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SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL HABEAS CORPUS Nº 0025766-02.2013.8.19.0000 IMPETRANTES: 1. DR. ARY LITMAN BERGHER 2. DR. RAPHAEL FERREIRA DE MATTOS 3. DRA. MARCELA PERILLO BAPTISTA PACIENTE: RUY FERREIRA BORBA FILHO AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DA COMARCA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS RELATOR: DES. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA, EM DECORRÊNCIA DE REQUERIMENTO MINISTERIAL OFERTADO POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DE CONTRARRAZÕES À APELAÇÃO DEFENSIVA. PLEITO DE ANULAÇÃO DO DECISUM – PELA SUSPEIÇÃO DO JUIZ, POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E POR EXTEMPORANEIDADE – OU, SUBSIDIARIAMENTE, DE QUE SEJA O PACIENTE, QUE É ADVOGADO, TRANSFERIDO PARA SALA DE ESTADO MAIOR OU, NA SUA FALTA, SEJA RECOLHIDO EM PRISÃO DOMICILIAR. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA SEGREGAÇÃO PROCESSUAL. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA PROVISÓRIA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. DEVER GERAL DE CAUTELA DO JULGADOR. IMPOSSIBILIDADE DE SOLTURA. LIMINAR DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE, EM SEDE DE RECLAMAÇÃO, CONCEDE AO ACUSADO A PRISÃO DOMICILIAR. SITUAÇÃO QUE DEVE PERMANECER ENQUANTO MANTIDOS OS EFEITOS DO MENCIONADO DECISUM. RESSALVA DO POSICIONAMENTO DESTE RELATOR. ORDEM QUE SE DENEGA.

1. A teor do art. 256 do CPP, “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”, hipótese essa que se vislumbra no presente caso. Não se pode olvidar que a alegação de suspeição do juiz, quando não comprovada de plano a sua parcialidade, demanda o revolvimento do acervo fáticoprobatório, cujo exame é incompatível com os estreitos caminhos do habeas corpus, devendo a matéria, portanto, ser analisada em sede própria. 2. A prisão cautelar – mesmo após a prolação de sentença penal condenatória – consiste em exceção no ordenamento constitucional e, sob esse norte, sua incidência deve vir alicerçada em elementos que demonstrem a sua efetiva necessidade, uma vez analisado o quadro retratado, cada qual com as suas peculiaridades.

JOSE AUGUSTO DE ARAUJO NETO:000029837

Assinado em 15/08/2013 17:14:07 Local: GAB. DES JOSE AUGUSTO DE ARAUJO NETO


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3. In casu, impõe-se reconhecer a presença de requisitos autorizadores da prisão preventiva, que se mostra imprescindível para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. A uma, diante da alentada quantidade de inquéritos policiais e ações penais a que responde o paciente, bem assim de sua insistência em delinquir e afrontar inúmeras pessoas, inclusive juízes de direito e promotores de justiça, perturbando a tranquilidade da pacata cidade de Armação dos Búzios, com inegável abalo ao meio social, razão por que a medida extrema se torna imperativa para que se possa obstaculizar a reiteração delitiva. Ressalte-se que, após ser condenado em primeira instância – o que se deu em 01/10/2012 –, o paciente, em 13/02/2013, segundo nova denúncia, perpetrou os crimes de denunciação caluniosa, por três vezes, e de coação no curso do processo, por duas vezes, delitos esses que, nos termos da referida exordial acusatória, foram praticados com o intento de atingir magistrados e, não bastasse, uma de suas vítimas na ação penal originária, vítima essa que, por certo, guarda receio do réu. A duas, porque o paciente, depois de condenado em primeira instância à pena privativa de liberdade de 6 anos – sendo 4 de detenção e 2 de reclusão –, e com determinação de não se ausentar do país, após ser regularmente intimado para, simplesmente, entregar seu passaporte a fim que fosse este acautelado em juízo, desobedeceu flagrantemente a ordem judicial. 4. Estando a decisão proferida pela autoridade acoimada de coatora devidamente fundamentada, com clara e minuciosa exposição dos motivos que embasaram a sua conclusão, demonstrando exaustivamente a necessidade da medida constritiva, logo, em perfeita obediência ao preceituado no art. 93, IX, da Constituição Federal, não há que se cogitar de sua anulação, ao insubsistente argumento de que “carece de fundamentação”. 5. Restando verificada, no caso concreto, a presença de algum dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, não só pode como deve o juiz, fazendo uso do seu poder geral de cautela – ainda que supervenientemente à entrega da prestação jurisdicional –, decretar a prisão preventiva do réu, pelo que não há falar em ilegalidade da medida, sobretudo ao se considerar que os motivos ensejadores da custódia provisória, in casu, surgiram após a prolação da sentença, porém antes da remessa dos autos ao segundo grau de jurisdição para a apreciação dos apelos defensivos. 6. Tendo em vista que o paciente, por ser advogado, encontra-se recolhido em prisão domiciliar por força de liminar deferida por Ministro do colendo Supremo Tribunal Federal em reclamação lá ajuizada, deve ele assim permanecer enquanto mantidos os efeitos do mencionado decisum, com a ressalva do posicionamento deste relator, que entende ser o Presídio Pedrolino Werling de Oliveira (Bangu 8) – com ala reservada a 2


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presos provisórios portadores de nível superior, e com instalações dignas e adequadas às normas de higiene e salubridade – estabelecimento adequado à condição pessoal do acusado, o que em nada ofende o preceituado no art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia, sob pena de se confundir prerrogativa com privilégio. 7. Ordem denegada.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do habeas corpus n.º 0025766-02.2013.8.19.0000, em que são impetrantes os doutores ARY LITMAN BERGHER, RAPHAEL FERREIRA DE MATTOS e MARCELA PERILLO BAPTISTA, e paciente RUY FERREIRA BORBA FILHO, sendo apontado como autoridade coatora o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Armação dos Búzios, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em DENEGAR A ORDEM, nos termos do voto do Relator. Rio de Janeiro, 6 de agosto de 2013. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO Desembargador Relator

