil, desencadeado através de um processo de diversificação de catálogo, iniciado no ano 2000. Temos por objetivo destacar as singularidades da editora, conhecida pelo tratamento que confere às suas edições, baseados em dados quantitativos e análises de forma e conteúdo de alguns títulos de seu catálogo. Buscamos compreender como se dão o contato com o leitor, o diálogo com as novas tecnologias e tendências de mercado e como a editora se posiciona em relação às discussões acerca dos suportes alternativos (livros de bolso e e-books), uma vez que construiu seu nome apostando em novas possibilidades para o livro tradicional. Palavras-chave: Cosac Naify, mercado editorial, design, livro-objeto, editoras brasileiras
abstract This paper analyzes the path of Cosac Naify (CN), Brazilian publishing house located in the city of Sao Paulo. Established in 1997 with the aim to encourage the dissemination of visual arts in Brazil, CN sought to fill a gap within the national editorial market. Moreover, this work analyzes CN’s development in other segments, in particular literature and children/juvenile books, triggered through a process of diversification of its catalogue in 2000. We intend to highlight the singularities of the publishing house, known for its care for editions, based on quantitative data and analysis of form and content of some of CN’s titles. We seek to understand the contact with readers, the dialogue with new technologies and market trends, and how the publishing house is positioned in the discussions concerning alternative supports (as pocket books and e-books), now that CN has established its name for envisioning new possibilities for the traditional book. Keywords: Cosac Naify, editorial market, design, book as an object, Brazilian publishing houses
Ao querido Prof. Dr. Ivan Prado Teixeira. Que pena… Nosso café ficou pra uma outra ocasião.
Agradecimentos
A
gradeço a Deus, que me permitiu viver essa jornada e hoje me concede a graça de concluí-la. Agradeço à minha mãe pelo apoio e amor incondicionais e também ao meu pai que, à sua maneira, muito contribuiu para minha formação. Sou muito grato à minha família, que sempre incentivou todos os meus planos. À professora Marisa, pela paciência e por ter acolhido este projeto. Aos professores e amigos de Edit, Liris, Eliezer, Giba, Carla, Pietro, Diego e vários outros… Pelas risadas, pães de queijo e experiências editoriais insólitas. Sou imensamente grato aos meus queridos irmãos de comunidade e demais amigos do Caminho Neocatecumenal, por terem torcido tanto por mim durante todos esses anos. A presença de vocês é mais do que fundamental. Agradeço aos meus chefes, Joana e Haroldo e a todo pessoal da Alameda Casa Editorial pelo suporte e direcionamento profissional. Aos meus “trutas” Danuza e Gabriel, com os quais dominarei o mundo um dia desses. À Miriam e ao Rômolo, que por mais de três anos proveram meu transporte de Jundiaí até a USP. 1 milhão de obrigados não seria o bastante.
Aos meus irmãos de vida, Jonas, Marcelo, Tiago Mário, Letícia, Thiago Bigardi, Paulo, Raquel. João e Bia também, como não? Que bom celebrar mais esta alegria ao lado de vocês! Agradeço ao Samuel pela cumplicidade e afeto em todos os momentos. Até quando eu falei que ia largar História pra fazer “aquele curso estranho”. Agradeço à equipe da Cosac Naify pela prontidão com que me concederam valiosas informações. Por fim, agradeço à Escola de Comunicações e Artes, à Universidade de São Paulo e a todos que as mantêm. Ter passado por aqui foi um grande marco em minha vida.
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Sumário introdução
15
justificativa
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oblómov sai da cama. e funda uma editora “Jogue as tranças!” Crise de debutante
29 35 39
“tão bonito que dá vontade de comer” É preciso critério
43 50 52
uma análise quantitativa do catálogo
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análise de algumas edições
67 69 71 74 75
Para abrir num momento especial
• Moby Dick Forma Conteúdo Divulgação
• Zazie no metrô Forma Conteúdo Divulgação
• Guerra e paz Forma Conteúdo Divulgação
79 81 84 86 93 97 101 102
• Os 25 poemas da triste alegria Forma Conteúdo Divulgação
• a máquina de fazer espanhóis
107 111 114 116
Divulgação
119 122 126 128
cosac naify para ler no caminho Quase por acaso, o primeiro lançamento “Pequeno. Notável” Dando o braço a torcer
133 140 143 150
entrevista
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considerações finais
171
bibliografia
176
Forma Conteúdo
introdução
Dia de feira
A
Universidade de São Paulo promove anualmente sua Festa do Livro, mais conhecida entre os estudantes como a Feira do Livro. Nesta ocasião, editoras de todo o país se aglutinam nas instalações da Escola Politécnica para vender seus livros com descontos de, no mínimo, 50%. Muitas pessoas se programam ao longo de todo o ano para poder adquirir as obras de seus autores favoritos, livros universitários, de arte, revistas em quadrinhos, entre tantos outros. Para muitos alunos, o preço mais acessível é um fator crucial para poder adquirir determinados títulos, cujos valores normalmente altos por vezes inviabilizam sua compra. Tal comoção é compreensível: afinal, estamos na maior universidade da América Latina, uma das mais conceituadas do mundo. É de se esperar que o livro, maior símbolo do saber, seja ali de tal forma celebrado, por leitores ávidos vindos de toda a parte do estado e, quiçá, do país. Nos corredores onde as pessoas se amontoam para poder escolher seus livros, é inegável que algumas editoras causam um maior alvoroço. Algumas têm que montar esquemas especiais para conseguir dar conta da demanda do público, ávido por fazer um bom negócio, mas igualmente temeroso em demorar demais e acabar ficando sem a obra que procura. Em meio a esta confusão, podemos observar uma mulher com um
uniforme preto. Ela é representante de uma dessas casas mais badaladas e suas bochechas vermelhas indicam que o dia está sendo bastante puxado. Os livros estão embalados, muito diferente da maneira pomposa que são expostos nas vitrines das livrarias. Isso é feito para que os clientes não se demorem observando o miolo das obras. De fato, as pessoas já parecem vir de casa com os títulos na ponta da língua, ou melhor, do lápis, escritos em longas listas. A mulher de bochechas vermelhas pega as listas e vai de um lado ao outro do estande, montando com destreza pilhas e mais pilhas de pedidos. Sua atuação tem que ser dinâmica, precisa. Ela conhece os livros e sua posição. Os leitores também são precisos. Provavelmente já conhecem as obras e esperaram com ansiedade a Feira para poder comprar a um preço mais convidativo. No peito da mulher está estampado um logotipo em branco, onde se lê COSACNAIFY. Em pouco tempo, cerca de 16 anos, a editora paulistana conseguiu figurar entre as mais prestigiadas do país, acumulando prêmios e fãs. A sacola transparente com o logotipo em preto, desconstruído em fragmentos, contém obras que pretendem despertar no leitor um antigo prazer, que está aos poucos se perdendo: usufruir um livro não apenas por seu conteúdo intelectual, mas por suas características físicas, tácteis. Quando vemos a edição de Zazie no metrô, por exemplo, encontramos um projeto gráfico pensado para surpreender. Suas páginas são encadernadas como se fossem um envelope, impressas de todos os lados. Do lado “visível”, temos o texto. Do outro, uma imagem relacionada à história. A imagem é vista apenas de forma parcial, pela transparência do papel, como uma marca d’água. Em Bartleby, o escrivão, as folhas estão costuradas e não há refile: o leitor deve rasgá-las utilizando uma espátula que acompanha o livro, como se fazia há centenas de anos. Em Os 25 poemas da triste alegria, de Carlos Drummond de Andrade, as anotações originais do autor ficam “escondidas” pela página que se dobra
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paralelamente ao poema impresso, dando ao leitor uma ideia de todo o processo de edição. Concebida inicialmente como editora especializada em artes plásticas, a Cosac Naify procurava preencher uma lacuna existente no mercado editorial brasileiro, carente de obras1 na área. Com o tempo, expandiu seu catálogo, abrindo espaço para publicações relacionadas a cinema, arquitetura, fotografia, música, teatro, literatura, ciências humanas (História, Ciências Sociais, Filosofia) e psicologia. Hoje conta também com um abrangente catálogo infantil e desde o segundo semestre de 2012 passou a publicar alguns de seus títulos em formatos alternativos, como livros de bolso e e-books. Fundada em 1997, a editora vem trilhando um caminho bastante singular dentro do mercado nacional, tanto por suas propostas inovadoras dentro do ramo em que se insere, quanto por sua curiosa trajetória, fortemente marcada pela presença de seu fundador e idealizador, Charles Cosac, ele mesmo quase um personagem saído dos livros que publica. Até meados de 2013 foram mais de 1000 obras impressas, sem contar com livros de bolso e e-books. Uma enquete2 realizada em 2010 com professores e críticos de literatura posicionou-a em segundo lugar entre as melhores editoras do país, atrás apenas da badalada Companhia das Letras, fundada há 27 anos. Inicialmente voltada para a divulgação da arte no Brasil, a Cosac Naify tem se tornado um dos principais agentes
1. No início, a grafia do nome da editora era Cosac & Naify, remetendo aos sobrenomes dos dois fundadores, o brasileiro Charles Cosac e o norte-americano Michael Naify. Contudo, temeroso de que a empresa acabasse por receber “apelidos” por causa do “&”, decidiu-se elaborar um logotipo que juntasse os dois nomes, algo como COSACNAIFY. Quando escrito por extenso e em citações bibliográficas, tal como a nomenclatura em fichas catalográficas, a grafia adotada foi Cosac Naify. Esta é a forma que usaremos nesta monografia. 2. Valor Econômico, 23/07/2010.
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de uma época em que leitor busca diferenciais que vão além do conteúdo e que pesam em sua decisão de compra. Especializando-se em trazer ao público obras já consagradas, mas valendo-se de uma revitalização, baseada no estilo que a consagrou, a editora pôde ela mesma tornar-se uma “grife das letras”,3 dando ao livro impresso um duplo caráter: portador da informação, do conhecimento, e, de forma análoga, ele próprio um objeto de desejo, com uma aura e um status. Todos os anos me junto aos ávidos leitores (e consumidores) na Festa do Livro, que chega a lembrar grandes magazines de roupas em liquidação, tamanha euforia e gana de seus participantes. Confesso que não resisto a sempre comprar pelo menos um título da Cosac Naify, única editora até o momento cuja a logomarca chama minha atenção tanto ou mais do que o próprio nome do autor estampado na capa. Isso se dá comigo e com muitas outras pessoas, o que talvez possa ratificar a alcunha de “grife” alcançada pela empresa ao longo dos anos. A ponto de, inclusive, ser a inspiração deste trabalho, tendo em vista suas características ímpares presentes desde sua fundação até a maneira que lida com a revolução contemporânea pela qual passam todos os meios de comunicação, do rádio ao livro, do cinema à imprensa. A Cosac Naify é um objeto de estudo de interesses múltiplos. Perscrutar sua trajetória é esbarrar em vários ideais de empresa que foram se modificando ao longo dos anos, ora subvertendo as expectativas do mercado, ora cedendo a elas, como tem ocorrido ultimamente. O que não se modifica é o empenho em surpreender, o que certamente acabou por criar um público mais exigente, sedento por novas possibilidades dentro do nicho mais tradicional da cultura. Falar sobre a editora torna necessário o debruce sobre essa constituição da marca, seus diferentes 3. Expressão cunhada por Luiz Chagas. “Grife das letras”. Isto é, ed. 1671. Disponível em http://goo.gl/piomYk, 10/10/2001.
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valores agregados, fatores positivos e negativos. A quem seu produto se destina e, tão importante quanto, a quem não. A atendente da Cosac sabe que terá um dia cheio, correndo por todos os lados num cansativo esquema de separação e pagamento dos títulos, sem falar nas listas de reserva de obras esgotadas, que só serão repostas no dia seguinte. O movimento ali é maior do que na maioria das outras barracas. É o preço de tornar-se, quem diria, mainstream.
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justificativa
Pela capa, parece bom‌
S
empre fui apreciador de edições bem trabalhadas, com apresentação eficiente, fossem de livros ou filmes em DVD e blu-ray, os quais coleciono há muitos anos. Ao longo de minha graduação pude concluir que o apreço pelo material editorial deve ser um objetivo constante para o editor, a fim de valorizar o trabalho do autor e entregar ao leitor um produto de qualidade, que faça jus ao valor investido e possa ser ele próprio um objeto de afeição. O grande mérito dessas edições diferenciadas é apresentar o conteúdo de maneira impossível de ser reproduzida por outros meios. Nesse aspecto, o livro talvez seja o exemplo mais icônico, pois existe uma atração e uma forte imagem cultural ligados à sua figura. As plataformas digitais, como o iPad por exemplo, não muito fizeram além de simular a experiência do livro impresso, utilizando-se dos mais variados meios para imitar, de forma satisfatória, o design e o manuseio do objeto. O livro não chegou à contemporaneidade por acaso: apesar de existir em diversos formatos, sua essência sofreu poucas alterações ao longo dos séculos, considerando as possibilidades técnicas de cada época, em especial no que diz respeito à reprodutibilidade. Ainda hoje detém o status de principal suporte para a leitura e sua superação tecnológica tem sido discutida por estudiosos e demais envolvidos no ramo editorial.
Meu interesse, em detrimento dos livros digitais e das especulações que envolvem sua popularização, toma por objeto a Cosac Naify, editora que tem no livro convencional seu chamariz, destacando-se pelo tratamento que confere aos seus títulos. Enxergo aqui um paradigma: numa época de grande efervescência no que diz respeito às novas tecnologias, com a preocupação, de boa parte das editoras, de adaptar-se a uma nova realidade, a Cosac Naify consegue destaque justamente por apostar no contrário, no livro de papel. Criou seu catálogo dedicando-se ao refinamento da maneira habitual de editar livros no Brasil, tanto no aspecto visual quanto no tratamento do conteúdo e valorização da exclusividade. Por mais que os novos suportes tragam ao leitor – ou usuário, como preferem as grandes empresas – inúmeras vantagens, inclusive na questão financeira, ainda é forte o apelo do material impresso. Esse tipo de mídia tem seu público cativo, e talvez seja precipitado afirmar que essas pessoas estejam dispostas a mudar seus hábitos de um dia para o outro, simplesmente porque a tecnologia permite. A curiosa trajetória da editora, iniciada em 1997 por Charles Cosac e seu cunhado, o norte-americano Michael Naify, é um exemplo singular de negócio criado para atender aos anseios de seus fundadores. Em um primeiro momento, seu maior objetivo era resgatar, divulgar e valorizar a arte brasileira. A editora seria, assim, uma vitrine, atuando como agente incentivadora da arte e de sua propagação pelo país. Com o tempo, o catálogo diversificou-se, abrindo espaço para outros segmentos. Virou chavão nos corredores do meio editorial enxergar a Cosac Naify como um caso isolado no mercado. Ainda que seu nome figure entre os das editoras comerciais mais importantes do país, como Companhia das Letras, Editora 34, Record e Objetiva, sabe-se que a empresa se sustenta majoritariamente pela fortuna de seus fundadores e sócios, por muito tempo não obtendo qualquer lucro, apesar do prestígio acumulado. É de meu interesse estudar essa singularidade, compreender os pontos fortes
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e fracos da editora, conhecer no que ela difere de qualquer outra empresa que precisa de “resultados” para subsistir, e verificar de que modo se dá o glamour envolvendo seu nome. Escolhi esta editora por entender que, dentro dos ideais do processo editorial assimilados nos anos de graduação, sua atuação pode ser assinalada como um exemplo positivo. É intrigante refletir sobre como a Cosac Naify tem enfrentado o desafio de falar para diferentes públicos, sua atuação nas redes sociais, as maneiras de conquistar novos mercados, de manter o livro como uma plataforma sedutora, resultado do trabalho de diversas pessoas em diversos segmentos. Em suma, ele próprio uma obra de várias artes.
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obl贸mov sai da cama. e funda uma editora
“Ninguém tinha ouvido falar dele”
Charles Cosac ao lado de sua ex-professora em Essex, a historiadora e crítica de arte inglesa, Dawn Ades. Foto de Tomás Rangel.
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ico, excêntrico, culto, tímido, recluso. Um Oscar Wilde brasileiro que vai à missa todos os dias, desfilando por Higienópolis com suas túnicas de grife e pedras preciosas incrustadas nos dentes. Não são poucos os adjetivos que tentam definir a personalidade de Charles Cosac, fundador da editora paulistana que leva seu sobrenome. Um reduzido número de editores brasileiros poderia se gabar de causar alvoroço na mídia, tal qual uma celebridade de TV ou da música. Cosac tem essa prerrogativa, apesar de muitas vezes afirmar que não gosta da fama e que se arrepende de ter colocado seu nome na editora, temeroso de que sua figura alcançasse mais visibilidade do que seu trabalho.1 Quando a Cosac Naify surgiu no mercado, em 1997, deixou os profissionais do meio intrigados. Segundo Marcos Pereira, diretor da editora Sextante, “ninguém tinha ouvido falar dele (Charles)”.2 Não era para menos. Na época com 33 anos, Cosac acabara de retornar ao Brasil, após viver no exterior desde a adolescência. A família Cosac chegou ao Brasil por acidente. Na década de 1930, o patriarca, Eduardo, deixou a humilde cidade de Kafroun, na Síria, rumo 1. “Cosac resiste em publicar arte com arte”. O Estado de S. Paulo, 28/01/2001. 2. Carlos Graieb. “Papel Cuchê”. Veja, ed. 1642, 29/03/200, pp. 214-215.
a Nova York, onde seria recebido por seus parentes. O navio, contudo, aportou em Santos, local onde ele permaneceu. Nos Estados Unidos, o nome da família foi registrado como “Cusack”.3 Charles nasceu no Rio de Janeiro, no ano de 1964, filho de Mustafá e Hend (aqui rebatizada Vitória), magnatas da mineração de ferro e manganês. Passou a infância entre a cidade do Rio e Petrópolis, criado com rígida educação, num ambiente em que crianças e adultos costumavam fazer as refeições separadamente. Por serem muito reservados, não escaparam de chacotas e zombarias de outras crianças. Certa vez picharam no muro de uma das residências da família que “ali moravam os Adams”.4 Teve com o pai um relacionamento difícil, que perdurou até a morte de Mustafá, em 2011. Ausente e autoritário, passava a maior parte do tempo no sertão da Bahia, cuidando de negócios. Ainda muito jovem, Charles Cosac descobriu-se homossexual, o que pode contribuído para agravar ainda mais as relações com a família, bastante tradicional. Em 1978, então com 14 anos, Cosac passou a morar na Inglaterra, seguindo seus estudos num prestigiado colégio interno de pouquíssimos alunos, vários deles filhos de sheiks árabes. Graduou-se, curiosamente, em Matemática, como justificativa para manter-se fora de casa, tendo futuramente ingressado no mestrado em História e Teoria da Arte, na Universidade de Essex. Ainda que distante do Brasil, nunca deixou de ter os olhos voltados para o cenário da arte nacional. Em Essex, funda a University of Essex Collection of Latin American Art (UECLAA), em 1993, primeira coleção pública de arte latino-americana na Europa, para a qual colaborou com várias doações de obras de sua coleção particular. Foi na universidade inglesa que conheceu o norte-americano Michael 3. Helio Rara. “Preto no branco”. Disponível em www1.folha.uol.com.br/fsp/serafina/sr0806200803.htm, 08/06/2008. 4. Idem.
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Naify, herdeiro de riquíssima família proprietária de uma das maiores redes de cinema dos Estados Unidos – com quem fundaria a editora anos mais tarde. Em 1994 Charles Cosac conseguiu patrocínio para fazer o livro de um grande amigo, o artista Siron Franco. Na época, estava cursando o doutorado em São Petersburgo, na Rússia, e voltou ao Brasil pelo período de cinco meses para concluir a edição da obra, permanecendo na casa dos pais, no Rio de Janeiro. Cativado pela experiência, afirmou anos mais tarde: Voltei para a Europa, mas deixei meu coração aqui. Eu tinha interesse em continuar fazendo livros, mesmo porque depois que você faz o primeiro, não para.5
Frustrado com os rumos de sua vida profissional, Cosac até então nunca trabalhara na vida; apesar de ser grande apreciador das artes, música e moda, não tinha aptidão para executá-las. O contato com o ofício de editor pareceu-lhe uma maneira de lidar com arte de uma maneira diferente, longe da atenção dos holofotes, ideia que muito lhe agradava. Segundo ele, “a editora foi uma maneira de trabalhar com artes visuais sem que precisasse ser o autor”.6 Sobre o assunto, acrescenta: Escrevo muito pouco. Eu já fiz uns textinhos, mas me considero um escritor medíocre. Estou há 15 anos lendo, tenho muito texto para corrigir e editar. Eu sabia na universidade que não seria professor, jornalista, crítico ou curador de museu. Eu queria trabalhar com arte, mas com algo que não me pusesse 5. Bruno Dorigatti e Carolina Casarin. “Charles Cosac, de Tunga a Maria Martins”. Disponível em www.saraivaconteudo.com.com.br/Materiais/Post/10403. 6. Adriana Abujamra. “Um personagem à procura de seus autores”. Valor econômico. Disponível em www.valor.com.br/cultura/2491934/um-personagem-à-procura-de-seus-autores, 20/01/2012.
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tanto em evidência, como abrir uma exposição para mil pessoas. Queria um trabalho mais solitário. O que faço é algo quase caseiro, leio o dia todo (risos). A editora tem um negócio que eu gosto muito: cortar, colar, ver, ler junto. Talvez seja uma nostalgia da escola.7
Cansado de viver fora do país, resolveu voltar definitivamente para o Brasil em 1996. Estava cansado de ser estrangeiro, queria ter uma casa. Trazia consigo, além das bagagens, três grandes projetos: reaproximar-se do pai, casar-se com um homem e arrumar um trabalho que justificasse sua existência no mundo.8 Dos três objetivos, apenas o último foi efetivamente colocado em prática. Era plenamente convicto de sua inépcia em trabalhar para outras pessoas – “Não iam me dar trabalho, meu português é ruim e eu não estava inserido no mercado”.9 Durante uma conversa com o amigo Michael Naify – e agora também cunhado, casado com sua irmã, Simone Cosac –, Charles refletiu sobre os problemas que encontrara no livro de Siron Franco, cuja primeira edição tinha cerca de 15o erros óbvios, primários. A produção artística brasileira era relevante, mas pouco conhecida por aqui, além de pouco prestigiada. A falta de publicações nacionais sobre o assunto criava um ramo praticamente inexplorado pela editoração nacional. Em entrevista para a revista Veja, chegou a afirmar que “os únicos verdadeiros mecenas do país são os bicheiros cariocas, que uma vez por ano gastam milhões
7. Fernanda Pandolfi. “Charles Cosac: matemático das letras”. Zero Hora. Disponível em http://goo.gl/tvuXqg, 03/03/2013. 8. Adriana Abujamra, op. cit. 9. Cynara Menezes. “O editor que leu demais”. Disponível em socialistamorena. cartacapital.com.br/tag/cosac/, 12/12/2012.
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no Carnaval, enquanto a chamada elite usa seu dinheiro em carros e tinta para cabelo”.10 Ambos ricos, chegaram à conclusão de que abrir uma nova empresa, dedicada às artes, seria uma maneira de incentivar sua divulgação e visibilidade, cobrindo o abismo que existia no segmento. Sendo os donos, poderiam cuidar das edições pessoalmente, assumir o controle de todo o processo, conferir aos livros o tratamento que julgassem adequado. No mais, para Charles Cosac, criar sua própria editora foi uma boa solução para seu “desemprego”. Desta conversa nasceria a Cosac & Naify, parceria entre Charles, o cunhado Michael e a irmã Simone.
“jogue as tranças!” A Cosac Naify iniciou suas atividades em 1996, tendo como sede um apartamento de Charles na Avenida São Luís, em São Paulo. Contando com o auxílio de Selma Caetano, atuando como divulgadora e Vanderlei Lopes, produtor, deram o pontapé inicial na confecção dos primeiros títulos da casa. Longe dali, em Florença, Itália, ao lado da esposa e dos filhos, Michael Naify negociava parcerias com editoras de renome, como Tate Gallery e Yale University, a fim de lançar suas coleções no Brasil. Desses contatos viabilizou-se o futuro lançamento da Série Pelican de História da Arte.11 Junho de 1997. Chega às livrarias o livro Barroco de lírios, baseado na obra do artista plástico pernambucano Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão, o Tunga. A obra continha mais de 200 ilustrações, retratando os trabalhos do artista entre 1981 e 1996. A ideia era de que o livro fosse ele próprio uma obra de arte, um objeto para ser apreciado 10. Carlos Graieb, op. cit. 11. Luiz Chagas. “Grife das letras”. Isto é, ed. 1671. Disponível em http://goo.gl/ piomYk, 10/10/2001.
