Revista Bárbaras

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Editorial

Bárbara de Alencar foi uma mulher que entrou para a história como mãe das revoluções pela independência do Brasil e pela República. Inspirado nesse legado de lutas nasce o projeto Bárbaras, com a força dupla da história dessa heroína e do significado que o seu nome representa. Bárbara é também substantivo e adjetivo que, na evolução da língua, denomina entre outras coisas, força e brilho.

O Bárbaras celebra mulheres bárbaras que representam todas as bárbaras que acordam cedo, que estão nos pontos de ônibus e que enfrentam a vida. Ele celebra a diversidade: de gênero, de credo, de cor. O Bárbaras celebra o espaço de fala, o respeito às ideias.

Esta revista representa e eterniza toda essa celebração. Em um mundo em constante transformação, onde as vozes antes silenciadas começam a encontrar o seu lugar, a representatividade se torna uma ferramenta fundamental para a construção de um futuro mais justo e igualitário. Não se trata apenas de dar visibilidade, mas de garantir que todas as pessoas, independentemente do seu gênero, cor, classe social, ou identidade, tenham espaço para se expressar, para serem ouvidas e, acima de tudo, para ocuparem os espaços que antes lhes eram negados. Principalmente as mulheres.

A luta pelo empoderamento feminino é uma das mais poderosas manifestações desse movimento. Ao longo da história, as mulheres foram constantemente sub-representadas, marginalizadas e silenciadas. Hoje, estamos presenciando um cenário de resistência e transformação, onde o empoderamento não se limita a um conceito isolado, mas se reflete em ações concretas em todas as esferas da sociedade. Mulheres têm conquistado posições de liderança, rompido estigmas e redefinido o que significa ser mulher, numa sociedade que ainda precisa questionar e desconstruir as normas de gênero.

Nas próximas páginas, um empoderado grupo de mulheres Bárbaras e diversas contam histórias de luta para reafirmar seu papel protagonista nas mais diferentes áreas do conhecimento. Com sua força e determinação, elas estão sendo capazes de ajudar a criar uma sociedade mais justa, mais empática e mais humana. A revista também mostra como foram as duas edições do evento Bárbaras, realizadas em 2023 e 2024, com personalidades do mundo das artes, da política, da saúde e da cultura.

Desejamos que este projeto sirva para seguirmos com a jornada de reflexão e ação pela representatividade, pelo empoderamento, pela diversidade, pela igualdade de gênero e pela inclusão.

Boa leitura!

Fundado em 7 de janeiro de 1928 por Demócrito Rocha

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Revista Bárbaras

Editores: Daniel Oiticica, Júlia Duarte

Repórter: Mabel Cavalcante, João Paulo Biage

Fotógrafo: Aurélio Alves, João Filho, Julio Caesar, Fernanda Barros

Projeto Gráfico: Jansen Lucas

Design: Jansen Lucas e Jean Rocha

Redação Publicitária: Amanda Raviny

Analista de Marketing: Álvaro Guimarães

12

BÁRBARAS 2024 O ENCONTRO DA DIVERSIDADE

82

ANIELLE FRANCO RESISTÊNCIA, AÇÃO E CONQUISTAS

94

JULIANA ALVES TRADIÇÃO ENTRE GERAÇÕES

124

MARIA DA PENHA A LUTA INFINITA DAS VENCEDORAS

Bárbaras 2024 A celebração da força feminina

O evento foi tempo de festejar trajetórias de vida que fortalecem o coletivo e incentivam a mudança para uma sociedade com mais respeito às mulheres

O Bárbaras 2024 reuniu personalidades de múltiplas áreas do conhecimento para celebrar a diversidade

Um dia para celebrar mulheres que fazem de suas vidas um caminho para a transformação da sociedade. Essa pode ser uma pequena descrição do que foi a segunda edição do Bárbaras, que aconteceu em Fortaleza no dia 11 de novembro de 2024. Com nome inspirado na revolucionária Bárbara de Alencar, o encontro se concretiza como muito mais que um evento. É um espaço para debater e celebrar a diversidade cultural, de gênero, de credo, de cor, um espaço de fala e de respeito às ideias.

No mesmo salão no Hotel Gran Marquise, mulheres de todas as cores, corpos, profissões e áreas de conhecimento, origens e orientações sexuais. Juntas em um momento com realização do Grupo de Comunicação O POVO e da Companhia de Comunicação e Informação, com apoio do Sesi e do Senai e patrocínio do Governo do Estado do Ceará.

O foco total foram as mulheres, em um abraço à diversidade para dar voz aos temas que impactam no cotidiano: seus direitos, suas dores, suas conquistas, seus desafios e alegrias. Para abrir o momento, foi tempo de quatro mulheres subirem ao palco para avaliar o atual cenário do mercado de trabalho, no painel “A mulher e o mercado de trabalho”.

A jornalista Carol Kossling, colunista de ESG do O POVO, teve a tarefa de mediar a mesa com figuras com muito a falar. Uma delas foi Jaqueline Queiroz, embaixadora do Movimento Plus Size do Ceará. Com longa trajetória no combate à gordofobia, antes mesmo de o termo ter seu significado amplamente divulgado, ela é ferrenha defensora do cultivo à autoestima feminina e do empoderamento para lutar contra o preconceito.

Além de ser CEO do Miss Plus Size Ceará, Jaqueline também teve participação na criação do projeto de lei que institui o 11 de maio de cada ano como o Dia Municipal de Luta Contra a Gordofobia, incluído no Calendário Oficial de Eventos do Município de Fortaleza.

“Vejo uma visão. Vejo o Bárbaras como um evento visionário, porque dá poder de fala a várias mulheres, a várias pautas e faz um alerta à sociedade sobre o que acontece e ninguém fala. A gordofobia, como o preconceito sobre o corpo gordo, é um preconceito velado, que ninguém fala, então eventos como esse fazem com que pessoas conheçam, pessoas saibam e pessoas reflitam”, ressaltou.

De sua trajetória de 13 anos no movimento, ela traz a perspectiva da dificuldade da entrada de mulheres gordas no mercado de trabalho, muitas vezes, não sendo aceitas por pré-requisitos excludentes. “Há um preconceito maior, já tem o preconceito por ser mulher no mercado de trabalho. O homem ganha mais, a mulher já não consegue ter um cargo tão avançado quanto ele. E, ainda mais, sendo uma

mulher que não tem a estética que a sociedade exige no mercado de trabalho, então complica mais ainda. A gente não consegue ter dados, números reais, mas a gente consegue saber a dimensão do quanto é difícil a mulher que está acima do peso no mercado de trabalho”, pontuou.

Jaqueline ponderou que as dificuldades impostas às mulheres no mercado de trabalho chegam já no processo de seleção, e, para mulheres gordas, a pressão é ainda maior. “A gente fala muito sobre a autoestima, fala muito sobre superação, fala muito como chegar, só que ainda é muito difícil, ainda mais no mercado de trabalho, onde toda a empresa ou loja tem um perfil, e nunca o perfil é de uma mulher gorda”, avaliou.

E é neste ponto que entra o acolhimento. Espaços para escuta, ambientes para compartilhar experiências e formas de se fortalecer.“É muito acolhimento, a gente tem justamente esses debates, essas reuniões, um grupo de apoio, onde a gente conversa, onde a gente debate, onde a gente pode resolver, como podemos nos ajudar. Acredito que nesses 13 anos eu já colhi alguns frutos, eu estou engatinhando, mas acredito que o movimento está bem mais forte do que quando começou em 2011, e acredito que daqui para frente a gente vai se fortalecer ainda mais”, projetou.

O fortalecimento, o dar as mãos para lutar por direitos, precisa ser feito com todas as mulheres. “Eu queria lutar pela igualdade mesmo de mulheres, de não uma mulher A, B ou C. A gente sabe que existe não só no caso da mulher gorda, mas também da mulher negra, da mulher que nem gosta dessa palavra, mas das minorias. Vejo como um avanço a igualdade de salário. Acredito que com essa porta sendo aberta, a gente pode entrar bem mais a fundo”, ressaltou.

Com seus quase 30 anos de experiência no mercado, estando à frente da Advance Comunicação, empresa que fundou, a publicitária e empresária Eliziane Alencar levou seu ponto de vista para o debate. Além dos desafios externos, para ela, é preciso vencer a voz da dúvida, aquela que as próprias mulheres mantêm sobre si mesmas e sobre suas produções. Acreditar em si pode ser uma das chaves para avançar na presença feminina em cargos de poder.

“Eu trago um olhar de um desafio particular de cada mulher não se autoboicotar, que essa mulher acredite na capacidade dela e avance. E não tenha medo, nem receio de não ser aceita ou de não conseguir, porque eu acho que hoje esse é

É preciso vencer a voz da dúvida, aquela que as próprias mulheres mantêm sobre si mesmas e sobre suas produções. Acreditar em si pode ser uma das chaves para avançar na presença feminina em cargos de poder

um dos maiores boicotes do crescimento do espaço feminino no emprego, nas oportunidades dentro do mundo corporativo, no empreendedorismo”, defendeu a publicitária.

Ela reflete que homens costumam ser mais empoderados de suas qualidades e tendem a não se limitar. “Acho que os homens são muito mais empoderados e não se enxergam com uma autocrítica tão forte. As mulheres estão ainda muito num patamar de querer provar que são boas, e não precisam provar. Elas podem ir para cima. Eu acho que isso tem um ponto de oportunidade, de espaço que precisa ser lapidado para que esse avanço seja mais afetivo”, ressaltou.

“Elas vêm mais preparadas, mas a gente tem dificuldades de territórios. Por exemplo, o da criação, eu não sei porque as mulheres têm medo de irem para a criação, a maioria é homem. No departamento de criação, mulheres são super criativas, mas por que elas não vão? Porque elas são muito exigentes com elas mesmas. Elas pensam ‘não é para mim, é o homem que é criativo’. Como assim?”, apontou sua inquietação.

Ela celebra a lei que garante a obrigatoriedade de igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, embora projete que seja necessário mais tempo para sentir no dia a dia do mercado de trabalho os efeitos da regra.

O texto foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicado no Diário Oficial da União em julho de 2023. A legislação surgiu em meio aos desafios das empresas de implementar salários iguais entre homens e mulheres. Nos últimos 10 anos, houve uma redução na diferença entre salários pagos entre os gêneros, com o índice que mede a paridade salarial indo de 72 em 2013 para 78,7, em 2023.

A paridade é medida em uma escala de 0 a 100 e, quanto mais próximo de 100, maior a equidade. Os dados estão no levantamento Mulheres no Mercado de Trabalho, uma realização da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Acho que precisa de um tempo de amadurecimento nesse sentido. E o mercado tem que ficar mais atento, porque as estruturas de gestão não estavam atentas a isso. A legislação vem de uma forma muito oportuna, para trazer esse

olhar de uma forma que as empresas tenham isso como obrigação, que não seja apenas um olhar de sensibilidade. Acho que isso vai dar um salto”, avaliou Eliziane.

O diálogo também pode dar sua contribuição para esse movimento. “Essas oportunidades que são criadas, como o evento Bárbaras, são incríveis, porque é um fórum que reúne todas as pessoas que estão interessadas nesse movimento. Não só mulheres, como a maioria são mulheres, a gente vê que tem homens também que estão atentos a esse movimento, mas a gente precisa dessa própria experiência. A gente precisa desses momentos. É uma iniciativa louvável, é uma grande contribuição ao mercado e ao crescimento do espaço da mulher no mercado de trabalho”, pontuou a publicitária.

A saúde mental também teve espaço na mesa, com as reflexões da psicanalista, psicóloga e professora universitária, Irvina Sampaio. Antes de tudo, a certeza de que toda mulher é única e, diante disso, é preciso uma leitura interseccional das relações sociais e, ainda mais, dentro do mercado de trabalho.

“Quando a gente fala das mulheres no mercado de trabalho, é importante que a gente entenda que, de partida, as condições não são iguais para todas, porque a gente tem mulheres brancas, mulheres negras, indígenas, cis, trans, travestis. Então a gente tem uma série de configurações múltiplas aí que não nos colocam no mesmo lugar”, ressaltou a psicanalista.

Se a diferença de salário já produz alertas de que a igualdade entre homens e mulheres é urgente, Irvina faz questionamentos sobre o acesso de mulheres

Duas gerações de mulheres que lutam pela representatividade feminina por meio da política

Izolda

à ascensão dentro de empresas, que, em um cenário ideal, levaria mais mulheres a cargos de chefia. “Se a gente for pensar, por exemplo, ao longo da nossa vida de trabalho, quantas mulheres chefes a gente já teve? Ao longo da nossa vida de trabalho, se a gente for afunilar mais ainda, quantas mulheres negras a gente já teve como chefes? Quantas mulheres indígenas a gente já teve como chefes? Quantas mulheres trans? Quantas travestis? Isso vai se tornando cada vez mais raro, cada vez mais escasso”, questionou.

Ela contou sobre as histórias, dores e alívios e os relatos do cotidiano das mulheres. A preocupação com serem reconhecidas e aceitas no trabalho. A sobrecarga de conciliar duplas ou triplas jornadas, no malabarismo de serem mães, esposas e trabalhadoras fora de casa. O Bárbaras, para Irvina, ajudou a unir vozes no mesmo objetivo: ser um potente rio.

“É maravilhoso, porque eu acredito muito naquela assertiva que fala que as mulheres são como águas de um rio e, quando se juntam, têm a força potente de um rio que pode arrastar muita coisa. Porém, eu acho que quem mais precisa escutar sobre mulheres no mercado de trabalho, sobre machismo e patriarcado, são os homens, porque, de fato, a gente vive numa sociedade ainda muito machista, muito patriarcal, que exige que a gente explique o óbvio”, ressaltou.

“O Bárbaras tem muito essa proposta também de fortalecer as mulheres, de que a gente esteja sendo como esses rios movimentados, e que esses rios transbordem, que os homens possam nos escutar. E, inclusive, entender que sim, o machismo é um problema deles, que uma construção patriarcal é um problema deles e que as mulheres estão tentando lutar para solucionar esse problema”, apontou.

Adísia foi professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e da Universidade de Fortaleza (Unifor), além de ter protagonizado a criação do curso de Jornalismo no Ceará, na UFC, em 1965. Também radialista, foi presidenta da Associação Cearense de Imprensa.

Com muita graça e honestidade, Adísia arrancou risadas da plateia ao agradecer pela homenagem. “Eu ficaria profundamente frustrada, triste e ia chorar no fundo da minha rede se vocês não me dessem essa homenagem. Não vou mentir, eu adoro ser recebida embaixo de palmas”, disse ao subir ao palco.

“Uma homenagem como essa me deixa uma criança, quanto mais homenagem mais criança eu vou me sentir”, ressaltou. O evento acendeu grandes memórias em Adísia por reunir ex-alunas de diferentes épocas e lugares em que a jornalista foi também professora. “Vocês pensam que eu não sinto emoção? Elas continuam ficando novas. Eu gosto de receber homenagens, porque eu me lembro daqueles que não receberam e que mereciam muito mais do que”, afirmou a jornalista.

É tempo de reconhecer aquelas que pavimentaram o caminho

O evento marcou também a homenagem a mulheres que deram anos e anos de suas vidas em forma de luta para uma sociedade mais justa. Cinco mulheres de diferentes áreas de atuação, e origens com muito em comum: serão lembradas por seus trabalhos e eternizadas na memória de não só quem acompanhou o Bárbaras, mas de todos que conhecem suas trajetórias.

Aos 95 anos, a jornalista Adísia Sá subiu ao palco para receber o quadro em sua homenagem. Formada em Filosofia,

No campo dos negócios, foi onde Tarcila Sousa deixou sua marca. Uma das homenageadas, nascida em Brejo Santo em 12 de abril de 1935, é empresária e fundadora da Cajuína São Geraldo. Formada em Ciências Contábeis pela escola técnica do Cariri, aos 15 anos, deixou sua cidade para estudar em Juazeiro do Norte, contrariando a vontade de seu pai.

Após concluir o curso, trabalhou na Arca da Aliança e, em meados de 1960, entrou no ramo de bebidas junto aos irmãos José Amâncio e Francisco de Souza. Para receber o quadro, subiu ao palco Virgínia Sou -

Elisa Lucinda no palco do Bárbaras 2024: empoderamento e diversidade

sa, diretora financeira da São Geraldo e filha de Tarcila.

Virgínia agradeceu a homenagem feita à mãe e fez questão de ressaltar o legado de Tarcila que ainda permanece na forma de conduzir a empresa: são quatro diretoras à frente da empresa e apenas um diretor comandando mais de 800 colaboradores.

Subiu ao palco também a coordenadora da Casa da Mulher Brasileira do Ceará, Daciane Barreto. Em sua trajetória, estão anos dedicados a defender o direito das mulheres.

Daciane protagonizou o movimento de criação e instalação do Conselho Cearense dos Direitos das Mulheres, em 1986, assim como a construção da lei que criou a Delegacia de Defesa da Mulher, em dezembro de 1986. No prêmio, ela não veio sozinha. Subiu ao palco muito aplaudida por funcionários da Casa da Mulher Brasileira, a quem ela agradeceu.

Com seu conhecido jeito pacifico e calmo, subiu ao palco também Izolda Cela, ex-governadora do Ceará, a primeira e até o momento única governadora efetiva do Estado. Antes de quebrar as barreiras e marcar seu nome na história, Izolda dedicou anos ao ensino básico, com passagens na Secretaria de Educação do município de Sobral e na Secretaria de Educação do Estado do Ceará. Enquanto titular da Educação, foram criados projetos na área como o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), transformado em política pública prioritária do Governo do Estado em 2007. O sucesso foi tanto que foi adotado nacionalmente.

“Eu quero agradecer essa honra de estar recebendo essa homenagem aqui

no evento das Bárbaras, que traz justamente a inspiração, a força dessa herança atávica que a gente traz e mulheres, ao longo do tempo, aquelas como Bárbara de Alencar, que inspira a programação, mas outras tantas para além das que são famosas, aquelas que são ali invisíveis, mas que têm essa força do feminino de construção na sociedade”, celebrou Izolda. Ela citou suas companheiras de palco como “desbravadoras”.

Atual secretária de Direitos Humanos, Socorro França também foi lembrada por décadas de dedicação. Ela soma quase 60 anos de atuação no serviço público, dos quais 48 anos foram dedicados ao Ministério Público do Ceará, onde foi procuradora-geral de Justiça por cinco mandatos.

Socorro, com seu jeito irreverente, celebrou a chegada de mais um aniversário, seus 81 anos, e estar com “um salto desse tamanho”, como disse ao apontar para o sapato. “Andando o dia todo e certa de que ainda tenho muito o que fazer. Essa é exatamente a nossa juventude. É o amor que nós temos por nós mesmos. Como eu posso amar o outro se eu não me amo?”, disse ao subir no palco.

Além de si mesma, Socorro tirou tempo para falar de cada uma das outras personalidades também homenageadas que dividiram o palco durante o evento. Falou um pouco de Adísia, ao lembrar o pioneirismo de criar uma ouvidoria. “Quando o governante não auscultava o coração do povo, esta mulher nos ensinou a escutar o povo, criando a primeira ouvidoria do Brasil, através do Grupo O POVO”, ressaltou.

Sobre Izolda, Socorro lembrou dos feitos no campo da educação. “Hoje eu me orgulho de chegar em qualquer lugar do Brasil e dizerem ‘você é do Ceará?’ e eu dizer ‘sim, é lá que a educação se faz notar’. É lá no Ceará, a terra da liberdade”, ressaltou, ao celebrar a liberdade que a educação proporciona

Para Daciane, Socorro não poupou palavras ao elogiar a quem chamou de “mulher de luta”. “Antes mesmo de vocês pensassem em ter nesse país um Conselho da Mulher para proteger e defender a mulher, a Daciane já estava no Conselho Estadual aqui no Ceará trabalhando e lutando para que nós pudéssemos ter ações e visibilidade. Daciane, desde a primeira hora, começou a lutar na Casa da Mulher Brasileira”, ressaltou.

Tarcila foi lembrada também por desbravar e se jogar no mundo empresarial. “Imagina sua mãe, mulher empreendedora dando emprego para as mulheres, não é fácil”, fi-

nalizou Socorro. Mas, além de falar, Socorro também recebeu o carinho de suas pares.

“Ela é uma dessas pessoas desbravadoras. Por onde ela andou, ela inovou e deixou uma marca importante. No Ministério Público, em todas as fundações em que ela esteve, respeitada por seus colegas. Querida, porque, quando ela chega nos ambientes onde trabalhou por muito tempo é impressionante o carinho e a atenção que as pessoas têm por ela. Elas reconhecem na doutora Socorro essa pessoa de luta, de realização, uma pessoa de liderança”, elogiou Izolda.

A inquietante e única: Elisa Lucinda

A noite foi avançando com a presença marcante da atriz e escritora Elisa Lucinda, que provocou profundas reflexões. Racismo, privilégios, tentativas de cerceamento da liberdade feminina. Em pouco mais de uma hora de palestra, Elisa trouxe situações do dia a dia, não só dela, mas de milhares de mulheres, para expor a urgente necessidade de pautas avançarem na sociedade

A atriz apresentou a palestra “Palavra é Poder”, uma intercessão entre a subjetividade da fundação da palavra, como são usadas para viver em sociedade, com o impacto concreto do peso que elas têm a cada suspiro humano. Elisa pediu a atenção do público por meio de pequenas intervenções para a facilidade com que celulares são usados e distanciam o ser do mundo real.

Sua infância, memórias de sua falecida mãe, a formação e o conhecimento do que significa poesia, os primeiros contatos com o poder da palavra, sua vida como artista, experiência que viveu. Elisa trouxe isso e muito mais.

Elisa Lucinda A força da arte para questionar as estruturas e combater o racismo

Com uma extensa lista de talentos, a capixaba se transmuta em diferentes artes e canais para ser quem é e levar uma mensagem firme contra os preconceitos

Por Júlia Duarte

A multifacetada atriz e poetisa Elisa Lucinda foi uma das atrações da segunda edição do Bárbaras

Desde pequena, a pequena Elisa gostava de falar. Os pais logo viram que era preciso ampliar o que já parecia natural: o uso da palavra. E nada mais poderoso, ritmado e visceral que a poesia. O declamar que é, na verdade, a transformação da palavra, um símbolo, em um ato, em uma força própria. Anos depois, a multifacetada Elisa Lucinda construiu um legado com a palavra que extrapola o emocional e entra na seara resistência e resgate da ancestralidade para questionar espaços.

Nascida no Espírito Santo, Elisa acumula atuações em diversas frentes: é atriz, cantora, escritora e poetisa. Passou pela TV, teatro e cinema. Mas, toda essa história começou em outra área. Elisa se formou como jornalista pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e chegou a ser professora. A guinada mais artística veio quando foi para o Rio de Janeiro, aos 28 anos. Na época, ela já era mãe de seu filho Juliano.

Seu rosto estreou na TV na novela Kananga do Japão (1989), na Rede Manchete. Na sequência, vários trabalhos, como as novelas Sangue do Meu Sangue (1995), no SBT. Na Globo, foi ganhando espaço com o protagonismo nas novelas de Manoel Carlos. Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006) e Viver a Vida (2009) foram algumas das produções do escritor em que participou.

Em 2012, na novela Aquele Beijo, escrita por Miguel Falabella, ela interpretou Diva, a primeira vilã da carreira de Elisa. No ano seguinte, na novela de época Lado a Lado, foi Norma, personagem que era mãe de Fernando (Caio Blat). Na trama, o jovem era alguém racista sendo filho biológico de uma mãe negra.

Dentre as diversas peças de teatro que já trabalhou, ela apresentou, em novembro, o projeto “O poder da palavra”, em Fortaleza, durante o evento Bárbaras, uma realização do Grupo de Comunicação O POVO e da Companhia de Comunicação e Informação. Além da homenagem a mulheres transformadores e revolucionárias na história do Ceará, a cerimônia foi espaço de reflexões sobre as mulheres na sociedade e os desafios enfrentados por elas. E não apenas uma mulher, mas todas, pensando em um mundo plural. Machismo, racismo, exigências de como se portar ou ser, cobranças sociais, as dores e felicidades se serem quem são.

Ao longo de sua apresentação, Elisa conseguiu unir simbolismo, exaltação da cultura negra, amor à arte e memórias

de uma vida repleta de palavras e todos os seus significados. Ela mesma resume sua proximidade com a palavra: “Com ela, faço capoeira mental, dou nó em pingo d’água”.

Ela traz causos do cotidiano, do que é bom e do que é ruim. Contou sobre os episódios de racismo, sem nem mesmo usar a palavra, em situações como ser abordada uma mulher branca que questionou a presença de Elisa em um clube. “Você é daqui? Não parece com os sócios”, disse a mulher. Sagaz, Elisa responde: “Saí, saí, estão filmando”. A fala causou pânico na receptora da mensagem, mas, o público se comove pela pronta autodefesa que usou apenas palavras.

Usou a palavra para criticar as estruturas racistas da sociedade brasileira. Lembrou da herança e práticas que, até hoje, recaem sobre as pessoas negras e pobres. A empregada doméstica que se alimenta de uma comida de qualidade inferior, porque a empregadora não permite diferente. A empregada doméstica que não pode usar nem mesmo o talher que a empregadora usa normalmente. Trouxe o incômodo como forma de reflexão, na busca de mudanças.

Um dos pontos da fala de Elisa foi também a relação com a mãe, Divalda Campos Gomes, que morreu em violento acidente automobilístico, aos 63 anos. Elisa experimentou em outra arte uma forma de lidar com a dor.

“Luminosa, irradiava sua alegria, seu potencial de esperança, sua generosidade, a tal ponto que, até hoje, sua voz é viva entre nós como acionadora de novas possibilidades de transformação. Ela mesma, munida do feminismo de sua época, tratou de avançar profis-

Elisa Lucinda usa o poder da palavra e seu lugar de fala para combater as estruturas racistas da sociedade brasileira

sionalmente e foi pioneira nos ensinamentos de Yoga no Espírito Santo, sendo a sua academia a primeira no Estado”, escreveu Elisa, na homenagem que fez em 2020, quando a mãe, se viva, faria 90 anos.

“Foi esta mulher que, diante do meu temor e até vontade de desistir de meu sonhos nesta cidade, quando estávamos sobre o mau tempo do governo Fernando Collor, não permitiu que eu fraquejasse: Não, filha, eu e seu pai vamos continuar a te ajudar a seguir; é do Rio de Janeiro que sua arte alcançará o país e o mundo. Obrigada, mãe, por resistires e existires em mim”, disse ainda.

A dor pela perda da mãe uniu Elisa com crianças pequenas, quando precisou fazer uma apresentação para os pequenos. A mãe também foi figura central nos causos que contou sobre a época da faculdade, quando começou a namorar. A mãe “aliviava” para seu lado, ficava do lado dela quando falava que ia sair ou viajar com o namorado. Elisa encontrou na mãe empatia. Uma amiga. Ao mencionar Divalda, a atuação entoa uma voz turva no corpo de uma atriz que também é escritora.

O primeiro livro de Elisa foi publicado de forma independente em 1992 e recebeu o título de “Lua que menstrua”. Em 1995, publicou “O Semelhante” pela editora Record, um livro de poemas que deu origem a uma peça teatral de mesmo nome. Com 19 livros publicados, Lucinda ganhou espaço como uma das mais importantes poetas e autoras do Brasil.

São obras suas também: “Eu te Amo e suas Estreias”, “A Fúria da Beleza” e “Vozes Guardadas”. A lista tem também os romances “Fernando Pessoa: O Cavaleiro de Nada”, finalista do prêmio São Paulo de Literatura em 2015; e “Quem me Leva Para Passear”, finalista ao Prêmio Jabuti 2022, na categoria Romance de Entretenimento.

A escritora também se dedica ao futuro. As crianças são o futuro e o público-alvo de alguns dos livros de Elisa. Ela é autora da coleção infantil “Amigo

Oculto”, pela qual ganhou o prêmio Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

A artista fundou, em parceria com a atriz Geovana Pires, a Casa Poema. A instituição cultural foca em projetos para incentivar a popularização da poesia. É destaque o projeto Versos de Liberdade, que leva a palavra poética aos jovens que cumprem medidas socioeducativas.

Com toda essa trajetória, em 2021, Elisa tomou posse na Academia Brasileira de Cultura, ocupando a cadeira de Olavo Bilac, ao lado de nomes como Zeca Pagodinho, Elza Soares, Christiane Torloni, Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus.

Com sua palestra em Fortaleza, ela deixou uma mensagem para o público. “Eu quero que, depois dessa conversa, vocês saiam dispostas, dispostos - tem um homem ali - a fazer um inventário de quais palavras são essas que usam diariamente”, convidou o público. É que, para ela, a palavra que tanto usa e ama pode ser uma faca de dois gumes: destrói, mata e machuca, mas transforma, liberta e cuida.

Foi esta mulher que, diante do meu temor e até vontade de desistir de meus sonhos, não permitiu que eu fraquejasse: Não, filha, eu e seu pai vamos continuar a te ajudar a seguir; é do Rio de Janeiro que sua arte alcançará o país e o mundo. Obrigada, mãe, por resistires e existires em mim

Revista Bárbaras: Você coloca humor em situações, usa muito o humor para tirar risadas, mas também passar lições e reflexões. Como chegou esse momento de entendimento de usar esse artifício nas palestras?

Elisa Lucinda: Eu fui criada com essa tecnologia da comunicação que é meu pai. Meu pai encontrou um jeito de trabalhar com a palavra de modo que ela é implante para produzir encantamento. Ela tem peito. A imagem poética traz isso e o humor é uma forma de conhecimento. O humor não é um artifício, é uma qualidade da inteligência. Um modo de abordar. O humor relaxa o interlocutor para ele receber a sua informação. Ele destrava o muro. O humor abre portas.

RB: Esta não é a primeira vez que você apresenta esse tipo de palestra. Quais são os impactos e mensagens que você costuma receber do público em momento como este?

EL: O tempo inteiro sinto o retorno. As pessoas choram muito, se emocionam muito. Elas falam, principalmente, o que eu venho trazer sobre a palavra, sobre esse cotidiano com a palavra, esse instinto de transformação que a palavra tem. Eu dou um suporte para sua revolução. Muitas pessoas falam assim ‘ainda bem que eu não tô sozinha’, ainda bem que, lendo esse livro da Edith, eu vi que eu também tenho essa liberdade dentro de mim, mas não usava’. É como se fosse uma autorização. A gente está vivendo tempos novos de conquistas nossas, mesmo que ainda existam muitas mulheres assassinadas. Hoje, temos mecanismos que não tínhamos antes. A medida protetiva que a gente não tinha, o assédio que não era proibido nem importunação sexual. A gente avançou muito, estamos avançando. Eu acho que minha literatura, meu pensamento, minha palestra está tendo essa contemporaneidade, por isso que atrai tanta gente de várias idades.

RB: Você tem uma trajetória também, não é a primeira vez que fala sobre racismo...

EL: Só falo disso. Falo muito…

RB: Você sente que hoje as pessoas estão mais abertas para sentarem e escutarem esse tipo de palestra do que antes?

EL: Sem dúvida. Brigamos, batemos nas portas, brigamos nos caminhos e exigimos reparação. Por exemplo, no meu escritório só se trabalha para os negros. Por quê? Quando me perguntam, eu explico que quero fazer uma reparação histórica, em cada oportunidade. Agora dá para falar isso, dá para peitar isso. Dá para a gente estar filmando o racismo, que diziam que era uma invenção nossa. As coisas mudaram, melhoraram.

RB: Muitas vezes a plateia é majoritariamente branca...

EL: É poderoso. E eu tenho que falar coisas como, por exemplo, da comida de qualidade inferior para o empregado, o empregado dormindo em casa. São coisas que eu sei que batem lá na herança do racismo.

JOÃO
FILHO

Essas lutas vitoriosas

As homenageadas com o Troféu Bárbaras 2024 construíram suas trajetórias profissionais abrindo espaços até então pouco ocupados por mulheres e legitimaram inúmeras outras gerações

As curvas das linhas pretas da criatividade do ilustrador Carlus Campos, que formam os rostos de Adísia Sá, Izolda Cela, Socorro França, Daciane Barreto e Tarcila Sousa, emoldurados nos quadros que compõem o Troféu Bárbaras, revelam muito sobre a história de luta das mulheres cearenses por respeito, dignidade e reconhecimento. Nas próximas páginas, a revista Bárbaras torna eterna estas homenagens, contando a história de cada uma dessas mulheres que batalharam e venceram.

Adísia Sá

“Fui

fiel à minha profissão. Nunca quis ser mais do que ela”

Pioneira no jornalismo, ela foi fundamental para abrir caminhos para as jornalistas cearenses

Maria Adísia Barros de Sá foi professora, jornalista, filósofa e escritora, participou ativamente de sindicatos em busca de melhorias para a classe dos jornalistas e atuou em diversos formatos, na comunicação. Entre os seus feitos mais significativos estão a sua iniciativa de fundar o curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará e ter sido a pioneira na instituição de ouvidorias no Ceará. Aos 95 anos, a professora e jornalista, como gosta de ser reconhecida, relembra com orgulho e sem arrependimentos de uma vida dedicada ao seu ofício.

Nascida em 7 de novembro de 1929, em Cariré, município do Ceará, Adísia, desde cedo, se recusou a seguir as expectativas para as mulheres da época, e mesmo sem se sentir muito diferente das outras jovens, encontrou na escrita uma maneira de expressar a sua singularidade. “Eu não gostava. Nunca fui costureira, bordadeira, não. Eu sempre fui um pouco mais, vamos dizer assim, masculinizada. Eu gostava de coisas práticas, não aquelas frescurinhas. Sempre gostei de escrever, e foi a minha profissão”. Em Fortaleza, a jovem Adísia formou-se em Filosofia, licenciou-se e fez doutorado, enquanto atuava como jornalista.

Uma mulher de personalidade forte, Adísia se descreve como briguenta, e divide que herdou o gênio do pai. “Os Sás são muito bons, mas muito violentos. Meu pai chorava de arrependimento de ter feito alguma coisa, alguma grosseria. Ele ficava tão emocionado que chorava mesmo, homem feito. Eu não chego a esse exagero, não. Quando eu amo, eu amo mesmo”. Por ter vindo de uma família de hoteleiros, Adísia desenvolveu uma certa habilidade para se comunicar e por gostar de estar em contato com as pessoas, se destacava. E foi no colégio de freira Imaculada Conceição, em que teve a oportunidade de produzir seus primeiros textos. “Eu gostava muito de ver o que eu escrevia. Me tornei jornalista, como jornalista, me tornei um nome

público. Eu tinha um pouco de vaidade, mas era uma vaidade comedida”, confidencia.

Ainda sobre o seu início, a jornalista teve o primeiro contato com a profissão na pensão de sua família, localizada no Centro de Fortaleza. “Eu cresci cercada de jornalismo. A nossa pensão era vizinha aos diários associados, Gazeta de Notícias, O POVO… a imprensa em si. Me perguntavam o que eu queria ser e eu respondia jornalista. Jornalista? Sim, jornalista. E se me perguntarem hoje, o que você gostaria de ser, professora? Jornalista”, afirma. Logo quando começou a trabalhar na redação do jornal Gazeta de Notícias, se deparou com um universo predominantemente masculino, mas a jornalista não se intimidou e, rapidamente, se adaptou a essa realidade. “Eu era a única mulher jornalista no Ceará, fui muito tempo a única profissional. Então, os meninos me tratavam como um deles e eu gostava que me tratassem como eu era, igual. E eu era igual, eu era uma jornalista. Agora, uma jornalista meio desaforada”, relembra Adísia, primeira mulher a fazer parte da redação de um jornal e, posteriormente, a primeira jornalista policial feminina.

Em relação a sua escolha de seguir a profissão ao invés de casar e ter filhos, Adísia compartilha que os pais questionavam, mas também se orgulhavam do status conquistado pela filha, única mulher jornalista da época. “Pela origem que nós tínhamos, eu tinha galgado um espaço que os envaidecia e eu era muito chegada à família. Eu nunca quis me casar. O sonho de minha mãe… Mas toda mulher tem que casar, mas eu

Adísia Sá foi a primeira ombudsman do O POVO, o segundo jornal do Brasil a criar essa função, que mantém até hoje

AURÉLIO ALVES

não quero me casar [Respondia], papai também dizia: Minha filha, a mulher nasceu para o homem e eu dizia: eu queria um homem pra nascer pra mim”, comenta. Desde o seu início na profissão, Adísia passou por diversos formatos e divide que não sentia diferença ao transitar por rádio, televisão e impresso, os principais meios de comunicação da sua época. “Era meu mundo, meu campo, minha área. O jornalista é jornalista no rádio, na televisão. Ele é jornalista. Eu fui feliz, sou feliz e espero de Deus continuar feliz”.

Em 1965, juntamente com outros colegas de profissão, incluindo Antônio Carlos Campos de Oliveira, presidente da Associação Cearense de Imprensa, na época, Adísia tomou a iniciativa de criar o curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará. “Eu entrei com muito entusiasmo e estava à frente do movimento. Eu era uma pessoa muito dada com os meus companheiros, de maneira que diziam: Adísia quer criar uma escola de Jornalismo. E ela vai criar. A senhora vai criar, professora? Eu já estou criando. Eu gostava muito de ser jornalista. Uma vez jornalista, sempre jornalista”, acrescenta. Ao analisar se a história do jornalismo teria se desenrolado da mesma forma sem a sua contribuição, a jornalista divide que a maioria dos jornalistas foram seus alunos. “Quando eu entrei no jornalismo, eu dizia: por que não temos uma escola? Não tem quem crie. Aí, eu digo: pois eu vou criar a escola, de maneira que todos, ou quase todos eles, foram meus alunos. E que professora querida, ainda hoje tenho muitos dos meus alunos que me querem bem e eu quero bem a eles”.

Por ser de origem simples, Adísia valoriza o respeito e a humildade, e analisa que, como professora, essa característica a fez conquistar o carinho de seus alunos e o reconhecimento que recebe até hoje. “Era muito ligada aos meus alunos. Porque o aluno dependia tanto de mim, meu Deus do céu. O que eu aprendi e o que eu sabia, eles queriam saber. Me envaidecia e, ao mesmo tempo, tinha a responsabilidade de dar o melhor a eles”, conclui a professora aposentada. Ainda hoje a jornalista acompanha os jornais e se emociona ao ser reconhecida. “Eu sou uma mulher que lê jornal, recebo jornais e a coisa que mais me alegra é que a maioria dos profissionais foram meus alunos. Professora Adísia, como vai?, Adísia, como vai?, me reconhecem. Isso me rejuvenesce. Eu fico satisfeita, me convenço de que fui fiel a minha profissão. Nunca quis ser mais do que ela”, compartilha, orgulhosa.

Devido a sua idade e por ser diagnosticada com Alzheimer, Adísia conta com o apoio de familiares e amigos para garantir o seu bem-estar. Em especial, as sobrinhas, mãe e filha, Yvone Sá e Luciana Sá, também cocuradora e curadora, que acompanharam de perto os feitos da tia e como ela está atualmente. “Eu acompanhava a minha tia em muitas dessas atividades profissionais, bem como palestras. Pra mim, além de tia-avó e madrinha, ela sempre foi uma grande mestre”, relembra com carinho, Luciana Sá. Adísia foi mais do que uma tia para os seus sobrinhos, que, assim como Luciana, carregam memó-

rias cheias de significado. “Não teve filhos, mas sempre considerou todos os sobrinhos e sobrinhos-netos como filhos. Sempre nos tratou de forma amorosa, respeitosa, muito carinhosa. Não era uma mulher festeira, mas gostava de celebrar em família algumas situações importantes. Sempre respeitou as pessoas a partir das decisões que as pessoas tomassem, e isso é uma marca muito bonita dela”, afirma Luciana.

Para além do legado profissional, Luciana carrega valores preciosos que aprendeu com a tia. “Esse é o legado da minha tia: o legado da verdade. E de muito amor. O amar a si mesmo, o amar as pessoas, amar a vida, amar o trabalho, amar a família, amar a Deus sobre todas as coisas. É um legado que eu sei que transcende a família e que chegou à sociedade. Chegou aos alunos, aos ouvintes e às pessoas, que, até hoje, dizem: Como era bom ouvi-la, era uma voz com tanto crédito. A gente tinha tanta certeza que quando ela falava, ela estava falando a verdade. Isso é uma coisa que me marca até hoje: a verdade. Um nome pra ela é verdade, em tudo”, conclui.