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SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL HABEAS CORPUS Nº 0025766-02.2013.8.19.0000 IMPETRANTES: 1. DR. ARY LITMAN BERGHER 2. DR. RAPHAEL FERREIRA DE MATTOS 3. DRA. MARCELA PERILLO BAPTISTA PACIENTE: RUY FERREIRA BORBA FILHO AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DA COMARCA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS RELATOR: DES. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO RELATÓRIO Trata-se de habeas corpus, com pleito de concessão de liminar, impetrado em favor de RUY FERREIRA BORBA FILHO, sendo apontado como autoridade coatora o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Armação dos Búzios. A fundamentar o writ, alegam os ilustres impetrantes que, perante a autoridade apontada como coatora, “em 31/03/2011”, foi recebida denúncia oferecida contra o paciente “pela suposta prática dos crimes capitulados nos artigos 129, caput, duas vezes; 150, § 1º; 163, parágrafo único, I; 140, § 3º e 147, duas vezes, na forma do artigo 69”, todos do Código Penal (fls. 3). Alegam, ainda, que, finda a instrução criminal, restou o paciente “condenado a 6 meses [de detenção] pelo crime de lesão corporal; a 1 ano [de detenção] pelo crime de invasão de domicílio; a 2 anos [de reclusão] e multa de 24 dias pelo crime de injúria; a 1 ano [de detenção] e 12 dias-multa pelo crime de dano; sem contar a condenação por duas vezes pelo crime de ameaça, cada um a 3 meses de detenção e por fim a 1 ano [de detenção] pelo crime de desacato” (fls. 4), ficando a reprimenda concretizada, pelo concurso material, em 6 anos – sendo 2 de reclusão e 4 de detenção –, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, e 36 dias-multa. Afirmam, então, que, pelo primeiro grau de jurisdição, “foi concedido ao paciente ‘o direito de apelar em liberdade, fixando, porém, a 4


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medida cautelar de proibição de se ausentar do país sem autorização deste Juízo [da 2ª Vara de Armação dos Búzios], até o trânsito em julgado’”, sendo, ato contínuo, “apresentado pelo paciente e o outro réu seus respectivos recursos de apelação, tendo o Ministério Público ficado inerte diante da decisão proferida” (idem). Referem, também, que, “após a abertura de vista ao órgão acusador este apresentou suas contrarrazões, contudo, mesmo diante de sua inércia quando do momento da apresentação de seu recurso, o parquet, em uma atitude inusitada, requereu a prisão preventiva do paciente”, que foi decretada “em decisão teratológica proferida no dia 30/04/2013” (fls. 4/5). Asseveram, em sequência, que os magistrados que funcionaram na ação penal originária “são supostas vítimas dos crimes imputados ao paciente pelo Ministério Público na ação penal n. 00156248.2013.8.19.0078, onde também fora expedido mandado de prisão em desfavor do paciente”, motivo pelo qual este, “na condição de advogado regularmente inscrito na OAB/RS, encontra-se acautelado no presídio Pedrolino Werling (Bangu 8), no Complexo Penitenciário de Gericinó, afrontando o Estatuto dos Advogados do Brasil” (fls. 5). Aduzem, igualmente, que “a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente deve ser considerada nula ante a suspeição do juiz titular da 2ª Vara da Comarca de Armação dos Búzios, Dr. Marcelo Alberto Chaves Villas” (fls. 6). Ressaltam, a seguir, que, em 12/02/2013, o paciente apresentou “‘notícia-crime’ informando ter recebido carta apócrifa com ameaça de morte”, oportunidade em que esclareceu, “em sede policial, não poder apontar qualquer suspeita de autoria da referida carta” (idem). Salientam, em continuação, que, “por requisição dos Magistrados Marcelo Villas e Alessandra Araujo, que se consideraram vítimas de tais fatos”, foi instaurado inquérito policial e, em decorrência disso, “no dia 26/04/2013, o juízo da 1ª Vara da Comarca de Armação dos Búzios recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público em face do ora paciente pela suposta prática dos crimes de denunciação caluniosa e coação no curso do processo” (idem). Sustentam, adiante, que, no caso em apreço, “o Juiz que decretou a prisão preventiva somente o fez por ter o Ministério Público em sede de contrarrazões de apelação requerido tal medida cautelar”, porém, “após a prolação da sentença e das apresentações dos recursos defensivos, o juízo a quo não poderia mais se manifestar”, pois “qualquer 5


