Neste Especial Contabilidade, verifi ficcamos como estão as coisas no mundo das contas e analisamos, junto dos especialistas, o estado da Administração Fiscal do nosso país. Confi firra ainda, aqui, algumas novidades.
Defende Domingues Azevedo, presidente da CTOC
Administração Fiscal “forte e justa” Sofifiaa Abreu Silva O famalicense Domingues Azevedo foi recentemente reconduzido na presidência da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas (CTOC), até 2010. Na verdade, Domingues Azevedo é, e sempre foi, um defensor de uma Administração Fiscal forte, musculada, activa e,acima de tudo, justa e humana. Justa porque deve “sustentar todos os seus actos nas regras de direito previamente estabelecidas e tratar de forma igualitária todos os contribuintes”. Humana porque tem que ter não só a sensibilidade, mas acima de tudo “a vontade de analisar as razões que assistam aos contribuintes na sua relação com a sociedade em que se inserem”, explica. No entanto, o responsável máximo da CTOC afirma que hoje, “infelizmente”, assiste-se a algumas situações verdadeiramente “incompreensíveis” que devem ser mudadas. É, na óptica de Domingues Azevedo, importante repensar os caminhos, o tratamento e o efeito das reclamações dos
Domingues Azevedo defende o cumprimento das obrigações fiscais com justiça
contribuintes, na gestão do acto tributário. “Usar o poder discricionário apenas e só na medida em que haja manifesto incumprimento, salvaguardados sempre os direitos dos contribuintes. Hoje assiste-se a coisas impensáveis”, aponta, exemplificando que por vezes ouvimos os funcionários das Finanças dizer: “O senhor não deve, é um erro, mas deve pagar para evitar chatice”. Esta situação é classificada pelo presidente da CTOC como “absurda” e sem qualquer sentido. “Desde quando é que as pessoas são obrigadas a pagar uma coisa que não devem? Desde
quando é que um cidadão tem a obrigação de pagar erros da própria Administração Fiscal?”, interroga. E é precisamente contra estas situações que Domingues Azevedo se tem manifestado, alertando que o “melhor aliciante para o incumprimento dos deveres de cidadania, é exactamente a criação e desenvolvimento de situações de injustiça”. No entanto, perfeitamente consciente de ambos os lados da Administração Fiscal, Domingues Azevedo diz que há que reconhecer as vantagens dos seres humanos viverem em sociedades organizadas, beneficiando da sua
evolução e dos serviços que ela presta aos cidadãos. “Logo, é perfeitamente justo que quem colhe benesses, comparticipe na medida das suas possibilidades na manutenção dos seus custos”, defende. Com efeito, cabe à Administração Fiscal, no âmbito da dinâmica da gestão social, conhecer, liquidar e cobrar os quantitativos devidos pelos sujeitos passivos que podem ser cidadãos ou empresas; isto é, cobrar dos sujeitos passivos os valores que cada cidadão deve contribuir para a manutenção da sociedade em que ele se insere. Na verdade, uma Administração Fiscal laxista, inoperante e não activa, acaba por criar as condições para a implementação da lei da selva em que predomina a lei do mais forte ou do mais ardiloso, sendo os cumpridores injustiçados com aquele comportamento. “Mas, nestas coisas, como em muitas outras, não é suficiente ter-se esquemas e doutrinas muito perfeitas, se depois ninguém no terreno as leva à prática”, alerta.
Técnicos denunciam situações irregulares Domingues Azevedo diz que os Técnicos Oficiais de Contas denunciam ao Fisco, por semana, entre seis a sete casos irregulares. Aqui, é importante tornar claro que os TOC devem ter como primeira preocupação defender os seus clientes, mas isso não é o mesmo que ser “conivente com situações de incumprimento da lei, mas sim no seu cumprimento e nas vertentes que a lei melhor protege os cidadãos”, esclarece o presidente da CTOC. Assim, os Técnicos Oficiais de Contas têm que conhecer com rigor o vasto conjunto de regras que têm que observar no exercício da sua profissão, pois do seu conhecimento profundo depende a maior ou menor defesa que podem dar aos seus clientes. E a pior defesa que se pode dar a um comerciante ou empresário, é quando este não cumpre a lei. “Uma vez apanhado no incumprimento, não lhe resta nenhuma possibilidade de defesa, a não ser arcar com as consequências do incumprimento que hoje, como todos sabem, pode até chegar à privação da liberdade”, lembra.