Poder ter acesso às contribuições de Adísia Sá é um privilégio para a família e para a comunicação cearense, que até hoje se beneficia com os frutos do que foi idealizado e iniciado pela jornalista. Assim como Bárbara de Alencar, Adísia foi e é uma mulher à frente do seu tempo, e que dedicou a vida à sua profissão. Feliz por ser quem é, Adísia inspira as novas gerações de mulheres a serem fiéis a si mesmas, seus propósitos e valores, uma vez que acredita que esse é o sentido da vida.

Sou uma mulher que lê jornal, recebo jornais e o que mais me alegra é que a maioria dos profissionais foram meus alunos e me reconhecem. Isso me rejuvenesce. Fico satisfeita e me convenço de que fui fiel à minha profissão. Nunca quis ser mais do que ela

Adísia Sá recebe o carinho de Socorro França durante a cerimônia de entrega do Troféu Bárbaras 2024
JOÃO FILHO

A primeira governadora do Ceará A marca Izolda na política e na educação

Sob sua atuação, o Ceará se tornou uma potência na educação pública e “exportou” projetos adotados pelo Brasil para melhorar o ensino e a vida das pessoas

Izolda Cela foi a primeira, e segue sendo a única, governadora efetiva do Ceará. Antes de assumir definitivamente a gestão, em abril de 2022, ela já tinha quebrado a marca e colocado seu nome na história em 2015, quando assumiu interinamente por seis dias na ausência do então governador Camilo Santana. Mas antes de chegar na política, foi na educação que Maria Izolda Cela de Arruda Coelho, nascida em 9 de maio de 1960, começou a traçar sua história e de muitas outras crianças alcançadas por uma das maiores políticas de educação pública do Brasil.

É psicóloga formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora especializada em Educação Infantil pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), além de Gestão Pública pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Da psicologia para a docência, ela conta, veio no estágio, onde conheceu a força da escola para o desenvolvimento infantil.

“É um ambiente em que se pode atuar na prevenção de problemas emocionais, no estímulo ao bom desempenho cognitivo, e também ao saudável convívio social. Eu já tinha um bom nível de conhecimento sobre a importância dos primeiros anos (educação infantil) e essa foi uma forte motivação para o início da minha vida profissional no ambiente educacional, além da clínica”, conta.

Se ela viu o impacto positivo, também teve como motriz ver como a ausência de um ensino de qualidade pode impactar, especialmente a infância sendo período fundamental da formação do ser humano. “Anos depois, na gestão pública em Sobral, pude ver de perto que a ineficiência e ineficácia de uma rede de ensino causam prejuízos praticamente irrecuperáveis na trajetória escolar de uma pessoa, com repercussões para a vida toda”, ressalta.

“Ajudar a transformar esta realidade foi um grande desafio e um propósito”, descreve ela. E Izolda não ficou parada. Seu caminhar em gestões deu início em 2001, quando assumiu o cargo de Subsecretária de Desenvolvimento da Educação na gestão municipal de Sobral, município a 230 quilômetros de Fortaleza, na região Norte do Ceará. O então prefeito era Cid Gomes, enquanto seu irmão, Ivo Gomes, era titular da Secretaria de Educação.

Dando continuidade, Izolda assumiu a pasta. E foi lá que ela trabalhou no desenho de políticas públicas de alfabetização que, depois, foram implementadas de forma oficial no Brasil.

Era dela, naquele momento, a educação das crianças do município onde nasceu. Os desafios? Muitos. Entre eles, a falta de “olhar” para a educação pública municipal. Era a “normalidade de uma escola que não ensinava, e de estudantes que não aprendiam sequer a ler”, como ela mesma descreve.

A pressão maior para a mudança vinha de dentro. Dela mesma, e da própria gestão do município. “Era muita determinação,

dedicação e trabalho para começar a transformar aquela realidade de fracasso escolar. Em Sobral, pouco a pouco, a sociedade de forma mais ampla começou a se dar conta da importância do que estava acontecendo”, lembra.

O foco era claro: a alfabetização de crianças. O exemplo sobralense se tornou referência, quando a educação saltou do 1366º lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) para o topo da lista brasileira.

Com Cid, então governador, de 2007 em diante, ela se tornou secretária estadual de Educação até abril de 2014. Na pasta, ajudou na implementação de diversas ações, como a produção de material didático próprio, iniciativa hoje utilizada por diversos estados; a universalização

Izolda Cela recebe o troféu Bárbaras 2024 por sua luta pelos direitos das crianças e por uma educação que, além de qualidade, ensine o respeito à diversidade
JOÃO FILHO

de métodos entre os municípios; a implantação de premiações para escolas, servidores e alunos; além do repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) baseado nos resultados educacionais de cada município.

A “menina dos olhos” foi o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), transformado em política pública prioritária do Governo do Estado. As atividades tinham como meta garantir a alfabetização dos alunos matriculados no 2º ano do Ensino Fundamental da rede pública cearense. O programa alavancou a educação cearense para o topo dos rankings. Juntamente com outras experiências, o PAIC também contribuiu para a estruturação por parte do Ministério da Educação do Pacto Nacional Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

Conforme dados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), 97,1% das crianças cearenses matriculadas no 2º ano do Ensino Fundamental concluíram o ano letivo em 2023 alfabetizadas. Em 2025, o percentual era de 86%. Em 2007, apenas 39,9%.

Depois de trilhar o caminho na educação, Izolda foi para a política em 2014. Não era totalmente estranha à área, afinal, seu pai, o médico cardiologista, Afonso Walter Magalhães Pinto (19161969), disputou a prefeitura de Santa Quitéria e foi gestor entre 1945 e 1946. O avô, João Rodrigues Pinto, por sua vez, foi prefeito quiteriense por dois mandatos (1918 a 1920 e 1928 a 1930). José Clodoveu de Arruda Coelho Neto, o Veveu, com quem é casada desde 1984, foi prefeito de Sobral entre 2011 e 2016. Mesmo assim, não estava nem nos planos nem nos sonhos dela ir por esse caminho. Ela se sentia parte de um grande grupo,

como secretária de Estado, mas segundo ela, tudo foi acontecendo para se candidatar a vice-governadora. “A decisão de disputar e exercer um mandato (vice-governadora) aconteceu sem um planejamento prévio. Foi o fluxo dos acontecimentos que, acredito, teve relação com o meu desempenho na gestão das políticas de educação. Procurei atuar da melhor maneira que me foi possível”, avalia.

A mudança da educação para a política veio com o sentimento pessoal de que a política seria um meio de operar as mudanças mais profundas e em mais larga escala. Ela cita a melhoria dos resultados do sistema educacional em Sobral e no Ceará como exemplo de objetivos alcançados. Mas Izolda é também pé no chão e realista quanto aos muitos desafios que seguem e que não poderiam ser sanados sem investimento de longo prazo.

“Objetivos alcançados, relativamente, pois os desafios ainda são muito grandes para se chegar a um estágio de excelência. Quando fiz a transição do governo para o governador Elmano (de Freitas), em 1° de janeiro de 2023, tínhamos um alto índice de aprovação pela população cearense. Isso não significa, nem de longe, que temos zona de conforto com relação aos desafios para melhorar a vida das pessoas. Mas é uma evidência de que o esforço e o trabalho foi reconhecido”, analisa.

Quando saiu do Governo do Estado, foi cogitado que ela poderia assumir o Ministério da Educação (MEC). Os bastidores apontavam resistência partidária para que a vaga ficasse com um filiado. Izolda, na época, foi simplória: “Talvez eles que tenham que explicar melhor isso aí”, respondeu ao ser perguntada sobre a “resistência”. Era o estilo dela: tranquila de si mesma, suas limitações e suas virtudes.

Assumiu como secretária-executiva, a número 2 na hierarquia do MEC, reproduzindo a dobradinha com Camilo Santana, agora ministro da Educação.

Izolda Cela e Ana
Lúcia Bastos Mota, presidente da Cerbras, durante a cerimônia de entrega do Troféu Bárbaras 2024

Ela lembra a parceria e deixa um desejo: “Espero que o Brasil possa avançar, pois os desafios e desigualdades nacionais ainda são muito grandes”.

Izolda deixou a pasta para ser candidata à prefeitura de sua cidade natal. Acabou não sendo eleita. Mas a derrota não a fez abaixar a cabeça, porque o sentimento não é se sentir derrotada. “Eu não enxergo esta realidade apenas pela perspectiva eleitoral. Agora é torcer para que a nova gestão trabalhe bem e cumpra os compromissos de melhorar a vida dos sobralenses”, ressaltou.

Da política, ela avalia como “certamente” uma das áreas mais desafiadoras para a atuação das mulheres. “Tradicionalmente muito masculina, ainda é bem perceptível que os homens, regra geral, ficam muito mais à vontade para estar entre eles, tanto nas alianças quanto nas disputas”, comentou. Ela disse não que se sentiu pessoalmente constrangida, pois não é de “receber aquilo que não é meu”, mas “já identifiquei claramente comportamentos machistas na dinâmica da política”.

“Acredito que ocupar estes lugares pela primeira vez contribui para que a sociedade perceba as barreiras invisíveis que ainda impedem ou dificultam a atuação de mulheres. É também importante porque, pouco a pouco, fica mais evidente a importância desta representatividade nos espaços sociais, inclusive na política. Com uma sociedade mais plural, mais igualitária nas relações entre homens e mulheres, e sem preconceitos... fica bom pra todo mundo”, afirmou.

Em meio a tudo isso, Izolda também construiu sua família. São quatros filhos e mais de 30 anos de casada com Veveu. E a relação é de cumplicidade e parceria, o espaço para crescer sempre ali, apoio incondicional. Para ela, sua família é fonte de inspiração, gratidão e alegria.

A relação leve foi construída com autonomia para as escolhas em sua vida. Sua mãe sendo importante para isso. “Acho que nunca dei espaço para pressões externas sobre casamento ou filhos. Chegaram na hora certa para mim. Óbvio que a vida profissional é impactada pela chegada dos filhos. Mas eu tive uma retaguarda segura para me apoiar e nunca precisei interromper a vida profissional, apesar de ter tido os 4 filhos em um curto intervalo”, refletiu.

Após tantos espaços ocupados, Izolda dá como encerrada algumas de suas frentes. É hora de olhar para frente. Na política e nos cargos públicos, ela pretende se “aposentar”. Bem que Camilo Santana a convidou para retornar ao MEC após a eleição. Mas, para ela, o ciclo se encerrou após dar sua contribuição no desenho e na implementação de programas prioritários da pasta federal.

O plano é atuar como servidora pública. Mesmo com a mudança de ares, sua motivação e sua paixão pela educação seguem intactas. “Considero que tenho mais a contribuir, porque tive a oportunidade de aprender muito ao longo da

Há incontestáveis evidências de que a educação compõe a base de sustentação das histórias de superação de desigualdade e probreza. Tenho a convicção de que investir na educação é um dos pontos prioritários de uma agenda que enfrente os dilemas atuais do nosso país

minha trajetória. E continuo aprendendo”, avaliou.

A atuação fica de olho em suas inquietudes sobre os desafios de como avançar para uma sociedade mais justa e igualitária. “Com relação ao Ceará, a primeira coisa é não se considerar muito bem, obrigado. Ao contrário, ter a consciência de que há muito para melhorar, para aperfeiçoar, para alcançar patamares mais avançados. Inclusive com relação à desigualdade que ainda afeta os mais pobres, os pretos e pardos. Com relação ao Brasil, é fortalecer cada vez mais a governança nas esferas federativas. O compromisso político real abre portas para a consecução dos objetivos”, reflete.

O sistema educacional não pode fazer tudo sozinho, mas é protagonista. “Há incontestáveis evidências de que a educação compõe, necessariamente, a base de sustentação das histórias de superação de desigualdade, pobreza e baixo nível de desenvolvimento. Eu tenho a convicção de que investir para valer na educação é um dos pontos prioritários de uma agenda que visa enfrentar os dilemas atuais do nosso país”, finaliza.

Tarcila Sousa A mulher à frente da empresa e do tempo

O legado de Tarcila ainda é mantido vivo na Cajuína São Geraldo, hoje liderada, em grande parte, por mulheres

Ranilce Barbosa, gerente Comercial do O POVO, entrega o Troféu Bárbaras para Virgínia Sousa, que representou sua mãe, Tarcila, no Bárbaras 2024

Foi na década de 1960 que três irmãos se reuniram para fazer história com uma pequena fábrica de bebidas alcoólicas à base de frutas. Tarcila Sousa, ao lado dos irmãos, Francisco de Sousa e José Amâncio de Sousa, deu início a sua jornada como empreendedora de sucesso ocupando o cargo de diretora financeira da marca São Geraldo, fundada em Juazeiro do Norte e que hoje está presente em todo o país. Há mais de 45 anos no mercado, a marca se consolidou por sua originalidade e, desde sua fundação, pôde contar com o esforço e o comprometimento de uma empreendedora mulher na sua gestão.

Devido à origem humilde da família e às poucas opções de cursos para os jovens da época, Tarcila decidiu cursar contabilidade, sem nem imaginar que um dia poderia exercer a profissão em uma empresa de sua família. “Iniciei o curso antes de começar a trabalhar com meus irmãos. Não era o curso dos meus sonhos, porém, na época, havia apenas pedagogia e contabilidade, e não queria seguir na área da educação”. Quando ingressou na empresa, Tarcila não fazia ideia da dimensão que o projeto poderia tomar, mas, aos poucos, passou a sonhar

Dever cumprido. Me sinto feliz. Ainda tenho sonhos, mas todos para a São Geraldo, como vender para todo o Brasil e até mesmo fora dele, e que nossa empresa atinja a perpetuação no mercado, com centenas de anos de existência

mais alto. “De jeito nenhum, nunca imaginei [Que a empresa chegaria aonde chegou], mas em alguns anos depois, eu sonhei com o lugar que estamos hoje”, compartilha.

Levando em conta pesquisas como a feita pelo IBGE, que mostra que 90% das empresas brasileiras são familiares, e a do Banco Mundial, que constata que apenas 30% delas chegam até a terceira geração e apenas metade se mantém no mercado, a empresa São Geraldo supera estas estatísticas negativas, estando já em sua quarta geração. Tarcila acredita que isso se deve ao objetivo em comum e a colaboração dos irmãos. “O objetivo dos três irmãos sempre foi o mesmo: garantir um futuro melhor para toda sua família de origem humilde. A família sempre foi inserida nos cargos da empresa, tanto pelo crescimento que ela foi tendo com o tempo, como pela necessidade que havia na época de empregos para o sustento da família”, afirma Tarcila.

Segundo o Sebrae, o Brasil é o 7º país com o maior número de empreendedoras mulheres, e dos 50 milhões de empreendedores que existem no país, 32 milhões são empreendedoras. Mas nem sempre o mercado de trabalho foi ocupado expressivamente por mulheres. Na década de 60, as mulheres eram vistas como propriedades de seus maridos e a possibilidade de trabalhar e conquistar espaço no mercado de trabalho era mínima. Neste mesmo período, Tarcila ingressou na empresa, sendo uma das únicas mulheres. Após a sua entrada, a empresária abriu as portas para mais mulheres e hoje ela avalia essa colaboração feminina de forma positiva. “Fico feliz em ver mulheres alcançando lugares de destaque dentro da São Geraldo e de outras empresas”, afirma.

Considerada uma pessoa tranquila, Tarcila compartilha em que momento essa característica se tornou positiva para os negócios. “Quando passamos por momentos desafiadores com crises financeiras e econômicas do país”. Além de empresária, nesse meio tempo, Tarcila casou-se e teve dois filhos, que atualmente fazem parte do quadro de colaboradores da empresa. Questionada como foi conciliar as funções, ela compartilha que sempre encontrou apoio. “Sempre tive rede de apoio, dividi o amor do meu coração entre eles”, relembra.

Atualmente, com mais de 400 colaboradores, a São Geraldo é considerada uma das empresas que mais representa o Ceará, com a valorização do caju, da regionalidade e até mesmo através de suas campanhas publicitárias. “Nosso pertencimento é um dos maiores diferenciais e, desde a fundação, nutrimos essa cultura para nossa empresa”. Desde o início, a empresa contribui socialmente com a região de Juazeiro do Norte, se tornando um dos pontos turísticos do município, ajudando na economia e na qualidade de vida de seus habitantes. “Estamos na quarta geração e continuamos apoiando de forma ativa os eventos da região. São tantos [Momentos marcantes], que é difícil citar, mas sempre onde tem cultura, fé e tradição estaremos também”, garante a empresária.

Aos 89 anos de idade, Tarcila compartilha o sentimento ao ver as novas gerações fazendo parte da empresa, não somente como herdeiros, mas colaboradores. “Dever cumprido, me sinto feliz. Ainda tenho sonhos, mas todos para a São Geraldo, como vender em todo o Brasil e até fora do país e que ela atinja a perpetuação no mercado com centenas de anos”, manifesta a empresária.

A representatividade de mulheres empreendedoras e no mercado de trabalho sempre será importante, como no caso de sucesso de Tarcila, que, ao entrar para a sociedade com os irmãos, garantiu que outras mulheres também fizessem parte da empresa. Atualmente, Tarcila encarrega as mulheres das novas gerações a igualmente valorizarem e darem continuidade a esse legado de lutas e conquistas.

Nosso pertencimento é um dos maiores diferenciais e, desde a fundação, nutrimos essa cultura para a nossa empresa. Estamos na quarta geração e continuamos apoiando de forma ativa os eventos da região. Sempre estaremos onde tem cultura, fé e tradição

Antes de começar a trabalhar com seus irmãos na São Geraldo, Tarcila Sousa fez curso de contabilidade, mesmo não sendo a carreira dos seus sonhos

JULIO CAESAR

Pioneira e revolucionária Socorro França transformou estruturas por onde passou

Ela brigou pelo direito de estudar e vem dedicando sua vida aos Direitos Humanos

Por Júlia Duarte

Imagine aos 12 anos se apaixonar. Não por alguém, mas pelo que iria fazer pelo resto da vida com muita dedicação e amor. Foi ainda pequena que Socorro França entrou em um tribunal em São Luís do Maranhão. Viu como tudo funcionava e pensou: “É isso que eu quero”. Foi lá e fez.

Nascida em 22 de novembro de 1943, em São Luís, capital do Maranhão, ainda jovem, começou a se engajar na Igreja Católica, parte da Juventude Estudantil Católica (JEC). Aos 15 anos era presidente. O movimento era nacional e se organizou a partir de 1935, no primeiro momento, como um grupo basicamente formado por mulheres. A atuação era ligada a associações religiosas, dando oportunidade aos estudantes de ter contato com o cristianismo e ajudar na difusão.

A partir do final dos anos 1950, o movimento passou a considerar questões do meio social e foi assumindo cada vez mais um caráter social. O que acontecia na política e na economia do País como questões latentes nos vários encontros. A partir de 1963, houve a deliberação para que os militantes da JEC, de forma conjunta com a evangelização, levassem a mensagem da Justiça Social.

Mas o início da Ditadura Militar forçou mudanças. “Estava totalmente irresignada com a violência política de então. E, na época, o Dom José Delgado era arcebispo de São Luís, e Dom Fragoso, que era bispo de São Luís, vieram e eu vim também e aproveitei para fazer o concurso de promotor de Justiça”, conta Socorro.

Ainda no Maranhão, ela cogitou fazer Economia, indecisa se deveria seguir aquele desejo de ser promotora. O sonho permanecia, mas ela cursou Economia. Ela veio para o Ceará em um período duro, em 1964, ano do início da Ditadura Militar. De lá para cá, não sentiu muitas diferenças culturais, mas manteve o desejo de lutar. Não com armas, mas com a força da mudança.“É uma luta realmente de consciência, de mudanças, de conceitos de vida, de inclusão. Eu sempre fui uma mulher que lutou pela inclusão de todas as formas”, explica.

Ela sentiu que todos a consideravam uma mulher “fora da caixinha”. “Era claro que me olhavam de forma diferente, como se realmente fosse aquela pessoa que não estava dentro daqueles limites, daquela hipocrisia que existia do passado, que a mulher não poderia ser igual ao homem”, pondera.

Quando começou a fazer faculdade, ela lembra, ainda estava para sair o Estatuto da Mulher. Hoje, pode parecer irreal, mas até o momento as mulheres não tinham vontade própria e eram submetidas às decisões do marido. Instituída em 1972, a Lei 4.121/1962, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada, conteve grandes mudanças para a sociedade da época.

A legislação tirou a obrigatoriedade de que mulheres só poderiam trabalhar com autorização, concedeu direito à herança e à possibilidade de pedir a guarda dos filhos. Isso deu mais liberdade para as mulheres e garantiu, pelo menos em parte, a emancipação das esposas da tutela dos maridos. Foram pequenas mudanças que Socorro foi notando ao longo do início de sua carreira.

Era claro que me olhavam de forma diferente, como se realmente eu fosse aquela pessoa que não estava dentro dos limites, daquela hipocrisia que existia do passado, que a mulher não poderia ser igual ao homem

Socorro França recebe das mãos de Juliane Pereira, gerente de Marketing do O POVO, o Troféu Bárbaras 2024, em homenagem a uma vida dedicada às mulheres e às minorias
JOÃO FILHO

Mesmo com mais possibilidade na lei, lá na ponta, ela sentiu que não era bem-vinda pelos nomes no mundo do Direito. “Todas as inscrições eram validadas por conselhos e eles não aceitavam mulheres”, relembra Socorro. Para ser aceita, teve que se dedicar e se doar ainda mais. “Eu estudei muito, me dediquei, mais do que qualquer homem, para poder ser aprovada do concurso e tirar o primeiro lugar com uma nota que até hoje ninguém tirou 9.15”, ressalta com muito orgulho.

Acabou se formando pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em Economia (1967) e em Direito (1972), e em Administração Pública (1977) pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ela soma quase 60 anos de atuação no serviço público, dos quais 48 anos foram dedicados ao Ministério Público do Ceará (MPCE). Começou em 1974, quando assumiu a Promotoria de Justiça de Primeira Entrância da Comarca de Alto Santo, onde permaneceu até 1978. Durante os anos de 1975-1978 assumiu a Sexta Subprocuradoria Geral do Estado. Entre os anos de 1978-1986 passou pelas comarcas de Jucás, Icó e Fortaleza.

Foi idealizadora e fundadora de diversos programas, por exemplo, do Serviço Especial de Defesa Comunitária, conhecido como Decom, em 1985, da Ouvidoria Geral do Estado, do Caminhão da Cidadania, Casa do Cidadão e da Escola Superior do Ministério Público. Socorro era, ao mesmo tempo, única, como era como muitas outras mulheres: multifacetada.

Em sua época no Decom, ela lembra de atender 300 até 400 pessoas por dia, uma ideia de como a defesa comunitária era muito necessária e urgente. Ela deixava os filhos na escola e

chegava cedo no prédio para limpar o ambiente, mesas e balcões, e lavar os banheiros. “Todo dia eu deixava meus filhos no colégio cearense, chegava bem cedinho no Decom, às 7h30, mais ou menos, e ia limpar banheiro, ia fazer tudo. 8 horas, eu estava com as portas abertas, as janelas todas abertas, atendendo o público. Isso não me matou, não me diminuiu, não fez nada”, lembra.

Em meio à carreira, conciliou um casamento duradouro de quase 60 anos com José Maria Ribeiro Pinto e o nascimento de quatro filhos. Geraldo, Paulo Afonso, Alexandre e Joseana França.

Foi promovida, por critério de merecimento, ao cargo de Procuradora de Justiça, em 1986. Nesse ano, Socorro atuou no primeiro inquérito civil público movido por um Estado brasileiro. Feito pelo Estado do Ceará, o procedimento pedia a retirada da Praia de Canoa Quebrada do controle da Guiana Francesa.

Mas, no MPCE, ela chegou ainda até o topo, assumindo como procuradora-geral de Justiça por cinco mandatos. Local que apenas duas mulheres foram eleitas para sentar.

Socorro França foi idealizadora e fundadora de diversos programas, por exemplo, do Serviço Especial de Defesa Comunitária, conhecido como Decom, em 1985, da Ouvidoria Geral do Estado, do Caminhão da Cidadania, Casa do Cidadão e da Escola Superior do Ministério Público

Geórgia Gomes de Aguiar foi a primeira mulher a assumir o cargo máximo dentro do MPCE. No parâmetro nacional, o órgão cearense foi pioneiro ao ter uma mulher como chefe da instituição. Ela, no entanto, foi nomeada para assumir o cargo, permanecendo na função entre os anos de 1979 e 1982.

Então vem Socorro, a primeira mulher eleita para o posto em 1994. Por seu bom trabalho assumiu o cargo máximo dentro do MPCE outras cinco vezes (1994-1996 / 20002002 / 2002-2004 / 2008-2010 / 2010-2012). Ela segue como a procuradora que mais teve mandatos dentro da instituição.

“Eu não vejo só a importância da mulher no sistema de Justiça, como eu vejo em todas as áreas, afinal de contas, como eu disse, eu sou uma mulher de inclusão. Eu luto pela inclusão, eu brigo pela inclusão, portanto a mulher é igual ao homem e sendo igual ao homem é óbvio que ela tem direito de ser o que ela quiser”, ressalta.

Ao longo desses anos, entre todos os projetos, Socorro elenca garantir cidadania como ponto marcante de sua trajetória. Foi trabalhar para dar certidões de nascimento à população, o que ela respondeu quando perguntada sobre o que lhe deu mais orgulho. “Ninguém pode ser cidadão sem que tenha uma certidão de nascimento. O nascimento com vida é aquele que é o natural, mas o nascimento com capacidade civil é aquele que você tem a sua certidão de nascimento. Lembro que, em 1997, em um ano, nós tiramos mais de um milhão de certidões de nascimento”, recorda.

A carreira de Socorro França vai além. Ela pediu aposentadoria do MPCE, mas a luta não parou naquele momento. Ela recebeu o convite do governador Cid Gomes para ser assessora de Políticas Públicas sobre Drogas no Estado do Ceará, em 2012. Na gestão do governador Camilo Santana, foi vez de comandar a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD).

Depois disso, Socorro França esteve à frente da extinta Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) antes de assumir a Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS). A pasta, na gestão do governador Elmano de Freitas, foi desmembrada e Socorro assumiu, onde está hoje, como titular dos Direitos Humanos.

“Não existe política partidária em matéria de direitos humanos. Ela está incrustada nos direitos fundamentais previstos no artigo quinto da Constituição e nos demais artigos, porque é uma Constituição cidadã, uma Constituição de inclusão e, principalmente, uma Constituição que prevê a participação efetiva da sociedade através das suas políticas”, defende.

E ela dá um exemplo, política do meio ambiente, é obrigação do Estado, mas também cabe à sociedade cuidar. E vai além ao citar segurança pública, educação e assistência social. E ainda falta muito a ser feito.

“Há muita coisa ainda, mas por culpa da própria sociedade, que ainda é discriminatória. Muitas vezes, a gente diz a grande verdade, por que dentro dos presídios tem mais preto do que branco? Por quê? Porque a eles foram negados durante anos e anos a educação. Por que foi preciso ter cotas no Brasil para inserir a comunidade negra, para inserir a pessoa com deficiência? Então, hoje temos as cotas”, afirma.

“Por que as mulheres hoje têm visibilidade? Nós estamos hoje, e se Deus quiser, colocando a primeira presidente negra (Kamala Harris era candidata, mas acabou derrotada no pleito) e mulher na maior nação do mundo, nos Estados Unidos. Por que a gente antes não tinha absolutamente nada disso? Porque essas pessoas estavam totalmente fora do contexto, em uma sociedade hipócrita, em uma sociedade que só olhava para seu próprio umbigo”, pondera.

Hoje, ela sente uma dor no joelho aqui e ali, mas nada que apague o incansável sonho de continuar servindo. Para ela, é uma noção de vida que aprendeu ainda nova dentro de sua espiritualidade: Não veio para ser servida, veio para servir. “Eu me imagino trabalhando enquanto puder. Enquanto o meu joelho deixar, que a única coisa que eu sinto é no joelho de tanto correr. Enquanto ele me deixar correr, estarei correndo. Eu adoro trabalhar, adoro servir. Tenho uma premissa de vida, porque eu fui uma pessoa que vivi na Igreja Católica”, afirma.

“E é por isso que aos 80 anos eu continuo servindo e ainda pretendo, se Deus me der saúde e me der joelhos bons, eu ainda pretendo realmente fazer o meu trabalho e contribuir com a sociedade”, projetou para sua vida. Todos nós esperamos ainda ver e ler muito sobre Socorro França.

Daciane Barreto Sinônimo de luta pelos direitos das mulheres

Coordenadora da Casa da Mulher Brasileira no Ceará, Daciane dedicou sua vida para lutar por outras mulheres

Por Mabel Cavalcante

Nascida em uma família conservadora de Barbalha, Região do Cariri, Daciane Barreto é a filha mais velha de um grupo de nove irmãos. Apesar da criação conservadora, e as expectativas para as mulheres da época, Daciane, desde pequena, se inclinava para objetivos maiores. Atualmente, é coordenadora da Casa da Mulher Brasileira do Ceará e, ao longo da sua trajetória, atuou incansavelmente na luta pelos direitos das mulheres. Ela esteve à frente de movimentos responsáveis por conquistas importantes, como a criação do Conselho dos Direitos da Mulher e a primeira Delegacia em Defesa da Mulher, em 1986.

Desde pequena, Daciane questionou a realidade à sua volta, o que contribuiu para que trilhasse o seu caminho de representatividade e luta. “Eu sempre fui uma criança bem curiosa, não do ponto de vista da vida das pessoas em si, mas curiosa para saber por que o sol nasce, por que se põe. E, como eu também sempre fui observadora do ponto de vista do comportamento humano, eu via sempre uma disparidade muito grande entre os valores atribuídos aos homens e os valores atribuídos às mulheres. Então, isso aí sempre me chamou muita atenção”, afirma.

Quando chegou a hora de decidir o seu futuro, a jovem Daciane contou com o apoio da mãe, para encobrir a sua decisão de não seguir o magistério, caminho comumente trilhado pelas mulheres a sua volta, e fazer o terceiro científico no Crato, para cursar medicina, o que causou uma ruptura em sua família. “Na época, eu tinha 16 anos, no primeiro científico, o segundo, fiz com 17, o terceiro não tinha em Barbalha, e aí eu tinha que fugir toda noite para ir para o Crato, para fazer o terceiro científico escondido. Com a conivência da minha mãe. Quando o meu pai descobriu, eu parei de estudar nesse período. E foi quando eu parei de estudar e continuei no movimento estudantil [que ingressou aos 13 anos]. Quer dizer, eu não tenho muita lembrança da minha vida sem estar na disputa, sem estar na

rebeldia", afirma Daciane, primeira presidente do Centro Popular da Mulher de Fortaleza.

Apesar dos conflitos, Daciane afirma que não ficou rancor desse período, uma vez que foi capaz de compreender o cenário em que estavam inseridos. “Era o conflito que estava posto. Se por um lado o meu pai já tinha tido uma educação patriarcal, ele reproduziu. É como muitas famílias até hoje reproduzem. Não que existia esse rancor, mas era simplesmente uma questão de escolha mesmo. Depois, conversando, inclusive ele falando, depois de muita coisa ter acontecido, eu percebi o imenso amor”, relembra.

Em meio às lutas pelas causas que defendia, Daciane encontrou um companheiro com seus mesmos ideais, mas desaprovado pela família, por não ser de Barbalha, um “forasteiro”, como era considerado. Apesar da falta de apoio, Daciane encontrou um jeito de fazer a união acontecer. “Como não havia

FERNANDA BARROS
Daciane Barreto coordena a Casa da Mulher Brasileira, no Ceará, sonhando com uma sociedade mais justa

o desejo da família, não havia um aceite com o namoro, a gente resolveu fugir. E, na época, a moça fugida era a moça casada”. Apesar da mudança repentina de planos, devido ao casamento, Daciane não se arrepende. “Nada na minha vida eu faria diferente, até hoje, nada. Inclusive, eu sou muito grata à vida, por ter me dado essa oportunidade de ter saído de casa jovem, apesar de ter sido uma escolha, porque eu aprendi muito, né? Aprendi muito com a vida”, conclui.

Dessa união, Daciane teve a primeira experiência com a maternidade. “Eu fui mãe com 19 para 20 anos. É uma experiência única, você colocar no mundo uma vida. É uma responsabilidade. Você tem que se doar”. Quando sua filha Ivna tinha três anos, Daciane e seu esposo trabalhavam no Banco do Brasil, e foi quando ela percebeu que estavam seguindo por caminhos opostos, o que levou a separação. Daciane se viu enfrentando um divórcio e os primeiros efeitos da Ditadura Militar em sua vida. “Foi um momento muito difícil, porque foi logo no período em que eu fui demitida do Banco do Estado do Ceará por questões políticas. Foi nesse momento muito difícil do meu divórcio”.

Na época, Daciane era responsável pelo Jornal Tribuna Operária, participava do sindicato e era de partido clandestino, o que a levou a ser coagida por seus superiores. “Eu era chefe de divisão, que logo depois seria o cargo máximo de cada departamento do banco. Mas você vai ter que sair, não passar mais no sindicato, ou seja, abandonar a minha vida. Não era qualquer

coisa, era a minha vida. Aí, eu falei que não, que nenhum dinheiro, nenhum cargo tinha o poder para me fazer abandonar meus sonhos e no que eu acreditava”. Passadas duas semanas da declaração, Daciane foi demitida.

Foi no partido em que era filiada, e nas problemáticas sociais da época, que Daciane encontrou refúgio. “Eu tive muito apoio do meu partido, o PCdoB, em que na época eu era filiada, e do Movimento de Mulheres, um dos grupos que a gente começou a criar. E foi com isso que a gente conseguiu dar mais um passo à frente, enfrentar esses percalços que na vida sempre aparecem”, conta. Durante a Ditadura Militar, Daciane foi perseguida, presa, sequestrada e constantemente ameaçada, mas isso não a impediu de seguir lutando sem medo pelo que acreditava. “Não, não tive medo. As coisas aconteciam tão rápido, que não dava nem tempo”.

Nesse período, Daciane estava grávida de seu segundo filho, e teve sua vida e a de seus filhos constantemente ameaçadas. “Eu fui presa primeiro lá em Pacajús. Eu caí numa cilada do prefeito. Quando eu fui saindo, que eu saí para o outro lado da prefeitura, as mulheres estavam na frente e eu saí por trás. Foi quando a polícia me pegou e me levou para a cadeia. Quando as mulheres [que estavam protestando com Daciane] souberam, elas foram para a delegacia, deram um abraço na delegacia [cercando] e ficaram empurrando. Tremia, porque era um prédio pequeno. E o delegado disse: não, daqui a pouco isso aqui vai tudo por terra. E eu fui-me embora”, relembra a atual

São muitas vitórias.

A Lei Maria da Penha, suas medidas protetivas, as delegacias especializadas, as redes de atendimento, os centros de referência, as casas municipais, os juizados, as defensorias, os núcleos do Ministério Público

DIVULGAÇÃO

coordenadora da Casa da Mulher Brasileira de Fortaleza.

Daciane fez parte do Movimento Feminino pela Anistia do Ceará, atuou nas Diretas Já e pela inclusão das propostas na Constituição Cidadã de 1988. Ao relembrar como foi essa articulação e como as pautas foram definidas, afirma que tudo o que conquistou foi através de muita luta. “A gente organizou, junto com a equipe muito grande de mulheres, o Centro Popular da Mulher, já que na época não existia política pública. Ou seja, nós fazíamos o papel do Estado. A gente abrigava as mulheres na nossa sede, a gente denunciava, a gente acompanhava as mulheres à delegacia comum. Então foram lutas que nós desenvolvemos. Eu sempre falo que tudo o que existe com relação a políticas públicas voltadas para mulheres é fruto da nossa luta. É fruto da luta do movimento feminista e do movimento de mulheres”, afirma.

Apesar das conquistas, Daciane lamenta a dívida que a Constituição Cidadã deixou com as mulheres. “Garantimos a grande maioria das nossas reivindicações e demandas. Uma que a gente não garantiu foi o direito a sermos donas do nosso corpo, a decidir sobre ele. Isso aí não foi aprovado. O Estado brasileiro, até hoje, continua sendo tutor e proprietário do nosso corpo. Mas foram lutas belíssimas”, relembra orgulhosa.

Somente em 1989, a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, retirou seu nome da lista de perseguidos e foi anistiada, Daciane compartilha como foi que descobriu e divide suas ressalvas com o perdão dado a torturadores. “Foi quando eu solicitei o relatório da época da ditadura e foi quando eu li que eu não estava sendo mais monitorada, porque ninguém avisou. Eu mesma fiquei sabendo por uma iniciativa própria e que isso aí também era questão da transferência das informações. Foi uma luta democrática do povo brasileiro para se ter acesso, como também da anistia, apesar de capenga, da metade pela metade. É uma constante. A gente sempre está atenta para os retrocessos, os retrocessos políticos, os

retrocessos de direitos, os retrocessos de conquistas, porque a gente vive hoje numa sociedade onde a elite brasileira é muito tacanha, ela é muito mesquinha”, ressalta.

Ao analisar o cenário atual do país em relação às mulheres, Daciane considera as conquistas e o que ainda falta ser conquistado. “São muitas vitórias. A Lei Maria da Penha, do minuto seguinte a importunação sexual, contra o feminicídio, suas medidas protetivas, as delegacias especializadas, a rede de atendimento que ela envolve, os centros de referência, as casas municipais, os juizados, as defensorias, os núcleos do Ministério Público, inclusive, também a própria questão da gente, de certa forma, falar mais sobre nossos direitos sobre nossas aspirações, isso é luta nossa também, e precisa acabar com a violência, precisa acabar com o machismo, acabar com o racismo, com o sexismo, com o classismo para que realmente a gente possa de fato viver com felicidade”.

Além de mãe, Daciane também é avó de dois netos e vive a vida dedicada ao seu trabalho na luta pelas causas das mulheres, estando à frente da Casa da Mulher Brasileira, onde desempenha o cargo de Coordenadora da sede em Fortaleza, onde se realiza ao ver a vida de mulheres sendo poupadas e transformadas. Considerada uma das feministas mais importantes do Ceará, Daciane não se envaidece. “Sou apenas mais uma mulher junto com todas para que realmente a gente consiga viver uma vida sem violência”.

Daciane ainda tem sonhos para realizar, e como em toda a sua trajetória, sonhos voltados para o coletivo. “Meu sonho está aliado a várias questões, está aliado a ter a oportunidade de ver nos olhos das pessoas a confiança, de ver que você não vai mais ser julgada, ou uma mulher também ser escanteada, pré-julgada, viver numa sociedade de paz. Meu sonho é mais do ponto de vista de ver essa utopia ser realizada. Ver meu filho, minha filha, meus netos, minhas amigas, todo mundo realizar os seus sonhos”, reflete.

Meu sonho é ter a oportunidade de ver nos olhos das pessoas a confiança, ver que as mulheres não serão mais julgadas, ou pré-julgadas, viver em uma sociedade de paz. Ver meu filho, minha filha, meus netos, minhas amigas, todo mundo realizando os seus sonhos

Bárbaras 2023 Lugar de mulher é onde ela quiser

Encontro reuniu personalidades do universo feminino para debater políticas públicas e questões de gênero, além de homenagear com o Troféu Bárbaras a três personalidades que ampliaram o papel da mulher em seus espaços de atuação: Cacica Pequena, Maria da Penha e Maria Luiza Fontenele

O Bárbaras 2023 reuniu convidados de diferentes áreas para debater políticas públicas e os direitos das mulheres

O Bárbaras é um evento importante para todas as mulheres que se identificam com o feminino e a feminilidade. É importantíssimo que a gente se una, tenhamos sororidade para fazer valer nossos direitos, para que a sociedade seja mais inclusiva e para que se defenda a subjetividade

“Bárbara é também substantivo e adjetivo que, na evolução da língua, denomina entre outros força e brilho”. As palavras da jornalista Camilla Lima abriram a primeira edição do Bárbaras, em dezembro de 2023, no Hotel Gran Marquise. Na pauta, questões de gênero, empoderamento, liderança, psicologia, sororidade, carreira, desafios. Dois painéis e uma sessão de homenagens marcaram o evento, uma celebração do protagonismo feminino em um espaço de diálogo que encontrou seu espaço na agenda dos grandes eventos do Ceará.