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pedido deveria ser analisado pelo Tribunal, uma vez que o processo encontra-se em fase de recurso” (fls. 10/11). Realçam, em prosseguimento, ser o paciente “pessoa íntegra, com histórico social impecável, não devendo ser confundindo com um criminoso contumaz como quer fazer parecer o Magistrado de Armação dos Búzios”, o que, “além de absurdo jurídico, fere os preceitos constitucionais de presunção de inocência” (fls. 12). Enfatizam, após, que “a decisão ora rechaçada carece de fundamentação”, sendo “tão vaga e desconexa que se utiliza de outros processos para embasar o presente decreto prisional” (fls. 13). Acrescentam, por fim, que “a decisão reitera o fato do paciente não ter entregue seu passaporte e que tal ato poderia ensejar numa possível fuga”, no entanto, na “decisão que determina a entrega do citado documento foi determinada também a expedição de ofício à Polícia Federal para que a mesma procedesse com o cancelamento do dito documento”, pelo que restou “inócua a entrega do mencionado passaporte” (fls. 14/15). Com esses argumentos, pleitearam os impetrantes, liminarmente, a “expedição de alvará de soltura” ou, subsidiariamente, fosse “determinada a prisão em sala do Estado Maior (nos termos do Estatuto da Advocacia), e, em sua falta, a prisão domiciliar em desfavor do paciente” (fls. 17). No mérito, postulam seja declarado “nulo o decreto de prisão atacado” (fls. 18). Em atenção a despacho desta relatoria (fls. 75), prestou a digna autoridade apontada como coatora as informações de fls. 78/108, acompanhadas da documentação de fls. 109/183, sendo, às fls. 187, indeferida a liminar requerida. A douta Procuradoria de Justiça, pela pena do ilustrado Dr. JULIO ROBERTO COSTA DA SILVA, exarou parecer, às fls. 192/203, opinando pela denegação da ordem. Em 03/07/2013, esta relatoria, “tendo em vista registros de superveniente alteração no que tange à situação do paciente”, determinou que se oficiasse ao primeiro grau de jurisdição para que encaminhasse “informações pormenorizadas acerca da matéria” (fls. 205). Às fls. 207/208, consta petição dos impetrantes, aparelhada com cópia de decisão proferida, em 24/05/2013, em sede liminar, pelo Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, do egrégio Supremo Tribunal Federal (fls. 210/216), em reclamação ajuizada pelo Conselho 6


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Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (proc. n.º 15.697/RJ), por meio da qual se ordenou que o paciente, “ante a ausência de ‘sala de Estado-Maior’, seja recolhido em prisão domiciliar, cujas condições de vigilância deverão ser especificadas pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Armação dos Búzios/RJ, até o julgamento final desta reclamação, sem prejuízo da fixação de uma, ou mais de uma, das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal” (fls. 215). O juízo de primeiro grau, às fls. 218/221, comunica o cumprimento da liminar deferida na reclamação, bem assim a adoção das medidas cautelares diversas da prisão que entendeu necessárias. Franqueada nova vista à Procuradoria de Justiça por conta do acrescido (fls. 224), veio o parecer de fls. 226/227, em que a manifestação, “reiterando os fundamentos do parecer anteriormente apresentado”, é “pela CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM, mantendo-se as medidas cautelares pessoais já estipuladas pelo juízo de piso, sem prejuízo da prisão preventiva em caráter domiciliar”. VOTO Extrai-se dos autos que o paciente RUY FERREIRA BORBA FILHO, juntamente com o corréu Kaue Alessy Torres, respondeu à ação penal originária e, finda a instrução criminal, restou “incurso nas penas dos crimes previstos nos artigos 129, caput, uma vez, 150, § 1º, 163, parágrafo único, inciso I, 140, § 3º, 147, duas vezes, e 331, ante a aplicação da emendatio libelli, todos do Código Penal”, razão por que, “pela regra do cúmulo material”, foi “condenado a um total de seis anos de pena privativa de liberdade, em regime semiaberto, sendo dois anos deste somatório concernente à pena de reclusão e quatro anos concernente à pena de detenção” (fls. 21). Verifica-se dos autos, ainda, que foi concedido ao paciente, em um primeiro momento, o direito de apelar em liberdade, sendo-lhe, contudo, imposta a obrigação de não se ausentar do país sem ordem judicial, motivo pelo qual foi ele intimado a apresentar seu passaporte em juízo, medida essa descumprida pelo sentenciado, o que ensejou a expedição de ofício “à Polícia Federal para o cancelamento do passaporte” (idem). Inconformado com a condenação, apelou o paciente, após o que se fez necessária a regularização de sua representação processual, a fim de que pudessem vir as razões de recurso. 7


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De acordo com a autoridade acoimada de coatora em seu decreto prisional, “neste interregno, o cartório deste juízo certificou o recebimento de comunicação, pela 127ª DP, de cumprimento de mandado de prisão preventiva em desfavor do primeiro acusado Ruy Ferreira Borba Filho, expedido pela 1ª Vara desta Comarca, em processocrime movido pelo Ministério Público, cuja ação penal imputa ao aludido réu a prática em tese dos crimes de denunciação caluniosa (três vezes) e coação no curso do processo (duas vezes)” – fls. 22. Após a juntada dos arrazoados defensivos por parte dos dois acusados, foi aberta vista ao Ministério Público para o oferecimento de contrarrazões, oportunidade em que o Parquet postulou a decretação da prisão preventiva do paciente, merecendo transcrição os seguintes excertos de sua manifestação: “O fumus comissi delicti está devidamente demonstrado pelas provas carreadas aos autos, as quais corroboram o entendimento da ilustre Magistrada sentenciante de fls. 218/240. O periculum libertatis está presente para garantia da ordem pública e para aplicação da lei penal, senão vejamos: A ameaça à ordem pública está caracterizada, conquanto [rectius: porquanto] o réu vem reiteradamente desrespeitando e denegrindo a imagem das instituições públicas; causando sérios riscos à administração da Justiça nesta comarca, eis que veicula infundadas notícias contra Juízes e Promotores que atuam nesta Cidade; sua FAC não apresenta todas as suas condenações e procedimentos criminais em curso – que, diga-se de passagem, somam 26 (vinte e seis) processos, com 05 (cinco) condenações criminais e 02 (duas) cíveis –, razão por que a sua imediata prisão preventiva se faz necessária. Por todos os cantos desta interiorana Comarca são ventiladas as posturas inadequadas praticadas pelo réu em desfavor do Poder Judiciário e do Ministério Público, querendo com isso desmerecer as Instituições Democráticas e os Poderes Constitucionalmente constituídos. O que é inadmissível! (...) Convém destacar, outrossim, no que se refere à aplicação da lei penal, que o réu não vem cumprindo, de longe, as determinações judiciais, como por exemplo, a que determinou a entrega de seu passaporte (fls. 238) para que ficasse acautelado nos autos. Noutro giro, a cópia da r. decisão de fls. 400/404 dá conta de suposto crime praticado pelo réu de coação no curso do 8