Confl fliitualidade fiscal aumenta Em Portugal, a conflituosidade fiscal tem aumentado de forma muito significativa. Domingues Azevedo acredita que isso é “fruto do início de uma nova era em que cada uma das partes, Administração Fiscal e contribuintes, terão que se readaptar”. O principal responsável da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas explica que das situações que conhece conclui que “existem excessos de parte a parte”. “Na própria Administração Fiscal existe um conceito que cada contribuinte é um potencial ladrão do Estado e da parte dos contribuintes, historicamente habituados à ‘chico espertice’ “. Assim, para a reso-
lução da actual conflitualidade fiscal e para libertar os Tribunais Fiscais para o verdadeiro crime tributário, a Câmara de Técnicos Oficiais de Contas já deixou expresso ao ministro das Finanças “que deveriam ser constituídas comissões de conciliação, compostas fundamentalmente por técnicos, representantes dos contribuintes e dos profissionais, no sentido de, através do diálogo entre as partes envolvidas, chegar-se a um consenso e, por essa via, eliminar um conjunto muito significativo de processos”. Parafraseando o povo, Domingues Azevedo afirma que “um fraco acordo é sempre melhor que uma boa contenda”.
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Portugueses apoiam pressão do Fisco Uma larga maioria de portugueses apoia a actuação da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), considerando que a pressão que a máquina fiscal exerce sobre os contribuintes deve manter-se ou aumentar. Indiferentes às críticas de atropelos ou de exageros que vêm sendo apontados ao Fisco, designadamente ao nível das penhoras de contas bancárias e ordenados, os inquiridos são adeptos de medidas no combate à fraude e evasão fiscal, segundo os resultados de uma sondagem realizada pela Aximage para o Jornal de Negócios.
Declarações electrónicas conquistaram contribuintes Os contribuintes recorrem cada vez mais ao "site" da Direcção-geral dos Impostos (DGCI) e este meio de comunicação com o Fisco é o que melhor apreciação obtém, ganhando aos pontos aos restantes canais, a começar pelas tradicionais repartições públicas. Esta é uma das principais conclusões dos dados divulgados pela DGCI depois de analisados os questionários sobre os diferentes serviços que presta aos sujeitos passivos singulares e colectivos. Assim, mais de 80% dos utentes do canal Internet e mais de 92% dos técnicos oficiais de contas indicaram que usam este canal de forma frequente ou muito frequente, confirmando o "on-line" como meio privilegiado de interacção entre contribuintes e Administração Fiscal e aquele que tem melhor apreciação em termos de qualidade, rapidez e resolução de problemas. Por outro lado, as respostas dos utilizadores permitiram concluir que os serviços mais utilizados por quem recorre ao "site" da DGCI são a entrega electrónica de declarações de rendimentos e a obtenção de comprovativos.
Contribuintes vão pagar menos IRS O Governo mandou, na passada quinta-feira, baixar as taxas de retenção. Os contribuintes casados, com um titular, sem dependentes e com rendimentos até 670 euros estão isentos de retenção para efeitos de IRS em 2008. O diploma, do Ministério das Finanças, determina ainda que estão isentos os rendimentos até 540 euros no caso de não casados ou cas a d o s dois titulares, sem dep e n dentes. O limite de isenção sobe para 1.380 euros nos casos de deficientes não casados ou casados com dois titulares e até 1.690 euros para deficientes casados únicos titulares de rendimentos. Os montantes de rendimentos isentos vão aumentando em função do número de dependentes a cargo. O despacho estabelece também as tabelas de retenção para os titulares de pensões, que ficam isentas de retenção até 670 euros no caso de casados dois titulares ou não casa-
dos e até 740 euros no caso de titular único de rendimentos casado. Para os deficientes, a isenção vigora até 1.680 euros de pensão para os casados dois titulares de rendimentos ou não casados, e até 1.950 euros para os titulares únicos de rendimentos casados. As tabelas de retenção para sujeitos passivos casados aplicamse às pessoas que vivem em união de facto e optaram pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados. Podemos dizer que, de uma forma geral, a situação abrange a maioria dos trabalhadores dependentes, com menos retenções de IRS em 2008. A menor retenção fará aumentar o dinheiro disponível no final do mês, mas tem um reverso. Pode significar também menor reembolso ou até obrigatoriedade de pagar IRS no acerto de contas em 2009, mas só se as despesas apresentadas forem insuficientes.