O painel “Políticas Públicas de Gênero” deu início ao encontro. A conversa reuniu a vice-governadora Jade Romero; Rita von Hunty, crítica cultural, arte-educadora e persona do professor e ator paulista Guilherme Terreri; e a secretária dos Direitos Humanos do Ceará, Socorro França. O debate foi moderado por Regina Ribeiro, editora-chefe do O POVO+.

“Sou mulher sim, e daí?” foi o tema do segundo painel do evento. Tati Bernardi, publicitária, romancista, cronista e podcaster; Sabrina Matos, psicóloga e colunista do O POVO+; e Juçara Mapurunga, psicóloga e professora universitária, realizaram um bate-papo mediado por Carol Kossling, editora de projetos e colunista ESG do O POVO à epoca. “É um evento importante para todas as mulheres que se identificam com o feminino e a feminilidade. É importantíssimo que a gente se una, tenhamos sororidade para fazer valer nossos direitos, para que a sociedade seja mais inclusiva e para que se defenda a subjetividade”, argumentou Juçara Mapurunga.

A primeira edição do Troféu Bárbaras rendeu homenagem a três mulheres que construíram suas trajetórias lutando pelos direitos das mulheres: a ativista Maria da Penha; Maria Luiza Fontenele, ex-prefeita de Fortaleza; e Cacica Pequena, liderança indígena do povo Jenipapo-Kanindé de Aquiraz. “É muito importante quando se reúnem muitas mulheres, indígenas, negras, não indígenas, porque é o significado de força”, destacou Cacica Pequena.

MARCELLA

Políticas Públicas de Gênero e Troféu

Bárbaras

Regina Ribeirou abriu o painel com uma pergunta bastante atual para Rita: “Vivemos em uma era em que todo mundo quer falar muito, mas pouca gente tem disponibilidade para escutar. Levando em consideração esse contexto, eu queria saber qual você considera o seu maior desafio, enquanto Rita, nesse papel de exercitar o debate que se propõe a fazer?” Diante da pergunta, Rita foi contundente: “Estamos defrontados e defrontadas com uma coisa muito séria, que é uma nova ascensão das extremas direitas ao redor do mundo. O princípio básico da democracia é que a gente seja capaz de sustentar diferenças. Eu e você pensamos diferente? Que bom! Somos bem-vindos e bem-vindas ao pleito democrático, onde as nossas ideias serão expostas e debatidas, submetidas a voto. O nazifascismo, por outro lado, é o apagamento da diferença. Você cultua diferente de mim? Morte. Você transa diferente de mim? Morte. Você constitui família diferente de mim? Apagamento das possibilidades de acesso do seu corpo a políticas públicas familiares”, afirmou Rita.

“A partir daí, a gente começa a entender qual é o maior desafio de alguém que pretende fazer comunicação, mas, nas palavras do Paulo Freire, não falar para, e sim falar com. O meu trabalho como educadora popular é um trabalho de tentar oferecer ferramenta crítica a um povo que vem sendo delapidado e desprovido de ferramentas para pensar. Seja pela educação pública sucateada, seja pela ausência de políticas culturais, de uma cidadania cultural, do acesso a poder produzir e preservar seus valores e seus significados”, completou.

Em um segundo momento, a painelista fez uma análise do papel das redes sociais nesse contexto de exclusão. “As redes sociais fornecem pouca ferramenta de diálogo, produzem micro bolhas de reverberação entre iguais. Então, se eu estou alinhada à esquerda radical, muito provavelmente o que vai aparecer na minha timeline são mais pessoas que pensam em socialismo e

comunismo. Se eu sou fascista, muito provavelmente o que vai aparecer na minha timeline é mais aquele discurso fantasiado de Deus, pátria, família, que, na verdade, o que prega é o apagamento e a extinção. Além disso, todo mundo que usa uma rede social sabe que as ferramentas que ela oferecere são curtir, compartilhar, ou se não gostou, bloquear. Então, ou eu curto e compartilho, ou eu bloqueio. O que isso vai produzir numa sociedade? E para as gerações que estão nascendo, crescendo e sendo instrumentalizadas? Debater é curtir ou bloquear?”, ponderou Rita.

Depois da arte-educadora, foi a vez da vice-governadora, Jade Romero, responder à pergunta de Regina: “Você começou na política muito cedo. É um espaço que, tradicionalmente, as mulheres temem e poucas se aventuram. O que te atraiu tanto no campo político?”, perguntou. Jade Romero falou sobre vocação: “Acredito muito que a gente sempre pode fazer algo a mais. Algo a mais pela sociedade, pelo outro e da nossa forma. E, apesar de não carregar

o sobrenome de nenhuma das famílias da aristocracia, nasci com essa vontade de fazer algo a mais”.

Nascida em 12 de julho de 1985, em Fortaleza, Jade Romero foi aluna do extinto Colégio Marista Cearense e participou de movimentos estudantis. Graduou-se em Gestão Pública pela Universidade de Fortaleza, especializou-se em Políticas Públicas pela Universidade Gama Filho e foi mestranda em Administração Pública pela Universidade de Lisboa. Foi também professora universitária, pesquisadora acadêmica e gerente de projetos no terceiro setor. Desde sua infância, manifestou seu interesse pela política e, com 16 anos, se filiou ao Partido dos Trabalhadores. Em 2010, ingressou no Movimento Democrático Brasileiro, onde começou a militar nacionalmente. No MDB, foi Presidente da Juventude do partido no Ceará, integrou a executiva de Juventude do MDB nacional, foi conselheira de Juventude e presidiu o MDB Mulher.

“Os partidos políticos são, muitas vezes, a

MARCELLA ELIAS/ESPECIAL PARA O BÁRBARAS

primeira instância de exercício da democracia, por isso falo tanto da necessidade de termos mais mulheres à frente dos partidos políticos, que ainda são muito masculinos”, disse.

A secretária dos Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, foi a seguinte painelista a responder uma pergunta da jornalista Regina Ribeiro, neste primeiro painel do Bárbaras 2023. “Quais são os principais avanços da participação das mulheres na política cearense?”, questionou Regina. “É preciso que a gente entenda que estamos vivendo em um país que despertou. E, muitas vezes, o Nordeste foi apontado como retrógrado, quando na realidade fomos nós, nordestinos, que levantamos a bandeira dos direitos humanos elegendo Lula. Passei 47 anos no Ministério Público, conheço a legislação, e sei o quanto é importante termos leis democráticas, leis republicanas. Queria deixar registrado aqui o prazer que eu tenho, sinceramente, de continuar na luta, de continuar realmente acreditando e sonhando que nós pudemos

(esq. a dir.): Rita von Hunty, Regina Ribeiro, Jade Romero e Socorro França, participantes do painel “Políticas Públicas de Gênero”, no Bárbaras 2023

secretária de Justiça e Cidadania e secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos, além de ter participado do conselho gestor da Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce).

Depois desta primeira rodada de perguntas da jornalista Regina Ribeiro, chegou a hora das perguntas do público, enviadas por vídeo. A fisioterapeuta Violeta Biasotti perguntou às painelistas sobre os livros que elas recomendam para aprender mais sobre discussão de gênero.

transformar este país num Brasil melhor”, completou Socorro França.

A atual secretária dos Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, dedicou sua vida à luta pelos direitos das mulheres. Com quase 60 anos de atuação no serviço público, 48 anos foram no Ministério Público do Ceará, onde foi procuradora-geral de Justiça por cinco mandatos. Também no Ministério Público, presidiu o Grupo Nacional dos Direitos Humanos (GNDH) por quatro anos. Foi presidente do Conselho Nacional de Procuradores Gerais – Região Nordeste, fundadora e coordenadora-geral do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon). Chegou à fundar e presidir o Conselho de Direitos Humanos do Ceará. Participou do 1º Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Teve outras passagens relevantes pelo Poder Executivo estadual, entre elas foi ouvidora-geral do Estado, secretária de Políticas sobre Drogas, secretária da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário,

“A gente não pode sair de casa sem referência bibliográfica, senão o que a gente tem para dizer vira lixo”, disparou Rita. “Para que a nossa voz possa ser ouvida, a gente sempre precisa, de alguma forma, hackear o sistema para falar, senão o que a gente tem para falar vira lixo. Eu vou recomendar uma autora marxista, que é a Heleieth Iara Bongiovani Saffioti. Já falecida, ela faz parte da nossa primeira geração de teoria crítica no Brasil, uma feminista marxista que dedicou a sua vida a pesquisar gênero no Brasil. Ela tem dois títulos fundamentais para pensar gênero no Brasil. O primeiro se chama ‘A Mulher na Sociedade de Classes’, dos anos 80; e o segundo que é um pouco antes de ela falecer, em 2010, se chama ‘Gênero, Patriarcado e Violência’. Heleieth é uma mulher branca de classe média, professora universitária do sudeste do Brasil. Agora, se a gente parar por aí, não estaremos falando sobre o que importa. Então, minha segunda recomendação é a Lélia González, mulher preta do Rio de Janeiro. Ela foi a formadora política da Benedita da Silva e é um dos quadros do movimento negro unificado do Brasil, o MNU. Lélia é uma das grandes intérpretes do Brasil, só que como ela é mulher e preta, é apagada dentro das universidades. O texto ao qual estou me referindo, está dentro de uma coletânea de artigos e ensaios chamado ‘Por um Feminismo Américo Áfrico Latino’. Ela faz essa brincadeira de que a gente não está na América Latina, mas sim na Améfrica, porque isso aqui é mistura de América com África. Quando ela dá essa conferência pela primeira vez nos Estados Unidos, ela fala que é uma mulher preta do sul global”, explicou Rita.

Para finalizar, a arte-educadora recomendou a leitura de Letícia Carolina Nascimento, autora, pedagoga e professora acadêmica brasileira, pesquisadora da área de Gênero e Educação, que foi a primeira mulher travesti a ocupar uma cátedra em uma universidade pública piauiense, a Universidade Federal do Piauí (UFPI). “A Letícia é autora de Transfeminismo. Estou tentando dar três referências para entendermos também como o pensamento de gênero no Brasil vai sendo deslocado pelas forças sociais. Sem Sônia Guajajara, sem pensar as mulheres negras, as mulheres travestis, as mulheres indígenas, a potência do nosso pensamento feminista fica restrita a uma ideia de feminismo liberal. O que é o feminismo liberal? Vai lá, boba, se esforça. É papo de coach. Vai, você pode. Mas como eu posso se não tenho acesso, se não tenho política, se não tenho recurso? Vai, se esforça. Nunca teve uma jurista negra no STF. Você acha que jurista negra não se esforça? É porque tem barreira. Então, esse papo de, ah, é só se esforçar, isso aí não existe”, finalizou Rita.

A vice-governadora, Jade Romero, decidiu recomendar a leitura de artigos produzidos pelo Observem, Observatório de Violência contra a Mulher, criação do Grupo de Pesquisa Gênero, Família e Geração nas Políticas Sociais, vinculado ao Cnpq e ao Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece). “O Observem tem muito material produzido da nossa universidade estadual, colocando essa lente de gênero nas mais diversas políticas. Eu não vou me arriscar aqui a dizer um livro só, mas vale a pena conhecer aquilo que está sendo produzido, porque fala da política aqui no estado do Ceará. E conta, inclusive, a história de muitas mulheres”, recomendou Jade.

Socorro França foi direta: “É muito simples. Acho que todo mundo se lembra de ‘O Segundo Sexo’, de Simone de Beauvoir. Tem uma frase no livro que é ‘não se nasce mulher, torna-se mulher’. Minha segunda recomendação é que vocês leiam os artigos editoriais do O POVO, que trazem muito conteúdo relacionado à questão de gênero. E também gostaria que vocês conhecessem o Instituto Maria da Penha, onde tem muita coisa relacionada a este tema”, afirmou.

Depois do bate-papo desse primeiro painel, o Bárbaras 2023 rendeu homenagem com o Troféu Bárbaras, ilustrado pelo artista plástico Carlus Campos, à Maria Luiza Fontenele, Cacica Pequena e Maria da Penha. O Troféu Bárbaras faz uma homenagem a grandes mulheres que ampliaram no seu espaço de atuação o papel da mulher. A escolha das três primeiras laureadas foi feita pelo grupo curador do projeto e ressalta a luta e a trajetória delas e de todas as mulheres do Brasil. O professor Wally Menezes, reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará; Daciane Barreto, diretora da Casa da Mulher Brasileira do Ceará; e Francinete Cabral Lima, presidente da Sociedade Comunitária de Reciclagem de Resíduos Sólidos do Pirambu foram os responsáveis pela entrega dos troféus.

A primeira homenageada a subir ao palco foi Maria Luiza Fontenele, professora universitária e ex-prefeita de Fortaleza, primeira mulher a governar uma capital brasileira. Lutou contra a ditadura militar e participou do movimento feminino pela anistia aos presos e perseguidos pelo terrorismo de Estado. Ajudou a fundar a União das Mulheres Cearenses e o Grupo Crítica Radical, que atua em campanhas contra a violência a criminalização dos movimentos sociais e pelo direito à memória e à verdade sobre torturas mortes e desaparecimentos da ditadura.

Em seguida, foi a vez de Cacica Pequena. Maria de Lourdes da Conceição Alves é considerada a primeira mulher cacica do Brasil, mas de pequena em sua vida apenas sua estatura que deu pra ela o apelido. Cacica pequena participa da luta pela causa indígena desde os anos 90. Conquistou a demarcação da terra indígena do seu povo, na Região Metropolitana de Fortaleza, e é um símbolo do crescimento do movimento feminino dentro das etnias indígenas, liderando o seu povo há 28 anos.

Finalizando a sessão de homenagens, foi a vez de subir ao palco Maria da Penha. Símbolo mundial da luta das mulheres contra a violência machista, vítima de duas tentativas de feminicídio, Maria da Penha leva no corpo as marcas da agressão. Sua batalha particular pela condenação do marido agressor, se transformou em uma conquista universal com a lei que leva seu nome. Candidata ao Nobel da Paz, lidera hoje o Instituto Maria da Penha, fundado em 2009, em Fortaleza.

O que é o feminismo liberal?

Vai lá, boba, se esforça. É papo de coach. Vai, você pode. Mas como eu posso se não tenho acesso, se não tenho política, se não tenho recurso? Vai, se esforça. Nunca teve uma jurista negra no STF. Você acha que jurista negra não se esforça? É porque tem barreira. Então, esse papo de, ah, é só se esforçar, isso aí não existe

A multifacética
Tati Bernardi no painel "Sou mulher sim, e daí?", no Bárbaras 2023

Cacica Pequena abraça Maria da Penha durante a entrega do Troféu Bárbaras 2023

Sou Mulher sim, e Daí?

O segundo painel do Bárbaras 2023 contou com a mediação da jornalista Carol Kossling, na época, editora de Projetos e colunista ESG do O POVO. A mesa foi composta pela professora Sabrina Matos, psicóloga e colunista do O POVO; pela publicitária, romancista, cronista e podcaster Tati Bernardi; e pela psicóloga e professora universitária Juçara Mapurunga.

Para abrir os debates, Carol lançou a primeira pergunta para Tati Bernardi: “Você se considera uma feminista? Como foi para você a desconstrução desse patriarcado que a gente tem falado tanto?”. Tati Bernardi explicou logo no início que não é exatamente uma militante do feminismo. “A minha intenção é sempre me comunicar com o máximo possível de mulheres. Sou uma mulher de esquerda, progressista. Tudo em que acredito, acho, é feminista. Eu levo uma vida feminista. Tenho uma mãe que, sem saber usar esses termos, sempre levou uma vida feminista. Quando eu tinha uns 5 anos de idade, hoje tenho 44 [em 2023], minha mãe resolveu se separar do meu pai. Ela vivia um casamento cheio de abusos morais, de ele não deixar ela trabalhar, torturas psicológicas. Não era um homem agressor, mas tinha toda essa violência psicológica que é um tipo de violência tão difícil de entender, que também é violência. Ela tentou por 2 anos se separar do meu pai. O juiz, na

frente dela falava assim, ele te bate? Ela falava, não. Você está passando fome? Não. Meu pai não queria se separar, então tinha que ser uma separação litigiosa. Naquela época, há apenas 40 anos, a mulher não tinha o direito de se separar. Minha mãe sempre me ensinou como a vida é difícil para uma mulher. Eu não tenho uma formação acadêmica do feminismo, mas sim uma esperteza de rua, de ver a minha mãe, de ver os meus tios, que eram extremamente machistas. E eu comecei a trabalhar em agência de publicidade. E eu tinha que falar igual aos homens porque em agência, naquela época, fim dos anos 90, começo dos anos 2000, para sobreviver na área de criação de uma agência de publicidade, que era um ambiente extremamente machista, eu tinha que ser meio molecão. Então, eles estavam numa rodinha fazendo piadas horrorosas e eu ia lá e fazia uma pior”, contou Tati.

A psicóloga Sabrina Matos foi a segunda a falar no painel, com o foco na questão da saúde mental e a recomendação de um filme. “Nos meus artigos, eu gosto de articular para o leitor e tentar usar a lente da psicanálise, para pensar as grandes questões do contemporâneo. Porque se eu ficar conversando com os psicanalistas, numa massagem egóica que só a gente entende, isso não vai servir para nada, isso não vai trazer nenhum ganho em relação à saúde mental. Eu exibi recentemente para uma das minhas turmas um filme sensacional ‘Boa Sorte, Léo Grande’, com a Emma Thompson. É a história de uma mulher professora, aposentada e

viúva, que tinha sido casada durante 30 anos. O filme se passa todo em um quarto de hotel, em que a personagem da Emma contrata um garoto de programa jovem. O filme é sobre a conversa entre eles, de suas insatisfações. Tem uma cena em que ela diz, fui casada 30 anos, meu marido chegava, fazia o que tinha que fazer, virava para o lado e ia dormir. Eu não sei o que é um orgasmo. Super recomendado”, afirmou.

Juçara Mapurunga foi a última painelista a falar e foi perguntada sobre a Tensão Pré-Menstrual (TPM), tema de um de seus livros “TPM: Tensão, Paixão e Mal-estar: a Subjetivação de uma Mulher em Tensão Pré-menstrual”, da editora Escuta, e pelo que significa hoje ser politicamente correto. “Precisamos conversar sobre o que signfica estar na menopausa, o que ainda é um tabu muito grande. Estamos vivendo a época do declínio da razão e da modernidade, então somos governados pelo pathos, que é o inconsciente, o inconsciente Freudiano, que diz que nós somos movidos pela pulsão e o desejo que nos rege. E aí fica a pergunta, o inconsciente pode ser politicamente correto?”, questionou. “Não, não pode ser, mas a gente faz análise para ficar advertido sobre nossa pulsão de morte, que é querer destruir aquilo que é diferente ou aquilo que nos causa desejo. E é insuportável essa pulsão. Então, as pessoas ficam achando que desejo é a gente fazer tudo que tem vontade. Não, desejo é a gente lutar contra a pulsão de morte. Deixar vir a pulsão de vida e pagar o preço por aquilo que a gente deseja. A gente tem que se responsabilizar pelos nossos desejos e que a luta seja exitosa naquilo que você faz. Todos nós podemos sonhar, como disse a vice-governadora, Jade, mas nós precisamos também batalhar politicamente por nossos sonhos e podemos, sim, ocupar os lugares que a gente desejar e quiser”, completou.

Eu chego em uma produtora e lá está o chefe, um homem branco, tem uns 14 funcionários todos brancos, tem duas atrizes magérrimas e brancas, eu sou uma roteirista branca e magra. E aí, com 20 brancos numa mesa aparece alguém que pergunta, você tem um preto pra indicar? Aí, o outro responde, não, mas eu tenho um gordo. Ah então tá, mas será que não é bom ter um preto e um gordo? Eles não estão preocupados com isso, porque se estivessem, na reunião haveria pessoas pretas e gordas

A pergunta do público veio de Jaqueline Queiroz, embaixadora do Movimento Plus Size do Ceará, idealizadora do Miss Ceará Plus Size: “Como vocês avaliam o papel dos meios de comunicação e da publicidade sobre a necessidade do combate à discriminação da mulher plus size?”

Tati Bernardi respondeu: “Agora que eu trabalho também com cinema e televisão, tem uma coisa que observo que, às vezes, eu chego em uma produtora e lá tem o chefe da produtora que é um homem branco, tem uns 14 funcionários todos brancos, tem duas atrizes magérrimas e brancas, eu sou uma roteirista branca e magra. E aí, com 20 brancos numa mesa aparece alguém que pergunta, você tem um preto pra indicar? Porque o filme precisa ter um preto, Aí, o outro responde, não, mas eu tenho um gordo pra indicar. Ah então tá, mas será que não é bom ter um preto e um gordo? Está claro que ainda é muito mais para ficar bonito para o dono da produtora. Eles não estão preocupados com isso, porque se estivessem, na reunião haveria pessoas pretas e gordas”, afirmou.

O evento culminou com um grande coquetel de encerramento e a certeza de que naquela tarde as mulheres ganharam mais um importante lugar de fala.

Por Diana Azevedo, Vice-Reitora e Pró-Reitora de Inovação e Relações Interinstitucionais da UFC

Artigo.

Um longo caminho rumo à igualdade de gênero

No primeiro Prêmio Nobel (1903), a Real Academia Sueca de Ciências agraciou uma mulher (Marie Curie) na área de Física. Passados mais de 100 anos, foram bem poucas as mulheres que receberam a distinção em áreas da Ciência (menos de 5%). Houve vários anos, inclusive 2024, em que absolutamente nenhuma mulher foi premiada nas categorias de Ciência.

A presença de mulheres na Ciência é cada vez maior, aproximando-se da paridade em algumas áreas. Não é razoável, portanto, que persista esse vazio de reconhecimento. No Brasil, ocupamos entre 10% a 30% dos titulares de academias científicas e cerca de 25% dos altos níveis de produtividade em pesquisa atestados pelo CNPq.

Em 51% dos países do mundo, mulheres são impedidas de desempenhar os mesmos trabalhos que homens e, globalmente, recebem menores salários, independentemente do grau de instrução. Um dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU preconiza a igualdade de gênero, uma meta a se atingir até 2030.

A ONU revela que, em 18% dos países do mundo, as mulheres não têm sequer os mesmos direitos que os homens. O patriarcado estrutural e até práticas culturais extremas (mutilação genital e casamento infantil) perpetuam os ciclos de pobreza e desigualdade de gênero.

Em 51% dos países do mundo, mulheres são impedidas de desempenhar os mesmos trabalhos que homens e, globalmente, recebem menores salários, independentemente do grau de instrução. Um dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU preconiza a igualdade de gênero, uma meta a se atingir até 2030

Na esfera pública, o Brasil teve pouco mais de 50 mulheres à frente de ministérios de Estado. Esther Ferraz foi a primeira e única mulher a ocupar o Ministério da Educação. Somente em 2023, foi empossada a primeira ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. Dos dirigentes atuais das instituições federais de ensino superior, apenas 36% são reitoras.

Estes dados definem o chamado “teto de vidro”, metáfora usada para descrever a barreira invisível e intransponível que impede as mulheres de ascenderem a postos hierarquicamente superiores para os quais estão plenamente qualificadas. Em 2022, as mulheres ocupavam 27,5% das posições de gestão no mundo, apesar de responderem por mais de 40% da força de trabalho, segundo a ONU.

O relatório conclui que o combate à violência, ao assédio e ao abuso em todas as suas formas, inclusive no mundo virtual, são determinantes para atingir a igualdade de gênero. Somente com um robusto arcabouço regulatório e políticas públicas afirmativas, poderemos sonhar em (oxalá) rachar o vidro do teto em 2030.

É vice-reitora e pró-reitora de Inovação e Relações Interinstitucionais da Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora titular do Centro de Tecnologia da UFC, com doutorado em Engenharia Química pela Universidade do Porto (Portugal), mestrado em Engenharia Química pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e graduação em Engenharia Química pela UFC, pesquisadora PQ-1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Artigo.

Mulheres negras na sociedade racializada

Por Zelma Madeira, Secretária da Igualdade Racial do Estado do Ceará

O Brasil apresenta desigualdades sociais e raciais que se refletem sob forma de desequilíbrios nas condições de vida da população negra (56%).

Isso é reflexo de uma sociedade racializada que distribui vantagens e desvantagens entre seus grupos raciais. Os brancos são beneficiados com privilégios materiais e simbólicos. São associados à modernidade e progresso, suas narrativas são tidas como universais e incontestes. E povos indígenas e negros são racializados na condição de subalternidade, inferiorizados e até odiados. Convivem com a desumanização, alvo de discursos e práticas de discriminação e marginalização como mecanismos que impedem a efetivação de seus direitos. Negros/as têm sua história e memória silenciadas e a negritude negada como afirmação política.

para o desenvolvimento do país. O número é diminuto de negras em cargos de poder e decisão no setor público, setor privado ou no parlamento. Acresce que elas não contam com uma rede de apoio, de contatos, com poder de apresentar oportunidades de ocupar lugares de vantagem na sociedade.

No entanto, a presença das mulheres negras tem sido de fundamental importância, tanto em termos econômicos pelo trabalho superexplorado que a maioria realiza, gerando riquezas, quanto no engajamento antirracista, seja nas organizações comunitárias e outras formas de agenciamentos que toma o combate ao racismo como prioritário.

Com a força desse feminino inventivo, as mulheres seguem ocupando diversos espaços socioculturais que exprimem modos de vida plurais, fortalecendo a disposição para resistir e recriar as práticas cotidianas, acreditando que outro mundo com bem viver é possível construir

As mulheres negras representam 28,5% (IBGE/2022) da população brasileira e têm enfrentado muitos desafios, pois despontam entre as mais pobres e em insegurança alimentar. Representam maioria (60,9%) no trabalho doméstico historicamente precarizado. Quanto aos rendimentos, a renda média para a mulher branca é de R$ 2.869 e para a mulher negra, R$ 1.781. São maioria entre as vítimas de feminicídio, contabilizando 61,1% em comparação com as mulheres brancas (38,4%) (CEERT/2022).

As mulheres negras são atravessadas pelo racismo e sexismo, o que tem diminuído as possibilidades de ascensão social, têm pouco reconhecimento de suas capacidades de contribuir

Com a força desse feminino inventivo, seguem ocupando diversos espaços socioculturais que exprimem modos de vida plurais, fortalecendo a disposição para resistir e recriar as práticas cotidianas, acreditando que outro mundo com bem viver é possível construir.

Zelma Madeira zelmadeira@yahoo.com.br

É professora do Serviço Social da Universidade do Estado do Ceará (Uece). Mestra e doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenadora do Nuafro - Laboratório de Afrobrasilidade, Gênero e Família da Uece. Recebeu o Título de Doutora Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (Uern), em 2022.

Artigo.

O Judiciário e as questões femininas

Por Maria Edna Martins, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e Corregedora-Geral da Justiça estadual do Ceará

Nos últimos anos, o Judiciário tem desempenhado papel crucial na luta por igualdade de gênero e na proteção dos direitos das mulheres que, enfrentando as consequências de uma sociedade historicamente construída sob a égide do patriarcado, lutam diariamente por proteção, respeito, autonomia, igualdade de oportunidades, empoderamento econômico e pela capacidade de serem protagonistas de suas próprias vidas.

Se por um lado é certo dizer que esta batalha ainda está longe de chegar ao fim, é igualmente importante dar a devida atenção para todas as conquistas alcançadas, refletindo não apenas no que elas realmente significam na vida das mulheres, mas também no próprio papel do Judiciário, capaz de contribuir para a construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária, onde os direitos das mulheres sejam respeitados e garantidos em todas as esferas.

A presença de mulheres em cargos de decisão é imprescindível para que as questões femininas sejam tratadas com a devida atenção e empatia. A promoção de uma maior diversidade dentro do próprio Judiciário não é apenas uma questão de justiça, mas uma condição para que as conquistas sociais sejam realmente refletidas nas decisões judiciais.

Por fim, os progressos devem ser vistos como um ponto de partida e não como um fim. A luta por igualdade de gênero requer um esforço contínuo e a colaboração entre diferentes setores da sociedade, incluindo o Judiciário. É necessário que as instituições se comprometam com uma formação contínua sobre questões de gênero, promovendo não apenas a aplicação das leis, mas a verdadeira transformação cultural que permita um futuro onde todas as mulheres possam viver sem medo de violência e com pleno acesso aos seus direitos.

Os progressos devem ser vistos como um ponto de partida e não como um fim. A luta por igualdade de gênero requer um esforço contínuo e a colaboração entre diferentes setores da sociedade, incluindo o Judiciário

Decisões judiciais que garantem a aplicação de leis de proteção, como a Lei Maria da Penha, a consolidação de jurisprudências que ampliam o debate sobre o reconhecimento do consentimento e a definição de violência, o estabelecimento de protocolos de julgamento com perspectiva de gênero e a criação de coordenadorias, ouvidorias e delegacias especializadas representam algumas das importantes conquistas da última década. Essas iniciativas não apenas fortalecem a proteção das mulheres, mas também promovem um ambiente judicial mais sensível e comprometido com a igualdade de gênero.

Maria Edna Martins cgj.gabinete@tjce.jus.br

Ingressou na magistratura em 1984. Passou pelas comarcas de Guaraciaba do Norte, Redenção, Crato e Maranguape. Na Capital, atuou na 6ª Vara de Família. É desembargadora do TJCE e membro do Conselho da Magistratura. Atualmente, é a corregedora-geral da Justiça estadual.

Por Lêda Maria Feitosa Souto, Jornalista do O POVO e Escritora

Artigo.

Converse comigo ou abrir as portas do coração?

Certa vez, visitando, com uma equipe do Rotary Clube Fortaleza Planalto, o Educandário Eunice Weaver, centro de apoio a pessoas com lepra, ouvi ao chegar, de uma voz masculina, tímida e pausada a frase: converse comigo. Passei pelo local muito rapidamente, e em outro compartimento, outra voz repetia a mesma frase: converse comigo. Percorrendo os corredores e até mesmo a área externa, onde um grupo tomava banho de sol, ainda escutei aquele apelo, revelando melancolia, um ser solitário entre abismos de silêncio.

olhar para dentro de nós até a disponibilidade para ajudar o outro a enxergar, e saber acariciá-lo, serenamente? Converse comigo! É ouvir o que os outros têm para nos dizer e não o que queremos ouvir. É tocar o mundo do outro, tendo a certeza de que dialogar não é discorrer sobre os desapontamentos e frustrações de que somos vítimas, mas o que nós causamos.

Busco atingir um cenário azul de partilha de benquerença entre nós mesmos, entre os que nos cercam, nos olham. Um cenário oferecendo a descoberta de novas maneiras de amar, aumentando a nossa capacidade de amar a si mesmo e aos outros

Converse comigo. O apelo de tão marcante permanece sempre em mim com uma sonoridade de atenção e colaboração. Na nossa extensa relação com o universo feminino, vemos que ele existe entre muitos olhares, nas conversas longas e vazias mantidas pelo medo de revelações, do soltar as amarras, e do espírito crítico apontando um dedo acusador para alguém, principalmente para a outra mulher, distante da solidariedade feminina.

Certa vez, em palestra enfocando o convite para se entender as transformações do mundo, fiz uma indagação: o que mais você deseja da vida? - Ter com quem dialogar, foi a resposta mais registrada. Fiquei preocupada. Era outro cenário, mas com o mesmo perfil do leprosário. Que guardava aquela resposta entre “pessoas sadias”? Um coração em luto? Ajuntamento de emoções destrutivas? A falta da estrela da manhã expressa no diálogo maior e permanente com Deus, que nunca nos deixa sozinhos? Estaria faltando desde o

Finalizando esta reflexão, busco atingir um cenário azul de partilha de benquerença entre nós mesmos, entre os que nos cercam, nos olham. Um cenário oferecendo a descoberta de novas maneiras de amar, aumentando a nossa capacidade de amar a si mesmo e aos outros. Será que podemos acreditar que um “Converse comigo” ou um “Conversarei com você’ evidenciará este diálogo da amorosidade conosco e com muitas pessoas?

“ALEGRAI-VOS com os que se alegram; chorai com os que choram; tende a mesma estima uns pelos outros; sem pretensões de grandeza, mas sentindo-vos solidários com os mais humildes. Rm. 12: 14-16

Lêda Maria Feitosa Souto lmfsouto2@gmail.com

É jornalista do O POVO e da Rádio O POVO/ CBN e escritora com livros publicados e participação em antologias e revistas. É integrante da Rede Brasileira de Escritoras, Academias de Letras, Associação Brasileira de Bibliófilos e outras entidades.

Artigo.

Guardiãs da esperança

Em um mundo que valoriza a força física, e a dureza e a suavidade parecem opostas, esquecemos que a verdadeira força vem da capacidade de amar. Inspirada no nome da revista Bárbaras, surge a expressão “doces bárbaros”, um oximoro, combinando dois conceitos aparentemente opostos, levando a pensar em contrastes, paradoxos e esperança, ou seja, como até em meio à adversidade, há espaço para bondade e amor.

Em recente visita ao Iprede, Instituto da Primeira Infância, vimos o potencial de ações do terceiro setor para o desenvolvimento social. Não é fácil lidar constantemente com carências sociais se não for num ambiente propício, desenvolvido e pensado para tratar da questão social e vulnerabilidades.

partir das 7 da manhã, tem como força maior a oração e o agradecimento diário na capelinha da irmã Dulce lá construída, repositório de relíquias de uma figura humanitária inspiradora de milhares de pessoas dedicadas ao serviço ao próximo.

O Iprede é um milagre diário que recebe doações de benfeitores, desenvolve projetos nas áreas da saúde, educação, justiça social, representando uma folha de mais de um milhão de reais/mês. Parcerias com universidades, como Harvard, Quebec, UFC, Uece, Unifor e Cristhus, os profissionais do Iprede, liderados pelo Dr. Sulivan Mota, têm na sensibilidade um sinal de força e são capazes de mover montanhas com a sua fé e trabalho.

O Iprede é um milagre diário que recebe doações de benfeitores, desenvolve projetos nas áreas da saúde, educação, justiça social, representando uma folha de mais de um milhão de reais/mês. Parcerias com universidades, como Harvard, Quebec, UFC, Uece, Unifor e Cristhus, os profissionais do Iprede, liderados pelo Dr. Sulivan Mota, têm na sensibilidade um sinal de força e são capazes de mover montanhas com a sua fé e trabalho

Nascido em 1986 para cuidar de crianças carentes com desnutrição crônica, o Iprede, embora ainda haja casos de desnutrição, atende 4 mil crianças atípicas, entre elas 2 mil crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Ampliando o alcance humanitário, o Instituto oferece cursos profissionalizantes e ambiente acolhedor também às famílias. As mulheres mães têm sido um exemplo para os profissionais que lá trabalham, pois, apesar de suas histórias sofridas, são muito resilientes, têm força interior e recomeçam a vida conscientes do seu potencial na família e na sociedade. Nada é fácil, mas a vida delas e suas crianças pedem tempo de escuta atenta, empatia e condições de subsistência digna.

O Iprede distribui 5 mil refeições diárias e atende a 4 mil crianças, sob a orientação de profissionais que proporcionam a elas viverem a arte e a cultura como meio de reencontro consigo mesmas. O seu presidente, Dr. Sulivan Mota, que, embora faça a sua rotina de trabalho a

Albanisa Lúcia Dummar Pontes albanisalucia@gmail.com

É jornalista, ex-diretora de Redação do O POVO, ex-diretora executiva da Fundação Demócrito Rocha e editora da empresa Armazém da Cultura.

Elas no jornalismo Abrindo espaço para ser a voz e a cara na cobertura esportiva

As mudanças no setor vem acontecendo para que mulheres sejam respeitadas e ocupem mais espaços nas redações

Era setembro de 1997, quando aos 21 anos, Luciana Mariano estreou como primeira narradora de futebol da televisão brasileira. Pela Bandeirantes, ela narrou o Torneio Primavera, uma espécie de Rio-São Paulo do futebol feminino. São menos de 30 anos de que mulheres foram ouvidas em uma rede em cadeia sendo protagonistas do esporte mais popular do Brasil.

Não que as mulheres não queriam assumir esse destaque dentro do jornalismo, é que as estruturas não vinham sendo feitas para que elas fossem incentivadas a ter proximidade com o futebol, e até com todos os esportes em geral. Por mais de 40 anos, as brasileiras foram proibidas de jogar futebol.

A proibição começou em 1941, na época da ditadura do Estado Novo (1937-1945). O presidente Getúlio Vargas assinou um decreto-lei tirando das mulheres o direito de praticar esportes “incompatíveis com as condições de sua natureza”, entre eles, claro, o futebol. O que se viu depois foram jogos femininos cancelados por ordem do Conselho Nacional de Desportos (CND), que era parte subordinada ao Ministério da Educação. Houve até partidas encerradas à força pela polícia.

Nesse meio tempo, em 1977, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) formada por senadores e deputados discutiu o assunto, como mostram os arquivos trazidos pela Agência Senado. Sem estrelas nacionais nos gramados, os

parlamentares receberam a ex-nadadora Maria Lenk. Ela foi a primeira mulher da América do Sul a competir nos Jogos Olímpicos, quando participou da edição de 1932, em Los Angeles. A atleta também fez parte da primeira turma feminina a se diplomar em educação física no Brasil, em 1936.

Os argumentos contra as mulheres no esporte, em especial o futebol, eram muitos, quase todos diante da ideia de que mulheres deveriam ser “preservadas” e estariam destinadas apenas a missão de serem mães. Empurrões ou boladas em partes íntimas poderiam prejudicar a capacidade de engravidar, ou de amamentar. Além de tudo, era reforçado que mulheres eram “delicadas” demais para o mundo dos esportes, podendo ficar “masculinizadas”.

Na prática, as mulheres só voltaram a praticar livremente esportes no fim da ditadura militar (1964-1985). Em 1983, o CND considerou o futebol feminino aceitável e o regulamentou. Se

Allana Alves faz parte da comunicação da Liga Nacional de Basquete, que organina o Novo Basquete Brasil

não podiam ser estrelas nos campos e quadras, para terem espaço na cobertura jornalistica demorou mais ainda.

Era início dos anos 1980, quando Marilena Lima se tornou a primeira mulher repórter esportiva do Estado. Ela fez sua estreia na Rádio Iracema, de Maranguape, como repórter esportiva. De lá, recebeu convite para a rádio Dragão do Mar, de Fortaleza, onde cobria jogos e treinos dos clubes cearenses. Desde então, algumas mulheres foram pavimentando o caminho para as mulheres no jornalismo esportivo

O curso de jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi criado no ano de 1965, com a contribuição de Adísia Sá e de Antônio Carlos Campos de Oliveira, então presidente da Associação Cearense de Imprensa (ACI). Naquele ano, Antônio Martins Filho, então reitor da Universidade, convidou Adísia a visitar outras universidades e faculdades do país para adquirir experiência para a formação da primeira matriz curricular. Com pouco mais de 15 anos, veio o primeiro registro de uma mulher atuando na imprensa esportiva. Era início dos anos 1980, quando Marilena Lima se tornou a primeira mulher repórter esportiva do Estado.

Ela fez sua estreia na Rádio Iracema, de Maranguape, como repórter esportiva. De lá, recebeu convite para a rádio Dragão do Mar, de Fortaleza, onde cobria jogos e treinos dos clubes cearenses. Desde então, algumas mulheres foram pavimentando o caminho para as mulheres no jornalismo esportivo: Manuella Viana, Débora Britto, Isabella Cavalcanti, Denise Santiago, Ana Cláudia Andrade, Ana Flávia Gomes, Germana Pinheiro e Thaís Jorge.

Atualmente, a jornalista e colunista do O POVO, Iara Costa, trilha seu caminho para deixar sua marca no jornalis-

mo. É a única mulher de sua editoria e trata em sua coluna sobre assuntos como futebol feminino, machismo e os desafios das mulheres, seja como jogadoras, espectadores ou jornalistas.

“Eu amo muito o jornalismo esportivo, amo meus amigos e colegas de redação, mas é uma luta existir no futebol enquanto mulher no meio esportivo, assim como um reflexo da luta que é ser mulher na nossa sociedade em geral”, ressalta. Ela comenta que a luta é para receber o “mínimo”, como ser respeitada.