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processo contra uma das vítimas nestes autos, o que demonstra cristalina e notoriamente a vontade do mesmo em descumprir as decisões do Poder Judiciário desta Comarca. Nesta esteira, presente substanciosa alteração fática e jurídica superveniente à r. sentença de fls. 218/240, bem como que os artigos 311 e 312 do CPP autorizam a excepcional decretação da prisão preventiva em razão de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal em qualquer fase do processo, necessária se faz a decretação da medida cautelar nesta fase processual” (fls. 61/63, grifos do original).

Assim, aos 30 de abril de 2013, com base em fatos supervenientes à prolação da sentença penal, foi decretada a prisão preventiva do paciente, sob o fundamento de ser ela necessária para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Analisa-se, agora, os fundamentos do decreto prisional, o que se faz conjuntamente com as argumentações lançadas na inicial do habeas corpus. Sustentam os impetrantes, primeiramente, que “a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente deve ser considerada nula ante a suspeição do juiz titular da 2ª Vara da Comarca de Armação dos Búzios, Dr. Marcelo Alberto Chaves Villas”, pois, entre outros fatos apontados, seria ele – o juiz – uma das “supostas vítimas dos crimes imputados ao paciente pelo Ministério Público na ação penal n. 001562-48.2013.8.19.0078, onde também fora expedido mandado de prisão em desfavor do paciente” (fls. 5/6). Sobre a matéria, assim se pronunciou o aludido julgador nas informações prestadas neste writ: “Importante destacar, então, que a declaração de suspeição do magistrado Rafael Rezende das Chagas data de junho de 2010, quando este magistrado sequer imaginava que, para a Comarca de Armação dos Búzios, remover-se-ia, ocasião em que também sequer sabia da existência do Sr. Ruy Ferreira Borba Filho. Tais esclarecimentos se fazem necessários, haja vista que o Poder Judiciário também sofreu recentemente com uma campanha difamatória promovida pelo ora paciente, também com a utilização do nome deste Juiz Subscritor, no tabloide denominado ‘Primeira Hora’, que circula nesta cidade e no qual o Sr. Ruy Ferreira Borba Filho escreve semanalmente na coluna designada ‘Periscópio’. Todavia, como este magistrado nunca manteve qualquer contato pessoal ou manteve qualquer 9


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relação de amizade ou inimizade com o dito paciente nem seus familiares ou pessoas de seu círculo de amizades, sem nunca sequer ter trocado qualquer palavra com o paciente, que não é pessoa de suas relações, não vê razão para que se exare qualquer declaração de suspeição em relação ao aludido senhor, pois o signatário, escoimado na proficiente regra do artigo 256 do Código de Processo Penal, enxerga na atuação jornalística do paciente uma estratégia defensiva que almeja a declaração de suspeição deste magistrado, com arguições indevidas de exceções, e com a subsequente suspensão das ações que tramitam em desfavor desta parte, em prejuízo inequívoco, então, da regular administração da Justiça. Há inclusive uma publicação do paciente na coluna ‘Periscópio’, no semanário ‘Primeira Hora’, no qual o mesmo desabafa de forma injuriosa quanto a não declaração de suspeição deste magistrado em relação à sua pessoa. Sendo importante frisar que o Sr. Ruy Ferreira Borba Filho já arguiu ainda por meio de exceção a suspeição de outros magistrados, além dos Drs. Rafael Rezende das Chagas e Carlos Eduardo Iglesias Diniz, já tendo aventado a suspeição da Dra. Maira Valéria Veiga de Oliveira, que no ano passado decretou a prisão preventiva do ora paciente em razão do descumprimento reiterado de uma ordem judicial que determinava o afastamento deste senhor da pasta da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão da Prefeitura de Armação dos Búzios. Contudo, como o paciente, por meio da imprensa, com práticas jornalísticas injuriosas, não logrou em relação a este magistrado a almejada declaração de suspeição, partiu o mesmo para a prática de um nefasto estratagema que consistia em uma notícia-crime endereçada a 127ª Delegacia de Polícia para apuração do crime de ameaça contra a sua pessoa, que alega em verdadeira denunciação caluniosa e coação no curso do processo, ter sido praticada, em comunhão de ações e desígnios, por este magistrado, pela Juíza de Direito, Dra. Alessandra de Souza Araújo, e pelo Sr. Marcelo Sebastian Lartigue, que vem a ser a própria vítima das práticas delituosas em tese perpetradas pelo Sr. Ruy Ferreira Borba Filho, a saber, os delitos de lesão corporal, de ameaça, de dano qualificado e de injúria racial, que foram apuradas no processo-crime no qual foi decretada a prisão preventiva inquinada neste Writ e delitos pelos quais o paciente já foi condenado em 1ª instância. Com efeito, o Juízo, ao invés de submeter-se ao indigitado estratagema engendrado pelo paciente, oficiou, proficuamente, à Polícia Judiciária, solicitando a apuração de eventuais práticas 10


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delituosas contra a Administração da Justiça perpetradas [por] parte do Sr. Ruy Ferreira Borba Filho. Oficiando ainda o Ministério Público, à ínclita Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, à nobre Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, dando-lhes ciência de que este signatário, de modo sereno, solicitara apuração dos gravíssimos fatos que conspurcam a Administração da Justiça, bem como o Juízo também comunicou tais gravíssimos fatos à Presidência da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, sendo que este último órgão também solicitou à polícia judiciária que apurasse tais gravíssimos fatos” (fls. 83/84, sem grifos no original).