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em forma, conteúdo, textura, imagem. Nele havia, inclusive, a intrigante fotografia de uma trança que, uma vez desdobrada, tinha cerca de um metro de comprimento. Assim, com toda a pompa, a Cosac Naify debutava no meio editorial, como resultado do anseio de seus fundadores em trabalhar como meio de divulgação da arte brasileira, apostando num projeto editorial ousado e até perigoso, uma vez que seu produto final tinha como alvo um público restrito. Aos poucos a empresa foi acontecendo, contando com pessoas especializadas de diversas áreas. Seus livros foram muito bem aceitos, elogiados pela crítica. Entretanto, não podemos falar de sucesso comercial no começo da empreitada. Muito pelo contrário. Em muitos casos os depósitos ficaram cheios de tiragens encalhadas. O empreendimento era mantido pela fortuna das famílias dos fundadores. Durante seus primeiros anos (e até um passado bem recente) a Cosac Naify fechou meses consecutivos no vermelho. Em 1999 chega à editora o diretor financeiro Ivo Camargo, vindo da Companhia das Letras após um período de 12 anos. Com ele, Lílian Gaspari, para o gerenciamento de vendas. Contudo, apesar de um aumento significativo das vendas, a saúde financeira da empresa ainda dependia de aportes monetários de seus sócios. Em 2001, a editora chegava a dar prejuízos da ordem de R$500 mil por mês. Charles chegou a pensar em abandonar o empreendimento.12 É durante esse período caótico que entra em cena o professor doutor da USP, Augusto Massi, que em 2001 assumiu o cargo de diretor editorial. Antes da Cosac, Massi coordenou a coleção de poesia Claro Enigma, da editora Duas Cidades. Foi ele o grande responsável pela decisão da editora de diversificar seu catálogo, introduzindo a coleção Prosa do Mundo, 12. Cynara Menezes, op. cit.
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retomando a tradição dos clássicos em novas traduções diretas dos originais e textos de apoio de especialistas. Já no final de 2000 a Cosac deu início ao seu catálogo juvenil, apostando no best seller As aventuras do Capitão Cueca, que alcançou a marca dos 75 mil exemplares vendidos. Sob a batuta de Augusto Massi a Cosac Naify pôde expandir-se, em todos os sentidos. Os mesmos critérios editoriais foram transferidos para as novas áreas de atuação da editora, que começou a ser mais conhecida pelo público, não mais restrito apenas às artes. Uma reportagem de 2001, do Estado de S. Paulo, assinala a tomada de fôlego da “era Massi”: Quando começou a publicar os primeiros livros no Brasil, há quatro anos, o editor Charles Cosac foi chamado de suicida. Sua posição no mercado editorial logo se tornou incômoda. Afinal, ele só lançava livros de arte em edições luxuosas e a preços mais baixos que a concorrência. Os editores apostavam numa vida curta para o jovem e desatinado colega, então com 32 anos (…). Pouco tempo depois das profecias, a Cosac & Naify (sic) não pára de crescer. Publicou cerca de 60 títulos ano passado, prepara outros 176 para 2001 e diversificou sua produção. Não se dedica mais exclusivamente às artes plásticas, embora já tenha se tornado a referência editorial mais importante do gênero no Brasil. A editora quer agora ser também sinônimo de livros de qualidade na literatura, cinema, fotografia, design e arquitetura, mesmo não tendo conseguido azular suas contas.13
Em 1999 o catálogo da editora contemplava as áreas de artes, moda e arquitetura. Naquele ano, lançou ao todo 21 títulos. Em 2000 abre espaço para ciências humanas, design, livros infantojuvenis e de 13. “Cosac resiste em publicar arte com arte”. O Estado de S. Paulo. Disponível em http://goo.gl/iSSsSy, 28/01/2001.
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literatura, finalizando o período com 34 obras no total. Nessa época foi lançado O diabo e outras histórias, de Liev Tolstói, primeiro representante da famosa coleção Prosa do Mundo, que se tornaria uma das mais bem sucedidas da casa. No ano seguinte o número de livros saltou para 79, mais que o dobro do anterior, mantendo-se a média de 80 livros anuais, que perdura até hoje. Em meados da década de 2000, a Cosac Naify já não mais carregava a aura de empresa sustentada meramente pelos e anseios e idealizações de seus donos, já tendo uma sede própria e funcionários de diversas áreas para dar conta das novas editorias. Apesar de sempre apresentar problemas financeiros, a editora paulistana aos poucos conquistou respeito e admiração de seus concorrentes, da imprensa especializada e também de seu público. O crítico literário José Castello considera a Cosac & Naify (sic) e a Objetiva as duas grandes novidades do mercado editorial nos últimos anos, apesar de ocuparem lugares opostos. “Enquanto a Objetiva se caracteriza pelos altos investimentos e a agressividade no mercado, a Cosac & Naify (sic) se destaca pelo refinamento e pela seleção rigorosa na qualidade” enfatiza Castello, que lembra o sucesso da Companhia das Letras pelos mesmos motivos. De fato, quando surgiu em 1986, a editora comandada por (Luiz) Schwarcz deixou muita gente boquiaberta diante da excelência e do conteúdo editorial. Hoje, com 1500 títulos editados, o editor é um dos primeiros a cumprimentar o colega Charles Cosac. “Quando comparam nosso trabalho, eu sinto que o deles é ainda melhor. A editora começou pequena, mas já fazendo uma coisa boa, uma coisa além, típica de país desenvolvido.”
A boa recepção das novas editorias permitiu que outras, com apelo menos comercial, pudessem ter espaço na editora, apesar da menor
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participação no quesito tiragem e quantidade de títulos. As obras de literatura e infantojuvenis foram as mais bem sucedidas da casa. Entre os infantis, até apostas curiosas como Gabriel, o Pensador e seu Um garoto chamado Rorbeto (que não consta mais no site, sem qualquer justificativa), os jogadores de futebol Pelé, com Minha vida em imagens e Raí, com A turma do infinito e o nadador Gustavo Borges com Tchibum!. Laureada em vários dos mais importantes prêmios brasileiros, como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro e da ABL, a Academia Brasileira de Letras, a editora parecia ter conquistado seu lugar. Augusto Massi se dedicava em procurar novas áreas de atuação e parcerias, enquanto nomes de peso em diversos segmentos, como Ismail Xavier (cinema), Chico Homem de Melo (design), Rubens Figueiredo (tradutor), entre outros, esmeravam-se em construir um catálogo diferenciado, buscando suprimir lacunas do mercado editorial brasileiro.
crise de debutante Em pouco tempo, a Cosac Naify conseguiu o feito de figurar entre as mais importantes editoras do país. O que ela não conseguiu foi manter sua saúde financeira. O ano de 2011, às vésperas de completar 15 anos de existência, foi também um período crise que quase representou o fim da empresa. A situação deficitária da editora sempre foi conhecida e comentada no mercado editorial. Entretanto, seus donos jamais haviam exposto os problemas de maneira clara, até a crise vir à tona. Em maio de 2011, Augusto Massi resolveu sair da Cosac Naify após dez anos à frente da editora. Na ocasião, Charles assumiu novamente a presidência da empresa, cargo que abdicara para atuar apenas como editor “assistente”. No ano anterior, Michael Naify deixara de investir na empresa, hoje custeada pelos Cosac. Uma auditoria deixou clara a gravidade da situação financeira que se apresentava, revelando um rombo de R$4,5 milhões, para o espanto de Charles, que até então acreditava que
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as coisas estavam indo bem, que a editora finalmente estava “no azul”. “Massi sabia? Não, ele é tão ignorante quanto eu no assunto. A minha virtude é admitir minha ignorância”, revelou o editor, ressentido, ao jornal Valor Econômico.14 Cosac não economiza nos elogios a Augusto Massi em relação ao seu desempenho como editor, mas questiona sua atuação como presidente. Cosac considerava Massi seu melhor amigo e lamenta que tenha saído sem se despedir. “Augusto levou a editora à sandice absoluta.” Projetos de autores eram aprovados e depois esquecidos, sem que a editora desse satisfação. Depois da saída de Massi, diz Cosac, um autor bateu à porta da empresa exigindo seu manuscrito de volta e oficiais de Justiça apareceram com ações para romper contratos. Cosac relata que por causa disso perdeu amigos como o crítico de arte Ronaldo Brito e o diretor de fotografia Walter Carvalho, que tiveram livros publicados pela Cosac Naify. “Acho isso humilhante, porque é meu nome”.15
Augusto Massi respondeu às críticas, deixando clara sua contribuição à empresa que, segundo ele, ajudara a construir: (…) Recomendo às pessoas interessadas que visitem o site da editora. Assim, elas poderão avaliar por conta própria o trabalho realizado por mim e pela equipe que coordenei. (…) Quando entrei na editora, o catálogo tinha 80 títulos, a maioria de artes plásticas. Na minha saída, em abril de 2011, ultrapassava 830 (…). Longe de ser um mero editor, como presidente também criei várias parcerias (Sesc, Mostra Internacional de Cinema, Fundação Iberê Camargo, Faap, Instituto Goethe etc), estabeleci 14. Adriana Abujamra, op. cit. 15. Idem.
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uma política agressiva de vendas pelo site, dei maior visibilidade aos nossos livros nas principais livrarias do país, participamos de todos os planos de governo, vendemos direito para o exterior etc. É lamentável que o próprio dono da editora tente desqualificar quem o ajudou a mantê-lo na ponta do processo cultural (…).16
Essas polêmicas se deram há quase dois anos. A Cosac Naify terminou 2012 com mais de 80 obras publicadas, um dos melhores resultados em toda sua trajetória. Até o momento em que este trabalho está sendo escrito, em 2013, esse número já foi superado e a editora caminha para ter seu melhor ano em quantidade de lançamentos. Hoje, o cargo de diretora editorial é ocupado pela antropóloga Florencia Ferrari, que tem apostado em novos caminhos para popularizar a Cosac Naify, mas sem perder a essência que a consagrou no mercado. Indícios desses novos caminhos são a entrada da editora no segmento dos livros de bolso, e também sua adesão ao e-book. Charles Cosac vê seu empreendimento tomar formas muito diferentes do que ele idealizou nos já longíncuos anos 1990. Apesar de ter orgulho da editora que criou, crê que não conseguiu seu objetivo inicial: democratizar o acesso às artes no Brasil. Eu tinha uma bibliografia elementar de História da arte que queria trazer pro Brasil. Por exemplo, às vezes tinha que dar um seminário e era um corre-corre de fotocópias de revistas, quase não existia material. Os artistas tinham pouco espaço de divulgação e registro material. Eu queria fazer livros de arte comerciais, queria que os livros fossem vendidos, e não dados. Que fosse desvinculada a noção de brinde. E nisso eu falhei
16. Augusto Massi. “A versão de Massi”. Disponível em www.valor.com.br/cultura/2491938/versao-de-massi, 20/01/2012.
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barbaramente no meu próprio segmento. A verdade é que a pessoa que consome livros de arte é de elite, e a ideia era justamente o contrário, era deselitizar as artes visuais. Quer dizer: quadro no museu, escultura no museu, e em casa livros de arte na prateleira. Mas isso não deu certo. Ainda tem como preventivo o bendito múltiplo. As pessoas saem dos museus, compram alguma coisa. Uma borracha, um broche, um pôster. Nunca é o livro.17
Se por um lado é difícil encontrar qualquer informação na mídia sobre a editora que não a vincule a seu fundador – no singular, pois de Michael Naify não se acha nada –, a empresa, uma adolescente, cada vez mais parece tomar um rumo próprio, guiada pelos profissionais que nela atuam e pelos leitores que dela se tornaram fãs. Milhares deles, espalhados entre botões de “likes” e compartilhamentos. Sempre destacado pelas colunas sociais em decorrência de suas excentricidades, o tímido Charles Cosac, em detrimento daquilo que idealizava no início, conseguiu criar algo novo, encontrar outros nichos que também precisavam ser supridos. É aí que reside seu mérito como editor. 150 anos se passaram até fosse lançada no Brasil uma obra-prima da literatura russa, o romance Oblómov, de Ivan Gontcharov. O livro foi lançado em edição de luxo pela Cosac Naify no final de 2012, por uma única razão: é um prediletos de Charles Cosac. O personagem principal, que nomeia a obra, é um procrastinador, que passa as 150 primeiras páginas do romance entre a cama e o sofá, vivendo de herança. Charles afirma se identificar muito com o personagem, tanto que seu apelido quando morou na Rússia era Oblómov. Cosac faz o que gosta, enquanto gosta. Questionado sobre o futuro da editora, ainda em 2001, respondeu, tragando seu cigarro: “Minha editora ficará na ativa até quando eu quiser e o sonho durar”.18 17. Bruno Dorigatti e Carolina Casarin, op. cit. 18. “Cosac resiste em publicar arte com arte”, op. cit.
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"tĂŁo bonito que dĂĄ vontade de comer"
O texto é o mesmo, mas…
Terminal Rodoviário do Tietê. A partir do caos, uma das obras mais lembradas da editora, O livro amarelo do terminal. Foto do autor.
A
rodoviária do Tietê, segunda maior do mundo, é um amontoado de gente indo e vindo, de todas as partes do Brasil. Sem dúvidas, um universo infinito para dramas e comédias, músicas, quitutes, gente que se encontra e que se perde. Nesse cenário aparentemente caótico, Vanessa Barbara buscou inspiração para desenvolver seu trabalho de conclusão de curso, quando era ainda graduanda em jornalismo na Cásper Líbero.1 Dando voz a personagens comuns, como motoristas, atendentes, passageiros e demais tipos que frequentam o terminal, Vanessa acabou por criar uma colcha de retalhos em forma de reportagem, retratando São Paulo por meio do lugar que, segundo ela, mais se parece com a rua, trazendo à superfície as mesmas contradições da metrópole. Anos depois, o trabalho de conclusão de curso de Vanessa Barbara tornar-se-ia uma das obras mais intrigantes do catálogo da Cosac Naify. O livro amarelo do terminal, pertencente à Coleção Particular, traz o texto “caótico” traduzido em linguagem visual, composto por elementos de forma e conteúdo em constante diálogo entre si. O projeto 1. Rodrigo Casarin. “A menina e o jabuti – uma entrevista com Vanessa Barbara”. Disponível em http://goo.gl/2iy5HN, 25/10/2009.
gráfico de Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio apresenta ao leitor a dinâmica da rodoviária impressa em papel amarelo. Em alguns pontos, com carbono em sua composição, deixando manchas nas páginas com o manuseio para imitar papel mimeografado. Contidas na diagramação, várias passagens de ônibus antigas, coletadas por Elaine ao longo de sua vida. Por um lado, uma bagunça visual. Por outro, um convite a um olhar menos apressado, em busca dessas vozes singelas tantas vezes ignoradas em meio à urgência cotidiana. “Se criássemos um projeto gráfico apenas organizado e competente, seria como ver a rodoviária vazia, sem ninguém.”2 A autora não viu o livro até ficar recebê-lo em sua casa. Quando finalmente o teve em suas mãos, escreveu um e-mail para a editora, com o mesmo tom cômico de sua escrita literária: Chegou! É um bebê tão bonito e amarelo e ele pia… Gente, ficou lindo. É o livro mais vistoso desde o Manual de refrigeração e ar condicionado (Ed. Fulton, 1366 pp., com diagramas de câmaras frigoríficas). O papel, o “sujinho”, tudo ficou tão bonito que dá vontade de comer. Obrigada! Vocês são demais. Vamos comemorar na plataforma de desembarque n. 82 com bala 7Belo e maisena. Cubram-se de icterícia. v.3
••••• 2. Entrevista com Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio. Disponível em http:// goo.gl/40odHN, 16/06/2008. 3. Idem.
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O processo de transformação de um texto acadêmico, provavelmente pensado e desenvolvido em um editor de texto simples – que há não muito tempo poderia ter sido uma máquina de datilografar ou mesmo um manuscrito – em um produto dotado de outras qualidades, entre elas o apelo visual, talvez seja um exemplo pertinente da função do editor. Mais do que simplesmente reproduzir conteúdo em escala, cabe à editora transformar o texto em um produto cultural, resultado do trabalho de uma cadeia produtiva, desde a leitura dos originais até a diagramação, revisão, correção, impressão, distribuição, comercialização e os inúmeros processos derivados de cada um desses itens. O mercado editorial passa por um interessante momento de discussão no que diz respeito ao que supostamente seria o “próximo passo” na história do livro, gerando polos de opiniões diversas entre os defensores do “livro tradicional” e aqueles que sugerem sua superação pelas plataformas digitais (computadores, celulares, tablets). Deve-se ter em conta, entretanto, que o livro passou por inúmeras modificações – e revoluções – ao longo de sua história, como explica Roger Chartier: Apresentam-nos o texto eletrônico como uma revolução. A história do livro já viu outras! De fato, a primeira tentação é comparar a revolução eletrônica com a revolução de Gutenberg. Em meados da década de 1450, só era possível reproduzir um texto copiando-o à mão, e de repente uma nova técnica, baseada nos tipos móveis e na prensa, transfigurou a relação com a cultura escrita. O custo do livro diminui, através da distribuição das despesas pela totalidade da tiragem (…). Contudo, a transformação não é absoluta como se diz: um livro manuscrito e um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais: as do códex.4 4. Roger Chartier. A aventura do livro. Do leitor ao navegador. São Paulo: Editora
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Apesar de todo alvoroço causado pela discussão, o fato é que ler na tela não é algo novo, uma vez que a primeira digitalização de uma obra pensada como “livro digital” deu-se em 1971 pelo esforço de Michael Hart, utilizando-se a Declaração de Independência dos Estados Unidos.5 Nova é a pressão de uma indústria – de eletrônicos, no caso – em favor do desenvolvimento dessa tecnologia, tendo em vista não exatamente o mercado editorial em si, mas a venda de seus dispositivos e gadgets. O livro é um dos mais bem acabados objetos do design em todas as épocas. Não obstante, tem lugar como o mais celebrado suporte do conhecimento. Grandes personalidades de hoje e de ontem foram retratados com seus livros nas mãos, da Virgem Maria lendo para o menino Jesus à Maria Madalena nua de bruços apreciando um volume ilustrado. Apesar de séculos de existência, sofreu poucas alterações em sua essência, modificando-se lentamente. Talvez seja útil não esquecer que a imprensa, apesar das óbvias previsões de “fim do mundo”, não erradicou o gosto pelo texto escrito à mão. Ao contrário, Gutenberg e seus seguidores tentaram imitar a arte dos escribas, e a maioria dos incunabula tem uma aparência de manuscrito. No fim do século XV, embora a imprensa estivesse bem estabelecida, a preocupação com o traço elegante não desaparecera e alguns dos exemplos mais memoráveis de caligrafia ainda estavam por vir (…). É interessante observar a frequencia com que um avanço tecnológico – como o de Gutenberg – antes promove do que elimina aquilo que supostamente deve substituir, levando-nos a perceber virtudes
Unesp, 1998, p. 7. 5. Bárbara Prince. Kobo no Brasil. Perspectivas para um mercado de livros digitais. Trabalho de conclusão de curso. São Paulo, ECA-USP, 2012, p. 25.
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fora de moda que de outra forma não teríamos notado ou que consideraríamos sem importância.6
Pressionadas mais pelo lobby da indústria do que pelos anseios dos leitores, as editoras aos poucos passaram a disponibilizar suas obras para os dispositivos móveis, enfrentando, no entanto, o problema de heterogeneidade dos formatos, da resistência dos usuários em pagar por material digital, a dificuldade em estabelecer uma política de preços, de distribuição e, por fim, o estranhamento dos leitores em relação aos novos suportes, muitas vezes projetados para ter outras diversas funções, sendo a leitura apenas mais uma delas. O curioso é que o formato do livro é tão socialmente estabelecido que a maioria dos dispositivos para leitura buscam uma forma de mimetizá-lo de maneira satisfatória.7 Haja visto o formato a eles dedicado, a constante busca por uma resolução que se assemelhe à qualidade da impressão em papel, luminosidade da tela… Sem falar nos programas que simulam o virar de páginas, pastas de arquivos organizadas como estantes de madeira, efeito de transparência nas páginas etc. Há inclusive, adesivos com cheiro de livro feitos para serem colados nos e-readers.8
6. Alberto Manguel. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 159. 7. Essa experiência de familiaridade com o mundo real, simulando objetos do cotidiano, foi batizada pela empresa norte-americana Apple de “esqueomorfismo”. Os aplicativos para produtos como iPhone e iPad eram desenhados para que o usuário não sentisse estranhamento ao abandonar uma agenda de papel, por exemplo, pela agenda eletrônica contida nos dispositivos. Assim, blocos de nota possuíam linhas, cadernos virtuais tinham espiral ou costura, e-books eram “acondicionados” em estantes que simulavam madeira. O conceito foi utilizado por anos, sendo recentemente substituído por um design mais minimalista, como o contido no sistema operacional iOS7. 8. Op. cit., p. 21
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A verdade é que o livro impresso adotou para si o formato do códice e esse modelo plantou raízes tão fundas em nossa cultura que hoje se torna difícil pensar o livro como algo diferente. Mas ele pode ser diferente, como já foi em outros tempos e volta a sê-lo agora (…).9
Arlindo Machado considera que a superação do papel pelos dispositivos eletrônicos é algo inevitável, sendo parte da evolução da evolução dos livros. Para tal, ainda em 1994, prevê uma gradual substituição do suporte baseado na dinâmica audiovisual, utilizando como exemplo a diminuição do volume de revistas científicas impressas na época. Não é o propósito deste trabalho advogar em favor ou contra qualquer suporte – até porque tanto em um quanto em outro a função do editor permanece inalterada –, mas cabe fazer uma reflexão, a partir de nosso objeto de estudo. O que representa, para uma editora ainda jovem, em plena época de diversificação de suporte – talvez um termo melhor do que “transição” – ter o livro convencional como principal chamariz?
para abrir num momento especial Do início do século XX até os dias de hoje, a indústria cultural passou por diversas transformações, acompanhando revoluções sociais e culturais ao redor do mundo. Os meios de comunicação e seu rápido desenvolvimento atingiram as massas, modificando o acesso – e a relação – das pessoas e das artes. Nasce a fotografia, seguida pelo cinema, seguido pela televisão, seguida pela internet. A cultura agora pode ser registrada, produzida em série e acondicionada. Somente na indústria cinematográfica, poderíamos listar diversos exemplos dessas evoluções, cada qual com seu peso tecnológico e social. 9. Arlindo Machado. “Fim do livro?” Apud ibidem, p. 14.
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Ora, poucos são os anos que separam os primeiros filmes em preto e branco daqueles com som, tal qual o uso da narrativa cinematográfica, feita em cortes de tempo bruscos. Para cada novo avanço, uma nova utilização. Em pouco tempo, os filmes puderam ser assistidos no conforto do lar, utilizando-se de outro suporte, a TV. Uma atividade coletiva – ir ao cinema – passa agora a ser mais individualista. A TV migra da sala para o quarto, juntamente com o videocassete, que dá lugar ao DVD, sucedido pelo blu-ray, que hoje convive com o conceito de streaming, o vídeo transmitido pela internet, e assim por diante, numa reação em cadeia que envolve tecnologia e lucro. Apesar da diferença de suporte e independente da qualidade, o produto final de um disco em vinil é a música, como num CD ou um arquivo MP3. O mesmo pode ser dito entre uma fita VHS e um filme visto no Netflix: a imagem conjugada ao som resulta no filme, que é o produto final. Isso é o suficiente para a maioria das pessoas, o que não gera, de imediato, uma discussão acirrada sobre o próximo avanço nessas áreas no que diz respeito ao suporte. Entretanto, uma rápida busca na internet pelo termo unboxing (desembalar), denota a preocupação e o valor que boa parte das pessoas confere à materialidade, muitas vezes expressos em longos vídeos ou postagens nas redes sociais documentando o momento em que retiram seus produtos da embalagem. No Brasil, há um caso icônico, o Blog do Jotacê, site que se dedica ao colecionismo de todo tipo de mídia cultural, sobretudo blu-rays e DVDs. O número de seguidores da página do site ligada ao Facebook supera as 10 mil pessoas. Os colecionadores formam um público extremamente exigente, em geral insatisfeito com as edições lançadas no Brasil. De fato, é evidente o contraste entre o material nacional e o que é lançado mundo afora, sendo comum em mercados editorialmente mais desenvolvidos a diferenciação de materiais, inclusão de livretos, embalagens exclusivas
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vendidas por tempo limitado, digibooks (livros-filmes). Muitos frequentadores do site chegam a importar diversas versões da mesma obra de países distintos, para possuir todos os extras possíveis. A qualidade da obra conta, mas é menos importante do que seu valor estético, muitas vezes exibido em estantes abarrotadas de filmes e livros.