“Primeiro, para sermos levadas a sério enquanto profissional. Segundo, para provarmos que estamos ali por amor ao esporte e não por outros interesses. E esses são obstáculos que os homens em geral não precisam passar ou se preocupar”, comenta.

Ela conta de seus primeiros contatos com o esporte. Na infância, jogou futsal e futebol, ainda que não se considerasse muito boa. Começou a acompanhar futebol em 2010 e, como muitos cearenses, tinha uma família dividida entre torcedores do Ceará e do Fortaleza e, claro, de flamenguistas. “O Botafogo ganhou do Rubro-Negro na final do Carioca e, por influência de um amigo botafoguense que eu tinha na rede social Orkut, comecei a acompanhar mais o esporte, o Fogão e o futebol brasileiro e não larguei mais”, lembra.

“Além de futebol, já tive fases em que fui viciada em rúgbi e gosto muito de esportes aquáticos como kitesurf e windsurfe porque fui criada na praia do Mucuripe, aqui em Fortaleza”, conta.

Em sua coluna, Iara celebra mulheres, tece críticas às práticas machistas do mundo do futebol e dá espaço para jogadoras. “Eu não me vejo existindo no futebol sem dar destaque aos espaços nesse nicho onde outras mulheres existem e sonham como eu, mesmo que sejam sonhos diferentes. Todas nós que vivemos nesse meio, da jogadora até a repórter, sabemos como é difícil existir, por isso para mim é

importante dar visibilidade aos problemas que jogadoras enfrentam, dar voz a elas e aos seus problemas. Isso pode ser parte de uma solução e, se tenho uma visibilidade para alcançar isso, eu vou usar”, explicou.

Nesses anos de profissão, ela guarda os momentos positivos, apesar de sentir que, como mulher, seja “lutar um round a mais todos os dias”. Das partes boas, quando os torcedores se identificam com algo que escreveu. Grandes eventos, como Copa do Mundo e Sul-Americanas, e a partida de grandes personalidades do esporte são textos que ficarão marcados em sua mente. “Também curto colocar em palavras sentimentos de conquistas e de momentos importantes da história. Ainda que seja muito triste, tive o privilégio de escrever textos póstumos para Pelé e Maradona, sobre a conquista suada da Argentina na Copa do Mundo de 2022, a prata da Seleção Feminina em Paris-2024 e também adorei descrever as caminhadas de Ceará e Fortaleza nos últimos anos em competições como Sul-Americana e Libertadores”, ressalta.

Mas nem tudo é pacificado e o caminho ainda é árduo. Iara compartilha de sua intimidade, e comenta situações que nunca citou publicamente: embates que teve com dirigentes de clubes durante o exercício do jornalismo. “Um deles já me xingou de maneira pesada por discordar de uma coluna opinativa e outro me negou uma informação por telefone — e minutos depois deu a mesma informação a um colega de redação homem”, lembra.

“É nesses momentos que se enxerga de maneira mais nítida como muita gente no meio esportivo não leva nosso trabalho a sério e até tenta atrapalhar, pois não era nada demais e não custava nada a ele me dizer o mesmo sim ou não que ele disse a um colega”, reflete.

O espaço das mulheres no jornalismo não se restringe à cobertura dos campos. Elas também buscam dar seu olhar nas quadras. Allana Alves faz parte da comunicação da Liga Nacional de Basquete, que organina o Novo Basquete Brasil, campeonato brasileiro masculino adulto de basquete.

A paixão pelo basquete vem também da infância. “Minha trajetória no esporte começou muito antes da minha carreira profissional. Aos 10 anos, comecei a jogar basquete e, a partir do meu desenvolvimento na modalidade, fui me apaixonando pela prática. Comecei a acompanhar tanto o basquete quanto outros esportes na mídia, fazendo com que meu olho brilhasse também ao ver que era possível acompanhar e levar as histórias dos atletas, equipes e competições, por exemplo, para o público”, lembrou.

Na época da faculdade, a possibilidade de trabalhar como jornalista esportiva até existia, mas, para ela, era claro que a área era um nicho extremamente seletivo, “que seria neces-

AURÉLIO ALVES

sário um talento acima da média para chegar a um grande veículo”. “Mas, aos poucos, percebi também que quando se externa a vontade de trabalhar com isso, se dedica, e isso se soma à oportunidade e talento, as coisas poderiam ir acontecendo”, ressaltou.

Há três anos, Allana mora em São Paulo, onde avalia haver mais oportunidades. Ela pondera, no entanto, haver dificuldades na busca pelo alcance de outras modalidades no cenário nacional, porque “o futebol é que domina”. Mesmo assim, traz com carinho na memória os mais de três anos que passou no Fortaleza Esporte Clube, onde ocupou o cargo de coordenadora de comunicação e assessoria de imprensa.

“Acho que uma memória que sempre lembro com muito carinho, apesar de ter sido uma despedida, me marcou de uma forma positiva porque eu senti muito a sensação de dever cumprido para aquele momento. Foi quando decidi sair do Fortaleza”, recorda.

“Meu último jogo, foi um Fortaleza x Bahia, estádio lotado e lindo com a festa da torcida, vencemos por 2 a 1 e, enquanto

eu acompanhava a entrevista no campo, olhei o Castelão, as pessoas ao meu redor e chorei muito lembrando da trajetória e de tudo que consegui construir com o time. Quando fomos fazer a foto final da equipe no Alcides Santos (estádio-sede do Fortaleza) e contei para o Vojvoda (técnico do time de futebol) da minha saída, ele se emocionou. Eu chorei de novo, nos abraçamos e nos agradecemos pelo trabalho um do outro, pela parceria, porque, sem dúvida, trabalhar com a comissão técnica dele foi algo que me engradeceu quanto profissional”, comenta.

No basquete, ela nota que o ambiente é mais receptivo para as mulheres. “No futebol, a cultura machista ainda é muito enraizada e, com a maioria das pessoas que ocupam grandes cargos nas instituições envolvidas no dia a dia da modalidade sendo homens, o trabalho para mudar a perspectiva ainda é muito grande. Mesmo assim, eu percebo uma melhora”, opina.

E completa: “No basquete o ambiente, no geral, é mais leve. Não posso afirmar que é isento porque não é, mas é diferente. Não se tem esse peso de se sentir tão “diferente” nos ambientes, ou foco de olhares, por exemplo”.

Iara Costa é jornalista e colunista do O POVO

O futuro das mulheres no

jornalismo esportivo

As duas projetam, e desejam, mais espaço paras mulheres que querem seguir no jornalismo esportivo. “O cenário é muito promissor. Acho que as empresas já são bem mais abertas que dez anos atrás para contratar mulheres, deixar que elas façam seu trabalho jornalístico e não ser apenas um mero enfeite ou ‘cota’, mas a caminhada ainda é muito longa”, pondera Iara.

O sentimento é compartilhado com colegas do meio. “Vemos que ainda há dentro de muitas redações uma alta disparidade e contra isso a luta ainda parece ser bem extensa, pois nem sempre esse problema é visível para quem deveria ser”, reflete.

Apesar dos desafios, ela não se vê longe. “Eu amo muito futebol e por isso sigo. Amo ver cada torcedor se emocionar, se dedicar ao próprio time e amo viver e dar palavras a essas histórias incríveis. Não me vejo fazendo outra coisa, por mais difícil que pareça ser algumas vezes. Por estes motivos, acredito que as mulheres devem tentar e adentrar nesse meio, pois cada vez que uma de nós se soma a essa luta, ela vai se tornando ainda mais difícil aos que batalham contra”, diz.

Allana também vê um avanço na presença feminina, não só na profissão, mas de forma geral no esporte. “Vejo sim um avanço e espero que possamos ocupar, cada vez mais e sem medo, os espaços que podem ser nossos de uma maneira leve, sendo profissionais e pessoas que queremos ser, sem precisar nos moldar para caber”, ressalta.

A chegada e permanência das mulheres no setor, como Allana reflete, é parte de uma mudança social, que, embora venha acontecendo, precisa seguir e ser ampliada. “A sociedade, como um todo, foi evoluindo em relação à presença feminina no ambiente de trabalho no geral, e no jornalismo esportivo não é diferente. Mas isso não quer dizer que é fácil. Nunca foi e acredito que vai demorar ainda para que isso aconteça sem um peso maior para as mulheres que estão ou querem estar nesse meio. Infelizmente, para nós, o peso é triplicado quando falamos de, simplesmente, exercer as funções que escolhemos no jornalismo esportivo. Os olhares, os julgamentos, as avaliações, são diferentes”, afirma.

ACERVO PESSOAL

Allana vê um avanço na presença feminina, não só na profissão, mas de forma geral no esporte

Artigo.

Mil vidas eu tenha, só quero nascer mulher

Quando adolescente, costumava dizer que, se tivesse chance de escolher, jamais gostaria de nascer mulher novamente. Achava injusto só nós termos cólica, ficarmos menstruadas, corrermos risco na hora do parto. E ainda criar sozinhas filhos tidos com homens que nos trocam como se fôssemos carne em prateleira. Achava absurdo não poder sair com as amigas e voltar na mesma hora que meu irmão costumava chegar.

15 horas uma mulher ainda é vítima de feminicídio no país (Boletim Elas Vivem, 2023).

Nós mulheres não podemos baixar a guarda. Um movimento conservador na política brasileira tem feito com que conquistas sejam ameaçadas. Um exemplo foi a votação, em 2023, da Lei da Igualdade Salarial entre homens e mulheres, para a diminuição das desigualdades existentes nas remunerações no ambiente corporativo. Dos 13 deputados cearenses, dois foram contrários à proposta

Via um mundo de nãos por ser mulher. E nunca me acostumei. Talvez por isso tenha escolhido o jornalismo. Uma profissão em que se denuncia desigualdades, se contextualiza situações, se esclarece sobre injustiças de gênero. Mesmo assim, por ter assumido funções de chefia antes atribuídas só a homem, como dirigir Redação de jornal, a idade e o gênero me fizeram ouvir “quero falar com quem está acima de você”. Frases assim também dão cólica.

Os percalços que o machismo vai minando uma mulher se dão desde a infância. Irmãos querem mandar nas irmãs, meninos usam força física e psicológica para fragilizar ser feminino, homens preferem a mulher submissa ao seu domínio, chefes assediam funcionárias. Não são todos, mas sempre são eles.

As últimas décadas foram fundamentais para que mudanças começassem a ser sentidas. Incluindo leis como a Maria da Penha, que prevê violência doméstica e intrafamiliar como crime, têm contribuído para que agressões sejam evitadas, enfrentadas e punidas. Apesar disso, a cada

Nós mulheres não podemos baixar a guarda. Um movimento conservador na política brasileira tem feito com que conquistas sejam ameaçadas. Um exemplo foi a votação, em 2023, da Lei da Igualdade Salarial entre homens e mulheres, para a diminuição das desigualdades existentes nas remunerações no ambiente corporativo. Dos 13 deputados cearenses, dois foram contrários à proposta.

A quem interessa que a mulher ganhe menos que o homem? Talvez os mesmos que a querem manter submissa a companheiros que ganham mais, àqueles que a veem só em corpo e não em alma, fragilizada na prateleira para seus desejos egoístas.

A adolescente que fui aprendeu sobre sua própria força e como esta incomoda a muitos homens. Quantas vezes eu nascer, só quero ser mulher.

Ana Márcia Diógenes anamarciadiogenes@gmail.com

É escritora e jornalista. Publicou oito obras, entre romance, poesia, infantojuvenil e contos. É consultora e escreve no O POVO+. Foi diretora de Redação no O POVO, secretaria adjunta da Cultura do Ceará e coordenadora do Unicef (CE, PI e RN)

Artigo.

Envelhecer é brabo, mas é bom!

Também é bom envelhecer. É bom ter acesso à ciência e seus benefícios ao corpo. É bom exercitar os músculos e sentir o sangue fazendo o coração bater mais forte. É bom respirar fundo e pensar sobre o que aconteceu. É bom dizer não. É bom dizer sim. É brabo, mas é bom!

A atriz Débora Bloch, 61, vai interpretar a vilã Odete Roitman no remake da novela Vale Tudo, que deve iniciar em 2025. A grande vilã da dramaturgia brasileira foi interpretada por Beatriz Segall, que também tinha 61 anos quando a novela explodiu a audiência da TV. Mas, vendo imagens das duas, teríamos certeza de que elas aparecem ali com a mesma idade? Como achamos que é uma mulher de 61 anos?

Um exercício da infância era projetar, em jogos, o que desejávamos para o nosso futuro. Com quantos anos estaríamos formadas, casaríamos, teríamos filhos e netos… até descobrirmos que o tempo da vida é além do cronológico. A mulher é ainda mais pressionada sobre quando cumprirá tudo o que a sociedade lhe impõe desde que nasce. Pensar na forma do corpo, na força das carnes, na elasticidade da pele, no esticado das mãos, também entram na cadeia de pensamentos futuristas femininos.

Ao olharmos as imagens de Beatriz e Débora, podemos ser tomadas pelas percepções diferentes entre as duas, como a expressividade dos olhos, o delineado do desenho da sobrancelha, o sorriso, a maquiagem e todas as marcas do tempo que circundam a face. Porte físico também diferenciado.

São duas mulheres que, em uma mesma linha cronológica da idade, se encontram e traduzem as mudanças pelas quais, em sociedade e de forma individual, vivemos em relação ao olhar sobre nós mesmas. Fico me perguntando se ficar mais velha ficou mais leve, menos sisudo, ainda exigente - infelizmente -, mas mais

fluido e livre. Menos porte físico, mais maturidade e segurança.

Envelhecer ganha novos olhares, de fora, mas principalmente de dentro. O bem estar dos anos que chegam para as mulheres é conquista social e humana. É desfazer as obrigações que não são suas, tirar as culpas que o sistema social lhe fornece e seguir. Acima de tudo, seguir. Não é fácil entender as sutilezas da vida, os limites que surgem e o julgar constante do tempo e das pessoas.

Mas sim, é bom também envelhecer. É bom ter acesso à ciência e seus benefícios ao corpo. É bom exercitar os músculos e sentir o sangue fazendo o coração bater mais forte. É bom respirar fundo e pensar sobre o que aconteceu. É bom dizer não. É bom dizer sim. É brabo, mas é bom!

Sara Oliveira sara.oliveira@opovodigital.com

Repórter especial de Cidades do O POVO há 11 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 41 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio a tanta desigualdade.

Artigo.

O direito de envelhecer

Em conversa com uma conhecida octogenária, ela me contou sobre o processo de conviver com algumas enfermidades e também sobre a liberdade em um corpo senescente. Uma das conquistas dela era poder olhar para os acontecimentos e saber se colocar dentro de uma perspectiva mais confortável, sem se sujeitar a obrigações. A primeira liberdade veio com a aposentadoria do emprego público, na qual ganhou mais tempo livre; a segunda liberdade veio da relação mais independente com filhos e netos.

te, surgindo um vasto leque de outros preconceitos.

O envelhecimento, um processo fisiológico natural, vem se transformando para as mulheres em mais um campo de batalha. Assumir as rugas e os cabelos brancos passou a ser visto como atos de coragem ou de uma condição de baixo poder aquisitivo.

O envelhecimento em um país desigual como o Brasil é assustador e associado a um quadro de perdas contínuas. No caso das mulheres, a situação fica ainda pior, com os valores atrelados à aparência jovem: muitas começam a perceber um apagamento do seu próprio corpo dentro de uma escala de poder feminino aos 40 ou 50 anos

Adepta de alguns procedimentos estéticos e de um belo batom cor de carmim, ela continuava namoradeira, mas sem a necessidade de casar e de dividir os mesmos espaços com alguém. Talvez esses sejam alguns privilégios de quem conquistou tanto uma independência financeira e emocional quanto a possibilidade de uma velhice minimamente saudável, com autonomia e independência.

Infelizmente, essa não é a realidade da maioria dos brasileiros. O envelhecimento em um país desigual como o Brasil é assustador e associado a um quadro de perdas contínuas. No caso das mulheres, a situação fica ainda pior, com os valores atrelados à aparência jovem: muitas começam a perceber um apagamento do seu próprio corpo dentro de uma escala de poder feminino aos 40 ou 50 anos; os jogos de sedução passam a ser desautorizados pela cultura machista; o biquíni não é mais considerado adequado, a saia começa a ser condenada quando acima do joelho e os olhares desejosos passam a sumir do horizon-

Os esforços, entretanto, não asseguram os olhares perdidos, mas apenas a certeza de uma nova condição. Simone de Beauvoir talvez não imaginasse a necessidade de uma luta tão longa, com o cruzamento do machismo e do etarismo no século XXI, ficando a situação ainda mais complicada quando são incorporados os aspectos raciais.

Com a perspectiva de se viver mais, a condição da minha amiga octogenária não pode ser um privilégio exclusivo de poucas - será preciso muita atuação política pela causa, para tal situação poder ser normalizada para mais pessoas.

Neila Fontenele neilafontenele@opovo.com.br

Jornalista, apaixonada por todos os fenômenos humanos e pela liberdade de se recriar. É colunista e editora-chefe do caderno Ciência & Saúde do O POVO e do programa que leva o mesmo nome na rádio O POVO CBN

Por Neila Fontenele, Jornalista do O POVO

Artigo.

A necessidade de corrigir distorções

Quando se fala de mulheres no mercado de trabalho, a realidade em números não é positiva. Apesar de sermos a maior parte (51%) dos mais de 203 milhões de brasileiros, nós ainda apresentamos os piores indicadores de desemprego, subutilização e taxa de ocupação. Considerando o componente cor, as pretas são as mais impactadas. Mas há esperança que o cenário possa mudar.

No campo do que ainda se impõe no dia a dia, o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra é que, enquanto as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e/ ou cuidado de pessoas, os homens gastam 11,7 horas. Vale lembrar que o labor em casa impõe uma gestão total do lar, que envolve o físico e o mental, mas sem receber nada por isso

No campo do que ainda se impõe no dia a dia, o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra é que, enquanto as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, os homens gastam 11,7 horas. Vale lembrar que o labor em casa impõe uma gestão total do lar, que envolve o físico e o mental, mas sem receber nada por isso.

É pontuável, inclusive, quando se data a chegada das mulheres no mercado de trabalho. Mas o que é trabalho? Elas já atuavam nos lares há séculos. Quando foram para o dito mercado acabaram por acumular funções. As atividades não têm fim e o mínimo que o homem ajuda já é visto como exceção, quando deveria ser o ordinário.

Por falar no valor, nós, mulheres, em média, tivemos rendimento equivalente a 78,9% do recebido por homens, conforme o último suplemento “Outras Formas de Trabalho”, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua 2022. Para se ter ideia, no início da série histórica, em 2012, essa razão era estimada em 73,5%. E a maior diferença

no levantamento atual estava no grupo de profissionais das ciências e intelectuais: elas receberam o equivalente a 63,3% da média dos homens. Em terras cearenses, porém, demonstramos evolução, mas ainda não chegamos ao ideal. No Estado, o 2º Relatório de Transparência Salarial, documento elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de setembro, mostra que as mulheres ganham 9,65% a menos do que os homens no Ceará. A remuneração média deles é de R$ 2.909,19 e a delas é de R$ 2.628,37.

Ainda há diferença, mas ela caiu. Isso porque, em março, o primeiro relatório indicou que, em média, o sexo feminino recebia 86,6% do salário pago aos homens no estado, ou 13,4% a menos. O cenário, portanto, demonstra avanço. Mas como é preciso melhorar, não se deve partir apenas do Poder Público, mas também das empresas, que têm o papel de simplesmente fazer o certo. É necessário corrigir distorções, pois há um desequilíbrio no tratamento e ainda na visão que se tem dos gêneros.

Beatriz Cavalcante beatriz.cavalcante@opovodigital.com

Editora-chefe de Economia do O POVO. Jornalista formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Tem MBA em Gestão de Negócios pela Ease Brasil e Certificação dupla em Marketing Digital pela ESPM e DMI

Por que as mulheres ainda são minoria na política?

A presença feminina na política tem aumentado, mas ainda é muito inferior a dos homens em cargos eletivos

Além da pouca representatividade, o ambiente político também é palco para casos de violência e desrespeito a candidatas e eleitoras. Apesar das conquistas das mulheres nos últimos anos e das leis que reforçam a segurança para as mulheres, ainda é difícil garantir a adesão de candidatas mulheres e, principalmente, que essas mulheres atinjam votos suficientes para serem eleitas, mesmo representando 52,47% dos eleitores.

Na luta pelas causas das mulheres, muitas mudanças em relação à política já foram conquistadas, como o surgimento do Partido Republicano Feminino em 1910, justamente com o intuito de garantir para as mulheres o direito ao voto e mais autonomia perante a sociedade da época. Em 1932, as mulheres conquistaram o direito ao voto, graças às articulações dos movimentos feministas.

Monalisa Torres é professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora do Laboratório de Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC)

As pesquisadoras políticas Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora do Laboratório de Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), e Paula Vieira, professora também vinculada ao Lepem, comentam os desdobramentos dessas conquistas.

“Cidadania e voto são categorias que andam juntas. O voto só é permitido para quem é considerado cidadão, e o voto feminino é uma coisa muito recente, uma conquista que foi alcançada depois de muita luta e uma luta que não foi simples, teve muita morte, muita perseguição. Essa luta é uma luta antiga, mas que tem dado resultados de formas diferentes e em alguns casos, conquistas bem recentes”, afirma Monalisa.

“É um processo lento. Se a gente pensar, o voto foi em 1932, e ainda estamos com muitas dificuldades em 2025. Então, a mudança histórica acontece devagar. Ela não acontece de um dia para o outro, ainda mais quando se trata de questões estruturais que estão no imaginário das pessoas. O imaginário que é uma ideia comum, é uma ideia inconsciente, é uma ideia que se manifesta na prática cotidia-

AURÉLIO
ALVES

na, sem necessariamente ter uma uma reflexividade no momento”, diz Paula.

Mesmo com a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), que exige que cada partido tenha um mínimo de 30% e um máximo de 70% de candidatos de cada sexo, as eleições de 2024 mostraram que, apesar do aumento de mulheres eleitas, elas seguem sendo minoria em cargos públicos. Para entender as problemáticas e os agravantes, as professoras e pesquisadoras políticas explicam o cenário atual do país e os caminhos para o ambiente político passar a ter mais mulheres em cargos de poder.

“Nós temos a parte institucional, que é dos partidos políticos, de permitir esse espaço de visibilidade para as mulheres. Os partidos têm instâncias internas de poder, que são elas que decidem o direcionamento partidário. Então, fazer parte da presidência, dos diretórios dos partidos, colocam as mulheres em mais visibilidade. Elas conseguem fazer um acúmulo de capital político. Se não há esse espaço, fica mais difícil para as mulheres ocuparem e ter esse acúmulo de capital político, que é considerado uma demanda de competitividade para as eleições. Do ponto de vista eleitoral, é uma mudança cultural que demanda muito mais tempo para que os eleitores se sintam confiantes no voto para votar em mulheres. Se sintam confiantes para ver essas mulheres como, de fato, sendo pessoas que podem ocupar espaços de poder e direcionar as políticas”, afirma Paula.

Em 2024, o número de mulheres eleitas para o cargo de prefeitas nas eleições municipais chegou a 727, um aumento significativo em comparação com os anos anteriores, o que pode vir a ser um bom indicativo, mas ainda um percentual muito baixo, considerando que o Brasil possui 5.565 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“O aumento do número de mulheres eleitas ocorre pelo interesse de participação das mulheres na vida pública e também pelo próprio incentivo conjuntural desse nosso momento histórico, que é de visibilidade às mulheres. Repetir essa pauta e falar da importância das mulheres em espaços de poder acaba chegando até a população. Consequentemente, abre essa porta, essa possibilidade de campanhas competitivas, consequentemente com mulheres eleitas, com apoio político de lideranças que já estão na vida pública, que tenham capital político”, explica a pesquisadora.

Para que esse número continue a aumentar, é necessário compreender o que é preciso ser feito para tornar o ambiente político menos hostil e desigual para as mulheres. Entre esses motivos, estão os estereótipos que ridicularizam e subjugam mulheres em diferentes cargos, seja na política ou em outros contextos. “O estereótipo principal está vinculado a uma ideia de feminilidade, que é construída junto de uma ideia de obrigações das mulheres na sociedade. A gente manifesta inconscientemente no dia a dia e acaba reforçando alguns estereótipos de gênero, que impactam a permanência das mulheres na política. A aproximação e a permanência”, pondera Paula.

O aumento do número de mulheres eleitas ocorre pelo seu interesse de participação na vida pública e também pelo próprio incentivo conjuntural desse nosso momento histórico, que é de visibilidade às mulheres. Repetir essa pauta e falar da importância das mulheres em espaços de poder acaba chegando até a população

AURÉLIO ALVES

A professora Paula Vieira acredita que fazer parte da presidência dos diretórios dos partidos dá mais visibilidade às mulheres

Monalisa aborda também os estereótipos. “Eu já fui perguntada, algumas vezes, por jornalistas, ‘por que mulher não vota em mulher?’. Isso é um mito que a gente precisa desconstruir. Isso não existe. O que acontece, na verdade, é que temos menos ofertas de candidaturas femininas e, entre essas candidaturas femininas, nem todas são tão competitivas. E coloco como competitivas, não no sentido do potencial da mulher. Estou falando também de menos incentivos dos partidos para as candidaturas femininas”, ressalta.

E seguiu: “Como se houvesse menos interesse, menos investimentos de estrutura, de dinheiro, de subsídio. Isso também funciona como um desestímulo. Uma das formas de fazer com que as mulheres votem em outras mulheres é ofertar um número maior de candidaturas femininas e, de fato, investir nessas candidaturas”.

Por estarem familiarizadas com as problemáticas que as mulheres enfrentam no cotidiano, é fundamental ter mulheres sendo representadas na política, como explicam as pesquisadoras. “Há uma perspectiva quando a gente fala de representatividade. Há uma leitura de que a democracia é mais qualitativamente bem sucedida e consolidada quando a sociedade é proporcionalmente representada nas suas arenas de decisão política. O que significa dizer que, se você tem uma população em que metade é constituída por mulheres, essa mesma população deveria estar representada. Nada melhor do que mulheres defendendo mulheres, com suas demandas, suas perspectivas, experiências, travessias e trajetórias”, ressalta Monalisa.

A professora lembra que passar na pele pelas experiências dá outra perspectiva para pensar em políticas públicas. “Para algumas questões, as mulheres são mais sensíveis porque são elas que acessam determinado serviço, são elas que vivenciam determinadas questões. Então quando você tem uma pessoa que é sensível a essas questões, e as mulheres tendem a ser, é mais fácil de você ser mais assertivo na elaboração das políticas públicas”, argumenta.

Paula vai na mesma linha, vendo os benefícios de ter mulheres na ponta em posição de tomada de decisões. “As mulheres têm uma visão da vida coletiva ampliada, porque elas trazem pautas que são próprias do cotidiano e que se aproximam muito da vida doméstica. Ao mesmo tempo, esse trabalho doméstico é um dos fatores impeditivos e também uma das questões que trazem a importância das mulheres nos cargos públicos, na vida pública. Elas conseguem ter uma visão geral do que é acesso à saúde, do que é acesso à assistência a programas sociais, não é à toa que os programas sociais estão vinculados às mulheres”, disse.

“Tem a ver com essa visão cotidiana da educação, o contato com a escola, por exemplo, quais são as demandas de educação. Isso faz com que as mulheres nos cargos públicos consigam ver a vida social, a vida coletiva de uma maneira mais integrada, com essas partes mais integradas compondo um todo. E, consequen-

temente, quanto mais mulheres participam da política, mais mulheres se sentem à vontade para participar, mais mulheres representam questões do cotidiano da vida coletiva”, comenta Paula.

A maternidade x Os cargos públicos

Segundo dados levantados pelo Instituto Alziras, no Censo de Prefeitas Brasileiras de 2021 a 2024, 85% das representantes são mães, o que reforça que as mulheres equilibram o maternar com o interesse de participar ativamente dos cargos públicos. Apesar das leis e medidas que já existem, por vezes, esse sistema não abrange a realidade de todas as mulheres, principalmente quando falamos de mulheres que são mães. A dupla jornada pode atuar como um fator determinante para o distanciamento físico das mulheres do cenário político.

“A gente precisa repensar muito sobre muitas questões relacionadas à maternidade, não é só na política que você precisa normalizar mulheres mães. Eu já vi casos de pesquisadoras serem preteridas de bolsas de editais porque eram mães ou porque elas estavam grávidas. E não é porque elas são mães que não vão desempenhar bem essas funções. Isso não é um obstáculo ou algo que impeça de exercer com excelência essas funções. Eu acho que a gente precisa repensar as relações de cuidado e como essas relações de cuidado também precisam ser equilibradas. O cuidado não cabe só a mulher”, afirma Monalisa.

A maternidade sempre foi um fator discriminante para mulheres em cargos de diferentes áreas e na política não é diferente. Em 2016, repercutiu a participação de Manuela D´Ávila no plenário com a presença da filha, e uma foto amamentando viralizou. Paula Vieira reflete as problemáticas envolvendo o caso.

“A participação das mulheres precisa se desdobrar entre espaço público e o espaço privado. O corpo da mulher no espaço público é rejeitado dessa forma, como se o maternar precisasse estar descolado da participação no espaço público. A gente vê a quantidade de violência política que as mulheres sofrem, isso é um ponto importante. A gente tá falando da presença da Manuela D´Avila amamentando a filha, que é extremamente simbólico, o que veio, depois disso, foram ataques recorrentes a Manuela e à filha. A rejeição chega na criança com o intuito de dizer que esse espaço não pertence a você”, comentou Paula.

Apesar de a maioria das mulheres já entenderem a importância desse debate, e lutarem por uma mudança de cenário, essa pauta precisa ser constantemente reforçada para que o entendimento possa ser revertido em votos e que isso também possa atingir eleitores e candidatos homens.

A gente precisa repensar muito sobre questões relacionadas à maternidade.

Não é só na política que você precisa normalizar mulheres mães. Eu já vi casos de pesquisadoras serem preteridas de bolsas de editais porque eram mães ou porque estavam grávidas. E não é porque elas são mães que não vão desempenhar bem essas funções

“A gente tem que pensar na democracia como um todo. É garantir que esses espaços realmente sejam ocupados por esses segmentos, por essa população, e permitir isso a partir de diferentes incentivos dentro do partido, dentro do parlamento, nos espaços públicos. É um processo longo. A mudança cultural de mentalidade e de espírito de uma época, que não se processa da noite para o dia, exige muita educação política, exige muito debate, exige políticas que efetivem essa paridade maior”, ressalta Monalisa.

“É um conjunto de ações feitas de forma ordenada e paralelamente que poderão produzir o efeito que a gente deseja. Uma democracia mais consolidada, uma democracia mais vigente, uma democracia que de fato garanta esses índices ótimos de representatividade”, finaliza a professora.

Para o agora e o futuro, os homens também precisam se engajar. “Os homens podem contribuir respeitando as legislações já existentes. Os homens podem contribuir reconhecendo que é necessário o cumprimento das legislações existentes e dar reflexão sobre novos mecanismos para que isso aconteça. Lembrando que a maior parte dos nossos representantes são homens. Então, infelizmente, nós dependemos da disposição desses representantes. Passa por observar e ouvir quais são as demandas de participação das mulheres”, acrescenta Paula.

AURÉLIO ALVES

Para Monalisa, a mudança cultural de mentalidade e de espírito de uma época que, não se processa da noite para o dia, exige muita educação política

Crescer e Permanecer

Jornalista, escritora, educadora e ativista, Anielle tem sido uma inspiração para muitos por sua atuação em prol das causas sociais e por sua resiliência diante de desafios pessoais e coletivos

Uma das vozes mais importantes na luta por justiça, igualdade e direitos humanos no Brasil, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, sabe bem o que significa ser mulher e negra em um contexto que ela mesmo define como “polarização por esse ódio que existe hoje na sociedade”.

Como diretora do Instituto Marielle Franco, que leva o nome de sua irmã brutalmente assassinada, ela transformou a dor em força, perpetuando um legado e ampliando a luta por direitos das mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+ e moradores das periferias.

Nesta entrevista, Anielle fala sobre aquilo que a motiva a seguir trabalhando nas causas em que acredita, o que mudou em sua vida depois que assumiu o ministério e a importância dos movimentos feministas e anti-racistas no Brasil.

Anielle Franco assumiu o Ministério da Igualdade Racial em janeiro de 2023

Revista Bárbaras: O que significa ser uma mulher negra na atual conjuntura brasileira?

Anielle Franco: Significa muita coisa. Não só o ser, mas também o de onde eu vim. É o que me move, o que me norteia, são as premissas que eu tenho levado, traduzido comigo desde pequena. Eu sei que não é uma conjuntura fácil, não é simples quando a gente se aceita enquanto mulheres negras nesse país, porque isso acarreta uma série de decisões, posturas e posicionamentos que precisamos levar, tomar e manter, mas é uma honra. É uma honra, inclusive, ser uma mulher negra à frente desse ministério, é uma honra ser uma mulher negra também e fazer parte desse governo, é uma honra vir da família que eu venho, que é uma família muito matriarcal, muito focada no letrar político, na resistência de mulheres negras. Desde sempre, meus pais e, principalmente, minha mãe nos ensinaram a importância do ser e do se portar sendo mulheres negras.

RB: Quais são os maiores desafios enfrentados por mulheres negras em cargos de liderança em setores como a política e a economia?

AF: São muitos os desafios, em várias dimensões, que vão da área política até a área econômica. Eu não tenho uma lembrança na minha mente de, em algum momento da nossa vida, termos tido uma vida fácil. Uma vida decente e digna, sim, mas fácil, eu não me recordo. Então, é por isso que quando eu falo que são muitos os desafios, estou pegando um pouco disso, da lembrança desses espaços, de como eu me forjei e como me criei até aqui. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que, apesar de todos os desafios, acho que precisamos chegar e permanecer nesses espaços. Tenho falado e repetido, desde 2023, que mulheres negras têm sido sub-representadas em espaços de poder, de decisão, em empregos bem remunerados, em locais onde a gente consegue ter uma visibilidade e um protagonismo. E, por outro lado, temos tido muitas mulheres, negras em sua maioria, sobre-representadas em espaços de falta de acesso e de violência. Sabemos que, infelizmente, no nosso país, a violência política tem crescido muito. A Mari [Marielle Franco] é um exemplo concreto disso. Também sinto que existe em uma retaliação ao fato de estarmos chegando e crescendo. É muito simbólico estarmos aqui. É por isso que eu falo, desde o começo, que são muitas as dimensões que formam esses desafios, que passam por desde você se aceitar, se entender, se colocar em um espaço, mas também permanecer nesses espaços, também dentro de uma sociedade que insiste em dizer que a gente não está preparada. Eu gosto de quebrar esses desafios.

RITHY DANTAS/DIVULGAÇÃO

RB: Após todos esses meses à frente do Ministério da Igualdade Racial, que histórias mais te inspiraram?

AF: Tenho duas histórias que me marcaram muito e são muito especiais para mim. A primeira foi quando nós estivemos no “Diálogos Amazônicos”. Fomos para Belém e, em determinado momento, havia um caminho que precisávamos fazer de barco e quando chegamos nessa cozinha, bem humilde, em cima do Rio Amazonas, nos deparamos com cinco mulheres que eram donas desse restaurante. Ao entrar na cozinha para conhecê-las, elas me reconheceram e começaram a chorar muito. Muito falando da minha mãe, lembrando da dor da minha mãe, mas falando também da dificuldade, dos desafios que elas enfrentavam por lá. Esse dia ficou marcado para mim, porque nos sentamos à beira daquele rio e ouvi histórias de mulheres que tinham o dobro da minha idade, e que contavam como elas resistiam, como elas estavam se mantendo firmes ali. Uma outra história é de uma senhora que criou uma das poucas escolas da Rocinha, uma favela gigantesca no Rio de Janeiro. Há 25 anos ela leva adiante essa escola, com muita garra e a ajuda da própria comunidade, formando crianças que vira e mexe passam por ela e contam suas histórias. Olha, hoje eu sou engenheira, hoje eu estou em tal lugar. Se não fosse por ela, com esse projeto ali, talvez essas pessoas não tivessem tido essas oportunidades.

RB: Como a senhora enxerga a importância dos movimentos feministas no Brasil?

AF: Sempre digo que todo e qualquer movimento que lute por direitos, por liberdade, são extremamente importantes. Os movimentos de mulheres negras, por exemplo, a gente sabe que somam desafios porque envolvem raça e gênero. Quanto mais bandeiras são levantadas, mais difícil e desafiador são para evitar retrocessos, esses retrocessos que cada vez mais temos visto, quase que diariamente na sociedade. Por isso é muito importante fortalecer todo e qualquer movimento que veio antes de nós, que fez com que hoje estivéssemos aqui votando, com liberdade de falar democraticamente de poder usar a roupa que quisermos. Recentemente,

eu e a ministra Cida [Cida Gonçalves, ministra das Mulheres] estivemos em um evento chamado Levante Feminista, que trata dessas pautas ali, com pessoas históricas dos movimentos feministas. Foi um momento de reforçar e cada vez mais fortalecer a nossa luta. Não é fácil, mas também acho que seria muito pior sem os movimentos. Quando era viva, a Mari [Marielle Franco] puxou, junto com o movimento de mulheres e de mães, a pauta das creches noturnas para mulheres que trabalham à noite e esse debate cresceu enormemente. Se não tivéssemos o movimento empurrando, não teria caminhado. Sou muito a favor e cada vez mais eu digo que é importante ter a sociedade civil junto com o governo, caminhando, com um projeto político que nos permita olhar para trás e dizer que valeu a pena.

RB: Por que ainda é tão baixa a representatividade feminina em cargos de liderança no setor público e privado?

AF: Este é um assunto bem complexo, mas conseguimos falar explicando a nossa realidade. Acho que hoje existe um sistema que, infelizmente, vai expulsando mulheres desses espaços. Mulheres que chegam carregando cada vez mais o peso do cuidado da família, com menos tempo de lazer, para estudar. Luto há muito tempo por essa pauta, junto com a minha irmã, a gente já falava, já debatia sobre isso. Vivemos em um sistema que, hegemonicamente e historicamente diz que esses lugares não são para nós. Sofremos com estigmas de gênero e raça, que impedem que possamos subir em nossas carreiras. Mas eu posso dizer, por estar auxiliando e vendo a movimentação de vários setores, que o governo tem atuado muito também para viabilizar projetos que corrijam essas distorções.

RB: Poderia citar exemplos?

AF: O projeto de igualdade salarial entre homens e mulheres. Outro exemplo, pensando em gênero e raça, são as cotas no serviço público. Tem o decreto de pessoas negras para cargos da administração pública, os pactos com as empresas... Ainda existe uma mentalidade na sociedade que nos nega esses espaços, mas também falta um pouco esse reconhecimento e entender que as mulheres estão prontas e preparadas

Anielle Franco defende todos os movimentos sociais que lutem por direitos

Anielle Franco considera que a Justiça começa a ser feita no caso do assassinato de sua irmã, Marielle

para entrarem e permanecerem em espaços de decisão no setor público e no privado, fazendo com que esses espaços sejam cada vez mais diversificados.

RB: O que que mudou na sua vida desde que se tornou Ministra?

AF: A única coisa que mudou muito desde que eu entrei aqui foi a minha segurança. Infelizmente, a violência política nos assola nesses espaços. Mas a Anielle enquanto pessoa, essência, valores, não mudou nada. Continuo fazendo tudo o que eu fazia antes de entrar aqui e vou sair do mesmo jeito. Muita gente, quando me encontra fala: você é povão, você é gente como a gente, você conversa. Eu não mudei e nunca vou mudar. Esse não é um cargo para que a pessoa deixe subir à cabeça e mude o seu caráter, quem você é, sua personalidade, muito pelo contrário, acho que tem que seguir na humildade, lembrando de onde viemos, que tem muitas pessoas que precisam de nós do lado de fora. A Anielle continua sendo mãe de duas meninas, sempre vai à missa aos domingos, cuida da família, está com a mãe, com o pai, quando é possível. Mas tem muita coisa que eu fazia antes que hoje não posso, por essa polarização e esse ódio que existe hoje no nosso país, pelas ameaças, pelo fato de eu ter sido cuspida na cara... Mas a essência da Anielle continua aqui.