Respaldando tais assertivas do magistrado, é de se registrar que, efetivamente, tempos depois de ser sentenciado na ação penal originária, o paciente, em 12/02/2013, apresentou notícia-crime (fls. 39) à 127ª Delegacia de Polícia (Búzios), requerendo expressamente “a instauração de inquérito policial”, na qual, a despeito de relatar ter recebido “correspondência apócrifa, contendo ameaças”, atribuiu taxativamente, e de forma absolutamente leviana, o alegado crime aos juízes de direito MARCELO ALBERTO CHAVES VILLAS e ALESSANDRA DE SOUZA ARAUJO e, também, a MARCELO SEBASTIAN LARTIGUE, então editor do “periódico Peru Molhado”, sendo certo que esta última pessoa figura como ofendido no feito que ensejou o presente mandamus. Dias depois, ou seja, em 07/03/2013, ao ser inquirido em sede policial a respeito desses fatos dos quais se diz vítima, o paciente, embora alegando que, “com relação à autoria da carta, não pode apontar qualquer suspeita” (fls. 40, sem grifo no original), reiterou, ainda de forma mais leviana, as acusações assacadas contra os dois juízes e contra o ofendido no processo que deu azo à sua condenação, ao declarar: “Que ratifica o inteiro teor da petição, protocolada nesta UPJ; Que, em relação à matéria veiculada no jornal com o título ‘Escândalo na Bem te vi’, trazida pelo jornal do Peru Molhado, atribui aos dois Juízes citados na petição, o vazamento destas informações, sendo informações retiradas de várias ações e montadas em um mosaico; Que gostaria de externar que há indícios de uma comunhão de sentimentos e de propósitos entre os dois juízes citados na petição e o editor do jornal” (sic, fls. 40, sem grifos no original).

Diante desse panorama – e com base nas informações do juízo a quo ao discorrer sobre o comportamento do paciente –, convém 11


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ponderar que, a teor do art. 256 do CPP, “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”, hipótese essa que se vislumbra nestes autos. Não bastasse, como acertadamente lançado no parecer ministerial, a ocorrência de eventual suspeição configura “tese que demanda aprofundado revolvimento de prova, o que não se afigura possível em sede de habeas corpus”, pois “é notório que o referido remédio, que tem por características basilares a cognição sumária e superficial – não é via idônea para revolver matéria fática, como pretendem os impetrantes, eis que não há possibilidade de dilação probatória no seu procedimento” (fls. 193). Com efeito, a alegação de suspeição do juiz, quando não comprovada de plano a sua parcialidade, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório, cujo exame é incompatível com os estreitos caminhos do habeas corpus, devendo a matéria, portanto, ser analisada em sede própria. A propósito, segue, a título de exemplificação, o iterativo entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça; verbis: – “HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO OPOSTA EM FACE DE JUÍZA. SUSPEIÇÃO NÃO RECONHECIDA PELA CORTE REGIONAL. IMPROPRIEDADE DO WRIT PARA REVISÃO DO JULGADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE QUESTÕES FÁTICO-PROBATÓRIAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A revisão do acórdão da Corte Regional, que rejeitou a arguição de suspeição da Juíza processante, é notoriamente insuscetível de ser realizada na estreita via do habeas corpus, na medida em que demanda inevitável incursão na seara fático probatória. Precedentes. 2. Ordem denegada.” (STJ, Quinta Turma, HC 143.134/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julg. em 08/11/2011, DJe de 21/11/2011, sem grifos no original);

– “A aferição da suspeição do magistrado é tema que envolve debate de nítido colorido fático-processual, inviável de ser efetivado no seio do mandamus. Ademais, a negativa, tout court, de se gravar a audiência não representa indicativo certo para o reconhecimento da parcialidade. Igualmente, a negativa de realização de pergunta acerca de fato, pelo magistrado, tido como incontroverso.” (STJ, Sexta Turma, HC 131830/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julg. em 18/12/2012, DJe de 01/02/2013, sem grifo no original); 12


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– “HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO REJEITADA LIMINARMENTE EM 2º GRAU DE JURISDIÇÃO. MANUTENÇÃO DO DECRETO DE CUSTÓDIA PROVISÓRIA. ORDEM DENEGADA. Mostra-se inidônea a via do habeas corpus para apreciar a arguição de suspeição, por tratar-se de matéria sujeita à controvérsia fática. Ordem denegada.” (STJ, Quinta Turma, HC 16263/RJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, julg. em 17/02/2005, DJ de 14/03/2005, sem grifo no original).

Também não merece prosperar o mandamus no que atine à apontada falta de fundamentação da decisão ora combatida, que é tachada de “tão vaga e desconexa que se utiliza de outros processos para embasar o presente decreto prisional” (fls. 13). Nesse particular, convém reproduzir alguns trechos do decisum em comento, notadamente quando se faz menção à necessidade da custódia provisória para a garantia da ordem pública: “Deste modo, se a prisão preventiva pode ser decretada ab initio, quando do recebimento da denúncia, ou até na fase préprocessual ou inquisitorial, o que dirá quando já há um juízo de certeza, a saber, uma inequívoca verossimilhança que transcende o fumus comissi delicti. Instando ressaltar que a situação elencada pelo Ministério Público, consubstanciada em mais uma reiteração criminosa do réu, em especial contra uma das vítimas deste processo, consiste, portanto, em nova situação fática, que inexistia à época da propositura da demanda, ou à época da prolação da sentença condenatória. Situação superveniente esta da qual faz exsurgir no convencimento deste juízo o periculum libertatis, mormente se for sopesado não só o menoscabo e o desprezo do réu para com a Lei e para com a Administração da Justiça, como também para a tranquilidade social e para a própria segurança de autoridades, testemunhas e vítimas, eis que o réu Ruy Ferreira Borba Filho revela ser uma pessoa de certo grau de periculosidade, em especial ante a natureza dos crimes pelos quais o mesmo foi condenado nesta demanda, a saber, crimes contra a pessoa, contra a liberdade individual e o patrimônio. (...) O primeiro réu [ora paciente] responde a diversas ações penais, sendo que destas, já foi condenado em cinco processos-crime, e nem assim, deixa de reiterar condutas criminosas. Frisando-se ainda, como bem obtemperou o colega 13