é preciso critério Uma das empresas mais celebradas pelos colecionadores de homevideo é a norte-americana Criterion, especializada em resgatar obras cinematográficas independentes e relançá-las em edições especiais. Sua coleção, The Criterion Collection,10 contempla clássicos de todo o mundo, muitos deles há décadas fora de catálogo. A partir de um trabalho minucioso de restauração, costumam lançar esses filmes no mercado acompanhados de belos livretos encartados, contendo informações e resenhas feitas por especialistas nas embalagens de suas mídias. As capas dialogam com as obras, geralmente tendendo ao minimalismo.11 A comparação com a Cosac Naify, apesar de serem empresas que trabalham com produtos muito distintos, se dá pelo esforço, comum às duas, de disponibilizar clássicos em suas devidas áreas a um 10. É notável a preocupação da coleção com seus títulos, que transitam entre todos os gêneros. O paralelo com o ramo editorial, especialmente no que diz respeito ao zelo com obras clássicas, passíveis de deterioração pelo fato de suas masters estarem contidas em película. O trabalho, no fim das contas, acaba por tornar-se também um resgate histórico, de grande valor cultural. Coleção disponível em www.criterion.com. 11. Apenas como curiosidade citamos o exemplo oposto, a distribuidora brasileira Continental, esculhambada no site pelo desleixo em seus lançamentos. Apelidada pelos leitores do site de “Cocontinental”, virou sinônimo de produto feio, mal cuidado, muitas vezes comparado aos piratas vendidos em feiras populares. Informações em bjc.uol.com.br/2010/10/19/ continental-descaso-e-misterios/.
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público disposto a obtê-las. As obras, em ambos os casos, até podem estar disponíveis para os usuários através de um download gratuito. Mas o download não permite a materialidade, o sentimento de posse, mesmo quando ele não é gratuito.
As figuras ilustram edições especiais de filmes, todas lançadas no exterior. Três delas compõem a The Criterion Collection: O grande ditador, de Charles Chaplin, 12 homens e uma sentença, de Sidney Lumet e Paris, Texas, de Win Wenders. Amadeus representa um outro tipo de produto, o digibook ou blu-ray book: um livro em capa dura contendo informações sobre o filme e dois discos encartados, contendo filme e trilha sonora. Fotos do autor.
Se para muitas pessoas o aspecto físico de seus produtos influencia em sua experiência final, mesmo não sofrendo influência direta do suporte, o caso do livro gera uma questão ainda mais profunda, pois a leitura sofre essa influência. Seguindo essa linha de raciocício, tomemos as palavras do Prof. Dr. Plinio Martins Filho:
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(…) Outra razão para duvidar de um “efeito iPod” no mercado editorial é que os aparelhos eletrônicos estão ainda muito distantes (e talvez nunca sejam capazes) de reproduzir satisfatoriamente a experiência sensorial de ler um livro. Para se experimentar a música, bastam os fones funcionarem (…). Já um livro não é só seu conteúdo, é também a forma, a inteligência e a beleza com que o texto e as imagens são distribuídos em suas páginas. A legibilidade das fontes, as proporções da diagramação, o peso do papel, as margens abertas para a imaginação (e eventuais rabiscos), tudo isso faz parte da experiência do livro (…). Além da visão e do tato, o livro exige atenção completa, proporcionando em contrapartida uma experiência intelectual única.12
A exaltação do livro, mais do que preciosismo de seus entusiastas, é fruto de uma relação de centenas de anos entre o leitor e o hábito da leitura, mediado por este objeto que, até o momento, é o artefato que mais conseguiu sintetizar a ânsia humana por aprender e transmitir o saber. Talvez essa seja a tradução da alegria de Vanessa Barbara ao expressar a vontade de “comer” o exemplar de seu livro. A mesma compartilhada por milhões de pessoas fascinadas pelo poder de segurar as palavras nas mãos, guardar a sabedoria na estante… tal como biscoitos no armário, reservados para caso a fome chegue sorrateira durante a noite. Além do conteúdo, edição, encadernação, diagramação, tipografia, ilustração ou papel, o livro exerce sobre mim uma atração física. Não me satisfaz ver um livro numa vitrine, sem poder pegá-lo. Minha tese é que a gente deve poder tocar naquilo que
12. Plínio Martins Filho. “O futuro do livro impresso e as editoras”. Livro – Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição, nº 1. São Paulo, 2011.
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gosta, sentir objetos e pessoas(…). Quando, depois de anos e anos de procura, encontra-se um livro raro, o coração bate mais forte. Sente-se uma emoção grande, mas não se pode deixar que ela transpareça diante do livreiro. Por motivos óbvios…13
13. José Mindlin. Uma vida entre livros: Reencontros com o tempo. São Paulo: Companhia das Letras/ Edusp, 1997, pp. 22,24.
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uma anรกlise quantitativa do catรกlogo
A produção da Cosac Naify em números
A
partir de uma análise quantitativa do número de livros publicados, podemos compreender muito sobre o perfil de uma editora. Os valores a seguir foram obtidos pela da tabulação de dados, por meio de consulta ao site oficial da Cosac Naify, vinculado à sua loja virtual. Os dados sobre cada livro foram inseridos em tabelas, em que constam título da obra, autor, nacionalidade (no caso, separando-os nas categorias nacionais e estrangeiros), gênero (de acordo com a proposta de divisão da própria editora) e ano de publicação.
Gráfico 1: Número de livros lançados entre 1997 e 2013 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0
91
86 83 81
79
82 65
56 34 19
21
3
Série1
75
71
83 86 68
Pelo gráfico1, podemos ver o grande salto no número de publicações entre 2000 e 2001, resultado da investida da Cosac Naify em diversificar seu catálogo, representando um importante período, com a estreia da coleção Prosa no Mundo e a entrada no segmento dos livros infantojuvenis. O maior número de títulos colocados no mercado se dá em 2010, com 91 obras. Contudo, o ano de 2013 ainda estava em curso no momento em que se escrevia esta monografia, somando 86 livros até então, o que indica um possível novo recorde para a editora. No total das publicações chegamos ao número de 640 títulos estrangeiros contra 443 de autores nacionais. No caso de livros organizados, levou-se em conta a nacionalidade do organizador. Alguns autores não brasileiros mas que foram aqui radicados ou realizaram a maior parte de sua obra no Brasil, ou com temática brasileira, foram também considerados nacionais, gerando a seguinte proporção:
Relação entre títulos brasileiros e
Gráfico 2: Relação entre autores brasileiros e estrangeiros presentes no estrangeiros catálogo geral
Títulos de autores estrangeiros 59%
Títulos de autores brasileiros 41%
1. Como algumas obras constam em mais de uma editoria, suprimimos as repetições, para lidar com um número bruto, que culminou em 1083 livros lançados até 2013. É importante lembrar que portáteis e e-books não estão aqui inclusos.
60
18 12 12 32 20 18 11 16 11 9 8 12 12
3
2
2003 3
2004 1
2005 7
2006 4
2009 1
3
1
3
55
2007
2008 6
2
2001
2002 3
3
1999
2000 5
8
1998
2010
2011
2012
2013
Total
229
11
15
9
3
Artes
1997
Arquitetura
82
5
2
3
8
3
12
11
5
10
9
4
5
4
1
Ciências Humanas
53
2
4
3
5
7
9
7
1
8
2
3
1
1
Design
76
3
9
11
10
4
4
3
4
9
5
12
1
1
Fotografia
333
24
28
26
35
26
27
20
17
19
39
25
12
31
4
336
37
23
23
32
22
22
35
23
20
31
31
20
14
3
47
1
1
2
6
9
3
1
2
1
2
11
8
Infanto Literatura Moda juvenil
25
4
3
2
2
2
2
1
5
4
Música e dança
68
8
3
3
4
6
5
7
7
6
5
6
5
3
Teatro e cinema
Tabela 1: Livros publicados por ano em cada editoria
61
A tabela anterior destacou quantos livros foram lançados por cada um das editorias da Cosac Naify, a saber: arquitetura, artes, ciências humanas, design, fotografia, infantojuvenil, literatura, moda, música & dança e teatro & cinema. Neste caso, como muitas obras fazem parte de mais de um gênero ou assunto, não foram excluídas as repetições, levando em conta o modo em que são organizados pela própria editora. Neste caso, o universo de livros analisados é de 1304 títulos. Questionado sobre assuntos referentes à diversificação do catálogo, Charles Cosac mostrou-se cauteloso, tendo em vista a escassez de material para suprir algumas editorias. A tabela anterior deixa isso claro, revelando uma grande diferença entre as áreas contempladas pela Cosac Naify, especialmente música & dança e moda, que em 2013 não tiveram nenhum título lançado. Sobre o assunto, recentemente comentou: Na realidade, a gente está querendo diminuir as áreas, porque não conseguimos mantê-las. Não tem periodicidade. Se você lança um livro de música, você não pode lançar outro. Só daqui três anos. Ao fechar uma frente que não tem tanto material, fica parecendo uma desorganização da editora, não passa um aspecto legal.2
Os dados contidos na tabela deixam claro também a mudança de perfil da editora, ocorrida a partir dos anos 2000. As artes, carro chefe do início e que serviram de inspiração aos fundadores na implementação do empreendimento, ocupam hoje o 3º lugar em número de publicações. Há que se levar em conta, porém, que em muitos casos livros de fotografia, arquitetura, moda etc., são também contabilizados pela editora como sendo de “arte”, o que indica que não há um parâmetro 2. Fernanda Pandolfi. “Charles Cosac: matemático das letras”. Zero Hora. Disponível em http://goo.gl/tvuXqg, 03/03/2013.
62
rigoroso na divisão das obras. É claro que isso se deve também à subjetividade das próprias humanidades, mas a forma de divisão adotada cria, inevitavelmente, subgêneros dentro das editorias. O gráfico a seguir revela a participação de gênero abarcado pela Cosac Naify em seu catálogo, evidenciando seus três pilares fundamentais.
Gráfico 3: Porcentagem de livros editoria Porcentagem de livros porpor editoria 4%
4%
2%
Arquitetura
5%
Artes Ciências Humanas
18%
Design 26%
Fotografia
6% 6% 25%
4%
Infantojuvenil Literatura Moda Música e dança
Literatura, infantojuvenis e artes contemplam, juntas, 69% de toda a produção total da Cosac Naify. Não nos esqueçamos, porém, que muitos livros são considerados tanto de um gênero quanto de outro. Não seria raro encontrar um livro classificado, concomitantemente, como sendo literatura, literatura infantojuvenil e arte. Assim, esses dados podem conter informações relativas, sendo que a interpretação deles para este trabalho surge da divisão que a própria editora faz das suas obras. Quando separadas das artes em geral, algumas editorias mais específicas tendem a se esvaziar. É o que acontece com moda e música & dança, que têm as participações mais tímidas em todo o catálago, mesmo quando são contempladas simultaneamente por outras áreas.
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A próxima tabela faz uma relação da participação de autores nacionais em cada uma das esferas de interesse da editora.
Tabela 2: Participação de títulos de autores nacionais por editoria Editoria
Nacionais/Estrangeiros (em número de livros)
Porcentagem
Arquitetura
29 para 55
52,7%
Arte
126 para 229
55%
Ciências Humanas
44 para 82
53%
Design
22 para 53
41,5%
Fotografia
52 para 76
68%
Infantojuvenil
94 para 333
28,2%
Literatura
126 para 336
37,5%
Moda
20 para 47
42,5%
Música e dança
14 para 25
56%
Teatro e cinema
26 para 68
38,2%
A tabela revela alguns dados interessantes. A editoria com mais representação nacional é fotografia, enquanto a de menor representação é, curiosamente, infantojuvenil, com apenas 28,2% dos títulos de autores nacionais. Apesar do trânsito de várias obras por categorias distintas, que ocorre especialmente na área de literatura, é espantosa uma participação brasileira tão tímida dentro de um dos segmentos mais importantes para a casa. Cabe salientar, contudo, que a editoria infantojuvenil é a única no momento que aceita o envio de originais para avaliação, o que talvez indique uma dificuldade, por parte da Cosac Naify, de encontrar na produção nacional obras que se encaixem em sua proposta de livros infantis. Literatura brasileira (ainda que abarcando outras áreas), também tem participação relativamente baixa no catálogo, com 37,5% das obras publicadas. Esse número pode ter sido influenciado pelo fato de grande parte da editoria infantil ser também considerada adulta, constando nas
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duas frentes. Abaixo de 50% de produção nacional estão também as áreas de design, moda e teatro & cinema. Cabe ressaltar que dentro da proposta inicial da Cosac Naify, que sobretudo desejava prover visibilidade à produção brasileira, é ainda tímida sua representação nas áreas de principal atuação mercadológica. Uma pista para compreender esse déficit nos é dada por Isabel Lopes Coelho, diretora do núcleo infantojuvenil da Cosac Naify, em post para o blog da editora De fato, é raro algum original ser selecionado para o catálogo da editora. Até fazemos uma triagem, separando os melhores para uma segunda ou terceira leituras, mas eu conto nos dedos os livros que completaram o percurso até a linha de chegada. (…) E talvez esteja neste argumento o motivo de tantas recusas: são poucos os originais que trazem algo realmente original. A repetição de temas e estruturas textuais é tamanha que, vez ou outra, chegamos ao ponto de brincar que nunca mais vamos publicar livros de cachorro, que tragam “bicharada” no título, sobre irmão mais novo, sobre o menino diferente que não tem amigos, sobre comer verdura, escovar os dentes, ir ao médico, ir na escola…3
Como podemos inferir, talvez ainda falte na produção infantojuvenil nacional a maturação e diversidade necessárias dentro das expectativas dos editores, a ponto de constituir uma participação mais relevante no catálogo.
3. Isabel Lopes Coelho. “Claro, adoraria ler o seu original. Mas já vou avisando: talvez eu não goste”.Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/ blog/?p=14658, 23/07/2013.
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análise de algumas edições
moby dick
“Trateme por Ishmael”
Título original: Moby Dick Autor: Herman Melville Tradução: Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza Editora original: Harper & Brothers (EUA)/ Richard Bentley (Reino Unido) Lançamento original: 1851 (EUA e Reino Unido) Lançamento Cosac Naify: 2008 Número de páginas: 656 Formato: 24,2 x 17,4cm Papel: Alta alvura 104g/m2 Tipografia: Swift e Gotham Projeto gráfico: Luciana Facchini Capa: Luciana Facchini Impressão: Geográfica
M
oby Dick – ou a baleia, é considerada a obra prima do escritor norte-americano Herman Melville. Mal recebida pelos críticos na época de seu lançamento, acabou por tornar-se um dos grandes clássicos da literatura em língua inglesa. Tem como enredo a aventura do capitão Ahab, marinheiro obcecado por encontrar Moby Dick, cachalote responsável por arrancar-lhe uma das pernas. A obra vai além da aventura, divagando acerca dos mais variados temas, do ódio à vingança, passando por descrições científicas e meditações filosóficas.
forma Em uma palestra aos alunos do curso de Editoração, Elaine Ramos, uma das principais responsáveis pela área de design da Cosac Naify, explicou que o grande desafio desta nova edição era passar a ideia de grandiosidade do “monstro” marinho sem, necessariamente, mostrá-lo. Em sua descrição, revelou que a grande maioria das edições de Moby Dick, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, exploravam em demasia a figura da baleia. Para esta edição buscou-se, contudo, esconder o bicho, preservando a tensão de sua aparição. Todavia, sua presença visual é constante no livro, metaforizada por vários superlativos: a quantidade de páginas, o tamanho e peso das fontes, gramatura do papel.
Há na obra o total de 135 capítulos, que sempre iniciam e finalizam-se em páginas duplas, nas quais as margens inferiores são fixas e as superiores variáveis, simulando um efeito de ondulação. Não há um ponto específico para o início de cada capítulo, sendo que os títulos se deslocam, podendo subir ou descer, como se estivessem sujeitos ao balanço do mar. Há na obra detalhes de desenhos da revista Harper’s New Monthly Magazine, de 1874, sobre a pesca baleeira, além de ilustrações do artista brasileiro Hare Lanz.
Versões de Moby Dick: à esquerda, a primeira edição da Harper and Brothers, de 1851, incluindo o frontispício. À direita, uma adaptação das Edições Melhoramentos; logo abaixo, a capa do ilustrador norteamericano Rockwell Kent, de 1930, que impulsionou a redescoberta da obra pela crítica no século XX.
Na produção de Moby Dick foi utilizada uma paleta de cores bastante restrita, com tons de branco e cinza esverdeado. A intenção é que o livro evoque a sensação de um dia chuvoso numa região litorânea, com gotículas de água salgada a salpicar o rosto. Além da narrativa em si, esta
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edição conta também com alguns extras para auxiliar a compreensão da obra. Uma resenha publicada por Evert Duyckinck, em 1851, o ensaio de D.H. Lawrence contido em Studies in classic american literature, de 1923 e um estudo de F.O. Mathiessen, American renaissance, de 1941, formam a fortuna crítica, contida no final do livro. Há ainda um glossário náutico ilustrado. Esses elementos, somados à etimologia e excertos bíblicos e literários sobre o ambiente marinho, estão destacados por páginas em tom de cinza esverdeado. Na capa, impressa em silk-screen, Moby Dick está presente travestida em tipologia, com as ondas do mar agitado batendo em seu nome, escrito em letras garrafais pretas na fonte Gotham. O mar é representado por traços brancos grossos. O escritor é tratado apenas por Melville, e, diferente do título, a impressão que temos é de que a palavra está por trás da onda. A aplicação do verniz foi feita em várias camadas sobrepostas para conseguir essa diferenciação. A capa é extremamente rígida, o que intencionalmente acentua o peso e volume do livro. Não há quarta capa ou orelhas, restringindo as informações a título, autor, ISBN e logo da editora. Podemos afirmar que, apesar da constante alusão ao cetáceo pela exagerada proporção dos elementos visuais, o design mantém um estilo minimalista, equilibrando sempre uma quantidade moderada de informações. Não há poluição visual. Moby Dick é apresentado ao leitor como um livro sóbrio, misterioso e sua composição visual geral contribui para essa ideia de tamanho e poder, associada à uma certa melancolia presente na história, transposta para sua produção gráfica.
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Páginas duplas e abres de capítulos em locais alternados, para passar a ideia de movimento. Foto do autor.
Capa da edição da Cosac Naify, de 2008: baleia presente na ideia de grandiosidade.
conteúdo De acordo com informações do site oficial do livro,1 o trabalho de edição de Moby Dick também teve proporções gigantescas, num processo que levou, ao todo, mais de uma década. A tradução, feita especialmente para este projeto, ficou a cargo de Irene Hirsch, especialista em traduções de Herman Melville, com mestrado pela USP. Do mesmo autor, e também para a Cosac, Irene traduzira Bartleby, o escrivão. Segundo a editora, esta 1. Informações coletadas em www.cosacnaify.com.br/noticias/mobydick/release. asp.
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foi a primeira vez que a obra do norte-americano pôde ser compreendida pelo leitor brasileiro em toda sua profundidade e beleza poética. Alexandre Barbosa de Souza colaborou com o cotejo e pesquisas, culminando na elaboração de um vocabulário náutico. Bruno Gambarolto contribuiu na elaboração de um apêndice, reunindo textos complementares para melhor compreensão da narrativa.
divulgação Uma das características mais marcantes da Cosac Naify no que diz respeito à divulgação de suas publicações está em eleger, a cada ano, um título específico e promovê-lo como uma superprodução. Moby Dick não era exatamente uma obra desconhecida do leitor brasileiro, mas certamente havia a carência de uma edição diferenciada, e esse potencial foi enxergado e muito explorado pela editora. A ideia de grandiosidade da baleia está presente de tal modo que todo o processo de edição – e sua documentação – remete a superlativos. De fato, a baleia de Melville sempre pôde ser vista nas bancas, a preços muito mais convidativos do que os R$100,00 cobrados por esta edição. Assim, tornou-se necessário que este produto tivesse um grande diferencial, tanto na forma quanto no conteúdo. De fato, a obra revisitada causa ao leitor uma curiosidade nova. Na época do lançamento foi criado um site exclusivo para o livro, fortemente baseado no projeto gráfico. Na página eletrônica estão disponibilizadas diversas curiosidades sobre o lançamento. Tal como o trailer de uma superprodução de Hollywood, o leitor é apresentado a um conteúdo animado com os seguintes dizeres:
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Cosac Naify apresenta as proporções gigantescas de uma edição • • • • • • • • • • • • • • • •
10 anos em processo de tradução 5 anos em processo de edição 2 anos em projeto editorial e gráfico Tradução a quatro mãos: Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza Pesquisa: Bruno Gambarolto Revisão a seis mãos: Cecília Giannetti, Flávia Rocha, Raul Drewnick Fortuna crítica: Evert Duyckinck, D.H. Lawrence e F.O. Mathiessen Glossário náutico Bibliografia selecionada Itinerário de viagem 135 capítulos 15 ilustrações 656 páginas 200.561 palavras 1,2 milhão de caracteres Uma história com milhares de leitores pelo mundo
É notável a grandiloquência e a importância do projeto para a Cosac Naify na época, quando se operava o auge de seu processo de diversificação de catálogo. Apesar da sobriedade, ficam evidentes as tentativas de chamar a atenção de um público jovem, que poderia ser o alvo principal de uma história no mar envolvendo uma fera selvagem, vingança, medo e mistério. Em 2008 ainda não tínhamos uma presença tão agressiva das redes sociais, tampouco a utilização dessas redes por empresas para divulgação de seus produtos. Atualmente esse recurso – popularmente
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conhecido como hotsite –, apesar de visualmente interessante, tem menos visibilidade do que um anúncio no Facebook, por exemplo, no qual os fãs da empresa recebem novidades de lançamentos diretamente em sua página pessoal. O blog da editora, hospedado no portal editora.cosacnaify.com. br, contém diversas informações sobre a obra, mas trazidas de uma maneira mais atrativa do que a simples propaganda. Lá constam uma pequena entrevista2 com Luciana Facchini, designer, explicando alguns aspectos gráficos; dois textos do colaborador Daniel Benevides, sendo um escrito como base para a discussão do livro, em decorrência de sua escolha para ser tema do 13º Clube de Prosa,3 e o outro em comemoração aos 160 anos do lançamento original de Moby Dick.4 O blog conta com uma homenagem a Irene Hirsch,5 tradutora especializada na obra de Herman Melville, destacando sua atuação como uma das pessoas que mais desejavam trazer o título de volta ao mercado editorial brasileiro. Há também um ensaio escrito por Felipe Cruz,6 um dos vencedores do concurso “Dez mil fãs”, realizado via Facebook, com o intuito de publicar os melhores textos enviados à editora baseados na coleção Prosa do Mundo. O concurso celebrava os 10 mil seguidores da Cosac Naify
2. “O clã do Jabuti – capa”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=166, 22/10/2009. 3. Daniel Benevides. “Os muitos mares de Moby Dick”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=13403, 29/11/2012. 4. Daniel Benevides. “Moby Dick vive!” Disponível em editora.cosacnaify.com.br/ blog/?p=9453, 18/10/2011. 5. “Lembrança de Irene”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=3094, 07/05/2010. 6. Felipe Cruz. “A beleza do desespero”. Disponível em editora.cosacnaify.com. br/blog/?p=11706, 09/05/2012.
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naquela rede social. Por fim, o blog conta com um interessante depoimento7 de Antonio Hermida, coordenador de mídia digital, num relato sobre as dificuldades de transpor a grandiosidade da versão impressa de Moby Dick para as proporções tímidas dos e-readers. É interessante salientar que o dinamismo das redes sociais permite um marketing contínuo de obras já lançadas há um bom tempo. Neste caso específico, temos textos e curiosidades sobre um livro que já está no mercado há mais de cinco anos, mas com um forte apelo para a editora, que se aproveita desse dinamismo para sempre explorar novos aspectos de sua edição. Prova disso são os textos mencionados, contidos em seu blog, que voltam seus olhos para a baleia de Melville pelo menos uma vez ao ano. Cabe a menção de que tanto o portal da editora quanto o blog são vinculados ao Facebook e demais redes sociais, nas quais é possível “chegar ao leitor” de maneira mais informal e, contudo, mais agressiva. Podemos dizer, com o perdão do trocadilho, que a Cosac tem nas redes sociais, mais do que em seus sites e portais, uma maneira muito mais eficaz de “vender seu peixe”.