RB: Como a família se sente hoje em relação ao avanço na justiça e ao julgamento dos executores do assassinato de Marielle Franco?

AF: Aqueles dois dias ali do júri da Mari foram momentos em que revisitamos muitas memórias do que a gente estava sentindo e pensando, naquele dia 14 até aqui. Não foi um momento fácil, muito pelo contrário, foi cheio de emoção para os meus pais, para minha sobrinha, para todo mundo que acompanhou a nossa luta. Mas sentimos que a justiça está começando a ser feita. Temos repetido a frases de que justiça mesmo seria se a Marie estivesse aqui. Sabemos que de corpo é impossível. Então esse júri trouxe para a família, depois de seis anos de luta, uma mínima sensação de justiça e um leve caminhar depois de tanto sofrimento. Falta uma etapa. Os mandantes são tão importantes quanto quem puxou o gatilho contra minha irmã. Sabemos que não vai ser fácil e é uma mistura de sentimentos porque ao mesmo tempo que a gente queria que ela estivesse aqui, que isso não tivesse acontecido, sabemos que não são todos que conseguem justiça, isso não é a realidade de todas as pessoas no nosso país. Por isso a importância dessa luta constante de conscientização, de melhoria de vida, de liberdade, de respeito às pessoas e seu direito de irem e virem dos lugares de trabalho, de suas casas. Essa é uma das pautas que a Mari defendia e que seguimos defendendo.

Artigo.

O papel da escola na vida das mulheres

Por Augusta Brito, Senadora (PT)

Mulheres com ensino superior ganham, em média, 63,5% mais do que aquelas com apenas o ensino médio, segundo o IBGE. Isso demonstra a importância da educação para reduzir a desigualdade salarial e aumentar a presença feminina em cargos de liderança

Educação é ferramenta essencial para o empoderamento feminino, abrindo oportunidades no mercado de trabalho, promovendo o empreendedorismo e garantindo autonomia financeira às mulheres.

No Brasil, a disparidade de gênero no emprego ainda é um desafio. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (Pnad), mostram que o ano de 2023 fechou com uma taxa de participação feminina na força de trabalho de 43%, apesar de representarem 51,5% da população, uma realidade que pode ser combatida com maior acesso à educação.

Mulheres com ensino superior ganham, em média, 63,5% mais do que aquelas com apenas o ensino médio, segundo o IBGE. Isso demonstra a importância da educação para reduzir a desigualdade salarial e aumentar a presença feminina em cargos de liderança. Além disso, o empreendedorismo feminino está em ascensão.

Relatório do Sebrae, elaborado em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas, indica que mulheres investem mais em capacitação, o que aumenta a longevidade de seus negócios.

Independência financeira também é um componente crucial para combater a violência de gênero. Dados da ONU Mulheres revelam que mulheres autônomas têm maior capacidade de romper ciclos de violência doméstica, um problema que ainda afeta três a cada dez brasileiras, de acordo com a 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, feita pelo Instituto DataSenado.

O governo Lula tem atuado para ampliar o acesso de mulheres à educação. Programas como o Prouni, Fies e o Pé de Meia têm ajudado mulheres de baixa renda a ingressarem no ensino superior. Além disso, iniciativas de capacitação técnica, voltadas especialmente para mulheres em situação de vulnerabilidade, têm sido uma prioridade, com foco em áreas como tecnologia e empreendedorismo. No Ceará, por exemplo, contamos com projetos como o Mulheres Mil, que oferta cursos profissionalizantes com foco no público feminino.

Investir na educação das mulheres é garantir uma sociedade mais justa e equitativa. Além de melhorar a vida das próprias mulheres, a educação promove o crescimento econômico. Segundo o Banco Mundial, cada ano adicional de escolaridade feminina pode aumentar o PIB per capita de um país entre 3% e 5%. Assegurar o acesso das mulheres à educação é fundamental para o desenvolvimento sustentável e para a igualdade de oportunidades no Brasil.

Augusta Brito sen.augustabrito@senado.leg.br

Formada em Enfermagem e Direito. Em 2005, foi eleita prefeita da cidade de Graça e reeleita em 2009. Em 2014, foi eleita deputada estadual. Em 2023, assumiu o Senado pelo Partido dos Trabalhadores. É titular de comissões como a CCJ, CAE, CE e CI.

Leitão,

Os desafios e as conquistas femininas na sociedade atual

A trajetória feminina ainda é marcada por barreiras culturais e estruturais que dificultam a plena inserção das mulheres nos mais diversos espaços, incluindo o ambiente jurídico. Essa realidade nos impõe um olhar crítico sobre as conquistas que alcançamos até aqui e os desafios que ainda permanecem, em especial no que diz respeito à igualdade de gênero.

transcende classes sociais e atinge mulheres em diferentes espaços, inclusive no ambiente de trabalho.

As redes de apoio entre mulheres são fundamentais para o fortalecimento da sororidade, um conceito que, apesar de simples, carrega uma poderosa mensagem de união e suporte mútuo. Não é apenas uma questão de ampliar a representatividade, mas de promover uma verdadeira transformação estrutural, em que a igualdade de gênero seja uma realidade em todas as esferas da sociedade

A ocupação dos espaços de liderança pelas mulheres na advocacia é uma conquista importante, mas precisamos fazer mais do que apenas ocupar esses lugares. É fundamental transformar essas esferas de poder e decisão, tornando-as inclusivas e sensíveis às questões de gênero. Um dos grandes desafios que as mulheres enfrentam é a conciliação entre vida profissional e pessoal, agravada pela imposição de papéis sociais historicamente ligados à figura feminina, como o cuidado com a família. Na advocacia, por exemplo, é comum ver advogadas lidando com jornadas duplas e, muitas vezes, enfrentando preconceitos que questionam sua capacidade de liderança e atuação em um ambiente ainda majoritariamente masculino.

Mesmo quando as mulheres ocupam posições de destaque, suas vozes são, por vezes, silenciadas ou subestimadas, e a diferença salarial entre homens e mulheres ainda é uma realidade em diversos setores. Na área jurídica, essa discrepância também se manifesta, exigindo de nós, mulheres, um esforço redobrado para sermos reconhecidas e valorizadas de forma equânime. O mesmo vale para o combate à violência de gênero, um problema estrutural que

Nesse cenário, as redes de apoio entre mulheres são fundamentais para o fortalecimento da sororidade, um conceito que, apesar de simples, carrega uma poderosa mensagem de união e suporte mútuo. Não é apenas uma questão de ampliar a representatividade, mas de promover uma verdadeira transformação estrutural, em que a igualdade de gênero seja uma realidade em todas as esferas da sociedade.

Mais do que nunca, é preciso reafirmar nosso compromisso com a luta pela igualdade de gênero e pelo respeito às condições femininas. Este é um momento crucial para reforçar o papel das mulheres na sociedade, não apenas como protagonistas de suas próprias histórias, mas como agentes de transformação em um mundo que precisa, urgentemente, ser mais igualitário e justo.

Christiane Leitão christiane@hlpadvogados.com.br

Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor), com especializações em Direito Processual Penal e Sociologia. Com um mestrado em Direito Constitucional pela Unifor, atualmente é presidente da OAB-CE (2024/2026). É membro efetivo da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica do Ceará, do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados do Ceará. Foi secretária-geral da OAB Ceará e desempenhou papéis importantes em conselhos municipais e estaduais voltados para os direitos da mulher. Também é secretária-geral da Comissão Nacional da Mulher Advogada e professora universitária.

Artigo.

O presente já é feminino

Por Sâmia Farias, Defensora Pública Geral do Estado do Ceará

Ser mulher em uma sociedade patriarcal exige esforço redobrado. Mas em meu cotidiano, estou cercada de mulheres fortes, determinadas, inovadoras e que sentem amor e respeito pelo outro. Isso é motivo de imenso orgulho pra mim

Não haverá futuro feminino, se as mulheres forem menosprezadas no presente. Nos últimos anos, o desemprego e a precarização do trabalho dificultaram ainda mais a subsistência das mulheres. Segundo dados da ONU, a pobreza atinge, sobremaneira, mais as mulheres: 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo são mulheres. A pressão para sustentar a família recai sobre elas, com 68% dos lares tendo mulheres como principais ou únicas provedoras.

Esse cenário é visível na Defensoria Pública, que, conforme a Constituição de 1988, tem o papel de proteger os direitos das pessoas vulnerabilizadas. Ao longo de 27 anos da sua institucionalização, a Defensoria do Ceará tem sido forjada na luta dessas mulheres por direitos, seja no direcionamento institucional, na fila dos balcões ou mesmo atrás deles. Hoje, somos 789 mulheres, entre defensoras, estagiárias e colaboradoras. A maioria das pessoas que adentram nossas portas diariamente atrás de direitos são mulheres.

Outro dado para pensarmos: a Defensoria é atualmente a única instituição do sistema de justiça cearense chefiada por uma mulher e a única entre os poderes constituídos (legislativo estadual, executivo e judiciário). Dentre as oito gestões da Defensoria Geral, sou a sétima mulher na linha sucessória. Mesmo com esse histórico, quando assumi esse desafio, enfrentei perguntas sobre minha capacidade de conciliar trabalho e maternidade e ainda

percebo no cotidiano uma sociedade que associa a capacidade de liderança de uma mulher à sua condição pessoal, algo impensável no universo masculino.

Assim, é importante repetir a frase da ex-presidenta do Chile, Michelle Bachelet: “Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas entram, muda a política”. A política está em todos os lugares, não apenas nos espaços eletivos, e nos mostram a transversalidade de um olhar com enfoque no feminino.

Finalizo dizendo que ser mulher em uma sociedade patriarcal exige esforço redobrado. Mas que, em meu cotidiano, estou cercada de mulheres fortes, determinadas, inovadoras e que sentem amor e respeito pelo outro. Isso é motivo de imenso orgulho pra mim.

Que os espaços que desbravamos diariamente - conquistados pela luta de muitas que nos antecederam - se abram para as muitas mulheres que virão.

Sâmia Farias samia.farias@defensoria.def.ce.br

Defensora pública geral do Estado Ceará. Formada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Ciências Criminais, ingressou na Defensoria Pública do Estado do Ceará em 2008, atuando em Trairi, Cascavel, Aquiraz e Fortaleza. É titular da 8ª Defensoria do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial (Napi), em Fortaleza.

Artigo.

As mulheres em busca de seu lugar

Juliana Diniz, Professora do curso de Direito da UFC, Vice-Diretora da Editora UFC, Escritora e Articulista do O POVO

Não faz muito tempo que um famigerado mentor de executivos fez uma declaração problemática sobre as diferenças de gênero: “Deus me livre de mulher CEO”. Para esse empresário, que gozava de uma boa credibilidade nas redes sociais e no universo da administração de empresas, a função de liderar é tipicamente masculina, exigindo atributos que, quando exigidos de uma mulher, a “masculinizam”, tornando-as más esposas, más cuidadoras, mães insuficientes. Para meu alívio, a declaração foi recebida com o descrédito que merecia. Uma reação enfática de mulheres em postos de liderança deixou clara uma certeza que já deveria estar incorporada no mundo business: lugar de mulher é onde ela quiser.

lugar no mundo. Nós, mulheres, empreendemos uma luta árdua: demonstrar que temos direito ao pleno reconhecimento de nossa liberdade e que, assim, devemos ter nosso lugar assegurado, protegido, respeitado.

Um lugar é um espaço de repouso e um refúgio, um espaço de existência, onde podemos ser quem somos sem qualquer medo ou angústia, onde estamos confortáveis na própria pele e podemos nos dedicar a um trabalho que nos gratifique e motive

Reavivo esse episódio que mobilizou opiniões porque ele é uma oportunidade para pensarmos sobre o sentido de “lugar” para nossa vida. Ele é fundamental e pode se referir a muitas coisas, concretas ou metafóricas. Um lugar é um espaço de repouso e um refúgio, um espaço de existência, onde podemos ser quem somos sem qualquer medo ou angústia, onde estamos confortáveis na própria pele e podemos nos dedicar a um trabalho que nos gratifique e motive. É, sobretudo, um espaço onde podemos viver relações livres do medo e da violência.

Podemos definir esse lugar existencial e físico como a reunião de todas as condições necessárias para uma vida digna, uma vida que valha a pena ser vivida. Como todas as pessoas têm o direito reconhecido à dignidade, todos temos direito a buscar o nosso

Por isso, a reação coletiva das líderes à fala misógina do executivo foi tão precisa e importante: toda mulher tem (ou deve ter) o direito a viver a vida como achar melhor, porque, é ela quem decide qual é o lugar que lhe cabe. Essa afirmação de dignidade e independência não implica que estejamos abraçando o individualismo – longe disso. Significa que, em um mundo que oprime tanto as mulheres, cada uma de nós deve ter direito a viver o próprio de florescimento, a fim de que possa se desenvolver e, por meio de suas próprias escolhas, estabelecer uma vida comprometida com seu bem-estar e com o bem-estar do outro.

Juliana Diniz julianacdcampos@gmail.com

Doutora em Direito pela USP, é autora das obras: “Memória dos Ossos”, “O Instante-quase”, “Sob o sol de Lisboa” e “O mergulho”, entre outras.

Por Soraia Thomaz Dias Victor, Conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará

Artigo.

Desafios da equidade de gênero no setor público

Em 2003, fui indicada e sabatinada pela Assembleia Legislativa e nomeada pelo Governador do Estado para compor o quadro de Conselheiros do Tribunal de Contas do Ceará: a primeira mulher a ocupar o cargo, até então, ocupado por homens. Nesses 21 anos, os desafios têm sido muito grandes, demandando trabalho para vencer os obstáculos que permeiam a consolidação da competência feminina.

a essa realidade. Em 2022, a Atricon criou Grupo de Trabalho de Igualdade de Gênero, incentivando os Tribunais de Contas a adotar medidas que ampliem a participação feminina, especialmente em posições de liderança.

A equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especificamente o ODS 5, que visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas. Apesar dos desafios, a ONU estima que levará 140 anos para que as mulheres estejam igualmente representadas em posições de liderança

A equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especificamente o ODS 5, que visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas. Apesar dos desafios, a ONU estima que levará 140 anos para que as mulheres estejam igualmente representadas em posições de liderança. Esse dado nos leva a refletir sobre a urgência de ações efetivas para acelerar esse processo.

Estudos, como o realizado pela especialista Sandra Naranjo, ressaltam que, embora as mulheres ocupem 46% das posições de liderança em setores como Desenvolvimento Social, Educação e Saúde na América Latina, essa representatividade diminui em áreas como Planejamento e Segurança, onde o percentual cai para 38%. No Brasil, a situação é mais crítica, com 25,8% de mulheres em cargos de liderança em setores-chave e 15,4% em áreas estratégicas. Os números revelam uma cultura organizacional que privilegia a presença masculina em esferas decisórias.

A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas tem se mostrado atenta

A promoção da equidade de gênero é responsabilidade não só das mulheres, mas da comunidade. É preciso reconhecer que as desigualdades estruturais existem como a diferença salarial e a sub-representação feminina em cargos de liderança, e que a mudança é um passo essencial para o desenvolvimento de sociedades mais justas, inclusivas e democráticas. Somente com a participação ativa da sociedade poderemos vislumbrar um futuro onde todos sejam ouvidos e valorizados com isonomia. A luta pela igualdade de gênero deve ser contínua, persistente e incessante, refletindo um compromisso coletivo pela transformação social.

Christiane Leitão cons_soraia@tce.ce.gov.br

Primeira mulher Conselheira do TCE Ceará, ingressando em 2003, onde foi presidente no biênio 20042005. Graduada em Engenharia Civil e Direito, cursou Ciências Econômicas. Especialista em Administração da Qualidade. Secretária da Administração do Estado do Ceará de 1999 a 2002.

Juliana Alves Povos indígenas são protagonistas de suas histórias e querem ocupar espaços

Secretária dos Povos Indígenas no Ceará fala sobre sua vida sendo filha da liderança Cacica Pequena e reflete sobre o futuro da luta indígena no Brasil

Juliana Alves nasceu em uma família grande. São 15 irmãos, entre homens e mulheres, parte do povo Jenipapo-Kanindé, de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza. A matriarca dessa família é responsável, não só por seus filhos, netos e bisnetos, mas é símbolo de um povo inteiro e de uma luta constante pela garantia de direitos para outros indígenas.

Sua mãe é Maria de Lourdes da Conceição Alves, conhecida como Cacica Pequena, considerada a primeira mulher cacique do Brasil. Ela é, segundo a tradição, pioneira entre as caciques mulheres do país com atuação na luta pela causa indígena desde os anos 1990. Cacica Pequena fez questão de

compartilhar o cacicado para duas de suas filhas: Juliana e Jurema.

Mas, além de seguir o legado da mãe, Juliana traça sua própria jornada no trabalho de políticas públicas para indígenas. Desde 2023, a cacique é secretária dos Povos Indígenas Estado do Ceará, pasta criada pela primeira vez justamente no ano em que assumiu.

Sua bagagem traz atuação como antropóloga, professora indígena e a formação em licenciatura em Educação Indígena e mestrado em Antropologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela foi diretora na Escola Indígena do Povo Jenipapo-Kanindé e é cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

FOTOS:
Juliana Alves é secretária dos Povos Indígenas do Estado do Ceará

Juliana Alves sempre lutou pelos direitos dos povos originários e de sua comunidade

Revista Bárbaras: A senhora, que cresceu vendo a sua mãe atuar ativamente na causa indígena, sempre soube que gostaria de dar continuidade a esse trabalho?

Juliana Alves: Eu sempre digo que a minha mãe usou uma estratégia para que eu pudesse ajudar e ingressar na luta juntamente com ela. Aos 10 anos, eu já saía para as atividades com a minha mãe, principalmente quando era atividade que ia precisar de leitura ou escrita. Então, desde muito cedo, eu participava das conferências, das assembleias. Ela sempre dizia assim ‘Juliana, você precisa ir comigo para que você possa escrever e tudo que você escrever, quando eu chegar na aldeia, eu repasso para a comunidade’. Então, essa foi uma das estratégias que minha mãe utilizou para que eu pudesse estar no movimento indígena, não só local, mas também a nível de Estado. Então, bem jovem eu já participava de assembleias juntamente com outras lideranças. Eu fui tomando pé da situação e vendo as necessidades, fui me aproximando mais e mais, e já não consigo mais largar até atualmente.

RB: Sua mãe é a primeira mulher cacique reconhecida do Brasil. Como foi crescer com ela? Qual foi a maior lição que ela lhe ensinou?

JA: Crescer com a Cacica Pequena geraram vários desafios. Primeiro, eu venho dessa linhagem matriarcal de uma mulher que teve 16 filhos, que sofreu de uma certa forma nas relações no que diz respeito à questão familiar,

de esposo. Mas o que a mãe sempre me ensinou, diante de toda a sua trajetória de vida, é que ela transformou a dor na luta. Por mais que minha mãe tivesse sido uma mulher que sofreu violência doméstica, uma mulher parideira, como ela mesma diz, buscou forças para que ela pudesse reivindicar o direito de todo um povo. E, para mim, foi excepcional poder ter sido criada por uma mulher que, de uma certa forma, me moldou. Claro que minha mãe me criou e cria até nos dias atuais com muitas expectativas no que diz respeito à minha pessoa enquanto indivíduo. Dos 16 filhos, eu fui a única que acessei a universidade, fui a única que me formei, que tenho um mestrado. E a mãe exige sempre muito de mim por depositar todas as expectativas em mim. Logo que defendi a minha dissertação de mestrado ela dizia assim ‘minha filha, ano que vem você já começa o doutorado’. Olha que terminei a dissertação de mestrado no dia 13, defendi dia 13 de dezembro de 2022, e ela, consequentemente a isso, já queria que eu fosse para um doutorado. Eu sou a filha mais nova das mulheres, a 13ª, e ela sempre teve esse olhar de amor, de cuidado, mas, ao mesmo tempo, também de muitas exigências.

RB: Mesmo com 16 filhos, ela escolheu a senhora e sua irmã Jurema para seguir o cacicado. Como foi esse momento? Ela preparou vocês duas para isso?

JA: A mãe é diabética, então, em 2010, a mãe teve, para além de ter a situação da diabetes em si, um índice depressivo muito grande. Ela já não queria mais se

alimentar, ela teve umas fragilidades. Como ela já vinha, de uma certa forma, me moldando, me preparando para estar nesse espaço enquanto militante, enquanto uma jovem que participa ativamente do movimento indígena no estado do Ceará, ela perguntou se eu queria receber o cacicado. E eu disse para ela que eu só aceitaria, eu era muito jovem, na época eu tinha 24 anos, mesmo eu já tendo responsabilidades, porque eu fui mãe muito jovem, eu fui mãe aos 15 anos de idade, mas eu dizia muito para mim ‘não, eu sou jovem, tenho 24 anos, de uma certa forma, o cacicado vai me impedir com algumas coisas do tipo bebedeira, curtição, (coisas) que um jovem gosta de fazer. Eu fui e disse para ela que eu até aceitaria, mas se eu tivesse o apoio e a ajuda da minha outra irmã, que também era envolvida com a luta do povo e do movimento indígena. A gente se reúne, nós três, eu, Cacica pequena e a Cacica Jurema, a gente decide que seria um cacicado triplo. A mãe passa para a comunidade e tem toda a aprovação da comunidade. A comunidade aprova com muita satisfação e diz que a aldeia vai estar nas mãos de pessoas responsáveis e competentes. E, então, dia 9 de abril de 2010, foi feita a passagem de cacicado da Cacica Pequena para as duas filhas, para a Cacica Jurema e para a Cacica Irei. Sendo que a Cacica Pequena, naquele momento, queria entregar o cacicado e, de uma certa forma, viver a velhice dela e tudo, como manda o figurino. Mas a gente começou a perceber que minha mãe estava adoecendo psicologicamente pelas pessoas já não procurarem mais ela para perguntar, saber opiniões e tudo. A gente decidiu que o cacicado da Cacica Pequena, ele é da Cacica Pequena e a única pessoa que vai tirar esse cacicado dela é o nosso pai Tupã, quando chamar ela para vós. A gente tem, desde 2010, uma aldeia direcionada por três cacicas mulheres da mesma geração e que a gente faz esse cacicado triplo.

RB: Em que momento a senhora decidiu entrar para a política para defender as causas indígenas?

JA: Decidi entrar para a política em 2012, quando eu me filiei ao PDT. Uma amiga chegou dizendo ser importante a filiação, eu me filio ao PDT, com a perspectiva de que talvez a gente saísse candidata a vereadora, mas depois a gente fez uma análise de uma conjuntura política atual, no momento do município, e a gente viu que não daria para a gente. Em 2013, eu saio do PDT e me filio ao PCdoB, o Partido Comunista do Brasil. A gente começa as preparações para que, em 2016, eu saia candidata a vereadora no município de Aquiraz. Saímos candidata a vereadora e a gente decidiu ser no espaço da política onde a gente consegue avançar no que diz respeito a criar mesmo políticas públicas para os povos indígenas. Povos esses que, de uma certa forma, vivem numa vida de vulnerabilidade social muito grande. E aí seria no campo da política que a gente construiria essa política. Em 2022, também a convite do partido e da própria comunidade, a gente decide vir enquanto candidata a deputada estadual, sempre levando a cultura do nosso povo na cabeça mesmo, nos adereços, participei de toda a campanha política, entrando nos espaços de cocar, porque dava um significado a mais de que seria uma campanha diferente.

Eu acredito que a política pode ser feita assim, uma política transparente, uma política onde a gente inclua os mais vulneráveis e não exclua como é o que é, de uma certa forma, transitado. Então, eu tenho um interesse muito grande pela política partidária, porque entendo que é através da política que a gente constrói ações para desenvolver junto ao campo.

RB: Como antropóloga, professora e agente pública, quais foram as maiores dificuldades nessa trajetória?

JA: Dificuldades a gente encontra em todo e qualquer espaço que a gente esteja ocupando. Como professora de profissão, eu venho desse campo da educação e percebo que, por exemplo, uma das dificuldades no que diz respeito às escolas indígenas, é a gente ainda não ter o material produzido pelo próprio território, pelas próprias aldeias, para a gente poder ter como subsídio para dar aos nossos alunos. Então, isso fica muito aquém. E aí, tantas outras dificuldades que a gente enfrenta que a gente não tem nem como citar o tanto, porque são tantas coisas que perpassam, mas que a gente também não fica atrelado às dificuldades. A gente vai buscando um caminho daqui, um caminho dali, superando essas dificuldades para a gente poder avançar.

RB: Como secretária dos Povos Indígenas, quais foram as suas principais dificuldades e conquistas?

JA: Eu diria, enquanto titular da pasta da Secretaria dos Povos Indígenas, que uma das primeiras dificuldades que a gente enfrentou, de uma certa forma, é a questão de criar uma pasta nova. Mas, ao mesmo tempo que a gente teve o respaldo e subsídio do governador [Elmano de Freitas, PT] para que essa pasta fosse criada, mas não somente criada, que as demandas dos povos indígenas pudessem ser trabalhadas nessa pasta. Neste um ano e dez meses que nós estamos à frente da pasta da Secretaria dos Povos Indígenas, é preciso falar que nós temos diversas demandas juntamente aos povos indígenas. E demandas que já são antigas, que já existiam bem antes

Como professora de profissão, eu venho desse campo da educação e percebo que uma das dificuldades no que diz respeito às escolas indígenas é a gente ainda não ter o material produzido pelo próprio território, pelas próprias aldeias, para a gente poder ter como subsídio para dar aos nossos alunos

da criação da Secretaria dos Povos Indígenas, mas que, com o tempo, a gente tem buscado sanar de acordo com as possibilidades que a nós, enquanto órgão do Estado, são dadas. A gente busca sanar essas dificuldades, principalmente criando e implementando políticas públicas de valorização de territórios indígenas, a esses povos. Então, as conquistas são várias. Desde sua criação. A gente consegue configurar que a criação da secretaria, da primeira Secretaria dos Povos Indígenas, já é uma grande conquista. A gente diz que é uma reparação histórica a criação da Secretaria dos Povos Indígenas, porque a gente sai do espaço de invisibilidade, de governos que invisibilizam essa pauta para um governo que visibiliza completamente a pauta dos povos indígenas. A Secretaria dos Povos Indígenas busca trabalhar a transversalidade juntamente com as demais secretarias. A gente tem acordo de cooperação técnica com a SSPDS (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará), com a Secretaria de Cultura, com a SDA (Secretaria do Desenvolvimento Agrário), na superintendência do Idace (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará). A gente vem desenvolvendo esse trabalho conjunto, juntamente com outras secretarias, para que a gente possa avançar no diálogo e na construção de políticas públicas de eficácia para os territórios indígenas.

RB: Qual é a importância da representatividade indígena à frente das políticas públicas?

JA: Precisamos dizer que nós, enquanto mulheres, sejam mulheres indígenas, mulheres negras, mulheres assentadas, mulheres brancas, pardas ou amarelas, nós enfrentamos até os dias atuais essas dificuldades no que diz respeito mesmo à questão de gênero nos espaços de poder. Mas a gente tem sido muito bem recepcionados, sempre que a gente tem solicitações que são feitas, independente da parte

a ser dirigida por um homem ou por uma mulher, a gente tem buscado avançar, a gente tem buscado negociar ações que são importantes e pertinentes aos indígenas. É claro que, enquanto sujeito de promoção de políticas, a gente precisa estabelecer acordos que a gente direcione o nosso público de que nós estamos avançando, afinal de contas, o slogan do nosso Estado, do nosso governador, é ajudar as pessoas a avançar o Ceará. Então, a gente tem buscado fazer com que os nossos indígenas que estão no chão do território sejam assistidos e tenham o melhor governo que eles poderiam ter. Esses acordos também perpassam por algumas negociações que de fato são necessárias. Então, é preciso a gente dar o entendimento ao outro gestor de que aquela política reivindicada é uma política importante. Isso a gente tem conseguido fazer bem. Existem as dificuldades, vai existir o desarranjo em alguns momentos, mas que a gente tem conseguido sanar, que a gente tem conseguido dialogar. Então, tudo isso a gente tem conseguido fazer.

RB: Luta antiga de sua mãe é a questão da proteção e demarcação de terras indígenas. Como a senhora avalia o cenário atual? Tivemos avanços?

JA: No cenário sobre as demarcações das terras indígenas, a gente sai de um cenário onde o Estado do Ceará era contabilizado como um dos estados que menos se tinha terra indígena demarcada para um cenário onde o Estado do Ceará hoje contabiliza com a demarcação física de quatro territórios em curso. Em novembro de 2024, a gente iniciou a demarcação física do povo Tapeba (em Caucaia), mas já tivemos a demarcação física do povo de Jenipapo-Kanindé que é meu povo, que se finalizou no mês de abril de 2024. Tivemos a demarcação do povo Tremembé, de Acaraú, de Queimadas. Tivemos a demarcação física do povo Pitaguary, de Maracanaú e Pacatuba. Então, a gente tem avançado no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no Estado do Ceará e agora a gente vai concluir com a demarcação física do território indígena Tapeba. É importante deixarmos registrado que o processo de demarcação física não é uma responsabilidade do Estado. Na verdade, o processo de identificação, de demarcação, de homologação, de desintrusão, não é um processo que se configura para que o Estado em si tenha essa responsabilidade. A responsabilidade de demarcar, homologar, oficializar no cartório oficial, enquanto terra legítima da União para usufruto daqueles povos é do Governo Federal através da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). O Estado do Ceará traz um cenário bem específico do Ceará, onde o governo do estado injeta recursos e orçamento para que a Funai possa garantir a demarcação física desses territórios. Contando com essa sensibilidade, com essa responsabilidade, mas acima de tudo, contando com o apoio do governo do Estado do Ceará é que a gente tem avançado nessa pauta.

RB: Em 2023, houve uma grande discussão sobre o marco temporal, o Congresso foi favorável, o STF ainda avalia. Qual sua avaliação sobre a pauta?

JA: Quanto ao marco temporal, a gente precisa entender que tem gerado um conflito mesmo e desestabilizado, de uma certa forma, o movimento indígena brasileiro. É aí onde as pessoas, os parentes, têm buscado se inteirar mais e mais. A gente sabe que é inconstitucional, e isso já foi inclusive colocado no STF (Supremo Tribunal Federal), enquanto inconstitucionalidade, mas é claro que existe todo o interesse por trás de tudo isso.

RB: Atualmente, qual é a maior dificuldade enfrentada pelos povos indígenas na busca pelos seus direitos?

JA: Os povos indígenas continuam lutando para que tenham a garantia e a permanência de seus direitos. Desde o campo do território, a saúde, a educação, a moradia, esporte, lazer, esses povos continuam lutando para que eles possam ter dignidade e soberania de vida. Então assim, não existe ‘os povos indígenas eles hoje se preocupam só com isso’. Não, os povos indígenas se preocupam com todo esse conjunto até para que as futuras gerações elas possam ter esse direito garantido, mas não somente garantido na Constituição Federal, mas que esse direito ele perpasse pela garantia, pela execução e pela permanência para que essas gerações elas possam ter esse direito no chão dos seus territórios. Então, é uma gleba de ações que esses povos reivindicam. E a gente não pode, enquanto poder público, a gente não pode negligenciar que esses direitos são direitos básicos à vida e que nós, enquanto poder público, quanto gestores, a gente só precisa avançar para a gente poder dar esse subsídio que esses povos necessitam.

RB: Em todos os seus anos de atuação, levando melhores condições de vida para os povos indígenas, que momento foi mais marcante para a sua trajetória?

JA: Um dos momentos mais marcantes que eu vou levar pra minha vida, enquanto pessoa, foi eu poder fazer a junção, juntar o Governo do Estado, o Governo Federal, em uma terra indígena, reivindicar pelos seus direitos pela autonomia de seu povo, que foi lá no povo Tapeba, no dia 1º de novembro de 2023. O nosso governador Elmano de Freitas juntamente com a ministra [Sonia Guajajara] e a presidenta da Funai [Joenia Wapichana] e outros representantes do poder público, assinaram ali aquele termo de cooperação técnica, onde visava demarcar fisicamente quatro territórios. Porque é um marco que ninguém nunca mais vai poder voltar atrás. Nenhum outro governo, seja ele federal, estadual ou municipal, não vai tirar o direito desses povos de ter a sua terra demarcada fisicamente. Isso foi um marco que ficou e que se dará por muitos e muitos anos

Os territórios indígenas também são impactados no que diz respeito a essa questão dos danos ambientais, das mudanças climáticas. Infelizmente, chega também até os territórios, muitas das vezes, essas pessoas que querem degradar o meio ambiente fazendo grandes queimadas. Todo mundo, de uma certa forma, sofre com isso

Juliana Alves considera que o Marco Temporal das terras originárias tem desestabilizado o movimento indígena

AURÉLIO ALVES

Cláudia do Ó Pessoa é professora da Universidade Federal do Ceará e pesquisadora da Fiocruz Ceará

Mais mulheres na ciência

Elas continuam sub-representadas em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, com uma lacuna de gênero persistente, especialmente em disciplinas tecnológicas e exatas, como física, ciências de dados e engenharia

Arepresentatividade feminina na ciência é um tema central no debate sobre igualdade de gênero em várias esferas profissionais. Embora as mulheres tenham conquistado grandes avanços nas últimas décadas, a presença delas nas áreas científicas ainda é insuficiente, especialmente em áreas como física, matemática, engenharias e computação.

“O número de mulheres participando da ciência tem aumentado gradualmente, mas ainda enfrentamos desafios significativos relacionados a desigualdades e falta de oportunidades que precisam ser superados para garantir um ambiente mais equitativo e de reconhecimento. Embora as mulheres representem uma parcela crescente dos discentes que concluem pós-graduação, especialmente em níveis de mestrado e doutorado, esse aumento não se reflete quando observamos a quantidade de mulheres em níveis mais elevados de pesqui-

sa, como as pesquisadoras bolsistas de produtividade (PQ-nível 1A), ou o número de mulheres que atuam como inventoras e empreendedoras, utilizando de inovações e tecnologias desenvolvidas por elas”, afirma Cláudia do Ó Pessoa, Professora Titular de Fisiologia do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC e Pesquisadora Associada da Fiocruz Ceará.

Segundo Cláudia, as mulheres continuam sub-representadas nas chamadas áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). “Isso evidência que ainda há muito a ser conquistado para alcançar a equidade de gênero nas ciências, e é fundamental adotar medidas que promovam uma maior inclusão, reconhecimento e apoio a mulheres em todas as etapas de suas carreiras científicas e inovadoras”, afirma.

Segundo a Unesco, apenas 30% dos cientistas são mulheres, e esse número é ainda menor quando se trata de cargos de liderança na ciência. No Brasil, conforme os dados do CNPq, o número total de doutores do gênero masculino é de aproximadamente 172 mil, enquanto as mulheres somam cerca de 179 mil. “No entanto, quando observamos os números de bolsistas de produtividade, a disparidade de gênero é evidente, com as mulheres ocupando uma fração menor desse reconhecimento”, analisa Cláudia.

Segundo ela, no estado do Ceará, o número aproximado de pesquisadores bolsistas de produtividade é de 390, dos quais apenas 21 são bolsistas de produtividade nível 1A. Desses, apenas 4 mulheres alcançam esse nível mais elevado. “As áreas representadas incluem ciências exatas e da terra, ciências agrárias, ciências da saúde e ciências biológicas. Destaco que, atualmente, sou a única bolsista PQ1A em biotecnologia nas regiões Norte e Nordeste, o que reflete ainda a sub-representação feminina em campos científicos avançados”, conta.

Luciana Alleluia participa do projeto Mulheres e Meninas na Ciência, que estimula alunas do ensino médio a se entenderem como possíveis e potenciais cientistas

Ter mulheres visíveis na ciência é fundamental, pois serve como uma poderosa inspiração para as novas gerações de meninas e jovens mulheres. Elas podem se ver representadas em papéis de liderança científica, acreditando que é possível seguir carreiras em áreas científicas, incluindo aquelas tradicionalmente dominadas por homens. A representatividade feminina na ciência é crucial para garantir a igualdade de oportunidades, fomentar a inclusão e promover uma ciência mais diversa e inovadora, capaz de gerar soluções mais completas e acessíveis para os problemas que afetam a sociedade.

Cláudia é um dos grandes nomes da ciência cearense e brasileira. Tem dedicado sua vida a explorar a rica biodiversidade brasileira para identificar compostos bioativos que possam ser desenvolvidos como novas terapias no combate ao câncer. Para Lucia-

Ainda há muito a ser conquistado para alcançar a equidade de gênero nas ciências, e é fundamental adotar medidas que promovam uma maior inclusão, reconhecimento e apoio a mulheres em todas as etapas de suas carreiras científicas e inovadoras

ACERVO

na Alleluia, enfermeira de formação, especialista em saúde mental e psiquiatria, mestre em ensino na saúde e doutora em ciências do cuidado em saúde, é fundamental a representatividade feminina no universo da ciência. “Hoje, essa representatividade ainda é muito tímida. O que aconteceu por muitos anos foi um apagamento, um lugar que foi retirado da mulher, de ser alguém pensante, apenas executante”, afirma.

Historicamente, mulheres cientistas foram invisibilizadas ou descreditadas em suas descobertas. Exemplos de figuras notáveis, como Marie Curie, que foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel e a única pessoa a ganhar dois prêmios Nobel em áreas distintas (Física e Química), e Rosalind Franklin, cujo trabalho foi crucial para a descoberta da estrutura do DNA, revelam como o reconhecimento feminino foi muitas vezes relegado a segundo plano, apesar da importância de suas contribuições.

No entanto, apesar das dificuldades impostas pelo contexto social de suas épocas, essas mulheres e outras fizeram história. Elas pavimentaram o caminho para que novas gerações de meninas e mulheres pudessem sonhar com carreiras científicas e se tornarem parte desse universo.

Estudos apontam que a diversidade de gênero pode impulsionar a inovação e a criatividade na ciência. A inclusão de diferentes perspectivas permite a construção de soluções mais abrangentes e eficazes para problemas complexos. Por exemplo, a inclusão de mulheres nas pesquisas sobre saúde tem revelado lacunas significativas nas abordagens que antes negligenciavam as especificidades do corpo feminino, como nas áreas de doenças cardíacas e de cuidados com a saúde mental.

Além disso, um maior número de mulheres na ciência pode contribuir para a desmitificação dos estereótipos que

Cláudia reconhece que as mulheres continuam subrepresentadas nas chamadas áreas STEM: ciência, tecnologia, engenharia e matemática

Zé Gotinha e Luciana Alleluia em uma das muitas campanhas de vacinação da Fiocruz Ceará
ACERVO

associam a ciência a um campo exclusivamente masculino, abrindo portas para futuras gerações de meninas que desejam se dedicar a essas áreas.

Em seu trabalho na Fundação Osvaldo Cruz Ceará, Luciana participa hoje do projeto Mulheres e Meninas na Ciência, que estimula meninas do ensino médio a se entenderem como possíveis e potenciais cientistas. “Tem sido um trabalho muito interessante que a gente vem desenvolvendo, inclusive inspirador para essas jovens que querem ingressar no universo da ciência. Nesses três anos que estou ligada a este projeto, já encontramos meninas, que agora já são adultas, dizendo o quanto foi importante poder viver essa experiência da ciência, que as influenciou diretamente em suas escolhas. Muitas estão ingressando agora no universo da graduação em farmácia, física, química, enfermagem”, conta.

É preciso muito mais para garantir uma representatividade feminina na ciência. Apesar dos avanços, ainda existem grandes desafios para a plena inclusão das mulheres nas ciências. A desigualdade salarial, a falta de reconhecimento e a escassez de modelos femininos em áreas dominadas por homens são apenas alguns dos obstáculos que as cientistas enfrentam. Em muitas áreas, as mulheres representam uma porcentagem significativamente menor de pesquisadores e líderes de projetos, o que reflete a persistência de estereótipos de gênero e a falta de acesso a redes influentes de apoio.