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da 1ª Vara desta Comarca, na recente decisão de decretação de prisão preventiva deste acusado, proferida no processo-crime nº 001562-48.2013.8.19.0078, que o Sr. Ruy Ferreira Borba Filho está ainda sendo investigado pelo Grupo de Atuação ao Combate ao Crime Organizado do Ministério Público, em procedimento sigiloso distribuído a este juízo. Investigação na qual se apuram as práticas delituosas em tese de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, crimes contra ordem tributária, crimes contra a Lei Geral de Licitações da Administração Pública e Formação de Quadrilha, que envolve as empresas deste primeiro réu [ora paciente] e uma fundação filantrópica, da qual era fundador e gestor, que mantinha curiosamente convênio com a Prefeitura deste Município, do qual o mesmo integrava a administração direta com o relevante cargo de Secretário Municipal de Gestão e Planejamento. Procedimento acima referenciado no qual ocorreram, estranhamente, vulnerações de documentos sigilosos, dentro e fora deste fórum, como bem ressaltou o juízo da 1ª Vara desta Comarca em sua citada decisão, estando o mesmo cientificado desses esdrúxulos fatos ante a determinação de instauração de sindicância por parte deste juízo, também comunicada ao juízo contíguo. Tendo havido ainda a determinação de três inquéritos policiais para apuração de eventuais delitos de violação de sigilo funcional e fraude processual. Inequívoca, portanto, a presença do requisito da garantia da ordem pública para decretação da medida cautelar pessoal ora pleiteada pelo Ministério Público” (fls. 25/27, sem grifos no original).

Noutra vertente, ao sustentar a imprescindibilidade da segregação processual para assegurar a aplicação da lei penal, assim se pronuncia o magistrado a quo: “Presente ainda o requisito para a prisão consistente na asseguração da aplicação da Lei Penal, tendo em vista que o réu descumpre reiteradamente as decisões e ordens judiciais, profere e aventa notoriamente nesta Comarca o menoscabo e o desrespeito às instituições democráticas, assim, não é inimaginável que uma pessoa com alto poder aquisitivo e com o aludido histórico, como é o caso do primeiro réu [ora paciente], na hipótese de condenação definitiva, tente se furtar, então, da aplicação da Lei Penal, fugindo para outro país. Sendo revelador, desta probabilidade, o fato de que o réu, instado a apresentar seu passaporte, quedou-se inerte” (fls. 30, sem grifo no original). 14


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Não se olvida, aqui, que a prisão cautelar – mesmo após a prolação de sentença penal condenatória – consiste em exceção no ordenamento constitucional e, sob esse norte, sua incidência deve vir alicerçada em elementos que demonstrem a sua efetiva necessidade, uma vez analisado o quadro retratado, cada qual com as suas peculiaridades. Ocorre que, na hipótese vertente, impõe-se reconhecer a presença de requisitos autorizadores da custódia preventiva, como acertadamente entendeu a autoridade acoimada de coatora. A garantia da ordem pública exsurge da alentada quantidade de inquéritos policiais e ações penais a que responde o paciente, bem assim de sua insistência em delinquir e afrontar inúmeras pessoas, inclusive juízes de direito e promotores de justiça, perturbando a tranquilidade da pacata cidade de Armação dos Búzios, com inegável abalo ao meio social, razão por que a medida extrema se torna imperativa para que se possa obstaculizar a reiteração delitiva. Impende relevar, por pertinente, que, após ser condenado em primeira instância – o que se deu em 01/10/2012 (fls. 103) –, o paciente, em 13/02/2013, segundo a denúncia trasladada às fls. 34/35, perpetrou os crimes de denunciação caluniosa, por três vezes, e de coação no curso do processo, por duas vezes – condutas essas que, como acima demonstrado, se encontram mais do que suficientemente indiciadas –, sendo tais delitos, nos termos da referida exordial acusatória, praticados com o intento de atingir magistrados e, não bastasse, uma de suas vítimas na ação penal originária, vítima essa que, por certo, guarda receio do réu. A propósito, confiram-se os seguintes julgados: – “A manutenção da prisão preventiva é necessária para resguardar a ordem pública, como forma de impedir a reiteração criminosa, visto que o paciente responde a uma lista de inquéritos e processos, além do presente caso, em que é investigado pelo suposto cometimento de fraudes contra, pelo menos, 970 (novecentos e setenta) vítimas. A Corte de origem destacou, ainda, que o paciente seria membro de uma quadrilha de fraudadores, sendo ainda investigado por crimes contra o meio-ambiente, contra a administração pública e contra o patrimônio, entre outros.” (STJ, Quinta Turma, RHC 37356/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julg. em 25/06/2013, DJe de 01/07/2013, sem grifos no original); – “Não é ilegal o encarceramento provisório que se funda em dados concretos a indicar a necessidade da medida cautelar, 15


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especialmente em elementos extraídos da conduta perpetrada pelo acusado, quais sejam, a periculosidade do agente, a reiteração delitiva e o temor das testemunhas, demonstrando a necessidade da prisão para garantia da ordem pública.” (STJ, Sexta Turma, HC 172902/RR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julg. em 20/06/2013, DJe de 28/06/2013, sem grifo no original); – “A prisão cautelar se faz necessária, também, para evitar a reiteração delitiva, tendo em vista que o recorrente já respondeu a várias ações penais, tendo sido, inclusive, beneficiado, por duas vezes, com a liberdade provisória.” (STJ, Sexta Turma, RHC 33272/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, julg. em 14/05/2013, DJe de 23/05/2013, sem grifo no original).