7. Antonio Hermida. “História de pescador”. Disponível em editora.cosacnaify. com.br/blog/?p=14524, 27/06/2013.
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zazie no metr么
“Dondekevemtantofedô”
Título original: Zazie dans le métro Autor: Raymond Queneau Tradução: Paulo Wernek Editora original: Gallimard Lançamento original: 1959 Lançamento Cosac Naify: 2009 Número de páginas: 192 Formato: 22 x 15,5cm Papel: Op Opaque 37g/m2 Tipografia: Futura e Meridien Projeto gráfico: Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio Impressão: Geográfica
Z
azie no metrô narra as aventuras da jovem Zazie, uma menina desbocada que chega a Paris para passar alguns dias com tio Gabriel. A pequena tem dois objetivos a cumprir na capital francesa: andar de metrô pela primeira vez e vestir uma calça jeans. Seus anseios, no entanto, são frustrados por uma greve dos metroviários. Zazie acaba fugindo, aventurando-se pelas ruas da cidade, onde se depara com vários tipos estranhos. Há no enredo alguns elementos de histórias em quadrinhos e referências às comédias do cinema mudo. A linguagem coloquial – e por vezes chula – da protagonista chocou o público da época, o que não impediu o romance de ser um grande sucesso em língua francesa, alcançando a marca de mais de um milhão de exemplares vendidos no país. O sucesso do livro rendeu uma adaptação cinematográfica em 1960, dirigida por Louis Malle.
forma A questão do design dos livros sempre foi fundamental para a Cosac Naify, um cartão de visitas que permitiu à editora estabelecer seu nome no mercado editorial. A preocupação com a apresentação de seus livros, permeando-lhes de significados ao associar forma e conteúdo, gerou
produtos que dificilmente podem ser mimetizados por outros meios. É o caso de sua versão para Zazie no metrô. Pertencente à área de literatura, a Coleção Particular extrapola essa relação entre forma e conteúdo, buscando fazer do livro uma extensão daquilo que se lê. O design, no caso, atua como uma interpretação artística, e não como mera plataforma de registro da informação. Segundo a descrição do site, a coleção traz ao leitor “clássicos da literatura ocidental, com narrativas breves, em edições nas quais o projeto gráfico faz parte da experiência de leitura e interfere na forma de experimentar o texto”.1 A palavra “experiência” traduz bem a ideia de tentar fazer com que o leitor tenha com o livro uma relação sinestésica, envolvendo toda a obra a partir de um conceito. No caso de Zazie, obra fundamentalmente urbana, vem à tona a ideia de cidade, com seus barulhos, ritmo frenético, sinais, placas, pessoas e mais pessoas. Apesar de remeter ao caos inerente aos grandes centros, o projeto gráfico é limpo, composto por diversos cartazes franceses da época, todos impressos em vermelho e azul, a partir de um sistema chamado Íris, que mescla as cores a partir da mesma unidade de impressão. Muitos dos cartazes fazem menção às greves do metrô, que, de fato, aconteciam com frequência. O que fica na parte superior do livro é contemplado por tons de vermelho, que escurece até atingir o preto na medida em que se aproxima do centro. Do centro para a parte inferior, o preto gradativamente muda para azul. O miolo é feito em papel bíblia, com páginas duplas dobradas. Os cartazes estão na parte interna dessas páginas, e são vistos como um vulto pela leve transparência característica do papel. É possível vê-los com mais detalhes “espiando” pelas frestas abertas na parte superior ou inferior. Assim, temos uma enorme variação 1. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/SubHomeSecao/16/Coleçãoparticular.aspx.
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de desenhos cuja textura reticulada, como em fotos de jornais, permeia o texto. A opacidade do papel é fundamental para que a leitura dos caracteres não seja prejudicada e qualquer variação poderia comprometer toda a tiragem, atrapalhando o texto ou o design, ou os dois. A escolha das fontes, não por acaso francesas, Futura e Meridien, também foi fiel à época em se passa a história, o final dos anos 1950.
Pela transparência do papel bíblia podemos ver os desenhos impressos na parte interna de cada folha, como se fossem envelopes encardernados. Qualquer variação na opacidade do papel poderia acarretar em sérios problemas de legibilidade. Fotos do autor.
A capa do livro é flexível. Sua arte é uma composição dos fragmentos de um cartaz desenvolvido por Robert Massin, em 1954. 3 mil exemplares entre os 10 mil que foram impressos na primeira tiragem acompanharam uma sobrecapa, com a mesma arte, mas dobrada várias vezes, como um jornal. Em função deste recurso, não foram adicionadas orelhas à edição, o que faz falta em função da tendência do papel cartão utilizado, de gramatura baixa, de entortar e desgastar-se nas extremidades. Ainda que a sobrecapa evite que isso aconteça, cabe lembrar que apenas 30% da tiragem pôde contar com tal artifício. O humor das linhas de Raymond Queneau também está presente no visual da obra, sobretudo na quarta capa, onde a editora faz uma leve paródia dos livros que contêm “elogios” rasgados de críticos ou pessoas
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famosas. Aqui, bem ao modo de se expressar da protagonista, temos uma frase de Otto Maria Carpeaux dizendo o que achou do livro: “Zazie? Do caralho!”. Logo abaixo desses dizeres, há uma piada nonsense em que Cícero, o filósofo romano do século II d.C. dá seu parecer sobre a obra, em latim. O texto, na verdade, não passa de Lorem Ipsum, recurso utilizado em design gráfico e editoração, que consiste em preencher um espaço com um texto qualquer para se ter uma ideia do layout. É realmente cômica a alegoria da opinião de um pensador que faleceu há milênios a respeito de uma obra sobre uma criança desbocada e suas aventuras no mundo moderno.
conteúdo Um dos maiores desafios de trazer Zazie para o português, mais ainda do que o quesito visual, foi dar conta da complexidade da prosa de Raymond Queneau. A tradução ficou a cargo de Paulo Werneck, editor de literatura que assumirá, em 2014, o cargo de curador da FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty). Antes da empreitada de Werneck, houve uma edição de 1985, publicada pela Rocco, com tradução de Irène Harlek Cubric, esgotada há muitos anos. Apesar de não muito conhecida por aqui, Zazie no metrô é uma obra de grande prestígio na França, considerada clássica por suas inovações linguísticas. Sua publicação representou uma das primeiras ocasiões em que a oralidade encontrou a literatura, por meio de gírias, neologismos e palavrões. Toda essa novidade dividiu os críticos da época. Alguns ficaram encantados, o que inspirou diversos estudos linguísticos acerca do vocabulário ousado. Outros, julgavam que não passava de uma brincadeira de mau gosto do autor, indigno de atenção. Para a versão brasileira, Paulo Werneck preocupou-se em atualizar gírias, mas sem exagerar, para que o texto não ficasse caricato. O tradutor afirma que buscou inspiração em Nelson Rodrigues para construir
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passagens que não soassem datadas ou regionais demais.2 De acordo com reportagem da revista Época Chama a atenção a forma como Queneau transpôs a fala para a grafia das palavras, simplificando a floreada ortografia francesa. Como a ortografia do português já é mais parecida com a maneira como falamos, o tradutor procurou mexer nos diferentes sons da letra “x” e na sintaxe. “O que está acontecendo aqui”, por exemplo, vira “Keke tákontecendo aki” e “hesitar” vira “exitar”. Muitas vezes, segundo Paulo Werneck, não foi possível fazer as brincadeiras em português para as mesmas palavras remixadas por Queneau em francês. Se ficasse devendo alguma subversão gramatical, tinha de compensar nas linhas seguintes. “Brincar com as palavras é divertido”, diz. Zazie no metrô mostra como um livro experimental pode alcançar muitos leitores. Ele agrada tanto a um moleque de 15 anos como a um doutor em semiótica.3
Pelo exemplo acima, podemos ter noção da complexidade e cuidado ao se mexer num texto consagrado, levando em conta a tradução, mais do que uma mera questão de correspondência verbal, um delicado paradigma de interpretação, no qual o tradutor precisa ter sensibilidade para equacionar relações de sentido e as mais diversas situações, sejam elas cômicas ou dramáticas. Para este volume, e ainda baseando-se na linguagem utilizada por Queneau, foi incluído um posfácio elaborado por Roland Barthes, renomado escritor, sociólogo, crítico literário e semiólogo e filósofo 2. Gisela Anauate. “Zazie zanza em Paris e zoa a linguagem”. Disponível em http://goo.gl/Y0rRsG. 3. Idem.
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francês. O texto, de título “Zazie e a literatura” foi publicado em Critique, em 1959.4
divulgação O lançamento de Zazie no metrô deu-se em 2009, não por acaso, marcado como Ano da França no Brasil. Outras editoras e diversos meios de comunicação buscaram relacionar seus produtos e eventos ao calendário comemorativo. Para a divulgação do livro, a Cosac Naify elaborou um hotsite com vários extras contendo informações adicionais sobre a obra. Como o título compõe uma coleção da qual se espera um apuro visual diferenciado (Coleção Particular), o mesmo apelo poderia se esperar do site que leva seu nome. Desta forma, elaborou-se uma página que simula um mapa da rede metroviária, na qual os vários conteúdos aparecem como se fossem estações. O usuário “embarca” onde deseja e pode ter informações adicionais. Na verdade, o site lembra bastante a interatividade dos menus de filmes em DVD. A edição e o design ficaram a cargo de Lívia Deorsola e Danilo Pasa.
Print screen da página do site especial. O usuário navega pelas informações especiais como se estivesse numa estação de metrô. Disponivel em http:// www.cosacnaify. com.br/noticias/ extra/zazie/.
4. Republicado em Essais critiques. Paris: Seuil, 1964.
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Quando entramos na página pela primeira vez, há uma certa confusão visual causada pelo efeito do desenho das várias linhas de metrô se cruzando, até percebermos que na verdade elas formam um círculo. Essa confusão atua como alegoria do mesmo incômodo que assola as pessoas que chegam pela primeira vez em alguma metrópole, tendo que decodificar seus sinais, sua lógica. Cada tópico (ou estação) leva a uma outra página, como pode ser verificado a seguir:
zazie vai ao metrô – Leia capítulo inédito Deduzimos que este seja o “extra” mais importante do site, atuando como estação principal dentro do conceito artístico que o permeia. Ao clicarmos somos direcionados a uma breve explicação sobre um capítulo inédito em que a heroína de fato chega a conhecer o metrô de Paris, o que não acontece no livro. O excerto acompanhava os manuscritos de Queneau, mas acabou sendo cortado da edição final. Na página há um link para download do capítulo inédito em PDF.
“UM LIVRO MEMORÁVEL”. Enrique Vila-Matas Neste tópico temos um breve comentário tecido por Enrique Vila-Matas, rasgando elogios à obra e ao autor. Cabe mencionar que o catalão VilaMatas é um dos escritores mais traduzidos pela casa, sendo que seus livros compõem, de certa maneira, uma coleção própria, com projeto gráfico distinto. Não há referência sobre data e publicação do comentário, o que leva à dedução de que foi feito à pedido da própria editora como parte da estratégia de marketing para o lançamento de Zazie.
ENTREVISTA COM O TRADUTOR PAULO WERNECK Como mencionado anteriormente, traduzir e editar Queneau foram um grande desafio para Paulo Werneck, devido à complexidade linguística e também de manter coerentes os recursos de sarcasmo e comicidade
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inerentes à obra. Aqui, o tradutor comenta sua experiência e também faz relação com outros trabalhos, esclarecendo que transpor um idioma em outro é mais do que uma mera relação de equivalência nominal.
R. QUENEAU: erudito ou escrachado Aqui, uma breve biografia sobre o escritor francês, descrevendo sua trajetória até concluir Zazie no metrô, que lhe conferiu fama internacional.
TRECHOS DO FILME DE LOUIS MALLE
Capa da versão cinematográfica de Zazie no metrô, dirigida por Louis Malle, 1960. Esta edição é o blu-ray do filme lançado pela Criterion Collection em 2011.
Zazie foi adaptada para o cinema em 1960, num filme franco-italiano sob a batuta de Louis Malle. O usuário que parasse nesta “estação” poderia, teoricamente, assistir a alguns trechos do filme. No entanto, não há (pelo menos não na data de acesso em que esta monografia está sendo escrita) nenhum que link permita isso. Na página constam apenas pequenos fotogramas do filme, com alguns diálogos extraídos do livro
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correspondentes à cena. Se o link para o filme estava associado a algum site de streaming, como o YouTube, é provável que tenha sido retirado. O ideal seria que o trecho estivesse hospedado no próprio site do livro, o que não o deixaria à mercê de administradores externos. Da forma que está, este “extra” não tem função e, por mais que a obra já tenha 4 anos de publicação, uma vez que o site de divulgação foi mantido, é de se esperar que receba devida manutenção.
DOWNLOADS Tendo o projeto gráfico da versão impressa como norte, nesta seção temos vários dos cartazes utilizados no livro à disposição para download. O propósito seria utilizá-los como papel de parede na área de trabalho do computador. É muito interessante analisar o desenvolvimento da tecnologia nos dias de hoje, que se dá em passos largos, rápidos.
Disponíveis para download, alguns dos belos pôsteres que permeiam as páginas do livro.
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As artes disponibilizadas são, de fato, muito bonitas, mas já sofrem com um problema de compatibilidade: em 2009, a maioria das telas dos desktops ainda era na proporção 4x3, seguindo a proporção das TVs. Hoje, a grande maioria dos monitores, tanto de notebooks quanto de PCs, segue o padrão 16x9. Assim, utilizar as gravuras no formato em que estão disponíveis, causa, de um modo ou de outro, uma distorção, em decorrência da adaptação forçada. O mesmo recurso, se transposto para os dias de hoje, teria que contar com opções para smartphones e tablets, que correspondem a uma fatia crescente entre os usuários de internet. É uma ideia que consideramos das mais interessantes no que diz respeito ao marketing, o que lembra, inclusive, a mesma ferramenta que a indústria cinematográfica usa desde os tempos em que trailers e figuras dos filmes vinham encartados em CD ROMs como brindes de provedores de internet, mas que precisaria ser atualizada ao hardware contemporâneo.
ALICE? LOLITA? NÃO: ZAZIE “ATENÇÃO: As alterações ortográficas no texto abaixo são propositais. Ou melhor: propozitais.” O corretor ortográfico do editor de texto utilizado para escrever esta monografia não se conforma. Grifou inúmeros termos desde que se começou a escrever sobre Zazie no metrô. Se o linguajar da obra de Queneau causa estranhamento até mesmo para a inteligência artificial de um computador, o que não fará com o leitor desavisado! O alerta, que encabeça o item que trata da linguagem da obra, prepara o leitor para os arroubos verbais que caracterizam o estilo despojado e cômico presente em suas páginas. Desta maneira, apresenta ao público brasileiro uma nova heroína, que talvez de fato empreste de Alice o perfil explorador, curioso, ingênuo; e, de Lolita, a ousadia, o caráter provocador, ambicioso.
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Neste último tópico são salientadas as características visuais do livro, explicando um pouco o objetivo da Coleção Particular, que, dentro de uma editora com os olhos naturalmente voltados para o design de seus títulos, aqui visa contar histórias de um modo ainda mais apurado, galgado no livro-objeto.
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guerra e paz
Tarefa hercúlea
Título original: Voiná i mir Autor: Liev Tolstói Tradução: Rubens Figueiredo Editora original: publicação no periódico Russkii Vestnik Lançamento original: 1865-1869 Lançamento Cosac Naify: 2011, baseado em edição de 1958, publicada pela Gossudárstviennoie Izdátielstvo Khudójstviennoi Litieraturi Número de páginas: 2536 (em 2 volumes) Formato: 13 x 18cm Papel: Bibloprint white 60g/m2 Tipografia: Freight Text/Tungsten Projeto gráfico: Elaine Ramos Impressão: Geográfica
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uerra e paz é tido como uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Escrita por Liev Tolstói e publicada no periódico Russkii Vestnik entre 1865-1869, foi um grande sucesso, para a surpresa do autor. Permeada de superlativos e dotada de uma trama que envolve cerca de 500 personagens, é uma narrativa de difícil síntese, situada na Rússia da época de Napoleão Bonaparte e das Guerras Napoleônicas, estendendo-se até 1820. Tolstói cria um fragmento misto de História e ficção, recontando episódios que culminaram na derrota francesa. Para tal, valeu-se de obsessiva pesquisa, muitas vezes desafiando os relatos dos historiadores tradicionais. Lançada no fim de 2012, a edição de Guerra e paz da Cosac Naify foi um grande desafio para todos os envolvidos, de tradutores a designers, de revisores à gráfica. Sem contar que o livro em si é um desafio ao leitor: são milhares de páginas, centenas de personagens. Em um episódio de fim de ano da série Peanuts, Charlie Brown recebe da professora a tarefa de ler a obra mais famosa de Tolstói nas férias. O garoto fica aturdido, tendo que cancelar todos os seus compromissos para dar conta de terminar o livro, que era maior que ele. Para cada convite recusado, a mesma resposta: “Não posso, estou lendo Guerra e paz”.
Publicar a obra-prima de Liev Tolstói parecia o caminho óbvio a ser trilhado pela editora, tendo em vista seus bons resultados com a literatura russa, de forma geral. Juntamente com a Editora 34, com ênfase nos livros de Fiódor Dostoievski, especializou-se em trazer ao leitor brasileiro novas traduções de vários clássicos, diretamente de sua língua original. Até então, a maioria das obras dos escritores russos eram vertidas ao português por meio de suas edições francesas. Bóris Schnaiderman, Paulo Bezerra e Rubens Figueiredo, entre outros, tiveram importante contribuição nesta “onda russa”, que vem criando um expressivo nicho de leitores brasileiros. Especialistas não apenas na literatura, mas na cultura daquele país como um todo, costumam publicar, juntamente com suas traduções, ensaios ou estudos que contextualizam as obras em determinado período histórico, levando em conta o agitado ciclo de revoluções que marcou a Rússia desde meados do século XIX até hoje. Desta maneira, nomes como Nikolai Gógol, Ivan Turguêniev, Ivan Gontcharóv, Vladímir Maiakóvski, Aleksandr Púchkin, A. P. Tchekhov e, claro, Dostoievski e Tolstói, passaram a figurar como objeto de interesse do público brasileiro. O boom de lançamentos de obras russas nos últimos anos – o processo começou há quase 15 anos – é fruto de um triplo interesse no assunto. O primeiro fator foi a criação de um espaço de pesquisa e formação, o Departamento de Letras Russas e a Pós-Graduação de Literatura e Cultura Russa, em 1993, na Universidade de São Paulo (USP), que passou a formar não só especialistas no assunto, mas tradutores capazes. Depois, um mercado editorial que passou a bancar novas edições com traduções do original e, por fim, a resposta do público aos lançamentos terminou por sustentar o ciclo.1 1. Diogo Guedes. “Obra russa ganha espaço no mercado editorial”. Jornal do
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Guerra e paz, juntamente com Anna Kariênina e Ressurreição, forma a tríade dos grandes romances de Tolstói. Todos foram lançados no Brasil em tradução inédita direta do russo a cargo de Rubens Figueiredo. A editora teve, no primeiro caso, como estratégia de marketing, apontar a grande dificuldade, em todos os níveis, de publicar em língua portuguesa o maior clássico da literatura russa. Para tal, quis inovar em todos os sentidos, mas o maior obstáculo seria, certamente, trazer ao leitor um produto que, em primeiro lugar, captasse seu interesse, e, em segundo, não o intimidasse perante ao tamanho e dificuldade da obra. A seguir, alguns aspectos sobre esta edição, pensada desde o início para ser o suporte ideal de um título “especial” por definição.
forma O maior obstáculo para o leitor que deseja se aventurar por uma narrativa de milhares de páginas, além da linguagem e da complexidade da trama, muitas vezes é o próprio suporte, o livro em si. Tamanhos e formatos mal pensados podem ser fator de intimidação, por vezes dividindo a obra de maneira equivocada, levando o leitor à exaustão mental e física. Forma-se, assim, um paradigma: conceber um livro mais leve implica em formatá-lo de modo que haja mais texto na mancha, geralmente com fonte menor. Isso acarreta, no entanto, maior tempo de leitura por página, causando a impressão de que o texto não avança, o que cria uma sensação de imobilidade. O inverso, em contrapartida, com o texto diagramado em margens fartas e fonte maior, gera um número maior de páginas, o que por sua vez faz do livro um objeto desengonçado, de difícil transporte. Citamos aqui dois exemplos da própria Cosac Naify nos quais o formato e a escolha dos materiais me pareceram equivocados. O primeiro é Commercio, 04/02/2013.
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a segunda edição de Os miseráveis (Victor Hugo), em que todo o texto foi publicado em um só volume, em capa dura, o que o deixou muito pesado. O segundo exemplo é O outono da Idade Média (Johan Huizinga), um livro de História, para pesquisa, publicado num papel com quase 160g/ m2. Suas 656 páginas somam um peso de mais de 2kg, o que quase impossibilita seu manuseio. Em ambos os casos, são livros muito bonitos, mas que pecam no que diz respeito aos seus fins: obras de texto, feitos para serem lidos, segurados por horas, diferentemente dos livros de arte, que podem ser abertos em mesas, contemplados a uma distância maior, objetos de arte em si próprios. Fazemos essas considerações para destacar que, no caso de Guerra e paz, uma má escolha dos elementos apontados poderia significar o fracasso da edição pela intimidação ao leitor e/ou por acabar transformando a obra num mero artefato bonito na estante. Elaine Ramos, designer responsável pela adaptação da Cosac, escreve no blog da editora sobre essa preocupação. Mesmo já tendo projetado muitos livros, pequenos e grandes, fazer o design de um clássico como Guerra e paz é uma oportunidade única, e uma grande responsabilidade. De cara eu me coloquei como desafio acomodar as quase 1700 laudas que compõem esse romance monumental em um objeto portátil, confortável ao manuseio. Mais que tudo, eu queria que ele fosse um convite à leitura, já que não é tarefa simples fazer com que o leitor se disponha a encarar tal calhamaço.2
A primeira decisão tomada em relação ao volume e portabilidade do título deu-se ao dividir a obra em duas, acondicionadas em uma luva 2. Elaine Ramos. “Produção de guerra”. Disponível em editora.cosacnaify.com. br/blog/?p=10382.
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de polipropileno. O texto na tipologia Freight Text possui tamanho adequado para uma leitura confortável, sendo o formato do livro menor que o convencional, 13 x 18cm. Tais escolhas “engordaram” a edição para mais de 2500 páginas. Contudo, um formato menor, aliado à tipografia de tamanho adequado, contribuem para que a leitura flua, que várias páginas sejam “vencidas” a cada vez que se retoma a história. As soluções utilizadas em bíblias serviram como inspiração para a escolha do papel, que tinha de ter uma gramatura baixa para poder acondicionar milhares de páginas, sem pesar excessivamente. Não por acaso, o papel bíblia possui tais características, sendo que o tipo escolhido foi o Bibloprint, um papel espanhol. Para a capa foi utilizado um material que geralmente compõe o verso das capas de couro das bíblias (“recouro”), algo que lembra veludo, mas de textura mais áspera e bastante flexível. A intenção era de que a capa remetesse também ao material usado nas fardas militares. As capas dos volumes na edição especial foram impressas em serigrafia, de modo que três cores, azul, branco e cinza, foram utilizadas em sua composição. De forma bem sutil, sobre o preto do material da capa, vemos a representação de dois exércitos, um cinza escuro e o outro azul. Na lombada segue, em branco, título do livro, autor e número do volume. A capa do segundo volume é idêntica, apenas invertendo as cores dos dois exércitos. O que é azul em uma é cinza na outra. A edição especial conta com uma luva transparente para acondicionar os dois volumes. Nela constam, em letras muito grandes, o título e autor da obra. Quando colocados juntos dentro da luva, entendemos que a intenção é de que ela atue como uma sobrecapa, servindo também para dar unidade visual à obra. Segundo Elaine Ramos, era impossível que o papel bíblia não tivesse alguma transparência. A ideia foi tirar proveito disso para incrementar o projeto gráfico, complementando as figuras de soldados que permeiam
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a obra, numa alusão ao enfrentamento das tropas francesas e russas. As indicações das diferentes partes do livro foram impressas ao contrário, podendo ser lidas através da transparência. As palavras ao contrário também fazem referência ao alfabeto cirílico. As figuras contidas nos volumes são de autoria de Seguei Adamovitch, contidas originalmente numa antiga coletânea de contos de Tolstói. Cada volume conta também com dois marca páginas cada, em azul e cinza.
Detalhes do projeto gráfico mostrando a composição da página, formato compacto e solução de design aproveitando a transparência do papel. Fotos do autor.