Além disso, a ciência ainda é amplamente dominada por um modelo masculino que, muitas vezes, não considera as especificidades da experiência feminina, seja na condução de pesquisas, seja na aplicação prática dos conhecimentos. O equilíbrio entre vida pessoal e profissional é um fator crítico que afeta muitas cientistas, principalmente em contextos onde há pouca flexibilidade para quem assume responsabilidades familiares. “Acredito que as instituições precisam garantir fomento para as mulheres, para que elas possam pesquisar, fazer com que as mulheres estejam sempre vinculadas a projetos maiores. A gente sabe que equidade é muito mais do que isso, é oferecer possibilidades diferentes para pessoas diferentes”, afirma Luciana.

Para Cláudia, as ações devem começar com o monitoramento e a criação de políticas explícitas de igualdade de gênero que garantam a igualdade de oportunidades em todas as fases da educação escolar, passando pela universidade até a seleção em programas de pós-graduação e oportunidade em cargos de liderança.

“Incentivo de cursos em áreas em que existe desigualdade de gênero. Criar programas de apoio e aceleração de carreiras científicas para mulheres, incluindo incentivos em áreas de inovação e empreendedorismo, além de fo -

É preciso incentivo de cursos em áreas em que existe desigualdade de gênero. Criar programas de apoio e aceleração de carreiras científicas para mulheres, incluindo incentivos em áreas de inovação e empreendedorismo, além de fomentar a publicação e visibilidade de pesquisas realizadas por mulheres

mentar a publicação e visibilidade de pesquisas realizadas por mulheres”, afirma Cláudia.

Como exemplo, ela cita o “Programa Mulheres Inovadoras”, iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), que estimula startups lideradas por mulheres, já na sua 5º edição em 2024. “Assim como desenvolver programas específicos de capacitação para mulheres em posições iniciais ou intermediárias de carreira científica, focados em habilidades de liderança, gestão de projetos e comunicação científica. As instituições científicas devem ser proativas na criação de um ambiente inclusivo, onde mulheres e homens tenham as mesmas oportunidades de se desenvolver e contribuir para o avanço da ciência, alicerçado na transparência, ética e respeito múto”, conclui.

Artigo.

Conquistas das mulheres no universo acadêmico

Por Izabelle Mont‘Alverne Napoleão Albuquerque, Reitora da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)

Como única mulher reitora do estado do Ceará, minha trajetória é marcada por desafios, superações e, principalmente, conquistas. Sou professora universitária, enfermeira, mãe, esposa e, antes de tudo, mulher. Minha caminhada não foi simples, mas reflete a luta e a capacidade das mulheres de romper barreiras e ocupar espaços que, por muito tempo, nos foram negados.

Iniciei minha carreira com o propósito de cuidar, como enfermeira, de vidas em momentos vulneráveis, o que me trouxe uma profunda compreensão do valor da empatia e do comprometimento. Posteriormente, meu desejo de ensinar me conduziu à sala de aula, onde pude inspirar e formar novos profissionais. Essa paixão pela educação me fez perceber que minha contribuição não poderia parar ali. Aceitei novos desafios e, com muito estudo e dedicação, conquistei a reitoria da Universidade Estadual Vale do Acaraú, um espaço que, historicamente, foi dominado por homens.

inspiração para outras mulheres. Quero que vejam que é possível construir uma carreira sólida no meio acadêmico, manter uma vida pessoal equilibrada e, ainda assim, ser agente de transformação. Nossa presença nas universidades, nos cargos de liderança e em todas as esferas da sociedade é fundamental. E essa conquista não é apenas minha, é de todas nós.

Convido cada mulher a acreditar no seu potencial, a ocupar espaços que lhes pertencem por direito e a lutar pela equidade de gênero, especialmente no campo acadêmico. Afinal, nossas conquistas são o reflexo de uma jornada que começou há muito tempo, mas que ainda tem muito a avançar.

Convido cada mulher a acreditar no seu potencial, a ocupar espaços que lhes pertencem por direito e a lutar pela equidade de gênero, especialmente no campo acadêmico. Afinal, nossas conquistas são o reflexo de uma jornada que começou há muito tempo

Essa vitória pessoal é também coletiva, pois representa a força de tantas outras mulheres que, como eu, equilibram suas vidas profissionais e pessoais. Ser mãe, esposa e gestora universitária não é fácil, mas acredito que o empoderamento feminino nasce justamente na conciliação dessas diferentes dimensões. Cada passo dado nessa jornada foi uma reafirmação de que nós, mulheres, temos capacidade para conquistar qualquer espaço que desejarmos.

Meu objetivo, enquanto reitora, vai além de gerenciar uma instituição de ensino. Quero servir de exemplo e

Izabelle Mont‘Alverne Napoleão Albuquerque izabellemontalverne@gmail.com

Professora, enfermeira de formação, graduada pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Possui mestrado e doutorado em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Pós-doutorado em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Por Adriana Guimarães Costa, Diretora Geral do campus

Fortaleza do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Ceará (IFCE)

Artigo.

Cuidar das mulheres é preservar a democracia

Diversas análises apontam que as mulheres têm sido uma espécie de barreira de contenção ao avanço da extrema-direita no Brasil, especialmente na região Nordeste. Pesquisas demonstram que, em geral, as mulheres são mais preocupadas com o bem-estar da família, mostram-se mais resistentes às posturas armamentistas, repudiam comportamentos violentos e preconceituosos.

Por outro lado, parte dessa inclinação decorre da reação das mulheres por serem as maiores vítimas da violência doméstica, também do fato de enfrentarem, cotidianamente, o machismo e preconceitos de toda ordem em nossa sociedade, num país que tem números trágicos de feminicídio.

É nesse contexto que os Institutos Federais de Educação possuem papel central na garantia dos direitos básicos de cidadania.

de prevenção ao assédio sexual e de atendimento às vítimas desse tipo de violência na instituição.

Essas ações devem considerar a necessidade de promover a igualdade de oportunidades, contribuir para o aprimoramento do desempenho acadêmico e agir, preventivamente, nas situações de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras das estudantes, em consonância com a Política Nacional de Assistência Estudantil.

O campus Fortaleza do IFCE abriga estudantes do ensino médio ao doutorado. Tornar esta instituição mais acolhedora de nossas estudantes mulheres foi diretriz central na elaboração de meu plano de gestão para o quadriênio 2025 – 2029, após ser eleita a primeira Diretora Geral mulher em 115 anos de história

O campus Fortaleza do IFCE abriga estudantes do ensino médio ao doutorado. Tornar esta instituição mais acolhedora de nossas estudantes mulheres foi diretriz central na elaboração de meu plano de gestão para o quadriênio 2025 – 2029, após ser eleita a primeira Diretora Geral mulher em 115 anos de história.

Para isso, pretendo criar um programa de apoio à estudante-mãe, mediante estruturação de espaço-creche para seus filhos, como forma de garantir o apoio e a permanência dessas estudantes na instituição. Também entendo necessário valorizar a equipe de assistência estudantil para fortalecer o atendimento das demandas biopsicossociais, realizando ações

Desse modo, fortalecer as ações de assistência estudantil por meio da ampliação e democratização do acesso aos serviços ofertados, bem como assegurar orçamento necessário e eficiência na aplicação dos recursos são fundamentais na construção de uma instituição cada vez mais inclusiva. Cuidar de nossas estudantes mulheres, garantir sua dignidade, liberdade e que possam bem-viver é também cuidar da democracia e de seu futuro.

Adriana Guimarães Costa adrianagc@ifce.edu.br

Graduada em Engenharia Sanitária pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestra em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB e doutora em Engenharia Civil pela Universiadde Federal do Ceará (UFC).

Artigo.

Escalada da mulher no meio acadêmico-científico

Por Ana Paula Ribeiro Rodrigues, Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Atualmente, embora ainda seja muito modesta, a presença e influência feminina no cenário acadêmico-científico nas universidades e instituições de pesquisa brasileiras têm crescido e revelado o poder da mulher nesses setores que são fundamentais para o desenvolvimento científico do país.

O Ceará, por exemplo, é um dos estados com representação feminina, como Secretárias de estado, Reitoras, Vice-Reitoras, Pró-Reitoras e Pesquisadoras de renome nacional e internacional. Sem dúvidas, a sociedade hoje experimenta e aplaude a conquista e o papel de destaque da mulher. O sentimento que transborda de dentro de nós, mulheres, é que enfrentamos desafios mais árduos, pois, além de tudo, temos que lutar contra o preconceito de gênero que ainda é muito forte na nossa sociedade.

colegas, colaboradores, etc) que acreditam e enxergam o nosso potencial, nos proporcionando oportunidades de mostrarmos e pôr em prática o nosso talento.

Especificamente, com relação à minha trajetória como docente/pesquisadora e pró-reitora de uma importante instituição de ensino superior para o Ceará e para o Brasil, ressalto que minha caminhada, assim como de muitas mulheres de sucesso, tem sido marcada por grandes desafios, porém, o que me acalma o coração é saber que esses mesmos desafios têm sido interpretados e absorvidos como inspiração para outras mulheres e meninas (alunas) que iniciam suas trajetórias e que, sem dúvidas, seguirão na trilha da liberdade em busca da sua percepção.

Sem dúvidas, a sociedade hoje experimenta e aplaude a conquista e o papel de destaque da mulher. O sentimento que transborda de dentro de nós, mulheres, é que enfrentamos desafios mais árduos, pois, além de tudo, temos que lutar contra o preconceito de gênero que ainda é muito forte na nossa sociedade

Abro aqui um espaço para destacar o que ouvi recentemente em fala da Profa. Cláudia Xavier, vice-presidente do Fórum de Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa: “nós, mulheres, estamos nos qualificando cada vez mais, mas não estamos ainda ocupando cargos de relevância”. Além disso, o gerenciamento do tempo para a dedicação ao trabalho e a vida pessoal, considerando a maternidade e as, não menos importantes, obrigações domésticas, também são fatores que em certas ocasiões nos põem em desvantagens frente ao desempenho masculino.

Felizmente, ao longo de nossa trajetória, vamos descobrindo meios e conquistando aliados (professores,

Ana Paula Ribeiro Rodrigues anapaula.rodrigues@uece.br

Veterinária, possui Mestrado e Doutorado em Ciências Veterinárias e Pós-Doutorado em Biotecnologia da Reprodução. Docente de Graduação e de Pós-Graduação da Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Atualmente é Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Uece e Pesquisadora PQ 1A do CNPq.

Os 365 dias de Outubro

Criado há 16 anos, depois de consolidado em algumas partes do mundo, o Outubro Rosa do Ceará trabalha o ano inteiro pela conscientização sobre o câncer de mama

OMovimento Outubro Rosa Ceará celebrou em 2024 os 16 anos de luta no combate e enfrentamento ao Câncer de mama, o Câncer de colo de útero e pela Saúde da Mulher no Ceará, com uma ampla programação em Fortaleza e nos 183 municípios do Interior do Estado.

“O que motivou a criação do Movimento Outubro Rosa aqui no Ceará foi justamente o nosso ativismo, o nosso compromisso com as causas feministas”, explica Valéria Mendonça, coordenadora do Movimento no Ceará.

O surgimento do movimento no Ceará nasceu também de uma necessidade de maior presença no estado, com mobilizações sérias e consistentes. O Movimento Outubro Rosa é mundial e acontece desde a década de 1990. No Brasil, o primeiro sinal do envolvimento da sociedade com a campanha se deu em outubro de 2002, quando o

Por Daniel Oiticica

Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo, foi iluminado com luzes cor de rosa. Depois disso, o evento seguiu morno nos anos seguintes. Somente em 2008 a movimentação ganhou força em várias cidades brasileiras que abraçaram o Outubro Rosa, fazendo campanhas, promovendo corridas e, assim como no resto do mundo, iluminando os principais monumentos com a cor rosa durante a noite.

“Aqui no Ceará, fizemos uma primeira edição em 2009, que foi muito boa, realizada com o apoio das instituições que trabalham, até hoje, com apoio à saúde da mulher, especialmente na questão das mulheres que tiveram câncer de mama ou estão passando por ele”, conta Valéria. Nesta entrevista para a Revista Bárbaras, Valéria fala sobre as ações do Movimento e seus principais desafios para continuar incluindo e conscientizando mais homens e mulheres para continuar salvando vidas.

Valéria Mendonça é uma das fundadoras do Movimento Outubro Rosa no Ceará

Revista Bárbaras: Como foram os inícios do Movimento Outubro Rosa no Ceará?

Valéria Mendonça: As realizadoras da edição inicial do Movimento Outubro Rosa no Ceará foram a Assocrio, a Associação dos Amigos do Crio, a Casa Vida do Instituto do Câncer do Ceará, o Grupo Renascer do Hospital Geral de Fortaleza, a Associação Toque de Vida, que é uma das mais antigas do Ceará, a Associação Rosa Viva e o Grupo Amar. Junto com todas essas instituições de mulheres que tinham câncer fomos fazendo parcerias e conseguimos realizar a primeira edição em 2009 só na capital. E aí, em 2010, a gente avançou um pouco para a região metropolitana. Em 2011, a começamos a criar uma tecnologia social chamada Mapa Rosa, o Mapa do Compromisso, e fomos engajando todos os municípios. Hoje, o movimento acontece nos 184 municípios do Ceará.

RB: Quais são os principais desafios enfrentados pelo Movimento na conscientização sobre o câncer de mama?

VM: Um dos maiores desafios, desde o início e que persiste até hoje, é justamente a falta de informação, de participação popular, de controle social e as políticas públicas. Hoje, temos leis que não são efetivas. Todos os anos estamos nas ruas, exigindo que façam valer as nossas leis. Inclusive, um dos grandes eixos do movimento é o advocacy, que nada mais é do que a força que a sociedade faz para fazer valer as leis. A desinformação é um grande desafio. As pessoas não sabem os seus direitos fundamentais, direitos sociais, como a saúde, que é um direito neste país, é um direito constitucional, um direito humano e um direito social. O câncer de mama é uma doença que tem 95% de chance de cura quando descoberta na sua fase inicial, mas no Brasil e na América Latina e em grande parte do mundo as mulheres ainda chegam de forma tardia ao diagnóstico. Outro problema está relacionado à Lei Lei nº 11.664, de 2008, que dispõe sobre a efetivação de ações de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei determina a realização do exame a partir dos 40 anos, mas o Ministério da Saúde e o Inca recomendam para a faixa de 50 a 69 anos. Mas estamos sempre fazendo o dever de casa, explicando, indo aos postos de saúde, à mídia, conscientizando as mulheres. E se a doença, infelizmente, chega cada vez mais cedo, não há por que querermos que uma lei que atende aos 40 anos perca sua eficácia, sua efetividade.

RB: Como a população cearense tem respondido às campanhas realizadas durante o Outubro Rosa?

VM: A população cearense, na verdade, já espera

essa onda rosa que acontece durante o mês de outubro. Inclusive, sem nenhuma vaidade, mas o Outubro Rosa Ceará é um dos movimentos mais consistentes do Brasil. Nosso formato é arrojado, comprometido e responsável. Tem, inclusive, inspirado o Outubro Rosa Brasil e o Outubro Rosa Internacional. Nós já vamos fazer agora a nossa segunda edição, dialogando com a África Lusofônica, para discutir a questão do câncer nos países africanos, no caso Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe. E a gente vai nessa toada, com a capital e o interior se preparando, as unidades básicas de saúde, o poder público como um todo, hospitais. Também realizamos as Blitz Rosa, em que em setembro as pessoas já ficam muito ligadas na questão de como atender a população, porque sabem que a gente vai cobrar. Temos uma programação muito diversa que inclui de caminhadas, a corridas, regatas e palestras que fazemos nas empresas, nos movimentos sociais, nas ruas, nas igrejas. Como diz o nosso slogan, a nossa luta é todo dia, mas a nossa programação é bem focada em outubro. E agora, nessa edição 2024, tivemos um reforço da Secretaria de Saúde do Estado que veio lançar o programa de Outubro a Outubro Rosa para manter a chama acesa da luta dessa causa, essa luta em relação ao combate e enfrentamento ao câncer de mama. A sociedade cearense tem dito sim à vida e não ao câncer de mama.

RB: Quais são as principais mensagens que o movimento busca transmitir sobre a importância da detecção precoce do câncer de mama?

VM: A questão da conscientização sobre a importância do diagnóstico precoce. Sabe-se que o câncer é uma doença que ainda mata 50 mulheres por dia no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer, mas sabe-se também que é uma doença que tem 95% de chance de cura quando descoberto na sua fase inicial. Então, isso nos leva a fazer esse alerta de forma muito contundente. Outra mensagem importante também é falar sobre a questão do autocuidado, que aí inclui autoexame, atividade física, alimentação saudável e hábitos saudáveis em geral, como não fumar, não beber, combater o sedentarismo em geral. As mensagens são bem marcantes, além de outras que também enfatizamos muito no Outubro Rosa, como a importância de conhecer os direitos. O eixo do advocacy é um eixo importante do movimento, porque aproveitamos para fazer o letramento e a formação de educação popular em saúde. Temos a Cartilha Rosa, que traz os direitos das pessoas com câncer, das pessoas usuárias do SUS, das pessoas em relação à saúde no Brasil, que é um direito social, humano e constitucional. Apostamos muito na importância das campanhas que envolvem o autocuidado, porque é trazer para o

cidadão e para a cidadã a responsabilidade com a sua própria saúde.

RB: Como o movimento tem trabalhado para atingir comunidades mais vulneráveis e com menos acesso a informações ou serviços de saúde?

VM: O Movimento Outubro Rosa Ceará tem uma premissa, que é a de levar a informação onde ela menos chega ou nem sequer chega, em forma de atividades lúdicas, com a educação popular e atividade de promoção da saúde. Em 2015, assumimos o compromisso de ser 100% inclusivos. Fazemos o Outubro Rosa quilombola, o Outubro Rosa indígena, o Outubro Rosa povo de terreiro, o Outubro Rosa com a população em situação de rua. E nas comunidades em geral. Fortaleza realiza o Outubro Rosa em todos os bairros, uns mais organizados, outros nem tanto, mas procuramos dar suporte. O Instituto Avon tem sido um grande aliado nessa luta, por forne -

JOÃO FILHO

cer material informativo. A informação, no caso do câncer, pode salvar vidas, porque a gente sabe que a doença mata, mas a desinformação e a falta de conhecimento mata muito mais. As pessoas não entendem como é o passo a passo no SUS, onde é a entrada para o sistema de saúde, poucos entendem que é a partir do posto de saúde que tudo se dá, é a partir da atenção primária que as coisas acontecem. Temos ido às comunidades mais vulneráveis e a todos os cantos de Fortaleza, nessa perspectiva de levar informação de qualidade, transformadora, fazendo uma conexão comunidade, saúde pública, muitas vezes envolvendo a academia também. Para isso, temos o Outubro Rosa Universitário, que envolve o universo do ensino e da pesquisa. Para 2025, estamos estruturando o Outubro Rosa Favela, porque eu acho que a favela hoje é um grande espaço de resposta social.

RB: Qual é o papel da educação e da comunicação no combate ao câncer de mama?

VM: A educação e a comunicação são fundamentais, não só no caso do combate ao câncer de mama, mas em todos os aspectos da saúde. Essa dobradinha, saúde e educação, está cada vez mais potente. Inclusive, no atual governo Lula, restabelecemos o Fortalece PSE, que é o programa Saúde na Escola, justamente entendendo que a educação é fundamental para o alcance da saúde. São coisas complementares. Eu falo na saúde no sentido amplo, na educação no sentido amplo e falo na educação popular em saúde, que é o letramento, a forma de você acessar as pessoas de acordo com o nível de entendimento delas, a forma que você tem para chegar, para levar informação dentro da compreensão de cada um. E a comunicação tem sido uma aliada nossa, inclusive a mídia tem sido uma grande aliada. Essa comunicação também que precisamos praticar em termos de saúde, entender que mesmo em tempos de tecnologia temos que acessar outras formas que não só a internet, que não só as redes sociais. Temos que desenvolver materiais de linguagem simples. É um cartaz, é

O POVO Educação realizou na sede do jornal, em 2024, evento em comemoração aos 16 anos do Outubro Rosa Ceará

uma cartilha, inclusive nós estamos agora lançando uma cartilha em braile para que ela seja, de fato, inclusiva. Em 2024, tivemos o prazer, a honra e a satisfação de fazer uma parceria com O POVO, onde realizamos um evento que lançou a campanha aqui no Ceará. Termos como aliado o Grupo O POVO não é pouca coisa.

RB: Como você avalia as políticas públicas de saúde no Ceará relacionadas à prevenção e ao tratamento do câncer de mama?

VM: O Estado do Ceará, no momento, está com o seu plano de oncologia em vigor e em pleno curso. Há um compromisso do governo estadual de avançar nessa questão do acesso a consultas especializadas, ativar a questão também da oncologia nas policlínicas. O nosso movimento conta com a Carta Rosa, que é uma ferramenta de luta em que elencamos 60 pontos durante esses 16 anos de tudo o que nós gritamos e lutamos para que seja efetivo, sejam as leis, sejam os compromissos assumidos enquanto políticas públicas. Temos que entender que política pública de saúde só é efetiva se ela acontecer nas três esferas de governo, de forma tripartite. A parte que compete à União, a parte que compete aos estados, a parte que compete aos municípios. São os municípios que têm que dar conta lá da prevenção propriamente dita, do diagnóstico precoce. Mais do que ter políticas públicas, queremos que elas sejam efetivas.

RB: Quais são as parcerias que têm sido fundamentais para o sucesso do movimento?

VM: O movimento é social e autônomo do ponto de vista financeiro e administrativo. Não temos nenhuma amarra com governos, empresas, com indústria farmacêutica, com ninguém. Somos um movimento realmente social que se mantém de pessoas voluntárias que trabalham na coordenação do movimento e fazendo acontecer. Temos uma comissão executiva e um comitê técnico, científico que é todo voluntário. Temos o Grupo Rosa, que é um grupo de mulheres ativistas que fazem a interlocução com toda a sociedade. Temos o Grupo Vitoriosas em Ação, que são mulheres que tiveram ou estão passando pelo câncer de mama, que também ativam a causa. E temos as parcerias institucionais, a Assembleia Legislativa, a Secretaria Municipal de Saúde, a Secretaria Estadual de Saúde, o Conselho Estadual de Saúde, o Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza e os conselhos do interior. Nós temos o COSEMS, que são os Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde. E várias instituições que dão suporte, empresas e a mídia, como o Grupo de Comunicação O POVO. Temos o Fortaleza Esporte Clube, que nos últimos cinco anos nos dá uma renda de 10 reais a cada camisa vendida, que tem ajudado a

O que me motiva é saber o poder que o povo tem, seja numa ação de advocacy, quando conseguimos incluir um medicamento de alto custo no SUS, seja quando fazemos uma ação no posto de saúde, e obrigamos que os horários dos profissionais estejam lá para a população ter acesso. E também quando a gente vê o Ministério da Saúde desenvolvendo o mecanismo de políticas públicas cada vez mais equânimes, diversas e inclusivas

fazer as grandes ações. A sociedade pode ajudar muito, participando das atividades, seja na igreja, seja nas nossas caminhadas, seja nas corridas, seja na regata, o sucesso do movimento tem sido garantido pela participação consciente. Outra coisa interessante foi nossa iniciativa de fazer o Outubro Rosa Sindical, que a gente acabou chamando a classe trabalhadora para se cuidar, envolvendo sindicatos para ter uma função social, para além da função trabalhista. Fora isso, a sociedade se compromete com o Outubro Rosa 60+ e o Outubro Rosa Kids, que é a criançada vindo dar o apoio às suas mamães, incentivando-as a se cuidar.

RB: O que motiva Valéria Mendonça a liderar este movimento?

VM: Sou administradora hospitalar de formação, ativista social de carteirinha, defensora do SUS, especialista em terceiro setor. Me envolvi nessa causa lá atrás, não só como ativista e como defensora do SUS, mas tendo a oportunidade de trabalhar em um centro de tratamento de câncer,

que foi o Crio, Centro Regional Integrado de Oncologia, onde passei quase 10 anos. Sou servidora pública da Secretaria de Saúde do Estado, onde já trabalhei em vários hospitais, inclusive no querido HGF, onde a gente tem o maior carinho no centro de mastologia de lá. O que me motiva é saber o poder que o povo tem, seja numa ação de advocacy, quando conseguimos incluir um medicamento de alto custo no SUS, seja quando fazemos uma ação no posto de saúde, e obrigamos que os horários dos profissionais estejam lá para a população ter acesso, quando a gente vê o Ministério da Saúde desenvolvendo o mecanismo de políticas públicas cada vez mais equânimes, diversas e inclusivas. A minha alegria é quando a gente teve a capacidade de fundamentar há 15 anos um desejo daquela mulher cadeirante que não conseguia alcançar o mamógrafo porque a cadeira não subia, mas dialogando com a indústria, dialogando com quem faz a mamografia, dialogando com essa própria mulher, hoje a gente tem os mamógrafos inclusivos, que são mamógrafos de bandeja regulável. Então, quando a gente olha para trás, eu todo dia me motivo, primeiro, por ajudar as pessoas e por acreditar na força do povo, por acreditar no SUS. Eu acabo que todo dia eu me acordo olhando para trás e, como a luta

realmente na saúde não é fácil, e se for na área da oncologia, pior ainda, porque é uma coisa que tudo é para ontem, nada espera. Tanto é que a gente tem aquela máxima que diz que quem tem câncer tem pressa, mas não é pressa de morrer, não é pressa de viver, é de ser feliz.

RB: Que mensagem você gostaria de deixar para homens e mulheres sobre o papel de todos na luta contra o câncer de mama?

VM: Que se cuidem, que pratiquem o autocuidado, que procurem enxergar seus direitos e que possam, de fato, imaginar a saúde numa perspectiva de bem-estar físico, mental, psíquico e espiritual. Que possam levar uma vida emocionalmente equilibrada, socialmente feliz e farta. Meu grande recado vai para as pessoas que tiveram câncer ou que estão passando por ele. Acreditem, acreditem que é possível ter essa virada de chave após a descoberta da doença. Sabemos que essa luta é uma luta árdua, mas que é possível ter uma vida de qualidade. Este recado também vai para os homens, porque a gente sabe que os homens também estão suscetíveis a ter câncer de mama. De 1% a 2% de câncer de mama no mundo atinge os homens. Eles são grandes aliados nessa batalha.

Os jornalistas Cliff Villar e Lêda Maria são homenageados pelo Movimento Outubro Rosa Ceará, no marco dos seus 16 anos de atuação

Artigo.

Outubro Rosa como promoção de saúde e autocuidado

Por Valéria Mendonça, Coordenadora do Movimento

Outubro Rosa Ceará

O câncer de mama é uma doença que, em pleno 2024, ainda mata 50 mulheres por dia no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca/MS). Esse indicador realmente é um alarde e tem preocupado a saúde pública e, sobremaneira, as mulheres no Brasil

Iniciamos o nosso relato sobre o câncer de mama e o Movimento Outubro Rosa Ceará, confirmando que a nossa luta no combate e enfrentamento à doença. Vale a pena, e enquanto movimento social de massa pela saúde da mulher, termos dado nosso recado social e conseguido a cada edição engajar, cada vez mais, o conjunto da sociedade, o poder público, empresas, instituições de classe, terceiro setor e movimentos sociais.

O Movimento Outubro Rosa Ceará, nesses 16 anos de atuação em todo o Ceará, tem sido um grande protagonista social, no combate e enfrentamento ao câncer de mama, pela saúde da mulher na integralidade e pelo reconhecido advocacy ostensivo, que tem sido porta-voz de pacientes oncológicos em geral.

O câncer de mama é uma doença que, em pleno 2024, ainda mata 50 mulheres por dia no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca/MS). Esse indicador realmente é um alarde e tem preocupado a saúde pública e, sobremaneira, as mulheres no Brasil.

Lembramos que o câncer de mama também acomete aos homens. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de 1% a 2% dos cânceres de mama afetam os homens, sendo esse tipo mais agressivo ainda, na maioria dos casos.

Visando estimular a saúde de homens e mulheres, o Movimento Outubro Rosa Ceará também espelhou o Movimento Novembro Azul e a cada edição, essa integração fica ainda mais intensa e efetiva.

Nos dias atuais as pessoas às vezes se perguntam: por que tantos casos de câncer? Essa alta incidência tem múltiplos fatores. Um dos preponderantes, que todos nós devemos saber, é que o câncer é uma doença prevalente na população com mais de 60 anos, em um país que está envelhecendo.

Outro fator importante é que as pessoas estão tendo mais acesso para rastrear a doença, realizar biópsias, subsidiando esses dados estatísticos. Existem também os fatores modificáveis, valorizados pela prática do autocuidado, que envolvem o auto exame, a alimentação saudável, a atividade física e hábitos saudáveis em geral, que quando não garantidos, constituem importantes fatores de risco.

Lembramos a importância de reconhecer que o SUS, no caso do Brasil, é quem garante o tratamento do câncer para a grande maioria da população e temos uma grande questão de advocacy junto a saúde suplementar, para excluir o câncer do rol de doenças pré existentes.

Valéria Mendonça valeriamendoncapt@yahoo.com.br

Servidora Pública Estadual da Saúde, feminista, ativista, defensora do SUS, administradora hospitalar, gestora da Célula de Atenção à Saúde das Comunidades, Tradicionais e Populações Específicas, especialista em Terceiro Setor, especialista em Marketing Político e MBA em Gestão de Pessoas.

Artigo.

Tive uma vida de muitos NÃOS, onde a cada NÃO eu criava mais força para lutar pelo que eu realmente queria. Sempre foi assim, vindo da Ditadura Militar, quando esbarrei diante de grandes princípios na vida real, quando fui presa em meio a tantas que sofriam só por ser quem eram

Púlpito de brilho

Durante a minha luta e trajetória de vida muitas pessoas me perguntam se tudo que eu consegui foi sorte. Eu respondo: pura determinação. Eu, mulher, travesti, preta em busca de conquistas sempre discriminada em todos os aspectos só por ser Eu, não qualquer uma, mas uma pessoa de temperamento forte de grandes decisões, para saber o que quer e ter a certeza do que quer.

Isso aconteceu comigo. Uma vida de muitos NÃOS, onde a cada NÃO eu criava mais força para lutar pelo que eu realmente queria. Sempre foi assim, vindo da Ditadura Militar, quando esbarrei diante de grandes princípios na vida real, quando fui presa em meio a tantas que sofriam só por ser quem eram.

Naquela época, as primeiras tentativas me serviram de escola e cada porrada na cara era uma nota que um dia, se juntasse todas, daria para passar e concluir a faculdade da minha vida, mas tudo começava ali. Deixando a casa de meus pais, fui viver em um mundo rodeado de discórdias, falsidades e o que sempre procurava era o estrelato, sabia que tinha que amassar muito barro para fazer meu próprio púlpito (era meta), eu só queria SER.

Aos 18 anos, arranjei com um amigo um emprego de carteira assinada como Estilista, mas durei pouco, coloquei uma saia e me colocaram pra fora da empresa. Saindo de casa, fui me aventurar por outras terras, Salvador, onde fiz minha alfabetização, conheci muitos artistas que me ensinaram a ser e viver.

Na Bahia, trabalhei, amei, me dediquei, mas mesmo assim, para uma mulher travesti era complicado viver seus

sonhos. Precisava de mais concreto pra realizar meus sonhos de ser e ter uma independência. Europa era o próximo caminho. Larguei tudo e fui atrás de uma ilusão que eu não sabia que existia. Nas mãos de uma cafetina, fiz o que eu não pensava em fazer, até me livrar de tudo aquilo. Trabalhei de várias maneiras para ter minha sobrevivência. Passaram-se seis anos e a tentativa era longa mas era apenas aprendizado.

Voltando para o Brasil, trazendo muita bagagem de tudo que eu tinha visto e aprendido, voltei a minha terra e encontrei meu Púlpito de Brilho, conseguindo um local que eu queria tanto, ser uma mulher travesti na TV.

Comunicadora, estilista, maquiadora, produtora, cozinheira e muito mais. Nos currículo, soma 40 anos de palco, consolidada como estrela da clássica boate Divine, onde dublou , cantou e dançou, e apresentou talentos. Também realizou a primeira Parada da Diversidade de Fortaleza e conquistou o país com o programa “Glitter: em busca de um sonho”, um reality show de baixo orçamento que unia gays e travestis nas tardes de domingo da TV aberta.

Artigo.

Tremembé da Barra: mulher indígena e encantaria

Por Cacique Adriana Tremembé

Mestra da Cultura reconhecida pelo MIC, Liderança Indígena do Povo Tremembé da Barra do Mundaú-CE

Era início dos anos 1970 quando eu, ainda criança, sentada entre as rodas de raspagem de mandioca e de escolha de feijão com meus pais e avós, aprendi o valor inegociável da terra e a importância da Encantaria. Meu pai, Léo Mundô, e minha mãe, Raimunda Carneiro, criaram eu e meus 9 irmãos com a agricultura familiar e a pesca artesanal, também nos ensinaram os saberes ancestrais por eles já herdados de seus pais, como o tecer algodão, preparo do colorau e tantos outros.

A conexão com a Encantaria por aqui sempre foi forte. Meu pai era dotado de conhecimento sobre a cura com plantas e raízes, ensinou a mim e meus irmãos a importância dos Encantados e Encantadas. A Encantaria é força sem medida, é passado, presente e futuro, é fonte de sabedoria e força que blindam nossos corpos e espíritos sagrados, nos conectando intimamente com a mãe terra, que é o seio maior da Encantaria.

construímos em nosso território um sistema matriarcal, onde as mulheres assumem a frente de suas famílias, da cultura, da educação, da espiritualidade e da luta.

Entendemos que em momento algum nós somos sós, a minha história como liderança é resultado da soma de muitas outras, sobretudo da mãe terra. Por isso, acreditamos que em cada uma há um jeito de ser terra, porque a terra se mostra de muitas formas possíveis, e nós somos a grande representação do que é essa mãe. Desse modo, ser mulher indígena é ser ciência, é trazer consigo a força dos rios, das matas, dos olhos d’água, e de tudo que está e que vem da terra.

Como liderança indígena do povo Tremembé da Barra compreendo que o mais importante é assegurar ao nosso povo, nossa identidade fortalecida e nossa ancestralidade.

Apesar do machismo que ainda permeia o mundo, assim como na aldeia, nós mulheres sempre fomos ensinadas, sobretudo, pelas mais velhas, que somos potências e que nossa relação com a terra é algo sagrado

Apesar do machismo que ainda permeia o mundo, assim como na aldeia, nós mulheres sempre fomos ensinadas, sobretudo, pelas mais velhas, que somos potências e que nossa relação com a terra que também vem a ser essa força e representação feminina, é algo sagrado e que temos que cuidar e manter. Assim, muito do que somos vem a partir desses ensinamentos de grandes mulheres como as que convivemos neste plano e daquelas que vivem no mundo espiritual.

Não é fácil ser uma mulher indígena em lugar algum, nem na aldeia nem fora da aldeia, porque a tentativa de descredibilizar é constante, porém

*Colaboração: Lauriane Tremembé

Cacique Adriana Tremembé adrianatremembe@gmail.com

É Mestra da Cultura reconhecida pelo MIC, liderança Indígena do Povo Tremembé da Barra do Mundaú-CE, integrante do Coletivo Protegidas dos Orixás, mãe, avó, professora e gestora do Ponto de Cultura Recanto dos Encantados em Itapipoca, Ceará.

Artigo.

Gordofobia e suas implicações na sociedade

Por Jaqueline Queiroz, Produtora de eventos e Embaixadora do Movimento Plus Size no Ceará

A gordofobia estrutural é uma realidade que vai além da individualidade. Ela se insere em políticas públicas, na publicidade, na moda e nas redes sociais, onde corpos magros são frequentemente exaltados, enquanto corpos gordos são estigmatizados

A gordofobia está entranhada em nossa sociedade de diversas formas. Ela se manifesta não apenas em comentários pejorativos e em atitudes desrespeitosas, mas também em estruturas sociais que negam o acesso e a dignidade a milhões de indivíduos. O preconceito contra corpos gordos se reflete em esferas essenciais da vida, como saúde, emprego e espaço público, criando barreiras que perpetuam a marginalização.

Ambientes de trabalho e espaços públicos, muitas vezes, não são projetados para acolher adequadamente pessoas de diferentes tamanhos. Cadeiras apertadas, uniformes inadequados e a falta de opções de vestuário são apenas algumas das manifestações dessa exclusão.

A gordofobia estrutural é uma realidade que vai além da individualidade. Ela se insere em políticas públicas, na publicidade, na moda e nas redes sociais, onde corpos magros são frequentemente exaltados, enquanto corpos gordos são estigmatizados. Essa narrativa reforça a ideia de que a estética magra é a única aceitável, prejudicando a autoestima e o bem-estar de quem não se encaixa nesse padrão. É fundamental ressaltar que a palavra “gorda” não é um xingamento. Ela é uma descrição, uma parte da identidade de muitas pessoas que, ao contrário do que a sociedade sugere, não devem ser definidas apenas por seus corpos. Resgatar a neutralidade dessa palavra é um passo importante para desestigmatizar e desnaturalizar o preconceito associado a ela.

Para amenizar esse cenário crítico, é essencial promover uma mudança cultural que valorize a diversidade corporal e promova a inclusão. A educação sobre gordofobia nas escolas, a conscientização sobre as necessidades de acessibilidade em espaços públicos e a formação de profissionais de saúde sensíveis a essas questões são passos fundamentais.

Nesse sentido, mantenho dois projetos focados na valorização da mulher gorda: “Corpos Reais” e “Corpo Gordo se Movimenta”. Ambos, com muita aceitação do público considerado fora do padrão estético.

Ao celebrar a pluralidade dos corpos e lutar contra a discriminação, podemos construir uma sociedade mais justa e respeitosa.

O combate à gordofobia é um desafio que exige a participação de todos. Que possamos, juntos, derrubar os muros do preconceito e abraçar a diversidade em todas as suas formas.

Jaqueline Queiroz jackyproducoesartisticas@gmail.com

Produtora de eventos e embaixadora do Movimento Plus Size no Ceará. Propôs a Lei Municipal que instituiu o 11 de Maio como “O Dia de Luta Contra a Gordofobia”. Também é autora dos projetos “O Corpo Gordo se Movimenta”, “Corpos Reais” e “Mulheres de Peso”.

Professoras mulheres: a base da educação no Brasil

Elas são maioria no exercício do magistério e lidam com os inúmeros desafios da educação, área fundamental no futuro do país

Glaubiana Alves sempre teve o sonho de ser professora

Ensinar. Esta é uma das premissas básicas da profissão de professor. É uma forma reduzida diante do impacto que o cargo tem no futuro não só de milhares de jovens, mas de uma nação. O Censo Escolar 2023, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontou que a maioria dos profissionais que lecionam no Brasil são mulheres.

Em 2023, 2,4 milhões de docentes atuaram na educação básica. Deste total, 79,5% (1,9 milhão) eram mulheres. O censo também registrou mais de 144 mil profissionais em cargos de direção, sendo 81,6% (cerca de 117 mil) diretoras.

Principal pesquisa estatística da educação básica, o Censo Escolar é coordenado pelo Inep e realizado, em regime de colaboração, entre as secretarias estaduais e municipais de Educação, com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país. A discrepância é maior, especialmente, nas séries iniciais, na educação infantil, momento fundamental do desenvolvido humano. Do total de 658.775 profissionais atuando na docência nessas séries, 96,2% (658 mil) são mulheres.

No ensino fundamental, que abrange do 1º ao 9º ano, o número se reduz, mas elas ainda são a ampla maioria. De 1,4 milhão de professores, 1,1 milhão (cerca de 77,5%) são mulheres. No ensino médio, o número total de professores cai bastante e o percentual fica mais equilibrado, embora elas ainda estejam em maior quantidade, ocupando 58% das vagas. Somados, essas professoras compõem o primeiro nível da Educação Escolar regular que compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

Conforme o MEC, as séries têm por finalidade desenvolver o aluno, assegurar a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. “A Educação Básica pode organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, tendo por base a idade, a competência e outros critérios, ou de forma diversa, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”, explica a pasta.

Apesar de os números serem volumosos, diante dos 2,4 milhões de docentes, a sobrecarga é grande diante do número de alunos e dos desafios da sala de aula. Um deles é a “inversão de papéis”, quando além de ensinar as matérias, os docentes precisam passar valores cívicos, que deveriam apenas serem complementados no ambiente escolar.