De igual modo, é de se dessumir que a segregação preventiva também se faz necessária para assegurar a aplicação da lei penal, eis que o paciente, depois de condenado em primeira instância à pena privativa de liberdade de 6 anos – sendo 4 de detenção e 2 de reclusão –, e com determinação de não se ausentar do país, após ser regularmente intimado para, simplesmente, entregar seu passaporte a fim que fosse este acautelado em juízo, desobedeceu flagrantemente a ordem judicial. Bem de ver que sobreditas circunstâncias revelam ser o acusado, ao menos em tese, indivíduo que não mede esforços para atingir seus interesses, para o que não parece se preocupar com a fronteira entre o moral e o imoral, o lícito e o ilícito, sendo ele, ainda, especialmente afeto ao emprego de diversas modalidades de coação, com o que não titubeia, com seu comportamento desafiador, repita-se, em abalar a tranquilidade e a paz no meio social. Portanto, ao menos por ora, a segregação provisória em debate revela-se correta, não configurando qualquer ilegalidade, devendo, pois, permanecer a situação jurídica do paciente tal como posta, ante o princípio da confiança no juiz da causa, que de perto possui maior conhecimento e vivência dos fatos, para que possa, de forma firme e segura, manter o agente cautelarmente preso. Sob outro enfoque, diversamente do sustentado na impetração, tem-se que a decisão proferida pela autoridade acoimada de coatora apresenta-se devidamente fundamentada, com clara e minuciosa exposição dos motivos que embasaram a sua conclusão, demonstrando exaustivamente a necessidade da medida constritiva, logo, em perfeita 16


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obediência ao preceituado no art. 93, IX, da Constituição Federal, motivo pelo qual não há que se cogitar de sua anulação, ao insubsistente argumento de que “carece de fundamentação” (fls. 13). De outra parte, assevera-se na inicial que o magistrado de primeiro grau, “após a prolação da sentença e das apresentações dos recursos defensivos, (...) não poderia mais se manifestar”, pois, daí em diante, “qualquer pedido deveria ser analisado pelo Tribunal” (fls. 10/11). Sem razão, porém, os impetrantes. Isso porque, uma vez verificada, no caso concreto, a presença de algum dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, não só pode como deve o juiz, fazendo uso do seu poder geral de cautela – ainda que supervenientemente à entrega da prestação jurisdicional –, decretar a prisão preventiva do réu, pelo que não há falar em ilegalidade da medida, sobretudo ao se considerar que os motivos ensejadores da custódia provisória, in casu, surgiram após a prolação da sentença, porém antes da remessa dos autos ao segundo grau de jurisdição para a apreciação dos apelos defensivos. Cumpre anotar, por oportuno, que a privação da liberdade, na hipótese, não representa, por óbvio, antecipação de cumprimento de pena, mas sim medida de caráter processual, somente empreendida uma vez verificada a sua necessidade, à luz dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não se podendo, assim, cogitar de afronta ao princípio da “presunção de inocência” (fls. 12). Disso tudo se conclui que a almejada liberdade do paciente afigura-se incabível, devendo, por conseguinte, ser mantida a custódia cautelar, porquanto não se vislumbra qualquer ilegalidade ou abuso de poder. No que respeita ao pleito subsidiário de que, por ser o paciente advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, seja ele transferido para “sala do Estado Maior (nos termos do Estatuto da Advocacia)” e, caso inexistente esta espécie de recinto, que seja recolhido em “prisão domiciliar” (fls. 17), há de se tecer algumas considerações. Em reclamação ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil perante o Pretório Excelso (proc. n.º 15.697/RJ), o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao deferir medida liminar em 24/05/2013, determinou que o paciente, “ante a ausência de ‘sala de Estado-Maior’, seja recolhido em prisão domiciliar, cujas condições de vigilância deverão ser especificadas pelo 17