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De fato, em contraste aos exemplos negativos em relação à mobilidade e apreciação do conteúdo, parece que foi estabelecido um equilíbrio que favorece o leitor. Mesmo contendo uma obra gigantesca, a divisão em dois volumes para obras muito extensas é mais racional, ainda que, certamente, mais dispendiosa em relação a custos e volume de materiais. Cabe salientar, no entanto, que a edição tradicional não manteve o mesmo requinte em relação ao acabamento, sendo mais pesada e perdendo um pouco da ideia do design de trabalhar a capa com a transparência da luva, sendo que nessa edição a mesma é cinza, sem o mesmo impacto visual e táctil causado pela impressão serigráfica.
conteúdo Se o jovem Minduim fica incomodado em ter que ler Guerra e paz, considerando esta uma árdua tarefa, cabe a nós imaginar o quão difícil foi para Rubens Figueiredo,3 tradutor da obra, ter que lidar com os obstáculos de adaptar, direto do russo, um clássico atemporal da literatura. A tarefa durou três anos. Tecendo um retrato fiel de sua época, Liev Tolstói escreveu boa parte dos diálogos entre os personagens em francês, como era o comum entre 3. Tendo iniciado sua carreira traduzindo livrinhos de bolso e faroeste para uma pequena editora do Rio de Janeiro, a Cedibra, Figueiredo verteu do espanhol – língua que ele nunca estudara – os livros Onde Colt era a lei, de Marical Lafuente Estefanía e Sem lei e sem alma, de Silver Kane. Nos anos seguintes passou a reescrever títulos com conteúdo erótico ou pornográfico, adequando-os para uma linguagem aceita pela censura. Em 1986 publica, com a ajuda de Luiz Fernando Veríssimo, seu primeiro romance, O mistério da samambaia bailarina, pela Record. Ao longo de sua carreira obteve êxito como autor e tradutor, chegando a receber diversos prêmios por sua obra, com trabalhos publicados por casas como Rocco e Companhia das Letras. Para esta última verteu para o português cerca de 40 títulos de autores como Susan Sontag, Philip Roth e Paul Aster, o que denota sua vocação poliglota. Fábio Victor. “Rubens Figueiredo atinge a consagração como autor e tradutor”. Folha de S. Paulo, 17/12/2011.
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a aristocracia russa. Todos esses trechos foram mantidos na edição desta maneira, sendo destacados em itálico no corpo do texto. A tradução para o português está contida no formato de nota de rodapé. Como é de praxe entre os livros da casa, a edição da Cosac Naify conta com uma breve apresentação de cerca de oito páginas, feita pelo próprio Rubens Figueiredo, contendo dados sobre a obra em si, autor e contexto histórico. Ambos os volumes contêm mapas no final, sendo que no primeiro consta o “Cenário da Campanha de 1805” e o “Cenário da Batalha de Austerlitz” e, no segundo, mais dois mapas, um ilustrando a Moscou de 1812 e o outro a Campanha de 1812 das tropas de Napoleão Bonaparte. Prevendo a dificuldade natural que qualquer leitor enfrentaria para reter a enorme quantidade de personagens e fatos históricos, foi preparada uma lista em ordem alfabética para cada um dos volumes, contendo essas informações.
divulgação Lançado no final de 2011, este certamente foi o título mais importante para a editora naquele ano, sua “superprodução”. Primeiramente apenas em edição especial, Guerra e paz chegou às livrarias pelo preço de R$198,00. Observando comentários no espaço dedicado aos leitores (geralmente vazios para a maioria dos títulos), é possível reparar que o público se dividiu em relação às soluções propostas pela editora, muitos reclamando do preço, considerado abusivo para os padrões brasileiros. Alguns defendiam a divisão da obra em mais volumes, outros clamavam por um volume único, para que o preço fosse reduzido. O próprio projeto gráfico de Elaine Ramos é alvo de críticas por parte de alguns consumidores que acharam o aspecto visual feio. Há, inclusive, um comentário que chega a ser engraçado, no qual um leitor está indignado pelo fato de a “luva” que acompanha a edição especial ser apenas a caixa que acondiciona os volumes e que a tal luva que ele esperava “não veio
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e nunca virá”. Termina suas considerações alegando que “altos preços e edições banais fazem parte do cotidiano da Cosac Naify”.4 Cabe mencionar que a editora não levou o título para a Festa do Livro, como fizera em anos anteriores com lançamentos mais recentes, talvez prevendo que muitos consumidores evitariam a aquisição do livro antes da feira. A edição “normal” foi lançada alguns meses depois, já no primeiro semestre de 2012. Ao contrário dos exemplos anteriores, Guerra e paz vem à tona num momento diferente no que diz respeito à comunicação entre as empresas e seus clientes. No final de 2011 a maioria das grandes redes sociais, em especial o Facebook, já estavam consolidadas, representando um canal de contato ativo. Com as editoras não foi diferente. Desde então, a estratégia de criar um hotsite tem sido deixada de lado em detrimento das fan pages, que através de propaganda ou mesmo posts estratégicos, conseguem angariar público específico através do abastecimento constante de conteúdo novo. A Cosac Naify, tal como fizera em Moby Dick, optou por deixar claras as dificuldades da empreitada a que se propunha, expondo as várias etapas do projeto e citando-o em posts do blog anos antes de sua conclusão, para atiçar o leitor e convencê-lo do valor intelectual conjunto da obra que ele tem em mãos. A loja virtual logo de cara justifica o porquê do alvoroço em torno do título:
A edição é especial pelos seguintes motivos • Tradução direta do russo que demorou três anos para ser realizada. A primeira publicada no Brasil; 4. Comentário de Luiz Gustavo Correia na página de Guerra e paz na loja virtual da Cosac Naify. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/Loja/PaginaLivro/11069/ Guerra-e-Paz---Edição-Especial---2-volumes.aspx.
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• Papel especial, em papel bíblia, que propicia leitura agradável e conforto para as mãos, pela leveza. Afinal, são 2536 páginas; • Encadernação flexível em tecido com impressão em serigrafia, isto é, um processo manual na impressão das capas; • Dois fitilhos para marcação do andamento da leitura; • Caixa (luva) em polipropileno para acondicionar os dois volumes Atuando mais como um canal de redirecionamento do que como uma fonte de informações em si, a fan page da editora no Facebook geralmente conduz o leitor ao Blog da Cosac Naify, página do portal principal em que há a maior atividade em relação às curiosidades que cercam o universo de seus títulos. Guerra e paz recebeu no blog uma grande quantidade de postagens, ligadas direta ou indiretamente à obra de Tolstói, entre 2012 e 2013. No post “Tempo de guerra e paz”, Daniel Benevides, um dos nomes mais frequentes da página virtual, dá o pontapé inicial na divulgação do livro, lembrando que, dois anos antes, o blog debutava, justamente com o anúncio da publicação da obra-prima de Tolstói, ainda em tradução naquele momento.5 Em “O mais russo dos cariocas”, algumas considerações sobre a tradução do livro, a partir de uma breve conversa com Rubens Figueiredo, que resultaram em dois vídeos, cujos links direcionam ao YouTube. Cabe mencionar que foram disponibilizados pouco mais de 1 minuto da entrevista ao tradutor para cada vídeo e não há menções de onde se pode assistir ao conteúdo na íntegra.6
5. Daniel Benevides. “Tempos de guerra e paz”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=9322, 06/10/2011. 6. Daniel Benevides. “O mais russo dos cariocas”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=9755, 09/11/2011.
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A próxima postagem é a mais interessante e uma das melhores do blog, na qual a editora Paula Colonelli dá vários detalhes sobre a produção da obra, fazendo uma analogia entre as dificuldades que encontrou e as aventuras de Charlie Brown na ocasião em que tivera que ler o livro de Liev Tolstói durante as férias. Há, inclusive, um link para o episódio de Peanuts, hospedado no YouTube. No decorrer da postagem, foto com Rubens Figueiredo e um boneco (versão prévia da publicação) em cima de uma mesa, com a prova heliográfica cujos cadernos formam um enorme amontoado de páginas.7 Em “Produção de guerra”, Elaine Ramos, diretora de arte da casa, revela minúcias sobre como foi pensar o projeto gráfico para uma obra tão extensa, para que o resultado final fosse visualmente bonito mas, em contrapartida, não tornasse o livro um calhamaço pesado de difícil portabilidade. 8 Outra publicação que traz ao leitor várias informações e curiosidades tem assinatura de Rodrigo Lacerda, que foi o responsável por organizar a lista de personagens e fatos históricos que se encontram no final de cada um dos volumes. O editor e também autor da casa, que atualmente cuida da linha de literatura brasileira contemporânea, denomina-se “notório esquecedor de nomes e pronomes”. Prevendo alguma dificuldade do leitor em relação à enorme quantidade desses elementos em Guerra e paz, que afirma ter deixado de lado em outras ocasiões, ficou com a árdua tarefa de estabelecer, de maneira prática para quem estivesse lendo, quem era quem no livro.9 7. Paula Colonelli. “Este é um livro e tanto, Charlie Brown”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=9921, 21/11/2011. 8. Elaine Ramos. “Produção de guerra”. Disponível em editora.cosacnaify.com. br/blog/?p=10382, 23/12/2011. 9. Rodrigo Lacerda. “Péssimo para nomes”. Disponível em editora.cosacnaify. com.br/blog/?p=10838, 01/02/2012.
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Há inúmeros outros posts e menções a Guerra e paz no blog da Cosac Naify. A impressão que temos é que todos os membros da equipe foram convidados a dar seu parecer sobre sua participação na obra, e o conjunto desses depoimentos acabam resultando em um making of editorial, suprindo a curiosidade do público sobre como é pensada uma edição e quais são os obstáculos que se interpõem na vida do profissional do livro, ou, de maneira mais abrangente, da edição. Esta opção de divulgação é menos rebuscada e, certamente, possui uma aura menos misteriosa do que os hotsites. Contudo, demonstra atingir o público de forma mais ativa, uma vez que a tendência do formato blog é de que leitor chegue ali para pesquisar um assunto específico – para o qual ele foi “fisgado” na rede social – e acabe se detendo no site por assuntos (tags) que geram outras conexões de interesse. Não por acaso, a mera pesquisa por Guerra e paz desencadeia uma série de possibilidades, que vão desde adaptações cinematográficas de clássicos da literatura, até projetos editoriais que desencadeiem em livros portáteis, passando por menções a Peanuts até empecilhos de traduções, sejam de obras russas monumentais do século retrasado, ou o novo quadrinho do Capitão Cueca.
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os 25 poemas da triste alegria
Retrato do artista quando jovem
Autor: Carlos Drummond de Andrade Lançamento: 2012 Número de páginas: 162 Formato: 17,5 x 24,5cm Papel: Pólen Soft 80g/m2 Tipografia: Arnhem/Kievit Projeto gráfico: Paulo André Chagas Impressão: Geográfica
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o ano de 2012 celebraram-se os 110 anos de nascimento de um dos maiores expoentes da poesia brasileira, Carlos Drummond de Andrade (1902-1927). Por conta das comemorações, houve uma boa leva de lançamentos e relançamentos da obra do escritor mineiro, que também foi o grande homenageado na 10ª Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP. Para a ocasião, a Cosac Naify preparou três títulos. Em outubro de 2011 colocou no mercado Confissões de Minas, livro em prosa de 1944 incluído na edição de Obra Completa, que não fora lançado em volume independente desde então. Em junho de 2012 disponibilizou uma edição crítica intitulada Poesia 1930-62, contendo os dez primeiros títulos da obra poética de Drummond. A grande novidade, entretanto, veio no mesmo mês, com Os 25 poemas da triste alegria, todos inéditos, apresentados em edição fac-similar. O próprio autor preparara uma edição dos poemas, datilografados no ano de 1924 por Dolores Dutra de Morais, sua futura esposa. O jovem Drummond, então com apenas 22 anos, deu seu livro de presente a um amigo, Rodrigo Mello Franco de Andrade. Alguns anos mais tarde, o volume seria novamente entregue ao poeta, não sem antes
ser friamente analisado por outros notáveis modernistas: Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Tendo a obra em mãos novamente, Carlos Drummond de Andrade, mais maduro, com 35 anos, passou a fazer anotações nas margens e demais espaços em branco, não raramente culminando na autocrítica. Chega a dizer sobre um de seus poemas: “‘Momento feliz’ é a coisa pior deste mundo”. Repleto de rabiscos e anotações, Os 25 poemas da triste alegria acabaram figurando nas estantes de um bibliófilo, que ofereceu o exemplar há pouco tempo para Antonio Carlos Secchin, ensaísta e crítico literário. À Cosac Naify coube a missão de captar a essência desta peça chave para a compreensão de vários aspectos presentes nas obras futuras de Drummond, mantendo as anotações, marcas de revisão e críticas do próprio poeta.
Edição original contendo um poema datilografado e as considerações de Drummond, anos mais tarde. Disponível em http://veja.abril.com. br/111109/drummond.shtml.
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Antonio Carlos Secchin diz sobre o acaso que o levou aos originais da obra: Gosto de dizer que livro raro não tem procedência. Tem destino. O bibliófilo que descobre um desses, exemplar único, comprova que o paraíso existe, mas fica na Terra.1
Logo nas primeiras reuniões que tive com o professor Ivan Prado Teixeira, saudoso professor que iluminou os primeiros passos deste trabalho, foi-me sugerida a análise da edição desta obra. Os 25 poemas possuem uma forte carga documental, na medida em que trazem à luz aspectos até então desconhecidos sobre o literato mineiro, por meio de um registro vivo contendo dois livros paralelos; registro encontrado e esquecido diversas vezes, até ser finalmente eternizado.
forma A história que permeia a publicação de Os 25 poemas da triste alegria já serviria como tema para um rico estudo acerca das questões editoriais. Neste caso, mais do que um trabalho inédito de um dos grandes nomes da poesia modernista, que permanecera longe do alcance dos editores por décadas, a edição artesanal de Carlos Drummond de Andrade é em si própria um importante documento, por inúmeras razões. Em primeiro lugar, por ser um arquétipo da visão de mundo do autor enquanto ainda muito jovem, ainda sem ter desenvolvido plenamente o estilo que o consagrou. Em segundo, por conter suas próprias considerações anos mais tarde. Temos aqui, com efeito, uma obra comentada por uma
1. Josélia Aguiar. “Pré-história de Drummond”. Bravo! ed. 178, jun. 2012, pp. 1421. Todas as informações sobre a história dos originais de Os 25 poemas da triste alegria foram coletadas nessa matéria, que foi capa da revista na ocasião.
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consciência já impactada pelo tempo e pelas vivências, duas épocas distintas retratadas no mesmo assentamento. Tendo em vista sua importância histórica, a decisão da Cosac Naify foi de trazer Os 25 poemas ao público em edição fac-similar. A tarefa de fotografar as páginas originais ficou a cargo de Vicente de Mello, especialista em reproduzir obras de arte. Entretanto, a editora paulistana não abriu mão de um projeto gráfico requintado, feito pelo designer Paulo André Chagas,2 criador da premiada fonte Nassau. A cor vermelha é predominante ao longo do livro, adornado com elementos em branco. Por conta do papel tipo pólen, a cor sofre uma variação no miolo, tornando-se mais sóbria e escura, quase um marrom. A mesma cor original dos títulos dos poemas datilografados. Marcas causadas pelo tempo ou possíveis manchas ou sujeira foram apagadas. A impressão é de que tanto os manuscritos quanto a parte datilografada fazem parte da diagramação, e não que foram inseridas como imagens. O projeto gráfico não utilizou-se de recursos para remeter ao passado, preferindo um tom mais minimalista e moderno. O único indício de material “envelhecido” é a coloração levemente amarelada característica do pólen. Logo após o prefácio temos o início do livro propriamente dito. A partir daí, as páginas são duplas, mantidas dobradas no miolo. A parte que se desdobra é sempre vermelha, ficando à direita do leitor quando aberta. O conteúdo da página vermelha que extrapola o livro reproduz, em editoração eletrônica, os comentários manuscritos de Drummond, contidos na página ímpar, à esquerda. Assim, o projeto gráfico contempla, para cada poema, três elementos: manuscritos do autor, poema 2. Para a Cosac Naify, Paulo André Chagas também foi responsável pelo projeto gráfico de Alice no País das Maravilhas, ao lado de Luciana Facchini e pela série de livros do escritor português Valter Hugo Mãe (a máquina de fazer espanhóis, O filho de mil homens e O apocalipse dos trabalhadores).
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datilografado e transcrição do manuscrito, por vezes comentada por Antonio Carlos Secchin, como pode ser visto nas figuras abaixo:
Três épocas distintas contidas na edição fac-similar: o Drummond jovem, caracterizado pela página datilografada; anos depois, mais maduro, comentando e corrigindo sua própria obra; e atualmente, visualmente traduzido pelo projeto gráfico de André Chagas. Fotos do autor.
Quando a página está dobrada, “esconde” o poema, uma brincadeira com o fato de a obra ter permanecido oculta por tantas décadas. Toda a diagramação segue esse esquema. Para alguns poemas, Carlos
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Drummond de Andrade não teceu qualquer comentário. Nesses casos, a página foi deixada em branco. A capa é rígida, de um vermelho muito vivo, com aplicação de verniz brilhante. Título do livro e nome do autor estão escritos em branco com a tipologia variando entre redondo e negrito, o que permite que todas as palavras estejam unidas. Permeiam capa e contracapa o nome do autor escrito em letras garrafais brancas, que à primeira vista parecem o contorno de formas geométricas aleatórias. Trazem a mesma variação entre negrito e redondo e são tão grandes que não cabem na capa, sendo possível identificar de “Carlos” apenas o R, L e O e de “Drummond” o O e N, como se o nome completo “vazasse” para além da capa. É o único dos livros analisados neste trabalho que traz informações na quarta capa explicando a obra ao leitor. Possui também o novo logotipo, que cinge capa, lombada e quarta capa. Todos os elementos em branco estão em baixo relevo fosco. Mesmo tendo a maior parte de suas páginas dobradas, isso não resultou num volume muito grande. O papel pólen utilizado possui gramatura de 80g/m2, o que acarretou num exemplar muito leve, mesmo com a capa dura. A aderência do papel aos dedos é boa, o que garante que o leitor consiga desdobrar as páginas com facilidade sem amassá-las. Para realizar o processo inverso, contudo, é preciso maior delicadeza, para que as folhas fiquem corretamente acondicionadas e não se formem vincos. Olhando o livro pelas laterais, podemos ver claramente o espaço ocupado pelos poemas, devido ao carmim das páginas que os contêm. O lado inverso ao da lombada não passou por refile por conter os cadernos com a face direita dobrada.
conteúdo Além dos 25 poemas inéditos, esta edição conta com a apresentação do crítico Antonio Carlos Secchin, membro, desde 2004, da Academia
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Brasileira de Letras. Secchin foi figura chave para que a obra viesse à tona, uma vez que os originais foram primeiramente a ele entregues, por meio de um bibliófilo cujo nome ele prefere não revelar. Segundo a revista Bravo! No prefácio que redigiu para o lançamento da Cosac Naify, Secchin define Os 25 poemas da triste alegria como um “quase livro de pré-poeta”, constituído de dois livros paralelos. Um é o do jovem e hesitante autor, antes de ser modernista. Outro, o do crítico de si mesmo. (…) O poeta aprovaria tal inconfidência? “O método infalível para proscrever um livro juvenil é destruir os originais”, responde Secchin. “Se não o fez, e ainda por cima o repassou a outrem, quem sabe até para evitar tentações predatórias, é porque desejava preservá-lo”. Se é menor o valor literário, avalia, é muito maior o valor como documento da formação do autor. Desde a redescoberta do livro, a ideia da reedição agradou à família Drummond.3
Ao término dos poemas inicia-se uma seção denominada “Crítica [1923-24]”, precedida por uma nota editorial sem assinatura explicando que os textos seguintes são ideias e considerações de Drummond acerca da poesia e arte modernas, começando com “Um sorriso para tudo…” (1923), “Sobre a arte moderna” (1923), “O livro de um desencantado” (1924) – uma imagem original do Diário de Minas, em que o texto foi originalmente publicado, ilustra uma dupla de páginas no meio do escrito – “As condições atuais da poesia no Brasil” (1924), finalizando com “Poesia brasileira” (1924). O último “extra” da edição é uma entrevista com o poeta Emílio Moura, originalmente publicada no Diário de Minas, em 1952, num número especial em comemoração aos 50 anos de Carlos Drummond de 3. Josélia Aguiar, op. cit., p. 18.
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Andrade, de quem Moura fora grande amigo. O mineiro foi um dos modernistas da década de 1920, fundando, ao lado de João Alphonsus, Pedro Nava e Martins de Almeida, A Revista. Na entrevista revela episódios sobre sua “filiação” ao modernismo e a relação de amizade que manteve com Drummond.
divulgação O gênero de poesia sempre teve no Brasil um certo estigma de produção literária de difícil escoamento. O próprio Carlos Drummond de Andrade, que figura entre os grandes nomes do gênero, teve que pagar do próprio bolso a primeira edição de Alguma poesia, publicado na época por uma tal Edições Pindorama, que na verdade não existia, tendo sido o livro impresso, na verdade, pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Somente o quarto livro do autor, quando este já somava quarenta anos de idade, foi de fato publicado por uma editora, a José Olympio. O poeta Ferreira Gullar chegou a escrever sobre o assunto: De quando em vez, vem um poeta jovem me pedir que lhe consiga uma editora para publicar seu livro de estreia. Só estando com a cabeça na lua para pretender uma coisa dessas. Para consolá-lo costumo citar o exemplo de poetas, hoje consagrados, que tiveram que publicar seu primeiro livro a sua própria custa. Mas tem que ser assim mesmo, já que livro de poesia vende pouco e de poeta desconhecido não vende nada. Nenhum editor, em seu juízo perfeito, entra numa fria dessas.4
É comum no meio editorial esse jargão de que poesia não vende. Entretanto, mesmo sem retorno financeiro a curto prazo, convém que toda editora que se preze mantenha em seu catálogo alguns títulos do gênero. 4. Ferreira Gullar. “Poesia é ouro sem valia”. Folha de S. Paulo, 04/04/2012.
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Contrariando o senso comum, todavia, no primeiro semestre de 2013 o mercado editorial teve uma grata surpresa quando o livro Toda poesia do poeta curitibano Paulo Leminski, publicado pela Companhia das Letras, chegou ao topo dos livros mais vendidos, superando até mesmo best-sellers como Cinquenta tons de cinza. Como citado anteriormente, no ano de 2012 foram celebrados os 110 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade. O lançamento de Os 25 poemas da triste alegria teve sua divulgação mais baseada na questão comemorativa do que nos lançamentos individuais, eventualmente citando as obras do autor como um todo. A maior parte desses textos encontram-se no blog da editora, cobrindo o período de setembro de 2011 até fevereiro de 2013. Em um dos posts do blog há a menção de uma página no Facebook especialmente criada para Drummond, mas no momento a mesma encontra-se desativada. Em 30 e 31 de outubro, respectivamente, são postados no blog dois textos muito interessantes. No primeiro,5 uma explicação sobre o “Dia D”, criado pelo Instituto Moreira Salles, envolvendo diversos eventos e atividades em Itabira, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife e Porto (Portugal). Em seguida, após mencionar uma promoção dos livros do poeta, há a reprodução de um texto chamado “Um poeta mineiro de rara sensibilidade”, escrito por Manuel Bandeira. O segundo texto6 reproduz o poema “Eterno”, publicado em Poesia (1930-62). Nessa postagem também consta o link para diversos vídeos com conteúdo dedicado ao poeta mineiro, que foram a empreitada mais interessante da editora para a divulgação dos livros de Drummond. Postados no canal que a Cosac Naify 5. “Drummond e o movimento lírico da sensibilidade”. Disponível em editora. cosacnaify.com.br/blog/?p=13289, 30/10/2012. 6. “Eterno Drummond”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br.blog/?p=13297, 31/10/2012.
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mantém no site YouTube, contam a presença de estudiosos e/ou literatos tecendo comentários sobre a trajetória do escritor ou lendo excertos de suas obras. São eles: “Nuno Ramos fala sobre Carlos Drummond de Andrade”,7 “Trailer Drummond” (contendo trechos de leituras de Francisco Alvim e Paulinho da Viola),8 “Heitor Ferraz fala sobre Carlos Drummond de Andrade”,9 “Francisco Alvim lê Carlos Drummond de Andrade”,10 “Alcides Villaça fala sobre Carlos Drummond de Andrade”11 e “Paulinho da Viola lê Carlos Drummond de Andrade”,12 sendo este último o de audiência mais expressiva, beirando 6 mil visualizações. Curiosamente, apesar de ser o produto mais interessante – e editorialmente mais precioso –, não há postagens ou vídeos que relacionam-se diretamente com Os 25 poemas da triste alegria, denotando um entusiasmo maior da editora pela reedição da obra do autor, em detrimento de seu material inédito.
7. 8. 9. 10. 11. 12.