“Desafio que vejo hoje em relação aos estudantes é que os pais, muitas vezes, fazem uma inversão de papéis. A escola hoje ela não é mais tão parceira. Antes, a escola era o espaço de conhecimento, para transmitir esse conhecimento, onde os alunos iam para aprender as disciplinas, para aprender a ler e a escrever. Hoje, essa escola se torna também um espaço educacional, um espaço to-

Nós somos professores, a gente ensina as disciplinas, mas quem educa é a família, em parceria com a escola. O professor deixou de ser o professor da disciplina para ser o educador, quando, na verdade, as famílias deveriam também estar nesse processo de educar esse cidadão para a vida

talmente educacional de conceitos. Nós somos professores, a gente ensina as disciplinas, mas quem educa é a família, em parceria com a escola. O professor deixou de ser o professor da disciplina para ser o educador, quando, na verdade, as famílias deveriam também estar nesse processo de educar esse cidadão para a vida”, ressalta Marleide Nascimento, professora da rede municipal de Fortaleza.

Um tema também sentido são as questões sociais que perpassam a vida de crianças e jovens. Como estudar e se concentrar em meio a insegurança alimentar? Quando as condições para o ensino não são de excelência? “A gente tem um espaço educacional que, muitas vezes, é sucateado, que não tem o que de fato os alunos precisam ter para conseguir uma educação efetiva e de qualidade”, aponta.

“Outro desafio gigante é a questão da vulnerabilidade social e alimentar. A gente tem adolescentes e crianças que muitas vezes passam fome. Elas vão para a escola sobretudo para se alimentar. Elas vão muito mais pensando no lanche do que pensando no professor que vai estar lá para ensinar a matéria que ela precisar aprender”, reflete.

Marleide diz que se sentiu “escolhida” para a profissão, ainda mais por crescer em um quilombo e ver um ambiente onde a escola não chegava fácil. Foram 20 quilômetros para ter acesso ao estudo. “Fui atravessada pela necessidade de perceber o estudo como a única ferramenta que poderia transformar a minha vida. Então, desde muito pequena, porque sou uma mulher quilombola, nasci e me criei no interior. Nasci na cidade de Pacajús, no quilombo de base, e cresci no quilombo de Alto Alegre, na cidade de Horizonte. Já me via como um marcador, porque nesses espaços nós não tínhamos escolas. Então, precisei trabalhar desde muito cedo”, explica.

“Para mim, a educação é transformadora e libertadora. Mas, quando a gente fala nessa educação libertadora e transformadora, ela transforma quem? Às vezes, essas são realmente frases que dizem quem nós somos nossas trajetórias de vida. Eu cheguei no ensino a partir da necessidade mesmo, porque onde a gente morava não tinha escola. Eu precisava andar em torno de 20 quilômetros diários para poder conseguir estudar”, lembra Marleide.

A educação, para a professora, é uma herança que sua mãe deixou, apesar de não saber nem ler, nem escrever. É como a frase atribuída a Albert Einstein: “Lembre-se que as pessoas podem tirar tudo de você, menos o seu conhecimento”. E se o direito básico foi negado para Marleide na infância, ela assumiu, hoje, como missão que outras crianças tenham uma realidade diferente.

“Minha mãe me atravessava num córrego diariamente, juntamente com minha irmã e muitas outras crianças, para a gente poder ter acesso ao letramento. Esse direito sempre foi negado. Sempre soube disso, porque a minha mãe, mesmo não sabendo ler nem escrever, mesmo ela não sendo letrada, era uma mulher extremamente conhecedora, que para mim é uma das mulheres que mais me ensinou na vida. Ela sempre dizia, ‘eu não nasci herdeira, mas eu posso lhe deixar herança. E a herança que quero deixar para você é a educação’”, recorda.

Começar sua trajetória cedo diante da necessidade é algo que a professora Glaubiana Alves tem em comum com Marleide. “Não tinha nem o ensino médio completo, pois na época a aldeia tinha carência de professores. A única escola que tínhamos era uma associação e só tinha a educação infantil e o fundamental. Os professores que lecionavam eram professores não indígenas da cidade vizinha”, conta.

No ano de 1999, ela explica, foi iniciada uma formação pela Secretaria de Educação do Ceará (Seduc). “Eu logo comecei a fazer. Ser professora sempre foi um sonho desde a infância, era algo que até nas brincadeiras de criança eu brincava com as amigas de ser professora”, comenta.

Sua entrada na profissão tem também o trabalho constante de Cacica Pequena, liderança do Povo Jenipapo-Kanindé. “Para assumir meu cargo na época teve muitos entraves, principalmente, porque eu não tinha nem o ensino médio completo, mas a realidade naquele momento permitia eu adentrar no espaço, mesmo sem ter a formação completa. Foi muito luta da nossa mestra Cacica Pequena com a Seduc para que conseguíssemos ocupar esse espaço”, lembra.

Hoje, Glaubiana é professora da Escola Indígena do Povo Jenipapo -Kanindé, localizada na Lagoa Encantada, no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza. E os desafios ainda continuam, apesar dos avanços. Em 2000, a comunidade se mobilizou e resolveu assumir a educação escolar indígena e ocupou o prédio escolar construído pela prefeitura na aldeia. A educação passou a ser assumida por alguns professores brancos e indígenas.

No ano seguinte, como a aldeia faz questão de deixar registrado, alguns professores indígenas Jenipapo-Kanindé ingressaram no curso de magistério indígena da Seduc, lembra Glaubiana. Na época, outro grupo de professores Jenipapo também se uniu aos indígenas Tapeba e Pitaguary no curso de formação em magistério indígena em nível médio, coordenado de início pela Universidade Federal do Ceará (UFC). O curso foi concluído em 2004.

Minha mãe me atravessava num córrego diariamente, juntamente com minha irmã e muitas outras crianças, para a gente poder ter acesso ao letramento. Esse direito sempre nos foi negado

Com a formação dos professores aprovada pelo próprio povo, a educação escolar indígena começou a crescer no interior da comunidade. Foi registrado o aumento do número de matrículas, bem como o apoio da comunidade à escola. Alguns anos depois, foi fundada a unidade executora para assumir e executar todos seus recursos financeiros. Em 2009, a comunidade foi contemplada com a construção de um novo prédio escolar, com uma estrutura física adequada e conforme as especificidades da aldeia. O novo prédio escolar indígena tem formato de um cocar e uma maraca.

Assumir as rédeas da própria educação é uma movimentação nacional diante do desejo de recuperar memórias históricas e buscar a reafirmação da identidade étnica. Hoje, através da luta, a escola conta com um núcleo de mais de uma dezena de professores, coordenadora pedagógica e outros profissionais, totalizando em torno de 21 funcionários escolares, como apontam os registros mantidos online.

Nascimento é professora da rede municipal de Fortaleza

E os números são compostos, majoritariamente, por mulheres, porque a aldeia também tem maioria feminina. “ Na nossa aldeia, a maioria é mulher. Aqui, as mulheres são protagonistas na educação indígena e em outros espaços da aldeia”, ressalta Glaubiana, também presidenta da Associação de Mulheres Jenipapo-Kanindé.

O equipamento funciona em regime de externato com os cursos de Educação Básica, especificamente nas etapas da Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Estudo de Jovens e Adultos (EJA). O ensino segue a legislação vigente, normas e instruções expedidas pelo Conselho Nacional e Estadual de Educação.

Em todas as etapas do ensino, Glaubiana ressalta existir desafios. A saída dos jovens da aldeia preocupa, diante do movimento de reafirmar as tradições e as histórias do povo. “Os alunos da escola no qual leciono estudam até o 9º ano na aldeia, depois vão estudar fora da aldeia que é quando os impactos são maiores, pois vão estudar em uma escola com professores não indígenas e em tempo integral”, destaca.

Na outra ponta, com os adultos, a realidade é um obstáculo para o pleno ensino. “Na turma de EJA, tenho um desafio grande, pois a maioria passa o dia trabalhando na agricultura, outros trabalham fora da aldeia, então à noite estão bem cansados para estudar. Trabalho muito com eles atividades

lúdicas tanto com as crianças como com as turmas da EJA”, explica.

Mesmo com as adversidades, as professoras deixam a mensagem de esperança que só a educação pode proporcionar. “A educação é essa porta que vai garantir o direito, é a porta que vai abrir e quebrar barreiras. Ela é tão importante e tão necessária. Vejo essa educação como esse processo transformador e que todos devem ter direito a uma educação de fato de qualidade em que a gente possa ter professores comprometidos”, ressalta Marleide.

“E que a gente possa também ter um espaço educacional acolhedor que receba o estudante e o professor, que tenha esse olhar voltado para a questão social, racial, de gênero, que olhe com laicidade para as especificidades que cada sujeito tem, que cada criança tem. A educação tem esse importante papel. Para mim, a educação é o que me proporcionou viver até os dias de hoje”.

Já Glaubiana vê o ambiente como uma forma de capacitar e orientar os jovens para enfrentar os desafios fora da aldeia. “O impacto maior em uma educação de qualidade é educar nossas crianças para saber lidar com os desafios do mundo lá fora. Nossa educação para além dos espaços-tempo e comunidade. Temos que capacitar, orientar e educar nossos alunos para encarar o mundo fora da aldeia, como exemplo, estudar em uma faculdade ou ocupar espaços fora da aldeia”, finaliza.

Marleide
AURÉLIO

Desde 2009, o Instituto Maria da Penha luta pela prevenção da violência contra mulheres

A história de Maria da Penha provocou enormes transformações com uma lei e políticas públicas para proteção de vítimas e punição de agressores

OInstituto Maria da Penha é uma ONG sem fins lucrativos que atua desde 2006. Localizado em Fortaleza, leva o nome de sua idealizadora, a farmacêutica Maria da Penha, que se tornou cadeirante após ser vítima de violência doméstica. O caso motivou a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a criação do instituto para combater a violência doméstica e familiar contra mulheres.

Para conhecer o instituto, é preciso conhecer melhor a sua idealizadora, Maria da Penha Maia Fernandes, que transformou a sua dor em força para combater a violência contra as mulheres, para que seu caso não se repetisse com outras. Nascida em 1 de fevereiro de 1945, em Fortaleza, no Ceará, atualmente com 79 anos, formou-se em Farmácia e Bioquímica pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1966, concluindo o seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, em 1977.

A trajetória de Maria da Penha começa a se direcionar ao incidente que mudou sua história para sempre ao conhecer o seu companheiro da época, em 1974, enquanto estudava em São Paulo. Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, que também estudava na Universidade de São Paulo. Ele fazia pós-graduação em Economia. Após o período de namoro, o casamento aconteceu em 1976.

Com Marco Antonio, Maria da Penha teve três filhas e, logo após o nascimento da primeira filha e a conclusão do mestrado da cearense, o casal voltou para Fortaleza. E a partir daí, de companheiro amável, educado e solidário, Marco Antonio passou a ter um comportamento agressivo, dando início a um ciclo de violência doméstica que afetava Maria da Penha e as filhas. Entre momentos de agressividade, violência, arrependimento e tentativas de reconciliação, nasceu a filha caçula de Maria da Penha com Marco Antonio.

E foi em maio de 1983 que o crime contra ela aconteceu. Marco Antonio deu um tiro em suas costas enquanto a esposa dormia. O crime tornou Maria da Penha paraplégica. O tiro causou lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda. Além dos danos físicos, a violência provocou ainda outros danos e os traumas psicológicos. As negligências por parte do Poder Judiciário da época deram início a luta de Maria da Penha por justiça.

Após o período de quatro meses que precisou ficar internada para que as cirurgias e os tratamentos fossem feitos, diante da gravidade de sua situação, Maria da Penha retornou para casa, onde vivia com Marco Antonio. Ele contou uma versão diferente dos fatos: o tiro teria sido efetuado durante uma tentativa de assalto. A fala foi, posteriormente, negada pela perícia, mas, na época, ele ainda se encontrava em liberdade e dividindo a casa com Maria da Penha, o que desencadeou uma série de agressões e novas tentativas de homicídio.

No momento em que o delegado declarou, através da secretaria, de que o caso não tinha sido assalto, mas feminicídio, foi que eu me senti encorajada a lutar, mas eu não sabia o que fazer. Eu não tinha esse conhecimento. Foi quando o Movimento de Mulheres chegou até mim

Maria da Penha precisou contar com familiares e amigos para conseguir sair de casa em segurança e sem a possibilidade de perder a guarda das filhas, com uma legislação que não garantia o apoio adequado para mulheres em casos de violência doméstica.

“Quando eu saí do cárcere privado, fui resgatada pela minha família. No início do ano seguinte, em 1984, eu fui ouvida pela Secretaria de Segurança. O delegado me ouviu duas vezes. No segundo interrogatório, ele disse ‘Dona Maria da Penha, eu já tenho todo o histórico e os depoimentos de todas as testemunhas. Eu estava precisando ouvir só a senhora. Vou concluir esse processo e eu vou dizer uma coisa para a senhora. Por favor, eu vou dizer em confiança. Quem fez isso com a senhora foi o seu marido. Não foi assalto que houve na sua casa. A senhora foi vítima de uma tentativa de homicídio’. No momento em que ele declarou, através da secretaria, de que o caso não tinha sido assalto, mas feminicídio, foi que a imprensa apareceu. Então, ali foi o momento em que eu me senti encorajada a lutar, mas eu não sabia o que fazer. Eu não tinha esse conhecimento. Foi quando o Movimento de Mulheres chegou até mim”, relembra Maria da Penha.

Foram 19 anos em busca de Justiça. Oito anos para acontecer o primeiro julgamento e, após dois deles, o primeiro em 1991 e o segundo em 1996, 13 anos após o crime, Marco Antonio seguia em liberdade. Na primeira vez, ele foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas, devido a recursos solicitados pela defesa, saiu do fórum em liberdade. No segundo julgamento, ele foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.

Somente em 1998 que o caso ganhou a dimensão que merecia. Maria da Penha denunciou a situação para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) com o apoio do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLA-

DEM). Mesmo diante das acusações de violação e negligência aos direitos humanos, o Estado brasileiro se manteve omisso em meio às acusações apresentadas. Durante esse período, Maria da Penha escreveu o seu primeiro livro, “Sobrevivi… posso contar”, publicado em 1994, em que relata a sua história e o processo contra o ex-companheiro.

Muita coisa ainda precisa ser feita. As mulheres das cidades pequenas, por exemplo, não possuem o entendimento que nós, das cidades grandes, temos. Nem as políticas públicas que as cidades grandes possuem

A Lei Maria da Penha

A luta de Maria da Penha por Justiça pelo crime que sofreu durou quase duas décadas e resultou na responsabilização do Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. O Estado brasileiro recebeu recomendações diretas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre novas investigações contra o agressor e as negligências no caso de Maria da Penha, resultando na pena de 16 meses em regime fechado para Marco Antonio Heredia Viveros. Foi também determinado reformas na legislação envolvendo casos de violência doméstica contra mulheres no Brasil.

A violência contras as mulheres e o feminicídio, termo proposto por Diana Russel, socióloga sul-africana, para especificar homicídios contra mulheres, não são fatos isolados do Brasil. O caso de Maria da Penha contribuiu para que fosse constatada a necessidade de uma atenção específica para os casos de violência contra a mulher. Em 7 de agosto de 2006, o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n.11.340 que leva o nome de Maria Penha.

A lei possui 46 artigos e sete títulos, e visa promover a prevenção e a tentativa de conter a violência doméstica e familiar sofrida por mulheres, passando a considerar crime a violência doméstica, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, e exigindo a punição adequada para o agressor. A lei foi redigida de acordo com Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.

Entre as medidas de proteção conquistadas estão: afastamento da residência comum do casal, limite de aproximação e, até mesmo, a proibição de

contato com a vítima em casos que a vida dela corra risco, bem como contato com familiares e testemunhas da vítima, e condições restritas de visitas aos dependentes menores, em caso de filhos do casal.

Após a lei entrar em vigor, em 2006, muitas outras medidas foram desenvolvidas e equipamentos de apoio instituídos em várias cidades. Apesar disso, os números de violência doméstica e feminicídio seguem sendo alarmantes. Em 2023, os relatórios da Rede de Observatórios de Segurança apontaram que oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. O número reforça a importância de leis e medidas que busquem combater os casos de violência doméstica, bem como a fiscalização e a garantia que estejam sendo encaminhadas efetivamente.

Maria da Penha ressalta a preocupação com as mulheres de cidades pequenas, onde a ajuda e a assistência nem mesmo chega. O conhecimento é uma das chaves para que a vítima identifique que está sendo alvo de violência e que pode quebrar o ciclo. “Acho que para quem tem um nível social melhor, é muito compreensível, se entende o que a lei determina. A mulher, as pessoas que têm esse conhecimento, procuram seus direitos, procuram ajudar pessoas que conhecem, que precisam de ajuda para sair de uma situação de violência. Porém, muito ainda precisa ser feito. As mulheres das cidades pequenas não possuem o entendimento que nós das cidades grandes temos. Nem as políticas públicas que as cidades grandes possuem”, ressalta a cearense.

“Eu imagino uma mulher hoje de um pequeno município, ela é igual a mim. No dia em que eu fui vítima de violência doméstica, foi dito que tinha ocorrido um assalto. Depois foi descoberto que eu tinha sido vítima de violência doméstica. Então, quem me orientou, quem me despertou, quem me abriu os olhos foi exatamente o movimento

Eu imagino uma mulher hoje de um pequeno município, ela é igual a mim. No dia em que eu fui vítima de violência doméstica, foi dito que tinha ocorrido um assalto. Depois foi descoberto que eu tinha sido vítima de violência doméstica. Então, quem me orientou, quem me despertou, quem me abriu os olhos foi exatamente o movimento de mulheres. Foi quando eu entendi que aquilo era uma situação corriqueira em muitas famílias

O IMP já surgiu com o objetivo de trabalhar projetos pedagógicos e educacionais de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, pois acreditamos que somente através da educação podemos construir uma sociedade mais justa e igualitária

de mulheres. Foi quando eu entendi de que aquilo era uma situação corriqueira em muitas famílias. Eu não vim de uma família de violência, mas conheci pessoas que sofriam”, declara Maria da Penha.

Maria da Penha já teve sua história relatada várias vezes e é reconhecida como um símbolo de luta e conquistas das mulheres. Coleciona homenagens e prêmios, como a participação no TEDx Fortaleza, em 2012, e a indicação ao Prêmio Nobel da Paz, em 2017. Maria da Penha trabalha incansavelmente na divulgação da lei e na promoção de debates através de palestras e pesquisas sobre o tema violência doméstica e seus desdobramentos e iniciativas para combatê-la. Em 2024, o Ministério da Educação (MEC) também criou o Prêmio Maria da Penha, com o intuito de incentivar e premiar escolas que possuem iniciativas voltadas para o combate à violência contra a mulher.

Atualmente, com 79 anos, Maria da Penha é internacionalmente reconhecida como uma das principais ativistas das causas das mulheres. Mesmo com sua trajetória, ainda lida com ameaças. Recentemente, a farmacêutica foi vítima de ameaças e se viu, mais uma vez, recebendo ataques de ódio através das redes sociais, configurando delitos de intimidação sistemática virtual, como “cyberbullying”, entre outros crimes cometidos no ambiente virtual. As publicações divulgavam notícias falsas, difamações e proferem ameaças contra Maria da Penha, sua trajetória e suas filhas.

Uma operação foi realizada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) chamada de “Echo Chambe”, que significa câmera de eco, por se tratar de um contexto em que pessoas compartilham e reforçam suas próprias crenças, independente da veracidade das afirmações. O principal suspeito, alvo da operação, faria parte de uma comunidade virtual com o intuito de disseminar ódio e ameaças contra Maria da Penha.

O Instituto Maria da Penha

Em 2009, Maria da Penha fundou o Instituto Maria da Penha (IMP), organização não governamental e sem fins lucrativos. Localizado em Fortaleza e com representação em Recife, o instituto surge como uma ferramenta de reforço para garantir a efetividade da lei que também leva o nome da cearense. O instituto também se propõe a mediar pautas como empoderamento feminino e conscientização da violência doméstica, com ações sociais que promovem conhecimento e incentivem a qualidade de vida das mulheres.

“O IMP já surgiu com o objetivo de trabalhar projetos pedagógicos e educacionais de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, pois acreditamos que somente através da educação podemos construir uma sociedade mais justa e igualitária, principalmente para as mulheres. Eu nunca imaginei que a minha luta, que começou tão solitária e com muita dor, chegasse aonde chegou, porém, a minha maior conquista não foi a prisão do meu agressor, mas sim a criação de uma lei que veio para resgatar a dignidade das mulheres do nosso país. E, por isso muito me orgulho em saber que o meu Instituto levará esse legado adiante”, ressalta Maria da Penha.

Outro trabalho importante desenvolvido pelo instituto é o de contribuir para a diminuição da omissão e da indiferença em casos de violência doméstica, sempre pensando em garantir os direitos das mulheres e gerar novas oportunidades para elas após casos de violência. Entre os serviços prestados pelo instituto ao longo do ano estão palestras sobre Maria da Penha e o instituto, workshop com o tema violência doméstica e seu impacto no mercado de trabalho.

Há também curso de capacitação como o Programa Defensoras e Defen-

Maria da Penha é um símbolo da luta das mulheres pelo direito à vida

Eu nunca imaginei que a minha luta, que começou tão solitária e com muita dor, chegasse aonde chegou. A minha maior conquista não foi a prisão do meu agressor, mas sim a criação de uma lei que veio para resgatar a dignidade das mulheres do nosso país

sores dos Direitos da Cidadania e consultorias, como a Implementação do Comitê da Mulher na Empresa, voltados para a capacitação. São conduzidos ainda explicações sobre o acolhimento e direcionamento de mulher em situação de violência. Neste ano de 2024, o curso formou 40 pessoas na modalidade presencial e 96 online, somando uma carga horária de 300 horas.

As palestras e workshops foram realizadas em 21 empresas, entre nacionais e multinacionais, impactando diretamente mais de 2 mil colaboradores e colaboradoras. Foram realizadas 51 palestras voluntárias para os CRAS, CREAS, Escolas Públicas e Hospitais, impactando mais 2,5 mil profissionais.

Apesar do impacto, a equipe fixa é pequena. Existe uma superintendente-geral, uma coordenadora de projetos e uma secretária. O suporte é dado por um escritório de contabilidade, outro de advocacia e uma agência de comunicação. Os demais profissionais são contratados sob demanda para os projetos que são executados.

O IMP também atua na geração de dados estatísticos, com uma pesquisa sobre violência doméstica e condições socioeconômicas (PCSVDFMulher), desenvolvidos em parceria com a UFC desde 2016. Os relatórios de dados dessa pesquisa estão disponíveis no site do IMP.

A Lei Maria da Penha é um marco mundial na luta conta a violência de gênero

Um trabalho importante desenvolvido pelo IMP é o de contribuir para a diminuição da omissão e da indiferença em casos de violência doméstica

Minha mente, minhas regras

A saúde mental das mulheres é um tema crescente nas discussões sobre saúde pública, especialmente quando se leva em consideração as múltiplas camadas de fatores que impactam suas vidas

As mulheres enfrentam desafios únicos que podem afetar sua saúde mental, e as taxas de transtornos mentais entre elas têm sido motivo de preocupação mundial. São muitos os desafios específicos que enfrentam em seu cotidiano.

“Em sociedades ainda com fundamentos patriarcais, há uma divisão de trabalhos em que se percebe uma estrutura de poder econômico-político disfarçado em uma natural diferença entre os gêneros. Então caberia à mulher a função naturalizada de cuidar da casa, dos filhos, dos pais envelhecidos e na contemporaneidade, de cuidar também do provento financeiro. Então, está instalada esta dupla ou tripla jornada de trabalho na vida das mulheres, em sua grande maioria responsável solo por suas famílias”, afirma a professora e psicóloga Juçara Mapurunga.

FOTOS: AURÉLIO ALVES
Por Daniel Oiticica

A pressão social para atender aos padrões estéticos impostos pela mídia também tem um impacto profundo na saúde mental das mulheres. Transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, afetam muitas mulheres, levando a sérios problemas físicos e emocionais. A obsessão com o corpo perfeito e o peso, muitas vezes, está associada a sentimentos de inadequação e baixa autoestima.

As expectativas sociais em torno do papel da mulher também são um fator significativo. Espera-se que as mulheres sejam bem-sucedidas profissionalmente, cuidadoras excepcionais, e que possuam uma vida pessoal equilibrada. Esse ideal de perfeição pode gerar uma sobrecarga mental e emocional imensa, levando a sentimentos de inadequação e desânimo.

Em 2023, a hoje psicólogia clínica e professora universitária Carolina Silveira, publicou sua tese do Mestrado em Psicologia e Políticas Públicas com o tema “Mulher, trabalho e saúde mental: as histórias de vida das trabalhadoras de Sobral como uma ponte entre o individual e o social”. O trabalho, apresentado para banca da Universidade Federal do Ceará (UFC), busca compreender como a relação entre ser mulher e os contextos de trabalho reflete na saúde mental das trabalhadoras.

A hipótese inicial da pesquisa de Carolina era de que a relação entre mulher e trabalho havia trazido um comprometimento na saúde mental das mulheres, o que foi comprovado com suas histórias de vida. “Dentro da dissertação, tivemos quatro histórias diferentes de quatro mulheres entrevistadas no serviço de psicologia aplicada da UFC. A entrevista partia de um questionamento inicial em que cada mulher contaria a sua história e eu iria escutar sem nenhuma interferência”, revela.

Carolina recebe em seu consultório inúmeras mulheres adoecidas. “É por esse lugar que ocupam de dar conta de tudo, de equilibrar todos os pratos. Na internet elas acessam histórias de super mulheres que contam com redes de apoio imensa e de repente elas se sentem como se tivessem que dar conta de tudo”, conta Carolina.

O trabalho gerou um e-book, que conta a história das quatro mulheres entrevistadas

na tese. “Serve, justamente, para que outras mulheres possam ler, se identificar e perceber que não são só elas que passam por isso, não são só elas que vivenciam aquela situação. Eu acredito que no eixo coletivo seria importante podermos construir mais espaços de apoio, de políticas públicas, de construir espaços de conversa e de diálogo. Não podemos esperar que os homens venham fazer isso por nós, apesar de existirem muitos homens que hoje defendem essas pautas, estão juntos com a gente. Isso é um movimento nosso, das mulheres”, diz Carolina.

Segundo ela, dentro de seus atendimentos, 90% são mulheres. “Todas têm questões que atravessam esse lugar do trabalho. E estamos falando de vários trabalhos”. Sua tese também trata do ponto interseccional de raça, gênero e classe social. “Não dá para falar de mulheres sem falar disso. Se formos pensar, enquanto as mulheres brancas estavam lutando para entrar no mercado de trabalho as mulheres pretas já estavam no mercado de trabalho há tempos, sempre na dupla jornada. Se formos comparar, por exemplo, o salário de mulheres brancas com o salário de mulheres pretas, existe uma grande diferença também”, afirma.

Juçara reforça o mesmo ponto. “Para se falar em saúde mental e nos desafios que as mulheres enfrentam, temos que partir das interseccionalidades da categoria mulher com raça/etnia, sexualidade, capacitismo e classe social, por exemplo. Sabemos que determinadas mulheres nestas interseccionalidades enfrentam maiores desafios do que outras. Então, em um país com inúmeras desigualdades e carregado de preconceitos, as mulheres, por muito pouco, são taxadas de loucas e pouco levadas à sério em suas lutas diárias. A loucura, historicamente é a designação para o protesto feminino e para a indignição diante das injustiças sociais. Sabemos que, apesar de ser um poderoso determinante social, o gênero ainda não é suficientemente considerado em sua relevância no contexto da saúde mental, então as mulheres ainda necessitam de um maior apoio neste aspecto, chegando mesmo ainda a haver alguns que acreditam que no organismo da mulher, em sua fisiologia específica, estão inscritas predisposições ao adoecimento mental, pois a construção da imagem feminina a partir da natureza e das suas leis a qualificam como naturalmente frágil, bonita, sedutora, submissa, doce e emotiva”, afirma.

A gravidez, o parto e o período pós-parto são momentos críticos na vida das mulheres e podem desencadear transtornos mentais. A depressão pós-parto, por exemplo, afeta muitas mulheres após o nascimento do filho, e sua falta de reconhecimento e tratamento adequado pode agravar a condição. Além disso, as mulheres enfrentam uma pressão constante para serem mães “perfeitas”, o que pode aumentar a ansiedade e o estresse.

“As mudanças hormonais causam incômodos e transtornos na vida das mulheres”, afirma Juçara. “São formas de expressão do sofrimento psíquico da mulher como sujeito contemporâneo, que é atingindo na problemática do feminino e de um corpo em processo de constituição subjetiva. A gravidez pode ser excessivamente medicalizada em todo seu processo até o parto.

Em sociedades ainda com fundamentos patriarcais, há uma divisão de trabalhos em que se percebe uma estrutura de poder econômico-político disfarçado em uma natural diferença entre os gêneros. Então caberia a mulher a função naturalizada de cuidar da casa, dos filhos, dos pais envelhecidos e, na contemporaneidade, de cuidar também do provento financeiro

A menopausa é ainda vista como sinal de envelhecimento e de achaques como o fogacho, as ondas de calor que podem acompanhá-la e a tensão pré-menstrual ainda são vistas como o local de histeria feminina”, completa.

Juçara pesquisou este período designado de TPM. Ela conta que, atualmente, em seu limite máximo é descrito como transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Sua pesquisa foi publicada no livro “TPM-tensão, paixão e mal-estar”, em 2013. “Descrevo estas mudanças hormonais e os impactos causados à saúde mental, tanto pelo olhar da medicina quanto pelos aspectos psicanalíticos que singularizam e abordam as questões hormonais como subjetivantes da experiência de vida de cada mulher. No livro, é demonstrado como a tensão é pulsional e a paixão é um estado de sofrimento psíquico que traz padecimento, mas, também é a própria vivência que mobiliza e pode dar sentido e orientação aos atos causados por esses impactos hormonais que marcam e transformam”, afirma.

Os números são contundentes. Sete em cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão ou ansiedade no Brasil são mulheres. Os dados são do relatório “Esgotadas” da Think Olga, consultoria especializada em equidade de gênero. Estresse, irritabilidade, bai-

xa autoestima, fadiga, sonolência, insônia e tristeza são os sintomas mais citados entre as mais de mil entrevistadas da pesquisa. De acordo com o estudo, “As mulheres chegaram esgotadas em 2020, atravessaram uma das piores crises do século, com a pandemia e, mesmo com seu fim, continuam esgotadas em 2023”.

Entre as mais de mil mulheres entrevistadas pela pesquisa, 45% afirmaram ter algum diagnóstico de transtorno mental com maior prevalência de depressão e ansiedade. Mesmo as mulheres que não possuem nenhum transtorno mental relatam grande insatisfação em diferentes áreas da vida, principalmente em relação à situação financeira e a dificuldade de conciliar as diversas áreas da vida.

“Os pesquisadores Kessler (2007) e Ferrari(2013) relatam que no mundo, a depressão no ano de 2010, teria afetado 298 milhões de pessoas, das quais 187 milhões eram mulheres”, diz Juçara. “A depressão causa considerável impacto na saúde física e mental, assim como na qualidade de vida como um todo, incluindo família, trabalho e o social. As síndromes ansiosas representam os transtornos mentais mais frequentes, sendo o gatilho gerador de várias outras doenças mentais. As mulheres são as mais afetadas, pois são as mais cobradas em seus papéis sociais de cuidadoras, ainda associados ao feminino, então tornam-se tensas, preocupadas, invariavelmente nervosas por essas

cobranças e irritadas pela sobrecarga em seus ombros”, completa.

Infelizmente, o estigma relacionado à saúde mental ainda é forte, especialmente no caso das mulheres. Muitas hesitam em buscar ajuda devido ao medo de serem julgadas ou não serem levadas a sério. Isso é agravado pela falta de serviços de saúde mental acessíveis e de qualidade em diversas regiões. Entretanto, a conscientização sobre a importância da saúde mental tem crescido, e, com isso, mais mulheres estão sendo incentivadas a procurar ajuda, seja por meio de terapias, grupos de apoio ou outros tratamentos.

“Procurem ajuda, quando enfrentarem dificuldades psíquicas que tragam sofimento. É importante contar com uma rede de apoio neste momento. A psicoterapia pode ser um forte componente para ajudar e transformar sua vida”, aconselha Juçara.

Juçara defende que para se falar em saúde mental e nos desafios que as mulheres enfrentam temos que partir das interseccionalidades da categoria mulher

As Casas da Mulher: acolhimento e combate à violência

Equipamentos funcionam em diversas cidades, com diferentes serviços para ajudar mulheres em situação de violência

Por Mabel Cavalcante

ACasa da Mulher Brasileira, equipamento cujo objetivo é atender mulheres em situação de violência, garante que as vítimas recebam acolhimento e as instruções necessárias para realizar denúncias de maneira ágil e segura. O projeto foi desenvolvido pelo Governo Federal em 2013, e a primeira Casa foi inaugurada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015, no Mato Grosso do Sul. Atualmente, o equipamento está presente em nove cidades, incluindo Fortaleza, que tem Daciane Barreto como coordenadora.

Em Fortaleza, a casa atua desde 2018 e funciona 24h todos os dias. Ao longo deste tempo, o equipamento atendeu mais de 261.465 mulheres. A coordenadora, Daciane Barreto, conta como as mulheres podem ter acesso à casa e aos serviços disponíveis que facilitam a denúncia e a proteção das vítimas.

Para o atendimento poder ser iniciado, Daciane explica de que forma as mulheres podem ter acesso à Casa. “Existem três tipos de atendimento: porta aberta, flagrante e referencialmente de mulheres de outros municípios. As mulheres dirigem-se à Casa da Mulher Brasileira sem a necessidade de encaminhamento. É porta aberta. No caso de flagrante delito, a viatura traz a mulher em situação de violência, assim como também o agressor”, afirma.

E segue: “Nesse caso, elas vêm acompanhadas pelo policial militar. No caso de mulheres de outro município, elas são referenciadas pela rede de atendi-

mento a mulheres de cada município, ou da rede de assistência. O translado é realizado através do município e, aqui, elas, normalmente, são encaminhadas para o abrigo sigiloso, que são mulheres com risco iminente de morte”, afirma.

Independente da forma que as vítimas cheguem até a Casa da Mulher Brasileira, os profissionais são instruídos a como conduzir da melhor forma o atendimento e as medidas cabíveis para cada caso. A mulher que chega ao equipamento passa por acolhimento, triagem e atendimento psicossocial para, em seguida, ser encaminhada aos órgãos ou serviços disponíveis. “Ao chegar no nosso equipamento, a recepção acolhe, faz um pequeno cadastro e encaminha, logo em seguida, para o recurso psicossocial, onde ela vai ser acolhida e escutada. Essa escuta é humanizada e de excelência, individual e sigilosa”, explica.

“A partir dessa escuta qualificada, também é preenchido o formulário de risco para detectar o grau de risco que a mulher está correndo e também para facilitar as decisões do judiciário. A partir da escuta qualificada, ela é encaminhada para o órgão que resolve de forma imediata a sua problemática”, informa.

A Casa da Mulher Brasileira do Ceará disponibiliza a Delegacia de Defesa à Mulher, Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher, Defensoria Pública, Ministério Público, Juizado, entre outros, sendo possível ter acesso a alguns desses serviços por telefone. “No caso do atendimento por telefone, nossos telefones da recepção, do psicossocial e da delegacia também funcionam 24h. No caso da violência física, é importante ligar para o 190 e nós temos o 180 que funciona 24 horas em todo o Brasil, e o 180 também encaminha as mulheres para as redes de atendimento para o Ceará. Também é possível solicitar a medida protetiva online”, reforça.

Existem três tipos de atendimento na Casa da Mulher

Brasileira: porta aberta, flagrante e referencial de mulheres de outros municípios. As mulheres dirigem-se à Casa da Mulher

Brasileira sem a necessidade de encaminhamento. No caso de flagrante delito, a viatura traz a mulher em situação de violência, assim como também o agressor

Daciane compartilha a importância de ter todos os órgãos em um só lugar. “O que se detectou, e se detecta ainda, é exatamente a pulverização dos órgãos e dos serviços de atendimento a nós mulheres em situação de violência. Então, esses serviços e órgãos no mesmo espaço facilitam muito a denúncia, porque também existe todo um acolhimento, toda uma preocupação com a situação, com o estado psicológico das mulheres que buscam o nosso equipamento”, explica.

A coordenada lembra das questões psicológicas das mulheres que sofrem violência e considera como alarmantes. Por isso, são necessários cuidados dobrados, que podem ser oferecidos pelos profissionais da Casa. A Casa também oferta cursos de capacitação profissional, dentro do projeto de Promoção da Autonomia Econômica, alternativas de abrigamento temporário e espaço infantil para as crianças que estejam acompanhando as mães. “O que a gente percebe, a partir, principalmente, da pandemia, é um número muito alto de mulheres adoecidas psiquicamente. A dor mental é a algo muito gritante”, ressalta.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

“A importância do apoio psicológico, do atendimento humanizado e de excelência é fundamental, principalmente, quando articulado esse atendimento com a rede de assistência que desenvolve uma ação que venha acolher, encaminhar e contribuir para o fortalecimento psicológico das mulheres em situação de violência, porque tem sido algo muito gritante e preocupante”, conclui.

Em relação aos incentivos para que as mulheres desenvolvam novas perspectivas e não voltem para os relacionamentos abusivos, Daciane compartilha sobre o setor de Autonomia Econômica. “35% das mulheres atendidas pelo nosso equipamento não possuem renda. 79% das mulheres atendidas são negras ou pardas, e moram na periferia. A Autonomia Econômica oferece cursos profissionalizantes para integrar a mulher no mundo do trabalho. Assim como desenvolve parcerias com entes públicos e privados para a inserção da mulher no mundo do trabalho”, informa Daciane.

Além do trabalho desenvolvido com mulheres que passaram por episódios de violência, a Casa da Mulher Brasileira também procura desenvolver projetos que promovam debate e conscientização sobre o autocuidado das mulheres e a conscientização da importância de buscar ajuda e denunciar.

“São várias as ações desenvolvidas pela Casa da Mulher Brasileira, no que diz respeito à prevenção da violência contra nós mulheres, que é de fundamental importância. A realização de debates, roda de conversa nas escolas, universidades, territórios, comunidades, empresas, ações, eventos, são todas as iniciativas que desenvolvemos cotidianamente”, afirma.

Nos últimos anos, o Ceará vem apresentando declínios relevantes nos números de casos de violência contra a mulher, reforçando a importância das iniciativas da Casa da Mulher Brasileira. Os dados, extraídos pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), mostram que no acumulado de 2024, considerando os oito primeiros meses, o Ceará reduziu em 25% os casos de feminicídio.

Foram 24 ocorrências, contra 32 registros no mesmo período de 2023. Todas as regiões tiveram diminuição, com destaque para o Interior Norte, onde os casos de feminicídios reduziram 40% entre janeiro e agosto. Foram seis casos em 2024, contra 10 registros no mesmo período, em 2023.

Em Fortaleza, a redução ficou em 14,3%, com um registro a menos na comparação entre os dois anos. Em 2024, a Capital teve seis feminicídios, contra sete, nos oito primeiros meses de 2023. Na Região Metropolitana, os crimes reduziram 33,3%, com quatro registros em 2024 contra seis, em

Os espaços da Casa da Mulher Brasileira foram pensados para atender em todos os níveis mulheres vítimas de violência machista

2023. Já no Interior Sul, a redução ficou em 11,1%, com oito casos em 2024, contra nove nos oito primeiros meses do ano passado.

A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e as cidades do Interior Norte tiveram diminuição de 100% nos casos de feminicídio, com nenhum registro em agosto de 2024, contra um caso em cada região, no ano anterior.

Daciane traz também os números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “O Estado do Ceará, durante dois anos seguidos, 2022 e 2023, tem o menor percentual de feminicídio do país, com uma taxa de 0,9 por 100.000 habitantes. O Ceará também foi um dos nove estados que conseguiram reduzir o número de tentativas de feminicídio, foram 102 em 2022 e 97 em 2023, representando uma queda de 4,9%”, revela.

“Foi também o estado que mais reduziu a taxa de lesão corporal dolosa, 772 casos em 2022 e 503 em 2023, uma diminuição de 34,8%, também registrou um aumento de 31% nas medidas protetivas de urgência concedidas pelo Tribunal de Justiça. Também apresentou uma redução significativa nos casos de assédio e foi o único estado a diminuir os casos de importunação

sexual, o Ceará também é o quarto estado que mais reduziu os casos de estupro”, ressalta ainda.