especial
Poupar para precaver o futuro
Contas em família
As famílias devem, no início da cada mês, elaborar um orçamento familiar para fazer frente às necessidades. É importante comparar o rendimento mensal com o total das despesas fixas e variáveis nesse mês para controlar os gastos. Esse exercício de contabilidade deve envolver todos os membros da família. Em primeiro lugar, faça uma lista das suas despesas mensais regulares: renda, prestação do crédito habitação, seguros, custos de electricidade, água, entre outros. Não se esqueça de adicionar à lista os seus custos diários, alimentação, o combustível, a roupa e até entretenimento. Pense também nas despesas extra que tem, tais como férias, presentes, reparações ou compras de grande valor. Tente reservar, todos os me-
ses, um montante fixo para estas despesas. Assim, estará precavido sempre que receber a factura. É essencial classificar o imprescindível no seu orçamento e identificar as áreas onde pode poupar sempre que for preciso. Deve pagar todas as suas contas primeiro e principalmente todos os meses, para não deixar acumular valores elevados. Reserve ainda algum dinheiro para emergências ou surpresas (dentista) e quem sabe até pode
ficar com algum dinheiro extra para o seu objectivo de poupança pessoal. Lembre-se que o seu orçamento deve ser feito com honestidade, exactidão e perseverança. Faça estimativas realistas. Indique com precisão todas as despesas e receitas. Seja paciente para consigo, porque para organizar as suas finanças sem qualquer problema, vai ter que monitorizá-las e controlá-las durante um longo período de tempo.
√ O peso dos créditos O peso dos créditos no rendimento mensal deverá ser inferior a 40%. Caso seja superior, a família deverá, mesmo, renegociar os créditos.
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Abolir o sigilo bancário O pensamento não é novo, começa por dizer Domingues Azevedo relativamente ao fim do sigilo bancário. “Já na Assembleia da República, em 1986 ou 1987 defendi a abolição do sigilo bancário para efeitos fiscais”, recorda. O presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC) diz que se os funcionários da Administração Fiscal, que estão sujeitos ao sigilo profissional não podem ter acesso aos fluxos financeiros das empresas, então é porque “existe alguma coisa a esconder”. “Repare-se que os movimentos bancários de uma determinada conta também são do conhecimento dos funcionários bancários e não é por esse facto que existe devassa da privacidade dos clientes das instituições bancárias”, compara. Domingues Azevedo diz que o que está a ser verdadeiramente contestado não é que os funcionários da Administração Fiscal tenham conhecimento dos movimentos de uma determinada conta, mas sim o uso desse conhecimento para a fixação da matéria colectável para efeitos fiscais. Se os fluxos e influxos financeiros resultam do exercício de uma actividade empresarial, profissional ou comercial, então, questiona aquele responsável, “por que razão é que eles não podem ser do conhecimento da Administração Fiscal?”, lembrando que “se pretende tapar o sol com uma peneira, mas como se verifica, subsistem enormes sombras que não têm justificação”.
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Formação e solidariedade são prioridades
Objectivos da Câmara dos TOC até 2010 Entre as principais prioridades para os próximos tempos da Câmara de Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC), presidida pelo famalicense Domingues Azevedo, está a formação, concretamente a formação à distância propiciando, assim, uma maior flexibilidade na obtenção da formação, “aumentando a sua qualidade, diminuindo os seus custos e possibilitar a esses profissionais, nas mesmas condições de igualdade, actualizar os seus conhecimentos sobre as temáticas de interesse para o exercício da sua profissão”, disse. Domingues Azevedo acredita ainda que a implementação de um canal temático de televisão, com transmissão por um sistema de intranet de acesso exclusivo aos Técnicos Oficiais de Contas, é no seu entender, um novo método de comunicação da dinâmica institucional, “possibilitando uma maior e mais eficaz divulgação dos eventos realizados pela Câmara, bem como a divulgação de decisões ou novidades que se interliguem com o exercício da profissão”. Criação da Casa dos TOC Criar a Casa dos TOC em Lisboa e no Porto é também ambição. O presidente da CTOC pretende que sejam espaços de acolhimento e de convívio dos profissionais que, tendo perdido a sua capacidade de trabalho, possam compartilhar “com outros colegas de profissão a sua experiência e encontrem nesse espaço o carinho e a compreensão”. Precisamente na área social, a CTOC quer aumentar a sua dotação para 250 mil euros no Fundo de Solidariedade Social que serve “para garantir aos Técnicos Oficiais de Contas reformados, desde que não tenham outros rendimentos para além da reforma, um rendimento mínimo per capita igual ao salário mínimo nacional”, explica Domingues Azevedo. S.A.S.