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Disponível em www.youtube.com/watch?v=j5ef6IrZOeQ, 15/12/2011. Disponível em www.youtube.com/watch?v=ew-XFGqBAvc, 09/12/2011. Disponível em www.youtube.com/watch?v=hFfhk8-azm0, 15/12/2011. Disponível em www.youtube.com/watch?v=IzusY0dntAc, 13/12/2011. Disponível em www.youtube.com/watch?v=4wMXgbkjk14, 29/06/2012. Disponível em www.youtube.com/watch?v=cEFmuJCPGHE, 13/12/2011.
a m谩quina de fazer espanh贸is
“Tsunami literário”
Autor: Valter Hugo Mãe Editora original: Alfaguara Lançamento original: 2010 Lançamento Cosac Naify: 2010 Número de páginas: 256 Formato: 14 x 23cm Papel: Pólen soft 80g/m2 Tipografia: Nassau/Conduit Projeto gráfico: Paulo André Chagas Impressão: Geográfica
C
onsiderado um dos mais importantes autores portugueses de sua geração, em a máquina de fazer espanhóis Valter Hugo Mãe faz uma reflexão melancólica acerca da morte, da velhice e da vida em si. Na obra acompanhamos o barbeiro antónio jorge da silva, de 84 anos, que após a morte de sua esposa passa por um doloroso processo de destituição de sua integridade pessoal. Em seguida ao trágico evento, é mandado pelos filhos a um asilo, onde convive com vários outros personagens, todos acometidos pelo mesmo sofrimento, a transitoriedade inevitável da vida. Em meio a dor, entretanto, o protagonista vislumbra alguns momentos de felicidade, constituindo com essas pessoas, que comungam da mesma angústia, um novo grupo familiar. Nascido em Angola, na cidade de Saurimo, em 1971, Valter Hugo Mãe (cujo nome de registro é Valter Hugo Lemos), também poeta e vocalista do grupo Governo, publicou outros quatro romances: O filho de mil homens (2011), O apocalipse dos trabalhadores (2008) – ambos já publicados no Brasil pela Cosac Naify – O remorso de baltazar serapião (2006), pelo qual recebeu o prêmio José Saramago1 – editado no Brasil pela Editora 34 – e
1. Na ocasião de entrega do prêmio, recebeu a homenagem das mãos do próprio escritor português, que classificou sua obra como um “tsunami linguístico, semântico e sintático”.
Nosso reino (2004). Foi muito elogiado pela crítica por tratar com delicadeza e maturidade um assunto de difícil abordagem, ainda mais em uma época de exaltação da juventude, em que os idosos são relegados a um exíguo espaço de atuação na sociedade.
forma Apesar de não constituírem em si uma coleção propriamente dita, alguns autores, em diversas editoras, têm sua obra visualmente padronizada, o que acarreta numa identidade singular. Como exemplo disso evocamos as publicações de José Saramago, em sua maioria feitas no Brasil pela Companhia das Letras. O projeto gráfico dos títulos do autor luso é bastante reconhecível, tanto pelo formato quanto pela utilização das gravuras nas capas, passando pelo miolo. Embora haja características próprias em cada uma delas – o livro Caim, de 2009, por exemplo, tem capa preta, em contraste com o padrão branco, característico das obras do ator – há elementos que corroboram para a relação visual obra/autor. Outros exemplos recentes são as reedições dos livros de Gabriel García Marquez e de Graciliano Ramos, pela Record e de Drauzio Varella, pela própria Companhia. A Cosac Naify usa-se desse recurso de identificação visual para alguns de seus autores, em especial Adolfo Bioy Casares, Alan Pauls e Enrique Vila-Matas. Salienta-se que não se trata de uma padronização, mas da aplicação de recursos gráficos em comum.2 Assim se dá com os três livros de Valter Hugo Mãe publicados pela editora até o momento.
2. Para Bioy, usa-se o nome do autor em letras garrafais, com muito mais destaque que o título. Já em Vila-Matas há uma certa comicidade, com caixas de texto coloridas e de bordas arredondadas sobre a imagem da capa, em branco e preto. As caixas estão sempre dispostas de maneira a “tampar” algum elemento importante na figura, geralmente o rosto dos personagens.
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Capas dos livros a máquina de fazer espanhóis e O filho de mil homens. Foto do autor.
O projeto gráfico de a máquina de fazer espanhóis causa, num primeiro momento, uma reação de estranheza por quebrar diversos “cânones” da editoração. Em primeiro lugar, por um recurso utilizado pelo próprio autor, de escrever absolutamente tudo caixa baixa, com a intenção de que nenhum substantivo (ou personagem) receba mais destaque que o outro. Em segundo, pela opção do designer de manter o alinhamento à esquerda, não justificado.3 A mancha de texto é deslocada para as extremidades da página, de modo que, com o livro aberto, temos a impressão de que o texto se afasta do centro e das margens inferiores, ocupando um escasso espaço dentro das margens externas e superiores (0,5cm e 1cm, respectivamente). Tal disposição causa de início um certo incômodo, por rejeitar todas as regras “clássicas” de diagramação de livros, mas funciona para o formato do volume, mais comprido, gerando maior quantidade de texto vertical. 3. Salienta-se que o recurso das palavras em caixa baixa não foi utilizado pelo autor em O filho de mil homens e nas obras subsequentes do autor.
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Sob o olhar de um leitor, destacamos as seguintes palavras de Reginaldo Pujol Filho: Termino de ler O apocalipse dos trabalhadores e fico pensando nas páginas, no projeto gráfico que a editora dedica aos livros de Valter Hugo Mãe. Lembro que, quando li a máquina de fazer espanhóis, tive que reajeitar o olho sobre a página, me acostumar com esse deslocamento de expectativas gráficas. E sigo olhando para as páginas de O apocalispe e começo a pensar. Não sei se o responsável por essa opção teve a intenção, mas o fato é que faz todo sentido, esse movimento do texto do centro para as páginas, do miolo, em direção às bordas. É que, após a leitura d’alguns Hugo-Mães, começo a ver que é mais ou menos isso que a obra do português faz, um redirecionamento do nosso olhar do centro para a periferia, um mapeamento do que está à margem do mapa. Seus protagonistas são gente que não está no centro do palco do mundo, com direito a voz e holofote (…).4
Quebrando regras: as páginas de a máquina de fazer espanhóis são diagramadas de maneira que o texto se desloca para as bordas. Além disso, o alinhamento do texto é à esquerda, não justificado. Foto do autor.
4. Reginaldo Pujol Filho. “A felicidade é um disfarce da infelicidade”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=14911, 12/09/2013.
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O responsável a quem Pujol Filho se refere é Paulo André Chagas, designer da Cosac Naify desde 2008. Não por acaso, a fonte Nassau, utilizada no corpo do texto, foi idealizada por ele.5 Em 2011, Chagas escreveu para o blog da editora para explicar alguns aspectos do projeto gráfico desta edição brasileira, completamente diferente da original, publicada pela Alfaguara. Segundo ele, a inspiração para o design da obra veio pela ilustração de capa, de autoria do escritor e artista gráfico paulistano Lourenço Mutarelli, autor do cultuado O cheiro do ralo e tido pela revista Rolling Stone6 como o maior autor brasileiro de histórias em quadrinho underground: A ideia inicial era interferir o mínimo possível na ilustração. Além de ser belíssima, ela explorava uma metáfora do livro, os pássaros negros de que fala o protagonista de Valter Hugo Mãe. Lourenço os distribuiu por toda a extensão da capa, quarta-capa e orelhas. A partir do uso de uma técnica inédita em seu trabalho, o procedimento remetia aos papéis marmorizados das partes internas de antigas encadernações. Era como se a capa tivesse sido virada do avesso.7
O título do livro, nome do autor, logo da editora e código de barras estão contidos num adesivo preto que engloba partes da capa, lombada 5. O processo de desenho da nova fonte foi descrito por Paulo André Chagas em seu TFG (Trabalho final de graduação). A fonte foi selecionada para a 10ª edição da Bienal Brasileira de Design Gráfico, tendo sido utilizada, além dos livros de Valter Hugo Mãe, no estudo Linha do tempo de design gráfico no Brasil. Paulo André Chagas. Desenho contemporâneo de fonte para textos: um estudo projetual. Trabalho final de graduação. São Paulo, FAU/USP, 2010. 6. Diego Assis. “Lourenço Mutarelli, o homem que aprendeu a voar”. Rolling Stone, nº 6, mar. 2007. 7. Paulo Chagas. “Máquina por dentro”. Disponível em editora.cosacnaify.com. br/blog/?p=9430, 17/10/2011.
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e quarta-capa. Segunda e terceira capa aparecem tingidas por um vermelho intenso. A textura lisa e o aspecto brilhante contrastam com o utilizado para capa, de textura mais áspera e aspecto fosco. Ao tocá-la temos a sensação de passar as mãos por uma tela de pintura. A arte de Mutarelli contempla uma grande extensão, abarcando, inclusive, as fartas orelhas (12,5cm) da edição, nas quais não há nada escrito. O texto de apresentação está num outro adesivo preto colado no verso de uma das orelhas, escondido pela dobra. Sobre o adesivo, afirma o designer: De certa forma, o selo também remete à história do livro, como um sinal de censura (um dos temas do livro, cuja a ação retoma o período da ditadura salazarista em Portugal), ou como algo que esconde um segredo.8
Observando o livro de lado, percebemos claramente a delimitação dos capítulos, marcados por figura geométricas semelhantes ao selo aplicado na orelha. Tais figuras estão presentes ao longo de todo o livro, a cada início e fim de capítulo, olho e página de rosto, epígrafe, sumário, dedicatória e créditos. Paulo Chagas afirma que esses chapados de preto no miolo atuam como uma “repetição maquinal, como sombras do passado do protagonista e da história portuguesa”.9
conteúdo A língua talvez seja uma das maiores vantagens em publicar um autor lusófono. A língua talvez seja uma das maiores desvantagens em publicar um autor lusófono… Por mais que haja a semelhança linguística, os países que falam português têm como entrave a grande diferença cultural que os permeia, além de uma visão de mundo muitas vezes oposta. 8. Idem. 9. Idem.
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Essas são algumas das explicações mais óbvias para se tentar entender o motivo da enorme distância em todos os sentidos, entre esses países. Diferente do que ocorre entre países que falam inglês, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, aqui fica difícil pensar num intercâmbio cultural efetivo, que realmente envolva um fluxo de troca contínua. Não nos atemos aqui apenas na questão da literatura, mas da música, artes plásticas, filmes, pesquisa acadêmica, desenvolvimento tecnológico etc. De acordo com matéria da Folha de S. Paulo,10 comentando especificamente o caso Brasil/Portugal, as fronteiras literárias entre os dois países têm se atenuado desde os anos 2000, graças ao fortalecimento das editoras, feiras literárias e as possibilidades da Internet. Mesmo grandes nomes conhecidos pelo público daqui, como Clarice Lispector, só muito recentemente tiveram seus livros publicados. De forma análoga, portugueses como Jorge de Sena e Vergílio Ferreira possuem pouca expressividade no Brasil. As editoras têm feito um esforço para avivar esse intercâmbio, sendo que a publicação dos livros de Valter Hugo Mãe está inserida nesse novo contexto de integração. O início das atividades da Leya11 no Brasil em 2009 e sua pretensão em mediar a ainda frágil conexão entre as duas culturas, denotam o potencial de um mercado timidamente explorado. Em a máquina de fazer espanhóis, Valter Hugo Mãe, a exemplo de José Saramago, manteve certo preciosismo em relação à linguagem, sendo que todas as expressões próprias do português lusitano foram mantidas. Não houve, portanto, qualquer adaptação linguística, o que pode causar algum 10. Marcos Rodrigo Almeida. “Debates com autores portugueses buscam fortalecer união com Brasil”. Folha de S. Paulo, 21/05/2013. 11. Holding nascida da união de mais de uma dezena de outras editoras de língua portuguesa, com a intenção de lançar-se como o maior grupo editorial a publicar nesta língua.
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estranhamento ao leitor brasileiro. Tal como na edição original, o texto foi mantido em caixa baixa, incluindo os substantivos próprios. Há, contudo, duas exceções: os capítulos cinco e “dezassete”, em que o recurso é abandonado e o texto é apresentado de maneira convencional.12 O livro conta com orelha escrita por Lourenço Mutarelli, que fez a bela ilustração contida na capa. Loureço também é escritor e suas considerações servem de apresentação à obra, contendo diversos elementos de reflexão e interpretação pessoal. Destacamos o último parágrafo da orelha, que serve como síntese do estilo, não somente de Valter Hugo Mãe, mas da melancólica escrita que permeia as páginas dos autores portugueses: (…) Esse velho silva, agora desamparado e desiludido, investe contra o mundo usando como arma um livro. Esse velho silva nos ajuda a lembrar que no fim da vida toda culpa e remorso se transforma em pássaros carniceiros. Pássaros negros. E nos faz lembrar também que, no fundo, toda narrativa carrega em sua estrutura oculta um poema. Enfim, essa é a história de todos os silvas, e é também uma história sobre a saudade, esse sentimento tão profundo que os portugueses fizeram caber em uma palavra.
divulgação Entre todos os livros analisados nesta monografia, este é o único caso de autor não falecido e, mais do que isso, uma oportunidade para dar voz ao escritor, ouvir o que ele próprio tem a dizer sobre sua obra. Inclusive quando afirma que sempre fora “convencido de que morreria cedo”. 12. Hugo Mãe explica que abandonou o recurso nos dois capítulos por ter “emprestado” dois personagens de Francisco Xavier Viegas, dois policiais. Acreditou que naquela situação do livro, com aqueles diálogos, deveria usar a maneira comum.
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Dar voz ao próprio literato foi a estratégia utilizada pela Cosac Naify para divulgar sua obra. Aqui não nos atemos à máquina, mas também aos dois outros títulos que o autor tem publicados pela casa paulistana. Entre tantos escritores de épocas distintas cujas edições dos livros pudemos esmiuçar, é interessante observar o comportamento de Hugo Mãe, de apenas 40 anos, de brinco, posando para fotos usando blazer e All Star, ou mesmo tirando um autorretrato pela câmera do celular ou no palco apresentando-se com sua banda. Temos, enfim, um exemplar de um autor contemporâneo, que transmite as angústias e alegrias próprias de uma época que também vivemos, um representante do agora. A Cosac Naify aproveitou-se do carisma de Valter Hugo Mãe, trazendo-o ao Brasil diversas vezes, em ocasião do lançamento de suas obras ou para debates em feiras literárias. Os posts do blog iniciam-se em junho de 2011, pela republicação de um texto do autor em ocasião de um especial sobre José Saramago,13 escrito originalmente quase um ano antes. Na época, a máquina de fazer espanhóis ainda não fora lançado, fato que se daria dali a dois meses, na FLIP de 2011. Em seguida, ainda antes de chegar ao Brasil para a feira, o próprio escritor faz uma divertida crônica sobre seu encantamento pela cantora Elza Soares, comentando sobre sua frustração quando, em uma de suas viagens ao Rio de Janeiro, alguém o “enganou” dizendo que a cantora brasileira estava no recinto Procurei por todo o lado. Podia ser que estivesse perdida, confusa, cantando esquecida de onde ir, generosa entre os cidadãos. Podia ser que eu a visse, perto, como uma deusa pouco importada em se manter fechada no Olimpo. 13. Valter Hugo Mãe. “As últimas leituras”. Disponível em editora.cosacnaify. com.br/blog/?p=8294, 10/06/2011. Texto publicado originalmente em Público, Especial Saramago, Lisboa, 26/06/2010, p. 16.
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Ninguém viu a Elza Soares, ao menos nesse dia, a passar pela Praça XV. Foi falso alarme de um imbecil que quis magoar-me. Deve ter percebido a minha cara de turista musical, de camiseta Legião Urbana, havaianas lavadinhas a caminho das lojas de discos usados onde fiz minha coleção completa dos génios brasileiros (…).14
Na próxima postagem, há o uso de um dispositivo impossível a Tolstói ou Drummond: um book trailer15 produzido pelo próprio autor pouco antes de embarcar para a Feira de Paraty, no qual faz um emocionante relato sobre sua obra. Valter Hugo Mãe fala sobre a máquina de fazer espanhóis em sua cidade, Vila do Conde, norte de Portugal, comentando a edição em frente a um “lar de terceira idade” (Lar da Ordem de São Francisco). Segundo ele, a Igreja de São Francisco, que vemos ao fundo, foi o local onde se deu o funeral de seu pai, falecido aos 59 anos.16 Enquanto fala, Hugo Mãe segura a edição brasileira de seu livro, tecendo elogiosos comentários sobre a capa de Lourenço Mutarelli, que ele descreve como “magnífica”, além de expressar sua expectativa em visitar o Brasil novamente. Três outros vídeos acompanham a estadia de Valter Hugo Mãe em Paraty. Aparentemente, a Cosac Naify embarcou na ideia de documentar a atividade de seu autor, que tem a oportunidade de conhecer Elza Soares pessoalmente17 e até mesmo interpretar a capella um fado originalmen14. Valter Hugo Mãe. “Elza Soares”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/ blog/?p=8565, 01/07/2011. 15. “De malas prontas”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/ blog/?p=8598, 04/07/2011. Vídeo disponível também em www.youtube.com/ watch?v=u7IRmCl3ojo. 16. O escritor conta que escrever sobre um senhor de 84 anos em a máquina se dá em partes por seu pai, morto precocemente, não ter podido viver a terceira idade. 17. Valter Hugo Mãe. “Grande encontro”. Disponível em editora.cosacnaify.com.
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te interpretado pela cantora portuguesa Amália Rodrigues na década de 1950,18 por ocasião de um coquetel oferecido para celebrar a participação de seus autores na FLIP. Valter Hugo Mãe possui outras diversas postagens a ele direta ou indiretamente relacionadas. O bom relacionamento com o público brasileiro, além do êxito comercial e da crítica, tornaram-no uma figura com bastante destaque dentro do universo dos autores atuais da casa, o que explica o generoso espaço a ele concedido. Suas publicações seguintes também receberam o mesmo estilo de divulgação, com muitas vindas ao Brasil para mesas de discussão e debate, participação em programas de televisão, leituras de outras obras e postagens de outras pessoas lendo as suas. Já citados nesta monografia, há dois posts sobre o making of de a máquina de fazer espanhóis, salientando aspectos do projeto gráfico de Paulo André Chagas e da interpretação desses recursos visuais por um “leigo”.
br/blog/?p=8365, 07/07/2011. Vídeo também disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4gbtPgm-h0E. 18. “O fado de cada um”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/ blog/?p=8689, 10/07/2011. Vídeo também disponível em www.youtube.com/ watch?v=uNgUKFPQPAg#t=12.
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cosac naify para ler no caminho
Alternativos
U
m olhar sobre a trajetória da Cosac Naify em seus 16 anos de existência deixa evidente que muitos de seus ideais originais sofreram profundas modificações. Dedicando-se num primeiro momento a livros de arte, o leque de interesses da editora transformou-se ao longo dos anos e hoje abarca várias áreas. A editoria de artes, inclusive, não é a que mais coloca títulos no mercado e nem a de maior expressividade nas vendas. Com efeito, aos poucos, a especificidade deu lugar à variedade, expressa pela variada formação dos profissionais da casa e, também, pela resposta de seus leitores. Diversificar a obra significa, também, falar para públicos diversos, com interesses distintos. É de se esperar que o leitor dos livros-reportagem de Robert Capa não seja exatamente o mesmo do Capitão Cueca. A presença nas redes sociais também abre um canal de comunicação com esse leitor, que pode ter tido contato com algum livro da editora na sala de aula, no congresso universitário ou na livraria do aeroporto. Tudo indica que, em detrimento dos ideais dos fundadores, hoje a empresa está mais aberta não apenas para publicar para um nicho, mas para atender aos anseios de todo um leque de pessoas que, aqui ou ali, formam um conjunto de leitores.
Dizemos isto baseados nas novidades trazidas pela editora nos últimos anos, que coincidem com sua presença nas redes sociais. Edições “alternativas” a preços mais convidativos, promoções semanais em sua loja virtual, divulgação de suas obras em canais direcionados ao público mais jovem, como o YouTube e Vimeo. E, finalmente, a entrada da editora em segmentos de menor prestígio, como os pocket books em 2012 e os e-books em 2013. Os primeiros pocket books ou livros de bolso foram publicados no Brasil em 1930, mesma década em que estrearam nos Estados Unidos, na época empobrecidos pelo crash de 1929. A Coleção Globo era constituída de 24 títulos, contendo nomes importantes como Púchkin e Robert Louis Stevenson, no formato 11 x 16cm1. A ideia, importada da Europa, consistia em trazer ao público edições com acabamento mais simples, a preços convidativos. Entretanto, a ideia sofreu resistência no início, dada a má qualidade do produto final, que não agradava o leitor. O historiador Laurence Hallewell afirma: Podemos atribuir o desinteresse das farmácias e supermercados etc. pela venda de livros à inexistência no país de um bom equivalente ao paperback anglo-americano. Apesar da conotação literal do termo inglês (que significa livro de capa de papel, brochura, em oposição ao encadernado), o paperback, ou livro de bolso, não é um produto, mas um conceito de marketing (…). Simplesmente transferir para o consumidor as economias de escala de uma tiragem maior, sob a forma de redução de preço, não geraria maiores vendas, mas suspeitas sobre a qualidade, e portanto, vendas menores.2 1. Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história, 3ª ed. São Paulo: Edusp, 2013, p. 739. 2. Idem.
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Por muito tempo as edições de bolso foram relegadas a segundo plano pelas editoras e também pelo público, não apenas pela qualidade duvidosa das publicações, mas também pelo desinteresse dos livreiros em receber margens de lucro menores por produto. Em 1995 a editora Paz e Terra tentou fazer livros “o mais barato possível”, mas a tentativa malogrou devido à resistência dos próprios leitores. “As pessoas não gostam de coisa muito barata”, afirmou seu editor, Fernando Gasparian.3 Ivan Pinheiro Machado, editor da gaúcha L&PM Pockets explica, em matéria para a Folha de S. Paulo: No primeiríssimo momento o preconceito era generalizado. Autores importantes não queriam ver seus livros em formato de bolso, livrarias não queriam vender os exemplares mais baratos, a imprensa os tratava como produtos menores e assim por diante. Vencemos todos os preconceitos, menos o da imprensa.4
Responsável pela mais bem sucedida experiência no segmento de livros de bolso na história do mercado editorial brasileiro, a L&PM Pockets atuou praticamente sozinha nesta área, ultrapassando os 5 milhões de exemplares vendidos. O ano de 2005 foi fundamental para o segmento. Pela primeira vez em décadas, as editoras líderes de mercado resolveram investir no formato pocket, apostando em sua popularização. Companhia das Letras e Record tomaram a frente da nova empreitada, buscando consolidar com seus produtos a possibilidade de um artigo mais barato, sim, mas com qualidade, não mais restrito às livrarias. Marino Lobello, um dos dirigentes da Câmara Brasileira do Livro, apontou na ocasião que “quando 3. Cassiano Elek Machado. “Editoras líderes investem no bolso de leitor”. Folha de S. Paulo, 14/04/2005. 4. Idem.
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duas empresas que conhecem tudo de marketing editorial entram nesse segmento, que já vinha apresentando excelentes resultados com a L&PM, é sinal que o livro de bolso veio pra ficar no Brasil”.5 A Companhia das Letras iniciou a produção de seus livros pocket seguindo um modelo internacional, que buscava fazer do formato uma “segunda vida” para obras de seu catálogo. A primeira leva contou com cinco títulos de gêneros variados, todos já bem sucedidos anteriormente. Custando entre R$16,00 e R$22,00 na época, foram lançados nessa primeira investida Nova antologia poética, de Vinícius de Moraes, O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago, Estação Carandiru, de Drauzio Varella, Cem dias entre o céu e o mar, de Amyr Klink e Além do bem e do mal, de Friedrich Nietzsche. Futuramente, as obras publicadas pelo selo Penguin-Companhia seriam majoritariamente publicadas no formato. Ao invés de simplesmente criar adaptações mais baratas de seu catálogo em formato tradicional, a editora optou que seus livros de bolso formassem um selo – algo mais abrangente e ousado do que uma coleção –, a Companhia de Bolso. O formato escolhido foi 12,5 x 18cm. As artes de capa possuem elementos comuns entre si, resultado do marcante estilo do capista australiano Jeff Fisher, que em muitos casos superou a arte original. Para o miolo, papel pólen soft 70g/m2, em cadernos costurados. O miolo é condensado, mas não há desconforto visual, e a relação texto/página é racional. Apesar da ausência de orelhas – único defeito a ser apontado, pela tendência do papel da capa envergar –, não há nada nos livros que indique má qualidade dos materiais utilizados. A “economia”, no caso, cria um produto mais simples, mas não necessariamente inferior à sua matriz. Não seria de estranhar haver leitores que comprassem duas edições da mesma obra, a normal e a de bolso, por constituírem soluções diferentes para diferentes propósitos. 5. Idem.