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Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Armação dos Búzios/RJ, até o julgamento final desta reclamação, sem prejuízo da fixação de uma, ou mais de uma, das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal” (fls. 215, sem grifo no original). Esclareça-se que a autoridade ora acoimada de coatora – Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Armação dos Búzios –, por entender, corretamente, que tal decisum transcende a ação penal que ensejou o decreto prisional, que, por sua vez, é objeto da aludida reclamação, vem obedecendo integralmente os termos da citada medida cautelar emanada do colendo Supremo Tribunal Federal, conforme se constata das informações complementares acostadas às fls. 218/221. Sublinhe-se que neste Tribunal de Justiça foi impetrada, pela Ordem dos Advogados do Brasil da Seção do Estado do Rio de Janeiro, ordem de habeas corpus (proc. n.º 0022871-68.2013.8.19.0000) em que se discutia exatamente essa matéria, a qual foi distribuída ao insigne Desembargador LUIZ NORONHA DANTAS, da egrégia Sexta Câmara Criminal. Válida a transcrição da respectiva ementa: “HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – TRIPLA DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA E DUPLA COAÇÃO NO PROCESSO – EPISÓDIO OCORRIDO NA COMARCA DE ARMAÇÃO DE BÚZIOS – PRÉVIA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM FACE DE QUEM É ADVOGADO INSCRITO NA O.A.B., SECCIONAL RIO GRANDE DO SUL E QUE ATUALMENTE SE ENCONTRA DETIDO NO COMPLEXO PRISIONAL DE GERICINÓ, MAIS PRECISAMENTE NO PRESÍDIO BANGU 8 – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À PRERROGATIVA INSERTA NO ART. 7º, INC. Nº V, DO ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA O.A.B., CONCERNENTE À GARANTIA DE PERMANÊNCIA EM CUSTÓDIA, DESDE QUE NÃO RESULTANTE DE SENTENÇA PENAL DEFINITIVA, EM SALA DE ESTADO MAIOR OU, NA FALTA DESTA, EM REGIME DE PRISÃO DOMICILIAR – LIMINAR DEFERIDA, DETERMINANDO A TRANSFERÊNCIA DO SUPLICANTE AO 14º BPM, ONDE HAVERIA A INSTALAÇÃO LEGALMENTE PREVISTA E AQUI RECLAMADA, E O QUE FOI POSTERIORMENTE REVERTIDO, DIANTE DO CONHECIMENTO DE QUE A PENITENCIÁRIA PEDROLINO WERLING DE OLIVEIRA POSSUI UMA ALA COM SESSENTA VAGAS PARA ACOMODAR PRESOS PROVISÓRIOS QUE TENHAM CONCLUÍDO CURSO SUPERIOR, DENTRE OS QUAIS VÁRIOS BACHARÉIS DE DIREITO, E ALGUNS DENTRE ESTES, QUE POSSUEM INSCRIÇÃO JUNTO À IMPETRANTE – DISPENSA DA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, EM SE TRATANDO DE IMPETRAÇÃO ADEQUADA E SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDA, POSSIBILITANDO O CONHECIMENTO E A DELIMITAÇÃO DA HIPÓTESE VERTENTE – PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO MANDAMENTAL – NECESSIDADE DE SE OBSERVAR A PRERROGATIVA LEGAL RECLAMADA E JÁ RECONHECIDA COMO CONSTITUCIONAL PELO PRETÓRIO EXCELSO – INEXISTÊNCIA DE 18


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SALA DE ESTADO MAIOR NAS INSTALAÇÕES DA POLÍCIA MILITAR DESTE ESTADO – HIPÓTESE QUE NÃO SE SUBSUME A NENHUMA DAQUELAS PREVISTAS, EM ENUMERAÇÃO EXAURIENTE OU TAXATIVA, PELO ART. 117 DA L.E.P – SUFICIÊNCIA DA SOLUÇÃO ALCANÇADA, JÁ QUE ESTA PRESERVA A PRERROGATIVA RECLAMADA, MERCÊ DA EXISTÊNCIA DE INSTALAÇÃO DIFERENCIADA EM HIGIENE E SEGURANÇA, DIGNA, ADEQUADA E COMPATÍVEL COM O MÚNUS DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA, PORQUANTO EQUIVALENTE AO CONCEITO DE SALA DE ESTADO MAIOR, SENDO CERTO QUE NÃO SE PODE CONFUNDIR PRERROGATIVA COM PRIVILÉGIO, JÁ QUE VÁRIOS OUTROS RÉUS ADVOGADOS SE ENCONTRARAM EM CONDIÇÕES ABSOLUTAMENTE ANÁLOGAS A ESTAS, TENDO RECEBIDO TRATAMENTO IGUALITÁRIO AO PRESENTE – PRECEDENTES – CONSOLIDAÇÃO DA LIMINAR, PARA QUE O PACIENTE PERMANEÇA ONDE SE ENCONTRA, DEVENDO SER OFICIADO AO DIRETOR DAQUELE ESTABELECIMENTO PRISIONAL PARA QUE SEJA OBSERVADA A PRISÃO INDIVIDUAL DAQUELE E DE QUALQUER OUTRO ADVOGADO QUE ALI SE ENCONTRE CUSTODIADO, RESPEITANDO-SE AS CONDIÇÕES ANÁLOGAS AO CONCEITO DE SALA DE ESTADO MAIOR – CONSTRANGIMENTO ILEGAL SUSCITADO E CONFIGURADO – CONCESSÃO DA ORDEM.”

(julg. em 21/05/2013, DJe de 05/06/2013, sem grifos no original)

Esta relatoria se filia inteiramente ao entendimento firmado no julgado supra – que, aliás, reflete a orientação deste TJRJ –, porquanto, como sabido, a par da inexistência de “Sala de estado Maior” em qualquer das unidades militares desta Unidade Federativa, o Presídio Pedrolino Werling de Oliveira (Bangu 8), no Complexo Penal de Gericinó, possui setor especialmente destinado a presos provisórios portadores de nível superior, inclusive pessoas inscritas nos quadros da OAB, em situação, portanto, idêntica à do paciente. Acresça-se que a postulada alternativa de recolhimento em prisão domiciliar afigura-se totalmente descabida, considerando-se que o referido estabelecimento prisional é perfeitamente compatível com as exigências inerentes às prerrogativas do réu. Após essas ponderações, e tendo em vista que o paciente, por ser advogado, encontra-se recolhido em prisão domiciliar por força de liminar deferida por Ministro do colendo Supremo Tribunal Federal em reclamação lá ajuizada, deve ele assim permanecer enquanto mantidos os efeitos do mencionado decisum, com a ressalva do posicionamento deste relator, que entende ser o Presídio Pedrolino Werling de Oliveira (Bangu 8) – com ala reservada a presos provisórios portadores de nível superior, e com instalações dignas e adequadas às normas de higiene e salubridade – estabelecimento adequado à condição pessoal do acusado, 19


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o que em nada ofende o preceituado no art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia, sob pena de se confundir prerrogativa com privilégio. Ante as considerações expostas, DENEGO A ORDEM. Rio de Janeiro, 6 de agosto de 2013. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO Desembargador Relator

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