especial
O novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC) Nacional Em Janeiro de 2006, num suplemento deste jornal igualmente dedicado à Contabilidade, tive a grata oportunidade de escrever um artigo intitulado “Uma Nova Realidade para a Contabilidade”. Nessa altura, como consequência da posição assumida pela União Europeia (UE) no que respeita à necessidade de aproximação das práticas contabilísticas seguidas nos diferentes países integrantes da mesma, consagrada legalmente no célebre Regulamento N.º 1606/2002, do Parlamento e do Conselho, de 19 de Julho, estava na ordem do dia a questão por resolver de saber quais as opções que os diferentes países, em particular Portugal, iriam tomar relativamente à regulamentação das práticas contabilísticas das entidades não abrangidas directamente pela obrigação de adoptarem as Normas Internacionais de Contabilidade do International Accounting Standards Board (IASB) como normas de referência na preparação e apresentação das suas demonstrações financeiras. Na época existia um projecto da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) nacional, datado de 15 de Janeiro de 2003, denominado “Projecto de Linhas de Orientação para um Novo Modelo de Normalização Contabilística”. Desse projecto da CNC, nada acabou por ser regulamentado. Contudo, o mesmo terá estado na origem do actual projecto da CNC de criação de um novo quadro regulamentar para a Contabilidade, denominado Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Este, que carece ainda de aprovação legal, data originalmente de 3 de Julho de 2007 e
assenta na definição da estrutura e conteúdo de um novo quadro regulamentar para a prática contabilística das entidades nele identificadas não sujeitas à adopção das normas internacionais de contabilidade como normas de referência para a sua prática contabilística. Como é referido no projecto do SNC, o mesmo prefigura um modelo baseado em princípios e não em regras, aderente, portanto, ao modelo do IASB adoptado na União Europeia, mas garantindo a compatibilidade com as Directivas Contabilísticas Comunitárias, devendo compreender um diploma regulamentador dos seus contornos, um Decreto-Lei que deverá promover a criação do SNC, cujas linhas estruturantes constam de um anexo, revogar o actual Plano Oficial de Contabilidade (POC) e legislação complementar, e identificar quais as entidades a que se aplica. Posteriormente, através de Portarias e Avisos deverão definir-se os modelos de
demonstrações financeiras, o código de contas, Estrutura Conceptual, as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), a Norma Contabilística e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades (NCRF-PE) e as Normas Interpretativas (NI). Com mais detalhe e de leitura aconselhável, o projecto do SNC pode ser consultado no sítio da internet da CNC em www.cnc.min-financas.pt. Fora de portas, convém referir que na nossa vizinha Espanha já está regulamentado e entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2008, o novo modelo de normalização contabilística alicerçado nas exigências do Regulamento N.º 1606/2002. O diploma que define a estrutura e conteúdo do seu novo sistema contabilístico foi publicado em 5 de Julho de 2007, sendo a Ley 16/2007, de 4 de Julho, de reforma e adaptação da legislação comercial em matéria contabilística, com vista à sua harmonização internacional com base na legislação da UE. Posteriormente, em 20 e 21 de Novembro de 2007, foram publicados, por Real Decreto (RD) 1514/2007 e 15015/2007, ambos aprovados em 16 de Novembro de 2007, o Plan General de Contabilidad (PCG) e o Plan General de Contabilidad PYMEs (PCG - PYMEs). Em jeito de conclusão, nós por cá, devemos estar atentos e começar uma preparação atempada para o inevitável novo modelo de normalização contabilística, o SNC. Sérgio Paulo Pereira Carmelo Docente Universitário Revisor Ofi ficcial de Contas