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Diferente da Companhia, que direcionou seu foco exclusivamente no relançamento de best-sellers, a Record, seguindo o modelo da L&PM, que trabalha quase que exclusivamente com os pocket books, apostou no lançamento de obras inéditas no formato. A editora hoje também conta com um selo específico para o formato, o Edições Best Bolso. Outro destaque no segmento é a Zahar, que lançou uma edição de bolso com um novo conceito dentro das coleções que já possuía: a edição de bolso de luxo. A coleção conta com títulos variados, todos clássicos, mas tendo como foco o público infantojuvenil. Entre os livros estão Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, várias histórias curtas de Sherlock Holmes como Um estudo em vermelho e O cão dos Baskerville, de Sir Arthur Conan Doyle e, como exceção à temática juvenil, o Kama Sutra, de Mallanaga Vatsyayana. As obras são apresentadas em capa dura, direcionadas a um público que não necessariamente procura um produto barato, mas, sobretudo, portátil. Tanto que os preços variam entre R$19,90 e R$59,90, elevados para o padrão pocket, mas, ainda assim, mais em conta do que qualquer edição tradicional com os mesmos atributos.
Menores no tamanho. No preço, nem tanto. A Zahar aposta num novo conceito dentro do segmento dos portáteis: o pocket book em edição de luxo. A foto é uma reprodução do site www.submarino.com.
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quase por acaso, o primeiro lançamento Como pudemos verificar, os livros de bolso constituem uma tendência de mercado, e, nos últimos anos, as editoras têm se preocupado em atender essa fatia de consumidores. A chave para o sucesso dos pocket books estava no equilíbrio entre preço e qualidade. Sim, os leitores queriam produtos mais baratos, mas não estavam dispostos adquirir qualquer coisa que lhe oferecessem. Assim, várias soluções foram postas em prática, visando livros simples, mas bem acabados, com miolos e capas dignos a um preço razoável. Entrar nesse meio foi inevitável para a Cosac Naify. Apesar de sempre defender que cobra um preço justo pelos livros que entrega, em sua maioria dotados de diversos incrementos como capa dura, formatos não convencionais, miolo colorido, papel diferenciado etc., uma rápida pesquisa pelas livrarias, sites, ou mesmo a loja virtual da editora, comprovam que poucas obras podem ser adquiridas por menos de R$50,00. Some-se a isso que muitas são de utilidade para estudantes universitários, que não raramente têm que transportar muitos livros nas mochilas. Edições bonitas têm seu preço – e seu peso. Terminado o ciclo do preconceito e rejeição ao livro de bolso, o mercado editorial brasileiro pôde finalmente dispensar a este filão a atenção merecida, voltando aos dois pilares que conceituam o produto: preço e tamanho. Ao diversificar o catálogo, a Cosac também diversificou seu público, agora formado não apenas por amantes das artes, mas também da literatura, do cinema, da fotografia… E, muito provavelmente, todos eles apreciadores de uma experiência de leitura completa, em forma e conteúdo. A fagulha responsável pela entrada da editora no segmento foi a publicação do livro Clarice, (lê-se “Clarice vírgula”), biografia de Clarice Lispector escrita pelo crítico, editor e tradutor norte-americano Benjamin Moser, em outubro de 2009. O livro foi um sucesso de crítica e público,
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chegando rapidamente à 3ª edição, com mais de 20 mil exemplares vendidos. Seus aspectos visuais continham todos os elementos das edições mais caprichadas da casa, como a capa dura e o papel pólen, medindo 15,5 x 22cm. Em contrapartida, pesava cerca de 1,6kg e custava exagerados R$99,00. Devido ao sucesso do livro, autor e editora pensaram juntos numa solução que pudesse ser mais acessível ao público. Ora, esta é considerada a mais completa biografia de Clarice, que, por sua vez, é uma das escritoras brasileiras mais admiradas e queridas aqui e no exterior. Seria conveniente que o maior número possível de pessoas pudesse ter acesso à obra. Uma edição de bolso, foi a solução encontrada. Clarice, primeira empreitada da Cosac Naify no ramo dos livros de bolso chegou às livrarias em abril de 2011. Pelo preço de R$39,90, era 40% mais barata do que a edição convencional e com formato reduzido para 12 x 17cm (no site consta inacreditáveis 12 x 17mm. Estaria a Cosac investindo em micro books?). O número de páginas aumentou para 752, mas cabe salientar que a mancha de texto manteve-se arejada, com fontes em bom tamanho e entrelinha adequada. Seguem trechos da entrevista que Benjamin Moser concedeu à Cosac Naify pela rede social Twitter em decorrência do lançamento de Clarice, em edição de bolso: Cosac Naify: Como surgiu a ideia de publicar a biografia no formato pocket? Benjamin Moser: Este livro foi muito caro de produzir, por muitas razões, e o livro na primeira edição ficou muito caro. Achamos importante fazer uma versão que fosse mais acessível ao público, sobretudo aos estudantes, que amam Clarice. C.N.: O conteúdo da biografia de Clarice, é o mesmo do pocket? (via @ robertopalazo)
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B.M.: A única diferença que eu vi, além do preço, é que na quarta capa tem citações diferentes! C.N.: Nossa última pergunta: quais são as próximas novidades relacionadas à publicação de Clarice,? B.M.: A mais importante é a lindíssima edição pocket! Espero que muita gente conheça e se apaixone por Clarice Lispector. A história dela continua indo pelo mundo, o que é uma linda homenagem à extraordinária Clarice.6
Comparativo de tamanho entre Clarice, e sua versão de bolso, lançada com a intenção de atingir um público mais abrangente. Disponível em http:// goo.gl/YKqBTw.
Podemos deduzir, pela fala do autor, que a publicação da edição de bolso ocorreu por acaso, baseada no sucesso inesperado e na vontade, de ambos os lados, de englobar um público mais abrangente dentro de uma temática promissora. Clarice, foi o primeiro pocket book lançado pela editora,7 precedendo uma futura coleção. Distingue-se, contudo, por ter 6. Benjamin Moser. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/ ObraEntrevista/11576/88/Clarice,-[edição-pocket].aspx, 03/05/2011. 7. Na verdade, um mês antes fora lançado o livro História abreviada da literatura portátil, de Enrique Vila-Matas, cujo formato era 12,5 x 18cm. Entretanto, o formato escolhido foi um tributo aos shandys (obras que cabiam facilmente em uma maleta) citados na obra. Por ter sido uma escolha que faz parte do design, que manteve, inclusive, a identidade visual dos demais títulos do autor lançados
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a capa idêntica à obra original, além do projeto gráfico, adaptado ao tamanho menor. O debute da editora no formato ocorreu de fato no ano seguinte, em 2012.
“pequeno. notável” Nascida em Córdoba, Argentina, mas criada no Brasil, Florencia Ferrari trabalhou para a Cosac Naify como coordenadora editorial da área de antropologia, em que também é especializada. Em 2012 assumiu o cargo de diretora editorial, tendo como meta a produção artística contemporânea e a publicação de autores jovens.8 Florencia foi responsável pela empreitada da editora paulistana de ingressar na segmento de livros de bolso. Para a casa, fazer um produto mais simples do que o de costume mostrou-se um grande desafio, por lidar com as (altas) expectativas de um público acostumado com seu padrão de qualidade. Afinal, não adiantava entrar nesse ou em qualquer outro mercado para simplesmente copiar o que os outros já estavam fazendo. O processo do conceito da coleção dos livros de bolso foi amplamente documentado pelo blog da editora. Foi enorme o desafio de encontrar soluções de design e de produção gráfica capazes de atender às necessidades da nova coleção Portátil com originalidade e qualidade, a preços acessíveis – ainda mais tendo em mente que boa parte das edições de bolso do mercado são livros colados (sem costura) e em papel considerado inferior.
pela Cosac Naify, não consideraremos este um livro de bolso. 8. Antonio Gonçalves Filho. “Nobel francês é um dos autores da coleção que a Cosac Naify lança em sua nova fase”. Disponível em www.estadao.com.br/noticias, 13/06/2012.
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Nesse caminho, foram fundamentais as conversas – várias – com a gráfica, em busca de processos de produção que unificassem otimização e sofisticação, aspectos que normalmente reagem como água e óleo quando juntos.9
Como notamos, havia uma preocupação da editora em não ser relacionada a produtos de qualidade questionável, além, é óbvio, de não ferir o status construído junto aos seus leitores e autores. A escolha do papel foi o primeiro passo para a construção da identidade editorial da nova coleção, chamada simplesmente Portátil. A pesquisa levou ao Munken Pure Rough, de origem sueca, por possuir “uma textura agradável ao toque e uma boa ‘printabilidade’”.10 O papel é realmente diferente do que estamos acostumados, com uma coloração entre o offset e o pólen, resultando num amarelo bastante suave e claro. A gramatura é de surpreendentes 100g/m2, mais espessa do que na maioria dos livros convencionais. Uma questão ainda mais intrigante do que o papel foi o projeto gráfico, especialmente em relação às capas. Todos os livros têm capas distintas, que se dão por um processo de fragmentação do logotipo da editora, impresso em cores bem vivas. Essas cores foram utilizadas desde o primeiro título até o Portátil nº 21, quando foram substituídas por um projeto mais sóbrio, com tons de cinza e apenas a cor laranja em destaque. No final do processo de impressão as capas recebem um vinco, que possui além da função estética (criando uma textura em alto relevo que cobre toda a extensão da capa) a de conservar a obra, evitando o empenamento, comum em livros sem orelhas. Ainda pensando na questão da conservação dos livros, a lombada não é colada aos cadernos, mas solta, o que evita a deformação da mesma e 9. “Design e gráfica na coleção Portátil: soluções especiais”. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=12179. 10. Idem.
144
deixa o exemplar mais flexível. Os cadernos são costurados com linha laranja, uma das cores de destaque da coleção. Tal artifício enfatiza para o leitor que, apesar de simples, seu produto não deixa de ter o requinte de suas versões mais caras. Em relação à linha editorial que permeia a edição, o caminho percorrido foi semelhante ao da Companhia das Letras, relegando o formato a um “segundo momento” de seus livros. Assim, serão publicados volumes de todas as editorias, com exceção dos infantis. Obviamente, os grandes “hits” da editora não entraram na coleção, assim como os livros-objeto, que não podem ser adaptados por ter o conteúdo estritamente ligado ao projeto gráfico original.
Um dos primeiros volumes da coleção Portátil. Na foto menor superior, podemos ver a mancha e também a costura feita em cor laranja. Na inferior, o pocket da Cosac Naify ao lado de um da Companhia das Letras.
145
A tabela a seguir relaciona os livros da coleção publicados até novembro de 2013:
Tabela 4: Livros da coleção Portátil lançados entre 2012 e 2013 Nome do livro
Autor
Nacional?
Gênero
Ano
1. Lero-lero
Cacaso
sim
Literatura
2012
2. Khadji-Murát
Liev Tolstói
não
Literatura
2012
3. A sociedade contra o Estado
Pierre Clastres
não
Ciências Humanas
2012
4. O amante
Marguerite Duras
não
Literatura
2012
5. O africano
J.M.G Le Clézio
não
Literatura
2012
6. Como funciona a ficção
James Wood
não
Literatura
2012
7. Degas Dança Desenho
Paul Valéry
não
Arte
2012
8. Leão-de-chácara
João Antônio
sim
Literatura
2012
9. O fim da história da arte
Hans Belting
não
Arte
2012
10. Antropologia estrutural
Claude Lévi-Strauss
não
Ciências Humanas
2012
11. Teoria da vanguarda
Peter Bürger
não
Arte
2012
12. A prosa do mundo
M. Merleau-Ponty
não
Ciências Humanas
2012
13. Carta a D. – História de um amor
André Gorz
não
Literatura
2012
14. A festa de Babette
Karen Blixen
não
Literatura
2012
15. O som e a fúria
William Faulkner
não
Literatura
2012
16. A invenção da cultura
Roy Wagner
não
Ciências Humanas
2012
17. Esperando Foucault, ainda
Marshall Sahlins
não
Ciências Humanas
2013
18. Uma criatura dócil
Fiódor M. Dostoiévski
não
Literatura
2013
19. O pensamento alemão no século XX, volume 1
Jorge de Almeida, Wolfgang Bader
sim
Ciências Humanas
2013
20. O pensamento alemão no século XX, volume 2
Jorge de Almeida, Wolfgang Bader
sim
Ciências Humanas
2013
21. Estética doméstica
Clement Greenberg
não
Arte
2013
22. Este lado do paraíso
F. Scott Fitzgerald
não
Literatura
2013
146
23. Sobre o sacrifício
Henri Hubert, Marcel Mauss
não
Ciências Humanas
2013
24. O olho e o espírito
Maurice MerleauPonty
não
Ciências Humanas
2013
25. Ensaio sobre a dádiva
Marcel Mauss
não
Ciências Humanas
2013
Clarice, (não faz parte da coleção)
Benjamin Moser
não
Literatura
2011
Como podemos ver, até o momento foram publicados 25 títulos, representados por três editorias (artes, ciências humanas e literatura). Entre todas as obras, temos prevalência de autores internacionais, numa proporção de 21 para 4 (84% são obras de autores estrangeiros). O gráfico ilustra a divisão da coleção Portátil, fazendo uma relação quantitativa da presença das três editorias contempladas pela coleção até o momento:
Título do Gráfico
Gráfico 4: Proporção de participação das editorias na coleção Portátil
Arte 16% Literatura 44% Ciências Humanas 40%
147
Além dos motivos já apontados para a adoção do formato portátil e sobre a escolha dos títulos que compõem a coleção, Florencia Ferrari argumenta: Publicamos livros em várias áreas, como arquitetura, artes plásticas, literatura e sociologia, mas o leitor de um gênero não conhece o resto, que fica em outra seção nas livrarias. A coleção é uma forma de mostrar um pouco mais a diversidade do catálogo. Além disso, muitos livros são de interesse universitário, e para esse público a saída é imediata. O formato de bolso facilita a reimpressão, que, por sua vez, auxilia na manutenção de fundo de catálogo, ou seja, ajuda a manter em circulação livros do acervo já esgotados, que demandariam uma nova tiragem custosa e sem garantia de retorno em formato normal.11
A divulgação da coleção Portátil foi feita pela Cosac Naify com alvoroço. Um site especial foi colocado no ar, anunciando os seis primeiros títulos: Lero-lero, de Cacaso; Khadji-Murát, de Liev Tolstói; A sociedade contra o Estado, de Pierre Clastres; O amante, de Marguerite Duras; O africano, de J.M.G Le Clézio e Como funciona a ficção, de James Wood. Sob o slogan “Pequeno. Notável” foi feita a campanha no site e no blog, justificando a novidade: Pequeno. Notável. É o que define a nova coleção da Cosac Naify, a Portátil. Formato menor, conteúdo maior. Menor porque mais leve, mais prático. Maior porque os livros dessa coleção representam o que a editora publica de melhor, em todas as áreas da cultura (…). O 11. Yuri Al’Hanati. “Um livro para todos os bolsos”. Disponível em www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteúdo.phtml?id=1293023.
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conteúdo é o mesmo das edições originais, com a mesma excelência das traduções e textos de apoio como bibliografia, perfis dos autores, prefácios e sugestões de leitura. Diversidade, oportunidade de republicar obras que estão esgotadas e a possibilidade de tornar acessíveis livros que eventualmente não caibam no bolso são alguns dos aspectos que nortearam a coleção. Feitos para serem lidos a qualquer hora, em qualquer lugar, e com preços a partir de R$19,90.12
O making of dos livros de bolso no blog contém um link para um interessante vídeo de cerca de dois minutos hospedado no YouTube, documentando o processo de impressão da coleção Portátil na Geográfica.13 Além disso, a imagem de capa utilizada tanto na página do Facebook quanto no blog, até hoje, passado mais de um ano do lançamento da coleção, faz referência à arte de capa dos pockets. Vencido o período de adaptação, é de se esperar que a coleção cresça e de verdade constitua um catálogo alternativo, especialmente ao estudante universitário. Tal como ocorre com outras editoras, o fator preço realmente pesa; não criaram-se aqui obras das mais baratas do mercado. Mas há que se fazer a comparação com suas matrizes, e, daí sim, percebemos uma grande diferença. Ao que parece, as casas brasileiras e o próprio público estão se deixando envolver pelos livros de bolso, levando em conta sua praticidade. Soluções simples tornaram possíveis que os pockets deixassem de ser um subproduto e alcançassem uma identidade própria, por vezes tão boa quanto ou até melhor do que as obras que as originaram. Perdura, 12. Disponível em editora.cosacnaify.com.br/SubHomeSecao/469/Todos-ostítulos.aspx. 13. Disponível em www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v= gJkl0w3hn1w.
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entretanto, certa resistência no que diz respeito a material inédito chegando ao mercado nas duas versões (o que fatalmente transforma a edição tradicional em “edição especial”) ou apenas em formato de bolso, assim como a relutância em publicar algumas obras-chave, como explicita Carlos Augusto Lacerda, editor da Nova Fronteira: Eis o “xis” da questão. Se eu publico a versão pocket de um clássico como Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo, ninguém compra mais a original. É preciso ter cautela para não perder. Ainda assim, tenho o desejo ardente de de intensificar nossas operações no formato de bolso.14
dando o braço a torcer A produção de e-books pela Cosac Naify foi anunciada em abril de 2013. É perceptível, pela linha editorial que assumiu desde o início de suas atividades, que a decisão de atuar nesse segmento deu-se, majoritariamente, pela pressão mercadológica e demanda crescente por esse tipo de produto. Charles Cosac, pronunciando-se sobre o assunto, esclarece: Quando abri a Cosac, em 1996, já se falava no fim do livro. E eu acho que o certo é você sempre seguir o caminho oposto da história. O livro era algo que tinha que ser coisificado, revivido como objeto. Já sabia o que ia acontecer, não fui pego de surpresa. (…) Já vim ciente desse… não desse risco, mas dessa fatalidade que é o livro eletrônico. Por isso sabia que teria que me
14. Cassiano Elek Machado. “Editoras líderes investem no bolso de leitor”. Folha de S. Paulo, 14/04/2005.
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concentrar numa produção que mesmo sendo feita na gráfica tivesse um aspecto muito caseiro, muito desejável”.15
Exageros à parte, cabe lembrar que estamos diante de uma proposta nova para o livro, que, independente do suporte utilizado, sempre se beneficia ao surgirem ideias que potencializem seu uso. A maior dificuldade, talvez, esteja na questão da adaptação, de repensar edições consagradas e sua transposição para outras plataformas. O início da produção digital traça uma linha divisória com dois desafios muito claros: idealizar soluções satisfatórias para verter títulos antigos do catálogo para leitura em tela e, a partir de agora, levar em conta que a produção contemporânea precisa adequar-se a essa nova realidade, ainda que o e-book não represente o foco principal da editora. Ler em tela não é algo novo para a maioria das pessoas. Por mais que haja aqueles que afirmam ter necessidade de imprimir absolutamente tudo para que sua leitura seja eficiente, desde matérias de jornais online até e-mails, ler no computador faz parte da vida contemporânea. O problema é o desconforto causado por praticar tal atividade por muito tempo. Livros online estão disponíveis há décadas, mas sua disseminação foi sempre dificultada pelas limitações das próprias plataformas, não pensadas para esse fim. Os dispositivos portáteis deram ao ato de ler novas perspectivas, proporcionando ao usuário telas menos reflexivas, tamanhos apropriados para não cansar a vista, portabilidade. Por outro lado, a multiplicidade de suas formas e usos trouxe desafios às editoras, que hoje têm que pensar um mesmo livro adequando-se a dispositivos que variam entre 2 e 10 polegadas, sem contar os inúmeros formatos de arquivos e limitações envolvendo resolução da tela, recursos multimídia etc. 15. Bruno Dorigatti e Carolina Casarin. “Charles Cosac, de Tunga a Maria Martins”. Disponível em www.saraivaconteu.com.com.br/Materiais/Post/10403.
151
Antonio Hermida, coordenador digital de mídia da Cosac Naify foi o responsável por pensar soluções para adaptar suas consagradas edições do papel para o digital. Um desafio e tanto. Antes de mudar-se para São Paulo, Antonio trabalhou na Zahar, uma das editoras pioneiras em e-books no Brasil, como assistente de produção, em 2009 e, dois anos depois, como gerente de produção na Simplíssimo. Em entrevista ao site Revolução eBook, afirmou [O e-book] é uma imposição do mercado. Não vou discorrer sobre custos, estoque e manutenção do mesmo, até porque, hoje, trabalho numa editora cujo catálogo envolve, em grande parte, livros-fetiche e edições extremamente elaboradas graficamente. Não vejo isso como uma concorrência de produtos. Vejo o digital como um novo nicho de negócio e essa é a principal razão para existência dessa demanda. O digital tem seu próprio público embora ainda não seja um mercado consumidor maduro.16
Continua sua fala descrevendo um pouco sobre o cotidiano da produção de um livro digital, área ainda carente de maturação e profissionais capacitados: (…) No geral, quando a conversão é externa, minha rotina com os arquivos é: prepará-los para envio ao fornecedor com as instruções sobre alguns parâmetros que, geralmente, consistem numa simplificação do design em relação ao impresso. Isso evita surpresas e agiliza a entrega desse pré-arquivo. Uma vez recebido, cotejo, teste de links e estrutura de código, adaptação dos padrões internos e imagens e, por fim (a parte mais demorada), pensar nas adaptações de design a fim de transpor ao menos a 16. Disponível em http://revolucaoebook.com.br/conheca-palestrantes-antonio-hermida, 09/10/2013.
152
essência da identidade do livro. Isto envolve, entre outras coisas, buscar um meio-termo entre as vantagens e limitações do formato e dos apps dos canais de venda. Essas adaptações são uma forma de tentar manter a integridade de distribuição do conteúdo nos diversos meios e, não fosse pouca coisa, os livros da Cosac sempre são um desafio a mais nesse sentido.17
O blog da editora, na ocasião do lançamento dos primeiros títulos no novo formato, documentou as dificuldades e soluções encontradas para que os livros não perdessem sua identidade visual. Para tal, comentou-se sobre a escolha de fontes com peso intermediário (Swift, no caso da coleção Prosa do Mundo) no lugar de fontes serifadas; o alinhamento do texto, muitas vezes prejudicado quando justificado, especialmente em telas menores (dando ao leitor a opção de alinhar o texto à esquerda, se preferir); chamadas de notas em destaque e tamanho maior, para permitir melhor visualização e área de contato dos dedos; adaptação das capas, agora padronizadas em formato único; links com redes sociais e loja virtual.
Aula de e-book: no blog da editora, Antonio Hermida explica os processos para adaptar os livros aos vários formatos disponíveis no mercado. Na foto à direita, uma comparação entre as versões impressa e digital de Moby Dick. Disponível em http://goo.gl/z5Tlkx.
17. Idem.
153
Antonio Hermida, a exemplo de outros editores que também colaboram com suas experiências no fazer editorial, tem postado várias informações sobre como tem sido seu processo criativo dentro da editora. O post mais instigante denomina-se “História de pescador”, versando sobre a transposição de Moby Dick, cuja versão impressa é um dos objetos desta monografia, para e-book. A escrita de Hermida vai direto ao ponto, relatando sua apreensão inicial perante a dificuldade do projeto: Euforia, apatia e um leve pânico. Essa sequência de palavras define com exatidão matemática como me senti quando Moby Dick foi citado numa reunião na qual se discutiam os próximos títulos a serem lançados em e-book pela editora. Imediatamente fui transpassado por essas sensações, afinal, trabalhar neste tipo de livro significa, para mim, lidar com uma série de pesos e de tensões emocionais que ignoro, ao longo do dia, mas considero serem parte indissociável de quem sou hoje. Adaptar nossa edição de Moby Dick para o digital representava encarar uma série de sensações, memórias enevoadas e, também, medos infantis. Moby Dick é um livro grande e robusto, por dentro e por fora. Sua identidade visual é tão forte que me sinto desajeitado segurando-o. Ele aparenta ter mesmo o peso de uma baleia e, por isso, o mantenho na estante, por trás de um vidro, como que em um aquário. Ele é, para mim, o tipo de livro para ser lido em casa, em segurança, e não para ser carregado para cima e para baixo ao longo do dia. Afinal, seria no mínimo curioso observar um sujeito, na linha azul do metrô, com uma baleia entre as mãos…
154
Não imaginei que adaptaríamos esse título para o digital, que tentaríamos aprisionar o mar e o monstro em um quadro modestamente medido em pixels. Conceitualmente, o livro não é menos sinuoso do que minhas impressões particulares sobre ele, e a busca por um resultado que expressasse algo próximo do que a edição impressa traz como experiência não racionalizável (com sua distribuição de capítulos, títulos, cores e proporções) se tornou mais um peso a ser medido.18
Realmente, a ideia de grandiosidade, cuidadosamente pensada para a edição impressa, fica à deriva ao nos depararmos com Moby Dick aprisionada num celular. Entretanto, é perceptível na fala de Hermida o entusiasmo do editor perante ao novo, ao inexplorado. Os livros digitais ainda engatinham, em busca de seu público, de sua identidade. Seu sucesso dependerá, mais do que de tendências ou especulações de empresas que muitas vezes sequer atuam no ramo livreiro, da criatividade e sensibilidade dos profissionais e da recepção do público. É preciso, contudo, que se perca a aura de subproduto, num processo semelhante ao que aconteceu com os livros de bolso, para que os e-books tornem-se mais uma alternativa para o leitor, algo que some, e não que subtraia, como muitos teimam em acreditar. Como afirma o próprio Antonio Hermida: A maior barreira ainda é a mesma: mentalidade. O e-book ainda é encarado, mesmo pelos editores, como um subproduto, um refugo do impresso. Ele é desvalorizado desde a primeira etapa de produção e às vezes antes disso até. Grande parte dos 18. Antonio Hermida. “História de pescador”. Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=14524, 27/06/2013.
155
profissionais do livro não se preocupam nem ao menos em conhecer os trânsitos que envolvem o digital. Seja na parte de compra como nas experiências de leitura em aparelhos diversos. É justamente essa mentalidade (que começa dentro das editoras) que coloca o digital na posição de concorrente do impresso, seu nemesis.19
Tabela 5: E-books lançados até novembro de 2013 Nome do livro
Autor
Nacional?
Gênero
Ano
Diálogos supercríticos
Miguel Del Castillo (org.)
sim
Arquitetura
2013
Mudança
Mo Yan
não
Literatura
2013
Meu último suspiro
Luis Buñuel
não
Teatro e cinema
2013
Andy Warhol
Arthur C. Danto
não
Arte
2013
Conversas com Paul Rand
Michael Kroeger
não
Design
2013
Matisse - uma vida
Hilary Spurling
não
Arte
2013
A vida privada das árvores
Alejandro Zambra
não
Literatura
2013
Confissões de um jovem romancista
Umberto Eco
não
Literatura
2013
Revolta da vacina
Nicolau Sevcenko
sim
Ciências humanas 2013
Léxico do drama moderno e contemporâneo
Jean-Pierre Sarrazac
não
Teatro e cinema
2013
Vermelho amargo
Bartolomeu Campos de Queirós
sim
Literatura
2013
Strange fruit
David Margolick
não
Música e dança
2013
Cadeia secreta
Franklin de Mattos
sim
Literatura
2013
Alegorias do subdesenvolvimento
Ismail Xavier
sim
Teatro e cinema
2013
19. Disponível em http://revolucaoebook.com.br/conheca-palestrantes-antonio-hermida, 09/10/2013.
156
Retrato calado
Luiz Roberto Salinas
sim
Ciências humanas 2013
Design para um mundo complexo
Rafael Cardoso
sim
Design
2013
Afinação e a arte de chutar João Antônio tampinhas
sim
Literatura
2013
Milagre Chué
João Antônio
sim
Literatura
2013
Meninão do caixote
João Antônio
sim
Literatura
2013
Fujie
João Antônio
sim
Literatura
2013
Paulinho perna torta
João Antônio
sim
Literatura
2013
Moby Dick
Herman Melville
não
Literatura
2013
Filho de mil homens
Valter Hugo Mãe
não
Literatura
2013
Lojas de canela
Bruno Schulz
não
Literatura
2013
Aquela água toda
João Anzanello Carrascoza
sim
Literatura
2013
Mrs Dalloway
Virginia Woolf
não
Literatura
2013
Os mujiques
Antón Tchekhov
não
Literatura
2013
O assassinato
Antón Tchekhov
não
Literatura
2013
Iônitch
Antón Tchekhov
não
Literatura
2013
O professor de letras
Antón Tchekhov
não
Literatura
2013
Em serviço
Antón Tchekhov
não
Literatura
2013
No fundo do barranco
Antón Tchekhov
não
Literatura
2013
Markheim
Robert Louis Stevenson
não
Literatura
2013
O demônio da garrafa
Robert Louis Stevenson
não
Literatura
2013
Ladrão de cadáveres
Robert Louis Stevenson
não
Literatura
2013
O vestíbulo
Robert Louis Stevenson
não
Literatura
2013
Três mortes
Liev Tolstói
não
Literatura
2013
Kholstomér
Liev Tolstói
não
Literatura
2013
O diabo
Liev Tolstói
não
Literatura
2013
O falso cupom
Liev Tolstói
não
literatura
2013
Depois do baile
Liev Tolstói
não
Literatura
2013
A passagem do três ao um
Leopoldo Waizbort
sim
Ciências humanas 2013
Passos de Drummond
Alcides Villaça
sim
Ciências humanas 2013
157
Clarice
Benjamin Moser
não
Literatura
Música do tempo infinito
Tales A. M. Ab Sáber
sim
Ciências humanas 2013
Coração
Edmondo De Amicis
não
Infantojuvenil
2013
Meninos da Rua Paulo
Ferenc Molnár
não
Infantojuvenil
2013
Luto e melancolia
Sigmund Freud
não
Ciências humanas 2013
Fazedor de velhos
Rodrigo Lacerda
sim
Infantojuvenil
2013
Bonsai
Alejandro Zambra
não
Literatura
2013
Gráfico 5: Proporção de participação das editorias nos e-books
Título do Gráfico
2%
2% 4% Arquitetura
6%
Arte
12% 4% 6%
Ciências Humanas Design Infantojuvenil Literatura
64%
Música e dança Teatro e cinema
158
2013
entrevista
Cosac Naify diz:
A
entrevista a seguir foi feita mediante troca de e-mails realizada entre 24/10/2013 e 04/11/2013. As informações vieram num arquivo PDF. O e-mail, por sua vez, é assinado por Stephanie Borges, analista de marketing da Cosac Naify. Nenhuma das respostas sofreu qualquer edição de conteúdo. Vitor Donofrio: Qual a obra mais vendida pela Cosac Naify até hoje? Cosac Naify: Vitor, a Cosac Naify não informa resultados e números de venda, por se tratar de informação confidencial. V.D.: Qual o perfil do leitor da editora? Esse perfil tem mudado ao longo dos anos? C.N.: Como a editora trabalha com diversos nichos (livros de arte, arquitetura, design, fotografia, ciências humanas, literatura clássica e contemporânea, infantojuvenis) temos diferentes perfis de leitores e públicos-alvo. A maioria dos nossos leitores se concentra na faixa dos 25 a 34 anos e vive na região sudeste.
V.D.: Qual o caminho percorrido por uma obra a partir do momento de sua aceitação? Vocês possuem algum procedimento específico, algum cuidado a mais do que as demais editoras? C.N.: Vitor, dependendo da característica de cada livro, a editora tem alguns cuidados específicos associados ao tema do livro. Por exemplo, livros de arte demandam uma extensa pesquisa de imagens, negociação de direitos de reprodução, contratação de fotógrafo, tratamento de fotos etc. Descrevemos abaixo as etapas pelas quais todos os livros da editora passam, sem considerar o nível de detalhamento necessário a cada linha do nosso catálogo. Após a aceitação da obra e da assinatura do contrato, a equipe editorial define quem será o editor responsável pela obra, mês e ano de publicação do livro. Definidas estas questões, o editor avalia se o livro precisará de textos complementares (orelha e quarta capa assinadas, apresentação, introdução, prefácio, posfácio) e quem seriam os autores. Essas sugestões são levadas a equipe editorial, debatidas e decididas em conjunto. O editor define o tradutor, revisor, encomenda os textos complementares e acompanha prazos de entrega, o processo de preparação, revisão, possíveis alterações e a revisão junto com assistente editorial. Uma vez que o conteúdo está definido e em processo de edição, o editor apresenta o conceito do livro para o departamento de arte. Nesta reunião, editores e designers debatem referências visuais, características do texto e do projeto gráfico. Um mês depois desta apresentação, o designer apresenta uma proposta de projeto que é analisada e segue para orçamento em gráficas; nesta etapa é definido o preço de capa. Um mês depois é realizada a terceira reunião, para o fechamento do livro, quando o projeto gráfico final é aprovado, juntamente com seu orçamento.
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Decidido o conteúdo e como será a diagramação do miolo e da capa, assim como as especificações técnicas, o livro segue para duas revisões e é liberado para gráfica. V.D.: Quantas pessoas trabalham ao todo na editora? Como é o cotidiano dos profissionais? C.N.: São aproximadamente 90 pessoas, divididas nas seguintes áreas: editorial (dividido entre obras gerais e infantojuvenil), design, marketing, assessoria de imprensa, mídias sociais, comercial e e-commerce, produção gráfica, TI, administrativo, financeiro, RH, controladoria, compras e suprimentos, logística e expedição. Não é possível descrever detalhadamente como é cotidiano destes profissionais. V.D.: A Cosac Naify tem se destacado desde que surgiu no mercado por sua “vocação” em resgatar obras, trazendo ao leitor brasileiro edições especiais de grandes clássicos mundiais, muitas vezes em traduções inéditas. Em que o design e a inclusão de “extras” como prefácios e notas escritos por especialistas podem contribuir para cativar um novo público? C.N.: A publicação de clássicos como Os miseráveis, Moby Dick, Anna Kariênina e Guerra e paz tem objetivo de colocar no mercado edições de livros que são referência na literatura mundial com traduções feitas por especialistas. Os projetos gráficos sofisticados procuram tornar estes clássicos mais atraentes, pois muitas vezes estes livros já contam com outras edições no mercado, mas raramente com um tratamento diferenciado (como capa dura e papéis diferentes), além de diversas adaptações para o cinema e séries de TV. Há uma preocupação de que os projetos dialoguem com o conteúdo da obra, mas os apresentem à sociedade contemporânea, destacando o quanto os clássicos permanecem relevantes e atuais. A inclusão de textos de referência procura contextualizar a época da criação da obra, trazer informações sobre o autor e oferecer informações
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bibliográficas para leituras complementares. A preocupação com a tradução, o projeto gráfico e a inclusão de textos complementares são diferenciais da Cosac Naify em relação a outras edições. no entanto, cativar um novo público é consequência de colocar nas livrarias um título clássico tratado de forma especial. V.D.: Qual a política da editora para autores brasileiros contemporâneos? Que espaço a Cosac Naify reserva para esses novos escritores? C.N.: A editora ainda está definindo uma política para a publicação de autores brasileiros contemporâneos. Atualmente há duas editoras dedicadas a analisar manuscritos e procurar novos autores que tenham uma produção instigante, que promova o debate sobre a literatura contemporânea no país. O objetivo é manter uma coleção de poesia com a publicação de dois livros por ano e estabelecer um ritmo de publicação regular de prosa nacional, seja conto ou romance. V.D.: Qual a resposta do mercado internacional ao projeto editorial da Cosac Naify? Alguma editora internacional já comprou os direitos de publicação de algum autor “descoberto” por vocês? C.N.: A editora já vendeu títulos de diferentes áreas do catálogo para editoras internacionais, como é o caso de Rodrigo Lacerda, que teve o livro O fazedor de velhos, traduzido para o francês e espanhol. Há ainda outros autores brasileiros da editora com direitos vendidos para o exterior, como João Antônio, Paulo Rodrigues e Orides Fontela. V.D.: Algum projeto gráfico da Cosac já foi reutilizado por alguma editora internacional? E vocês? Já reaproveitaram algum projeto vindo de fora? C.N.: Vitor, não se trata de reaproveitamento, mas de uma negociação de direitos autorais que envolvem a reprodução de elementos gráficos de uma edição. Isso é negociado quando a editora contrata um livro. Edições da Cosac Naify como A árvore dos desejos, de William Faulkner, e Pawana, de
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J.M.G Le Clézio, tiveram suas ilustrações vendidas para um editora italiana. Recentemente editora publicou O futuro da arquitetura desde 1889: Uma história mundial com o mesmo projeto gráfico da edição da Phaidon. A decisão de manter o projeto de uma editora internacional está relacionada à adequação deste projeto à linha editorial da Cosac Naify. V.D.: Percebo que a editora está presente na maior parte das redes sociais, e tornou-se uma tendência dar spoilers de futuros lançamentos, mostrando os bastidores dos livros. Pelo visto o público tem grande interesse em como as obras ganham vida e de como é o cotidiano de quem trabalha no ramo… Como tem sido o retorno das redes sociais? O leitor tem, de fato, se aproximado? Quais os pontos positivos e/ou negativos desse contato? C.N.: Uma das características que a editora percebeu em seus leitores a partir da interação nas redes é o interesse pelo objeto livro e os elementos que tornam nossas edições diferentes. Ao compartilhar informações sobre o porquê de um determinado livro ter um projeto diferente, percebemos que isso passou a atrair atenção de novos leitores, que muitas vezes não se atentavam para detalhes da produção do livro e passaram a acompanhar o nosso trabalho. A divulgação de informações e detalhes de futuros lançamentos são uma prática comum no mercado editorial brasileiro. Editoras como a Companhia das Letras e a Intrínseca também divulgam seus próximos lançamentos em sites/blogs e redes sociais. A Cosac Naify procura apenas destacar alguns elementos específicos de uma edição, mostrar a montagem do livro na gráfica ou elementos diferentes, como cadernos costurados, capas com textura etc. O contato com os leitores é positivo, pois nos dá a oportunidade de saber o que as pessoas gostariam de ver publicado pela Cosac Naify, quais suas expectativas em relação às nossas edições e elementos que podem ser melhorados de uma tiragem para outra.
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O número de fãs e seguidores nas redes sociais cresce, e o ritmo deste aumento varia de acordo com o lançamento de um determinado livro, a publicação de uma reportagem na mídia tradicional, a realização de eventos literários ou a adaptação de algum livro de nosso catálogo para o cinema, o que desperta o interesse pela obra literária. V.D.: Vocês certamente têm bastante autonomia em relação às suas edições, tanto na forma quanto no conteúdo. Gostaria de saber até que ponto o autor tem liberdade para opinar sobre o livro, em relação à capa, escolha das fontes, ilustrações… Algum autor já ficou insatisfeito com o resultado final? Alguma proposta da editora já foi descartada por ter sido mal compreendida? C.N.: A postura da editora é a de parceria com o autor, especialmente quando se tratam de autores brasileiros, que participam do processo de concepção do livro. Eles têm liberdade de expressar suas expectativas com relação ao livro e elas são levadas em consideração nas reuniões entre editores e designers para o desenvolvimento do projeto gráfico. Há também um trabalho de explicar ao autor se alguns de seus pedidos são viáveis do ponto de vista da gráfica, ou se impactam muito no preço final do livro. Um dos nossos objetivos é que o autor fique satisfeito com o resultado final. Alguns estudos internos são descartados ao longo das discussões sobre um livro, isso faz parte do processo de debates e amadurecimento do projeto gráfico dentro da editora. Há casos de livros que tiveram novos projetos gráficos depois de uma edição, pois considerou-se que o resultado final poderia ser melhorado em termos de portabilidade, leveza, facilidade de manuseio e de leitura. Se a sua dúvida é de que algum autor tenha desfeito seu contrato com a editora por estar insatisfeito com o projeto gráfico, não, pois o desenvolvimento do projeto sempre leva em consideração as observações do autor ao pensar no design do livro.
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V.D.: A Cosac Naify tem participado há muitos anos de feiras universitárias e literárias, lançando diversas promoções no site e redes sociais, além de ter lançado uma coleção de livros portáteis (mais leves no peso e também no preço) e ter entrado recentemente na onda dos e-books. Percebo que hoje, muito mais do que no início da editora, o fator “venda” passou a ter grande importância. Como está a situação financeira da editora? Como equilibrar o ideal de editora com a realidade de uma empresa que tem de se manter atual e competitiva no mercado? C.N.: A Cosac Naify não divulga números de vendas nem informações sobre a sua situação financeira. A editora passou por uma reestruturação em 2011 e 2012 com objetivo de aumentar as vendas, sua presença nas livrarias brasileiras, formar novos públicos leitores e ampliar a difusão de obras para o público universitário. Trata-se não apenas de aumentar as vendas, mas de manter o catálogo da editora, que tem cerca de 900 títulos, vivo e circulando. Equilibrar a produção livros com alta qualidade gráfica e manter-se competitivo é um desafio que envolve todas as equipes da editora. Desde as escolhas de papel e acabamentos no orçamento de produção de um livro, custos de distribuição e investimentos em publicidade e divulgação, até a revisão de processos internos para reduzir custos e aumentar a eficiência. V.D.: A Cosac Naify nunca abriu outros selos de publicação, enquanto outras editoras fazem isso com frequência, talvez por querer participar de todos os nichos editoriais – mas sem vincular sua marca principal com títulos mais populares. Vocês já tiveram essa “tentação”, a fim de competir num mercado mais abrangente? C.N.: A Cosac Naify já publica livros de diversos nichos editoriais – mas não tem objetivo de concorrer com títulos mais comerciais, os chamados best sellers. Um dos nossos desafios é atuar no mercado editorial brasileiro nos mantendo fiéis a uma linha editorial focada em livros de
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referência em ciências humanas, arte, crítica literária, design e arquitetura para públicos universitários, leitores de literatura e livros infantojuvenis. Dialogamos com diversos públicos e nosso objetivo é ampliar este diálogo e oferecer livros que façam parte do debate cultural brasileiro. V.D.: Há alguns anos, o editor Christiano Aguiar comentou em uma entrevista para um suplemento do Diário Oficial (de Pernambuco) que o livro digital não era prioridade para a Cosac Naify. De lá pra cá esse suporte deixou de ser mera especulação e passou a ter sua fatia no mercado, tanto que a própria Cosac já iniciou seu catálogo de e-books. Como foi debutar no formato? Como vocês, que tanto inovaram o livro tradicional, pensam em se manter pioneiros com o suporte digital? C.N.: A Cosac Naify esperou um maior desenvolvimento do mercado livros digitais para iniciar o lançamento de seus e-books. Essa decisão se deve, em grande parte, a uma necessidade de conhecer os suportes (leitores com Nook, Kobo, Kindle e tablets) identificar as características dos arquivos e-book (epub, mobi) para que a editora pudesse preservar o cuidado gráfico dos livros impressos na transposição para os livros digitais. São suportes diferentes, mas há a questão da experiência de leitura, e a nossa preocupação é proporcionar uma boa experiência aos nossos leitores, tanto no papel quanto no e-book. Procuramos manter algumas características do projeto do livro físico nos e-books, como fontes e alinhamentos, quando os suportes assim permitem. A Cosac Naify entrou timidamente no mercado digital e, desde abril de 2012, lançou aproximadamente 44 títulos. Temos recebido sugestões e pedidos dos nossos leitores e levado essas solicitações em conta no processo de decisão. Nosso objetivo não é sermos pioneiros, mas mantermos o alto padrão de qualidade que estabelecemos no impresso em nossos livros digitais. Uma das nossas maiores preocupações é na
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navegação interna do e-book, para que os leitores encontrem as notas de tradução e edição com facilidade, facilitando o fluxo da leitura. V.D.: Pouquíssimas editoras brasileiras podem dizer que possuem uma marca tão forte a ponto de seu nome ser automaticamente relacionado à qualidade. Vocês acreditam ter elevado o padrão das publicações brasileiras? Por que hoje em dia é necessário que parte do logotipo apareça na capa, recurso dispensado por muitos anos? C.N.: A Cosac Naify contribuiu para uma mudança para o mercado editorial brasileiro no final dos anos 1990 ao trazer para o Brasil edições com capa dura, sobrecapa, diferentes tipos de papel, que já eram comuns em mercados editoriais mais maduros, como os Estados Unidos, Reino Unido e França. A oferta de edições de capa dura, com maior cuidado gráfico e uso de diferentes papéis, mostrou que há um público no país interessado em livros que agreguem qualidade no conteúdo e no acabamento do livro. Com a modernização das gráficas brasileiras, mudanças na tributação do livro e praticidade de imprimir fora do país outras editoras passaram a investir em diferentes acabamentos. A aceitação do público unida à disponibilidade de recursos contribuiu para a maior qualidade das publicações disponíveis no mercado. Com relação à aplicação de nossa marca, entendemos que marca é algo vivo. Várias empresas realizam mudanças periódicas em seus logos, mesmo que ínfimas, para mantê-las atualizadas, provocar estranhamento, ou mesmo reforçá-las. No caso da Cosac Naify, a mudança na aplicação do logo foi um dos elementos para marcar os 15 anos da editora. A ideia era não aplicar o logo de forma expressiva sobre a capa, por isso, o fragmento foi aplicado dividido entre a capa e a lombada, no canto inferior esquerdo, enquanto o nome Cosac Naify continua impresso nas quarta-capas. Um dos motivos desta mudança era permitir que os livros fossem identificados com maior facilidade, tanto de frente como
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de lado, o que ressalta o aspecto tridimensional dos livros, além de dar um toque diferente às nossas novas edições. V.D.: O leitor da Cosac Naify compra o livro pela capa? C.N.: Alguns sim, mas não podemos generalizar. Há infinitos tipos de leitores, que compram pela capa, por títulos que despertam a curiosidade, por impulso. Os que compram pela capa não se restringem a comprar apenas livros da Cosac Naify, pois há outras editoras que também têm investido bastante no cuidado com a qualidade, papel e acabamento de seus títulos.
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consideraçþes finais
E por fim…
Edição especial de Peter e Wendy, de J.M. Barrie, lançada pela Cosac Naify em 2012. A sobrecapa é feita de material translúcido, podendo ser usada como uma luminária. Foto do autor.
N
uma tarde qualquer antes de terminar de redigir esta monografia, resolvo passar na Livraria Cultura, para “dar uma olhada” nas novidades. Em poucos minutos, avisto alguns exemplares de livros da Cosac Naify à venda. Sabia que eram da editora graças ao rotineiro contato com o site, que já anunciava alguns dos títulos em pré-venda. Entre eles Esopo – Fábulas completas, de Esopo; Decameron, de Giovanni Boccaccio; Conversas com Kubrick (que foi o homenageado deste ano na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo), de Michel Ciment; Trabalhadores do mar, de Victor Hugo e Cinco peças e uma farsa, de Otavio Frias Filho. Mesmo trabalhando na edição de livros, estudando-os na faculdade e, agora mais especificamente, neste trabalho, ainda me é prazeroso passear por livrarias, estar em contato com os títulos, ver as soluções editoriais encontradas… às vezes, sem querer, esbarrar com algum livro no qual trabalhei e dar uma conferida pra ver se está tudo certo. E, sempre me iludir com a eterna ideia de que, dali pra frente, darei conta de ler todas as obras que possuo antes de adquirir mais alguma. A Cosac Naify entra para a história do livro brasileiro por meio de uma trajetória cheia de singularidades, mas certamente constará nela mais pelo bom trabalho que tem apresentado em todos esses anos do
que pela figura de seu fundador, ou pela ideia, hoje facilmente refutável, de que não precisa dar lucro, que pode se dar ao luxo de agir no mercado sem considerar, como qualquer outra empresa, o público que a mantém. Se Charles Cosac mostra-se de certa forma desapontado por não ter conseguido abrir as portas para uma efetiva democratização das artes no Brasil, acredito que a editora tenha contribuído com a cultura de uma outra forma. Se a casa paulistana se mantivesse apenas para um nicho, provavelmente eu não a teria conhecido. Na diversificação de seu catálogo, a Cosac Naify fez sua própria arte, criando um estilo próprio, sendo influenciada e influenciando o que há de melhor nesta área. Creio que sua maior vocação ainda seja o resgate de grandes clássicos para um novo público, que participa das redes sociais, navega pela internet, possui seu iPhone, mas, mesmo assim, sente-se instigado por aquilo que Tolstói ou Vanessa Barbara ou Queneau têm a dizer. E, se a função de um editor é seduzir o leitor e convidá-lo às palavras, creio que Charles tem cumprido o que se propôs. Neste exato momento abro o site da editora e descubro que a página de pré-venda foi atualizada. Entre as novidades me chama atenção o livro Os pontos cardeais acrobatas, de Andrés Sandoval, artista plástico do qual eu nunca ouvi falar. Junto com o volume virá um óculos: é o primeiro livro em 3D da editora. Continua a missão – da Cosac e de toda editora que se preze – de escavar o ouro que certamente está escondido por aí, nas penas ou teclados de grandes escritores ainda anônimos, de incentivar a leitura, através de todos os meios possíveis, tendo em vista que seu suporte é o menor dos obstáculos que o Brasil precisa vencer nesse quesito. Acredito que o maior orgulho para uma editora seria ser responsável pela primeira página lida na vida de alguém. Nesses anos de faculdade, somados à minha própria experiência profissional, nenhuma frase definiu essa jornada tão bem quanto “editar
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é organizar o caos”. De fato é. Mas acredito que haja uma continuação para essa máxima. Se a comunicação é um processo que só existe quando nos modifica, provoca, desequilibra, então somos responsáveis, em igual medida, por gerar um novo caos. Este, não mais presente nas páginas dos livros, mas na percepção, sempre estarrecedora, de que algo em nós não é mais o mesmo.
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