No entanto, ainda existem muitos desafios. Em 2024, a Central do 180, dispositivo chave na estratégia de enfrentamento da violência contra a mulher, registrou mais de 2 mil denúncias — um aumento de 34,13% em relação ao mesmo período do ano passado. Deste número, cerca de 1,2 mil foram apresentadas pela própria vítima, enquanto em 902 o denunciante foi uma terceira pessoa. A casa da vítima ainda é o cenário onde mais situações de violência são registradas, com mais de mil denúncias tendo acontecido neste ambiente.

O maior número de denúncias está relacionado à violência contra mulheres entre 35 e 39 anos, em torno de 476. São as mulheres negras as vítimas mais frequentes nas denúncias, sendo 1.207 pretas ou pardas. Companheiros (ou ex-companheiros) e esposos (ou ex-esposo) aqueles que mais cometeram atos violentos (738).

A importância do apoio psicológico, do atendimento humanizado e de excelência é fundamental, principalmente, quando articulado com a rede de assistência que desenvolve uma ação que venha acolher, encaminhar e contribuir para o fortalecimento psicológico das mulheres em situação de violência

Idealizadas a partir do exemplo da Casa da Mulher Brasileira, foram construídas três Casas da Mulher Cearense, localizadas nos municípios de Juazeiro do Norte, Quixadá e Sobral. Elas ampliam a oferta de serviços e atuam com rede de proteção e atendimento humanizado às mulheres em situação de violência. Sob coordenação da Secretaria das Mulheres, as Casas dispõem de serviços especializados e integrados para atender diversas situações e auxiliar as mulheres na quebra do ciclo da violência.

Os municípios também estão dando paços para a proteção das mulheres com as Casas da Mulher Municipais. Os equipamentos são resultados do Programa Ceará por Elas, uma articulação entre o Governo do Ceará e as prefeituras

O Ceará, durante dois anos seguidos, 2022 e 2023, tem o menor percentual de feminicídio do país, com uma taxa de 0,9 por 100.000 habitantes. Também fomos um dos nove estados da Federação que conseguimos reduzir o número de tentativas de feminicídio, foram 102 em 2022 e 97 em 2023, representando uma queda de 4,9%

municipais. As Casas oferecem atendimento psicossocial, apoio jurídico, acolhimento e encaminhamento da denúncia de forma ágil e especializada.

Segundo Daciane, é possível mensurar a efetividade dos equipamentos e das políticas públicas na tentativa de combater à violência contra a mulher. “Acreditados que a existência da Casa da Mulher Brasileira, como também a existência das Casas da Mulher Cearense em três macrorregiões no estado do Ceará, e as Casas Municipais são fundamentais. Ao nível de dados, sem sombra de dúvida, a atuação desses equipamentos da Casa da Mulher Brasileira representa, de fato, a importância no enfrentamento da violência e na diminuição das taxas existentes contra nós mulheres”, garante.

Avançando ainda mais no combate, em agosto de 2024, o Governo do Ceará, em parceria com o Ministério das Mulheres do Governo Federal, assinou a Carta de Compromisso – Articulação Nacional pelo Feminicídio Zero. No mesmo evento, por meio de decreto, o governador Elmano de Freitas formalizou a criação do Núcleo Especializado de Atendimento e Enfrentamento à Violência Política de Gênero, no âmbito da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE).

JOÃO FILHO

Casa da Mulher Brasileira

Endereço

Rua Tabuleiro do Norte com Rua Teles de Sousa (Couto Fernandes – Fortaleza)

Contato

Telefone: (85) 31082999 / 31082998

E-mail: casamulherbrasileira@gmail.com

Telefones e horários importantes

Recepção Casa da Mulher Brasileira: (85) 3108.2992 / 3108.2931 – Plantão 24h

Delegacia de Defesa da Mulher: (85) 3108.2950 – Plantão 24h, sete dias por semana

Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher: (85) 3108.2966 – Plantão 24h

Defensoria Pública: (85) 3108.2986 – Segunda a sexta, 8h às 17h

Ministério Público: (85) 3108. 2940 / 3108.2941 – Segunda a sexta, 8h às 16h

Juizado: (85) 3108.2971 – Segunda a sexta, 8h às 17h

Brinquedoteca: (crianças de 0 a 12 anos) – Plantão 24h

Como denunciar

Ligue 180 para acionar a Central de Atendimento à Mulher, um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra as mulheres

Ligue 190 para acionar a Polícia Militar

Casa da Mulher Cearense

Casa da Mulher Cearense - Juazeiro do Norte Av. Pe. Cícero, 4501, São José (85) 98128-8071 | casadamulhercearense. cariri@mulheres.ce.gov.br

Casa da Mulher Cearense - Quixadá

Rua Luis Barbosa da Silva - Planalto Renascer (85) 98957-2422 | casadamulhercearense.quixada@mulheres.ce.gov.br

Casa da Mulher Cearense - Sobral

Av. Monsenhor Aloísio Pinho, s/n - bairro Gerardo Cristino de Menezes (85) 98959-7453 | casadamulhercearensesobral@gmail.com

Casas da Mulher Municipais

Casa da Mulher Barbalhense

Rua Francisco Roberto Verício, S/N, (T12), Vila Santo Antônio, Barbalha/CE crmbarbalha@barbalha.ce.gov.br

Casa da Mulher Baturiteense

Avenida Francisco Braga Filho, S/N, Conselheiro Estelita, Baturité/CE casadamulherbaturiteense@gmail.com

As Casas da Mulher funcionam 24 horas com diversos serviços que vão do atendimento pessoal ao sistema de justiça

Casa da Mulher Beberibense

Rua Coronel Biá, 654, Centro, Beberibe/CE secmdh@beberibe.ce.gov.br

Casa da Mulher Gonçalense

Rua Major João Martins, 337, Arapixi, São Gonçalo do Amarante/CE casadamulher@saogoncalodoamarante.ce.gov.br

Casa da Mulher Ibiapinense

Rua Sargento João Gomes Neto, S/N - Ibiapina-CE. camibiapina@gmail.com

Casa da Mulher Novorientense

Avenida Francisco Rufino, 140, Centro - Novo Oriente-CE casadamulhernovooriente@gmail.com

Casa da Mulher Novarussense

Rua Leonardo Araújo, S/N, PatronatoNova Russas-CE mulheres@novarussas.ce.gov.br

Casa da Mulher Sambeneditense

Avenida Tabajara, 425, Centro - São Benedito-CE camsaobeneditoce@gmail.com

Casa da Mulher Mucambense

Rua Vicente Gomes, sn - Mucambo-CE crammucambo@gmail.com

Casa da Mulher Horizontina

Rua Ernani Martins, 45, Diadema casadamulher.hzt@gmail.com

Casa da Mulher Iracemense

Av. Maria Nilde de Queiroz Farias, S/N, Caixa D'água casadamulheriracemense@gmail.com

Casa da Mulher Itapipoquense

Av. Anastácio Braga, 2098, Fazendinha cram.sasdh@itapipoca.ce.gov.br

Casa da Mulher Limoeirense

Cel. José Nunes, s/n, centro,ao lado da Secretaria de Assistência casadamulhermarcialucia@gmail.com

Casa da Mulher

Maranguapense

Rua Manoel Abreu Costa, 103 - Outra Banda casadamulhermaranguapense@ gmail.com

Casa da Mulher Pacatubana

Rua Francisco Valberto da Silva, 35, Carnaubinha casadamulherpacatuba@gmail.com

Casa da Mulher Pedrabranquense

Rua Ernesto Vieira, 38, Centro casadamulherpedrabranca@ outlook.com

Casa da Mulher Forquilhense

Rua Teodoro Ximenes do Prado, S/N, Alto Alegre casadamulherforquilha@gmail.com

Por Tânia Mara Silva Coelho, Secretária da Saúde do Estado do Ceará

Mulheres na liderança, benefícios para todos

A participação e a liderança igualitárias das mulheres na vida política e pública são demandas essenciais para alcançarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres são sub-representadas em todos os níveis de tomada de decisão e a paridade de gênero na vida política ainda está longe de ser alcançada.

Em 1º de outubro de 2024, segundo dados da ONU, havia 29 países onde 30 mulheres serviam como Chefes de Estado e/ou de Governo. Isso significa que, se o mundo seguir esse ritmo, a igualdade de gênero nos mais altos cargos de poder não será alcançada antes de 130 anos.

É preciso incentivar a atuação política equilibrada e a partilha do poder entre mulheres e homens para mudar essa estimativa. Investir na equidade, igualdade e justiça social é fundamental.

contribuindo para um futuro mais promissor às mulheres e à saúde em nosso estado.

Reconheço que ainda há muitos desafios para nós mulheres. A desigualdade e os estereótipos de gênero afetam profundamente o desenvolvimento e a aprovação da liderança feminina nas organizações. Para termos um futuro sustentável, precisamos construir um mundo onde meninas e mulheres podem viver livres de discriminação, violência e desigualdade. Trabalhar políticas públicas visionárias, que promovam a igualdade de gênero, o empoderamento e os direitos de todas, em todos os lugares, também é uma estratégia imprescindível frente às demandas da sociedade.

Quanto mais mulheres são empoderadas para liderar, maiores são os benefícios para todos. Com união, fé, amor e perseverança é possível derrubar barreiras e transformar a aspiração em realidade para todas nós.

A desigualdade e os estereótipos de gênero afetam profundamente o desenvolvimento e a aprovação da liderança feminina nas organizações. Para termos um futuro sustentável, precisamos construir um mundo onde meninas e mulheres podem viver livres de discriminação, violência e desigualdade

Sou a segunda mulher a ocupar o cargo de titular da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, onde atualmente a alta gestão é 50-50, sendo composta por três mulheres e três homens. Esse cenário de representatividade reflete o empenho do governador Elmano de Freitas em criar ambientes inclusivos, em que o talento e a competência possam ser reconhecidos, independentemente de gênero.

Como mulher, médica, servidora pública, secretária da Saúde do Ceará e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), tenho o compromisso de defender o protagonismo e a liderança feminina,

Tânia Mara Silva Coelho tania.coelho@saude.ce.gov.br

É médica formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), possui residência em Infectologia e especialização em Medicina do Viajante pelo Royal College of Glasgow, na Escócia, e especialização em Gestão das Clínicas pelo Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. É mestre em Saúde Pública, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Região Nordeste. Foi superintendente da Rede Hospitalar da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), além de diretora clínica, técnica e geral do Hospital São José (HSJ). Antes de assumir a titularidade da pasta, estava como secretária executiva de Atenção à Saúde e Desenvolvimento Regional.

O papel da mulher no processo de transformação social Artigo.

Reconhecer a luta dos nossos ancestrais, comprometidos com o bem viver, em que os seres humanos se dedicam à coletividade e constroem uma relação harmônica com a natureza, com foco no equilíbrio entre o social e a sustentabilidade, é essencial no momento em que o planeta clama por socorro.

Refletir sobre a necessidade de ampliação do diálogo, como forma de resolução de conflitos, de mitigar a violência estrutural, o sofrimento e a morte e criar soluções para os desafios da humanidade é fundamental para a proteção das próximas gerações e das diferentes formas de vida.

a humanidade se torne melhor, desde aqueles em ambiente doméstico, que envolve a nutrição humana, na costura de vestimentas ou na justiça e engenharias, onde o olhar masculino é predominante. Apesar de todos os avanços e conquistas sociais, inclusive do direito político e da crescente participação feminina em cargos de liderança e nos ambientes acadêmicos, o ser mulher ainda se depara com aspectos que envolvem a regulação da fala e do corpo feminino. Numa dicotomia que envolve o cultural e o biológico.

Educar crianças e jovens com valores que incluam a ética, a responsabilidade, o respeito e o cuidado para com o outro e o meio ambiente, onde a lógica não seja o consumismo ou o capital, é imprescindível para formar seres humanos que contribuam de forma positiva para o social. Nesse sentido, a força e a sensibilidade feminina se projetam como características transformadoras da estrutura masculinizada da sociedade

Educar crianças e jovens com valores que incluam a ética, a responsabilidade, o respeito e o cuidado para com o outro e o meio ambiente, onde a lógica não seja o consumismo ou o capital, é imprescindível para formar seres humanos que contribuam de forma positiva para o social. Nesse sentido, a força e a sensibilidade feminina, a resiliência de uma mãe, a atenção aos detalhes, assim como a capacidade de planejar, executar e gerenciar simultaneamente diferentes tarefas, se projetam como características transformadoras da estrutura masculinizada da sociedade ou do que em torno dela gravita ao longo dos séculos.

Na saúde, as mulheres são protagonistas do cuidado, seja na dimensão familiar, nos serviços, na produção de conhecimento e implementação de práticas, e mais recentemente na geração de soluções inovadoras para o diagnóstico ou tratamento de doenças. Ainda, ressalto a importância dos trabalhos significativos desempenhados por mulheres para que

É com espírito de ousadia da Simone de Beauvoir, escritora francesa, ícone do pensamento feminista do último século, que encerro o breve texto convidando mulheres e homens a refletir sobre os desafios e papéis de cada Bárbara que temos ao nosso lado.

Carla Freire Celedônio Fernandes carla.celedonio@fiocruz.br

Graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutora em Ciências Naturais pela Philipps Universitaet Marburg, Alemanha, Pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Coordenadora da Fiocruz Ceará.

Artigo.

Mulheres protagonistas na garantia pelo direito à saúde

Ser mulher não é fácil, e trabalhar na saúde traz uma marca a mais nas “Marias” ativas nas grandes lutas sociais, econômicas e políticas para garantir esse direito. Historicamente, combatemos barreiras impostas pela sociedade brasileira, profundamente patriarcal, que nos delegava uma posição vulnerável e marginalizada, impedindo acesso à educação e ao mercado de trabalho.

O caminho foi aberto por mulheres inspiradoras: Nise da Silveira, Zilda Arns, Laura de Araújo, Anna Nery, Isabella Sydow, Luiza Torrezão, para citar algumas que, independente da profissão, desafiaram o monopólio dos homens e mudaram a história.

Contudo, os enfrentamentos seguem diários. Representamos a maior parcela da força de trabalho na saúde, especialmente no atendimento direto aos pacientes, mas ainda temos dificuldades para ascender aos cargos de tomada de decisão. E, quando o fazemos, somos cobradas por resultados de forma desproporcional, revelando toda a misoginia inconsciente(?) incutida nas instituições.

nomeação da primeira ministra da Saúde demonstra que não somos apenas cuidadoras, mas também líderes e inovadoras. Celebramos, sem nunca, contudo, deixar de refletir sobre as mudanças sociais que emergem desse novo lugar feminino, exigindo revisões dos papéis domésticos.

As duplas jornadas e sobrecargas advindas da manutenção da responsabilidade exclusiva pela educação dos filhos e pela organização da casa têm nos adoecido e fazem parecer que há um “preço a pagar” pelo destaque profissional, o que não é verdade. Como mulheres trabalhadoras da saúde no Brasil, representamos cuidado afetuoso, resiliência e inovação. Sigamos criticando as barreiras que ainda persistem, para que possamos garantir que as futuras gerações de mulheres tenham condições mais justas de trabalho, mais reconhecimento e participação no desenvolvimento da saúde no país

Impossível não mencionar o assédio moral e sexual no trabalho, que incide mais sobre as mulheres, revelando a cultura de assédio enraizada e protegida pela falta de medidas eficazes de denúncia e suporte à vítima

Impossível não mencionar o assédio moral e sexual no trabalho, que incide mais sobre as mulheres, revelando a cultura de assédio enraizada e protegida pela falta de medidas eficazes de denúncia e suporte à vítima. O problema é especialmente grave entre as mulheres negras, indígenas e trans, que enfrentam múltiplas formas de discriminação.

Driblando os obstáculos, seguimos avançando como destaques na gestão e na pesquisa científica em saúde. A

Josenília Gomes josenilia.gomes@ebserh.gov.br

Médica do Hospital Universitário Walter Cantídio, especialista em Dor e Cuidados Paliativos. Professora da Universidade Federal do Ceará. Superintendente do Complexo Hospitalar da UFC/EBSERH. Mãe, esposa, filha e remadora de canoa havaiana.

Mulher contemporânea, carga mental e a culpa

O papel da mulher ligado exclusivamente aos cuidados do lar e dos filhos já não corresponde à sua imagem no século XXI. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019), 54,5% das mulheres integram a força de trabalho no Brasil, dados que auxiliam a compreensão sobre a importância da participação da mulher no orçamento familiar.

No entanto, indicadores desta mesma pesquisa mostram que a dedicação delas aos afazeres domésticos é o dobro do número de horas, se comparado aos dos homens. Tal constatação nos auxilia na compreensão do conceito de carga mental, que diz respeito ao cansaço em decorrência do trabalho invisível de gerenciamento das tarefas domésticas.

consideração o contexto brasileiro, cujas crenças e padrões éticos estão enraizados em valores machistas e patriarcais, nos quais ainda imperam discursos como “mulher pode trabalhar contanto que não deixe de lado suas tarefas em casa”, “limpeza da casa é coisa de mulher”.

Como resultado, as mulheres estão exaustas e, infelizmente, carregadas de culpa por não corresponderem às expectativas sociais. Não por acaso a imagem do personagem da Mulher Maravilha é muitas vezes utilizada para representar a mulher contemporânea, afinal, é preciso ter super poderes para conseguir dar conta de tantas demandas.

Diante de tantas responsabilidades dentro e fora de casa, podemos afirmar que a mulher contemporânea se encontra numa situação de fragilidade e vulnerabilidade. Tal situação é melhor compreendida se levarmos em consideração o contexto brasileiro, cujas crenças e padrões éticos estão enraizados em valores machistas e patriarcais

Para ilustrar este conceito podemos pensar em tantas situações relacionadas ao ambiente doméstico que, normalmente, é a mulher responsável, como gestão da casa, saúde, educação e entretenimento. Listas de supermercados, gerenciamento da dispensa, consultas médicas, visitas ao dentista, manutenção da carteira de vacinação atualizada, acompanhamento de tarefas de casa, reunião com professores, material escolar, presente para o aniversário do amigo, planejamento de datas comemorativas, lanche dos passeios são apenas alguns itens de uma vasta lista de tarefas que a mulher deve administrar em seu dia a dia.

Diante de tantas responsabilidades dentro e fora de casa, podemos afirmar que a mulher contemporânea se encontra numa situação de fragilidade e vulnerabilidade. Tal situação é melhor compreendida se levarmos em

Carol Vazzoler psicarolvazzoler@gmail.com

Administradora, pós graduada em Marketing e Marketing de Serviços; Mestre em ADM. Concludente do curso de Psicologia e pós graduanda em Psicanálise.

Artigo.

Juntas somos fortes

Mesmo acreditando que são muitas as vertentes feministas, penso ser nesse último recorte que precisamos, JUNTAS, dar realce, ou seja, pensarmos em mudanças da concepção falocêntrica para outras mais independentes do masculino

Já se vão quase dez anos quando, em 2015, líderes globais prometeram eliminar toda e qualquer forma de violência e discriminação contra as mulheres até 2030. Falta pouco para chegarmos à terceira década do século XXI e o cenário ainda é desolador, a despeito do enfrentamento contra a violência de gênero ter alavancado novas tecnologias políticas e jurídicas de proteção. Ancorada na dinâmica das relações sociais e na dominação patriarcal machista, a consequente naturalização da violência contra a mulher atinge marcas escandalosas: a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência no Brasil, de acordo com órgão vinculado ao Instituto Maria da Penha, “Relógios da Violência”.

Esse cenário nos convoca cotidianamente à sororidade, à dororidade e pensarmos o fato de que o feminismo é uma potência de que dispomos, capaz de fazer frente à hegemonia falocrática e à violência que aí está. Como nos disse Tavi Gevinson “o feminismo não é um livro de regras, e sim, uma discussão, uma conversa, um processo”, porque falar sobre feminismo é falar sobre liberdade. Ou ainda, com Márcia Tiburi, que define o feminismo como sendo o contrário da solidão. E também Vilma Piedade, quando nos sinaliza que o feminismo só é uma luta possível se dialogar com todas as mulheres.

Do feminismo da igualdade, que reivindicava paridade social e política com relação aos homens, passando ao feminismo das diferenças, que ressaltava as especificidades da mulher em si mesma, chegamos a uma terceira

onda feminista que surgiu por volta dos anos noventa do século passado ao colocar o acento das discussões no dispositivo político que legitima certas manifestações da sexualidade refutando outras.

Mesmo acreditando que são muitas as vertentes feministas, penso ser nesse último recorte que precisamos, JUNTAS, dar realce, ou seja, pensarmos em mudanças da concepção falocêntrica para outras mais independentes do masculino, não deixando de lado a ideia de que não basta nos libertarmos individualmente e nem apenas a nós mulheres, urge construirmos condições para a liberdade de toda a humanidade.

Em um tempo apocalíptico, onde ser mulher é quase da ordem do impossível, que o mundo possa renascer sob o signo da mulher e sua metamorfose. Que possamos JUNTAS “soltar as amarras, rebentar fronteiras, castrar a indiferença”, como sempre aprendi com minha mãe, a poetisa Laire Serra.

Sabrina Serra Matos sabrinamatos@unifor.br

Psicóloga e psicanalista, especialista em Saúde Mental, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), articulista e colunista do O POVO

O poder do trabalho

Embora tenham conquistado avanços importantes no mercado de trabalho, os desafios das mulheres para alcançar a igualdade de gênero ainda passam por mudanças estruturais, políticas públicas eficazes e um compromisso constante das empresas e da sociedade

Gisele Sestren, Gerente Geral de Recursos Humanos da ArcelorMittal Pecém, trabalha para garantir uma maior participação de mulheres no organograma da empresa

Nos últimos anos, as mulheres têm conquistado espaços significativos no mercado de trabalho, quebrando barreiras e desafiando estereótipos de gênero. No entanto, apesar dos avanços, ainda enfrentam uma série de desafios para alcançar a equidade em relação aos homens. A luta por igualdade salarial, a conquista de cargos de liderança e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal são questões que permanecem centrais no debate sobre o papel da mulher no trabalho.

O Ceará, apesar de apresentar melhores dados que a média nacional, ainda mantém graves desigualdades salariais entre homens e mulheres. No estado, as mulheres ganham 9,65% a menos do que os homens, segundo o 2º Relatório de Transparência Salarial, documento elaborado pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres com o recorte de gênero, a partir dos dados extraídos de informações enviadas pelas empresas com 100 ou mais funcionários, exigência da Lei nº 14.611/2023.

No total, 1.460 empresas cearenses responderam ao questionário. Juntas, elas somam 561,8 mil pessoas empregadas. No recorte por raça, o relatório aponta que o número de mulheres negras é bem maior que o de mulheres não negras nas empresas do levantamento, com registro de 161,7 mil e 58,2 mil, respectivamente. Contudo, mulheres negras recebem, em média, 24,3% a menos que as não negras. Entre os homens negros e não negros, a diferença de remuneração média é de 25,2%.

O relatório também apresenta informações que indicam se as empresas contam com políticas efetivas de incentivo à contratação de mulheres, como flexibilização do regime de trabalho para apoio à parentalidade, entre outros critérios vistos como de incentivo à entrada, permanência e ascensão profissional das mulheres.

O Grupo ArcelorMittal entende a importância de ambientes diversos para gerar inovação e desenvolver nas pessoas uma visão de cuidado genuíno - algo fundamental para termos segurança, sustentabilidade e uma sociedade mais justa. Por tudo isso, estabelecemos uma meta global para alcançarmos pelo menos 25% de mulheres em cargos de liderança até 2030

O papel das empresas é fundamental para garantir uma maior equidade e a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho. “O Grupo ArcelorMittal entende a importância de ambientes diversos para gerar inovação e desenvolver nas pessoas uma visão de cuidado genuíno - algo fundamental para termos segurança, sustentabilidade e uma sociedade mais justa. Por tudo isso, estabelecemos uma meta global para alcançarmos pelo menos 25% de mulheres em cargos de liderança até 2030. Faz parte da estratégia do negócio, pois provoca transformações positivas para a empresa”, afirma Gisele Sestren, Gerente Geral de Recursos Humanos da ArcelorMittal Pecém.

A gigante do aço cearense é a única unidade da ArcelorMittal Brasil no Nordeste. A unidade iniciou a produção de placas de aço em 2016 e, em 2023, concluiu a aquisição da Companhia Siderúrgica do Pecém. A produção e exportação de aço na planta ultrapassam os três milhões de placas por ano.

Internamente, a companhia mantém projetos para garantir uma maior representatividade feminina em seu organograma, como o Programa de Estágio afirmativo para mulheres estudantes de Engenharia. “Esta é uma iniciativa que nasceu dentro do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão da ArcelorMittal”, afirma Gisele. O programa trabalha 4 gru-

ANDREH
JONATHAS/DIVULGAÇÃO

pos de afinidade: Equidade de Gênero, LGBTQIA+, pessoa com deficiência e Raça e Etnia. “Realizamos contínuas ações internas e externas, promovendo transformações efetivas nas práticas de nossos empregados, fornecedores, parceiros e comunidades onde estamos inseridos”.

Segundo Gisele, o incentivo ao ingresso de mulheres por meio do estágio é necessário em razão de duas realidades que são gargalos para a diversidade de gênero dentro da produção de aço. “A primeira é que, hoje, ainda temos uma predominância masculina no nosso setor. Queremos, portanto, mostrar que este não deve ser um fator desmotivador para as mulheres. A ArcelorMittal emprega centenas de especialidades profissionais e investe em um ambiente acolhedor para todas as pessoas”, afirma.

A segunda realidade que precisa ser transformada, de acordo com Gisele, é a baixa presença das mulheres nas carreiras STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). “O programa de Estágio Afirmativo para mulheres engenheiras é uma oportunidade de trazer as mulheres para a ArcelorMittal. Aqui, elas conhecerão nossos processos, contribuirão para o desenvolvimento da indústria do aço, serão incentivadas a progredirem em suas carreiras profissionais e verão outras mulheres exercendo cargos de liderança. Como resultado, acreditamos que, em médio e longo prazos, mais mulheres optarão pela carreira na siderurgia”, ressalta.

A mais recente turma de Estágio Afirmativo para mulheres engenheiras chegou à empresa no dia 15 de julho de 2024 e realizou, por cinco dias, o período inicial de integração e imersão no universo da produção de aço. O CEO da ArcelorMittal Pecém, Erick Torres, recebeu as estudantes de Engenharia, contou sua trajetória pessoal e profissional e falou sobre a história da companhia. “As estudantes puderam tirar dúvidas com o gestor e entender melhor o funcionamento da empresa. Em seguida, o grupo conheceu as áreas produtivas da empresa e foram apresentadas aos seus respectivos padrinhos e aos profissionais com quem

Camila Flor de Liz (centro) é uma mulher empreendedora que ajuda outras mulheres na difícil missão de manter seus próprios negócios

estão dividindo a rotina na jornada de estágio”, conta Gisele.

O programa selecionou 30 mulheres que estão cursando a partir do 5° semestre de Engenharias que se conectam com a produção do aço. As engenharias contempladas nesta turma foram Produção, Mecânica, Metalúrgica, Elétrica, Química, Computação, Civil e Energias Renováveis. O programa de estágio conta com a parceria do Instituto Euvaldo Lodi (IEL-Ceará), da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). “Houve uma ampla divulgação das vagas em universidades públicas e privadas, levando palestras, conhecimento sobre a siderurgia e nossas oportunidades. As selecionadas foram contratadas para o período de até dois anos, com renovação após o primeiro ano, para a car-

ga horária de cinco horas por dia, com possibilidade de efetivação ao final do contrato. As estudantes recebem Bolsa Auxílio compatível com o mercado; Alimentação no refeitório da empresa; transporte em rota de ônibus da empresa; seguro de vida obrigatório; Acesso à plataforma de aprendizagem da Universidade ArcelorMittal com cursos de mais de 70 idiomas gratuitos; e muitas oportunidades para o seu desenvolvimento”, explica Gisele.

Experiências como a da ArcelorMittal Pecém se complementam a ações e projetos da sociedade civil organizada para que a representatividade feminina também cresça fora do segmento formal de trabalho. E hoje, é justamente o empreendedorismo que tem permitido que mais mulheres possam ter sua fon-

O programa de Estágio Afirmativo para mulheres engenheiras é uma oportunidade de trazer as mulheres para a ArcelorMittal. Aqui, elas conhecerão nossos processos, contribuirão para o desenvolvimento da indústria do aço, serão incentivadas a progredirem em suas carreiras profissionais

te de renda, com suas própria empresas. Nunca na história do Brasil houve tantos empreendimentos comandados por mulheres. Elas já representam 34% dos chefes de negócios, de acordo com pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para 2025, as perspectivas são otimistas. Mais mulheres empreendendo significa outras mulheres ingressando no mercado de trabalho para ajudar aquelas que vivem o dia a dia dos desafios de gerir um negócio, como Camila Flor de Liz, sócia do Vem Cá Mulher, projeto surgido em 2021. Tudo nasceu a partir do Criatividade Gestão Esportiva, negócio de impacto que atua com elaboração e gestão de projetos e captação de recursos no ramo esportivo para condomínios e empresas.

“Empreender não é uma tarefa muito fácil, requer muitas mãos, muito planejamento, muita estratégia. Eu já estava empreendendo junto ao Criatividade e, durante a pandemia, fiz outra seleção para a Academia de Mulheres Empreendedoras. Fui uma das 90 selecionadas do Brasil. De Fortaleza só teve eu e mais uma, e aí tive a oportunidade de fazer um plano de crescimento de negócio. E lá eu resolvi tirar o Vem Cá Mulher do papel”, conta Camila. “Naquele momento, começamos a desenvolver algumas ações para poder amenizar a situação das mulheres. Mobilizamos redes de parceiros para poder conseguir cestas básicas, escuta, rodas de conversa, mesmo que em ambiente online”, completa. Hoje, o Vem Cá Mulher tem como objetivo contribuir para reduzir as desigualdades de gênero, social e econômica de mulheres no mercado de trabalho e empreendedorismo.

“Observamos que grande parte das mulheres que atuam nos projetos da Rede Cria são mães”, afirma Vivi Façanha, uma das fundadoras da Rede Cria. “A necessidade de aliar a criação dos filhos com a renda familiar, força grande parte delas a atuar no mercado informal, comercializando comidas e/ou artesanato. Desta

Acreditamos na diversidade, equidade e inclusão, e temos como premissa básica o respeito às pessoas. Logo, um programa afirmativo de estágio para mulheres só enriquece a nossa diversidade. Temos a oportunidade de receber mulheres em diferentes idades, formações e vivências

forma, podem programar seu tempo de trabalho, incluindo em sua jornada diária os cuidados com as crianças e as atividades domésticas”, completa.

A Rede Cria é uma instituição que possui como missão proporcionar acesso à educação, à diversidade artística e cultural, à cidadania, à defesa e preservação do patrimônio imaterial do povo cearense, contribuindo para a geração de trabalho, renda e redução das desigualdades de gênero. Um dos projetos neste sentido, é o Artesanato em Rede- Mulheres do Mar, que desde 2020, fomenta o artesanato da comunidade da Graviola, localizada no bairro Praia de Iracema em Fortaleza. “Nesses quatro anos, potencializamos as habilidades criativas de artesãs por meio da promoção ao conhecimento compartilhado, fornecendo oficinas, consultorias, intercâmbio de saberes, suporte e estímulo para a estruturação de parcerias de negócios”, explica Vivi.

“Acreditamos na diversidade, equidade e inclusão, e temos como premissa básica o respeito às pessoas. Logo, um programa afirmativo de estágio para mulheres só enriquece a nossa diversidade. Temos a oportunidade de receber mulheres em diferentes idades, formações e vivências e que, com certeza, provocarão reflexões e aprendizados nas áreas de atuação e, consequentemente, a inovação e resultados”, ressalta Gisele, da ArcelorMittal.

DIVULGAÇÃO

UANE EXCELÊNCIA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

A Universidade Aberta do Nordeste , da Fundação Demócrito Rocha , é uma das pioneiras em educação aberta no Brasil. Com mais de 1 milhão de alunos(as) alcançados em todo o país e quatro décadas de conquistas, sua história é escrita por todos(as) que fizeram e continuam fazendo parte dessa trajetória de sucesso. Juntos, seguimos construindo um caminho sólido, movidos pela paixão e pelo compromisso com a educação de qualidade.

Aproximando, conectando e transformando.

Educação. É o que fica.

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Artigo.

IA: Abrindo Caminhos para Mulheres na Tecnologia

Minha trajetória profissional me levou do jornalismo para o mundo da tecnologia. Comecei como jornalista, mas com a chegada da internet ao Brasil, mergulhei rapidamente no universo digital. Reconhecendo o impacto profundo que essa tecnologia traria, deixei para trás o conforto de uma posição promissora em uma grande redação para integrar um time pioneiro na construção de produtos digitais. Liderei o desenvolvimento de sites de grande audiência, incluindo um portal para o público feminino, e acompanhei a evolução da internet móvel. Agora, me fascino com as possibilidades da Inteligência Artificial.

preparar-se para essa nova realidade é fundamental.

É fundamental reconhecer que a IA também traz desafios. Questões éticas, de segurança e privacidade, além do impacto no futuro do trabalho, exigem atenção. Mas, se utilizada com responsabilidade e propósito, a IA pode ser uma ferramenta poderosa para promover a igualdade e a diversidade de forma mais ampla. Cabe a nós, que nos envolvemos com IA agora, moldar o futuro dessa tecnologia e garantir que ela seja usada para o bem da humanidade.

Que essa nova era tecnológica seja um convite para todas as mulheres, de todas as áreas do conhecimento, a participarem dessa transformação e construírem um futuro mais igualitário e inovador. Dominar a IA é uma oportunidade para seguirmos traçando nossos próprios caminhos, conquistando espaço e contribuindo para um futuro mais promissor

Sou privilegiada por fazer parte da minoria de mulheres que atuam na área de tecnologia. No Brasil, menos de 1% de nós trabalhamos com tecnologia, segundo a Serasa Experian. No setor da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), ocupamos apenas 39% dos empregos, e em cursos de TI, mulheres representam 16,5% dos estudantes. A diferença salarial persiste, com mulheres ganhando em média 11% a menos que os homens na mesma função.

Vejo na Inteligência Artificial uma importante porta de entrada para mais mulheres na tecnologia, assim como a internet me impulsionou nesse caminho. A IA tem o potencial de gerar novos empregos e profissões,  mudando radicalmente a realidade da participação feminina e abrindo um leque de oportunidades para quem busca uma carreira em qualquer área. As mulheres têm um papel crucial nesse cenário, e

O futuro da tecnologia se constrói agora, e a inteligência artificial tem um papel fundamental nessa construção. Que essa nova era tecnológica seja um convite para todas as mulheres, de todas as áreas do conhecimento, a participarem dessa transformação e construírem um futuro mais igualitário e inovador. Dominar a IA é uma oportunidade para seguirmos traçando nossos próprios caminhos, conquistando espaço e contribuindo para um futuro mais promissor para todos.

Fabiana Zanni fzanni@gmail.com

Lidera as parcerias do Google com o ecossistema de notícias no Brasil. Com mais de 30 anos de experiência em jornalismo e educação, liderou equipes em empresas como Grupo Abril e Pearson. Possui expertise em desenvolvimento de produtos, gestão de projetos e conteúdo digital. Também lecionou novas tecnologias para comunicação em cursos de jornalismo.

Mulheres 5.0, Resiliência e Inspiração Artigo.

Em um mundo complexo, enfrentamos uma realidade efervescente, especialmente para mulheres que, como eu, iniciaram suas carreiras no século XX e são diariamente desafiadas a se reinventar. Este é um processo que ultrapassa as barreiras cronológicas e do etarismo, e que exige de nós resiliência e coragem .

que a idade nos restringe. Surpreendemos, rompemos expectativas e desafiamos padrões.

Apesar dos discursos da inclusão e da igualdade, na prática, a realidade ainda é outra. A resistência silenciosa à presença de mulheres em cargos estratégicos revela-se em estruturas não explícitas que limitam nosso crescimento, questionam nossa capacidade de liderança e que se refletem na falta de oportunidades e no preconceito disfarçado, exigindo de nós muito mais competência, tenacidade e jogo de cintura

Brené Brown, em “A Coragem de Ser Imperfeito”, diz que “a vulnerabilidade é o berço da inovação, da criatividade e da mudança”. Uma verdade que sentimos na carne, quando nos desafiamos a mergulhar nesse ambiente de transformação, reinventando saberes e nos adaptando a novas ferramentas e tendências, sem perder a essência de nossa trajetória. Outros obstáculos se opõem ao protagonismo feminino no mundo corporativo. Apesar dos discursos da inclusão e da igualdade, na prática, a realidade ainda é outra. A resistência silenciosa à presença de mulheres em cargos estratégicos revela-se em estruturas não explícitas que limitam nosso crescimento, questionam nossa capacidade de liderança e que se refletem na falta de oportunidades e no preconceito disfarçado, exigindo de nós muito mais competência, tenacidade e jogo de cintura.

O etarismo é também uma barreira invisível que nos tenta limitar. Jeanette Winterson, em “Porque Você é Como Você É”, reflete que “o tempo é a substância que nos falta e, paradoxalmente, a que nos sustenta”. Somos mulheres que carregam experiências, mas facilmente adaptáveis ao novo, desfazendo o estigma de

Ao longo da jornada, vi inúmeras mulheres sendo subestimadas por causa de seu gênero e idade. Por outro lado, testemunhei também uma força imensurável naquelas que, desafiando limitações, decidiram abraçar o novo. Talento e conhecimento não têm data de validade.

Em “O Mito da Beleza”, Naomi Wolf afirma que “a idade é um ato revolucionário” para as mulheres que ousam reescrever suas histórias. Nossa vivência é resistência silenciosa, e somos exemplos pulsantes de que o auge de uma carreira, ou a sua reinvenção pode acontecer após os 50.

Que possamos enxergar nossa trajetória como um exemplo de superação e coragem, enquanto seguimos, juntas, desafiando padrões, inovando e inspirando as próximas gerações. Afinal, o nosso tempo é agora – e ele é infinito.

Cibele Gaspar cibele.gaspar@nexxi.com.br

Mestre em Gestão Estratégica e diretora da Nexxi Assessoria. Especialista em finanças e parcerias público-privadas. Foi executiva do Banco do Nordeste. Casada, mãe de dois filhos e avó, seu propósito é viabilizar investimentos estratégicos para empresas.

Artigo.

É difícil ser homem

Por Emília Buarque, Empresária e Presidente do Lide Ceará

A despeito de não existir um determinismo biológico de que mulher precise obrigatoriamente estar nesta ou naquela posição, o momento é propício para que as inseguranças sejam debatidas

Se o título chamou sua atenção, convido-o e convido-a a seguir explorando o contexto atual em que a luta feminina sai da espreita, ganhando vozes e mais consciência na sociedade.

Longe de exaurir a complexidade do tema, a ideia é chamar a todos para enxergar ganhos e perdas do processo, além de abrir uma discussão intencional e propositiva.

A começar por destacar minha posição privilegiada, onde ainda assim sinto o machismo evidente; é necessário perceber que, diante do ganho de espaço cada vez mais acentuado por parte das mulheres, muitas das posturas tóxicas e abusivas, veladas ou não, têm vindo à tona.

Ocorre que podemos classificar o comportamento preconceituoso em três categorias: o da convicta normalidade, que compreende aqueles que acreditam nestes papéis limitantes que subordinam a mulher a um lugar inferior; o da falsa moralidade, que agregam todos que fingem apoiar as causas femininas e que dissimulam situações apenas para prestar satisfação à comunidade; e o da expressa intencionalidade, ou seja, dos que se valem de autoridade para oprimir e violentar.

A despeito de não existir um determinismo biológico de que mulher precise obrigatoriamente estar nesta ou naquela posição, o momento é propício para que as inseguranças sejam debatidas. Homens que se sentem ameaçados, como neste comentário que recebi em uma rede social e usei como título deste artigo, expõem suas

vulnerabilidades e fragilidades, que dizem respeito tão somente a forma de lidar com questões de gênero. Posso garantir àqueles que compreendem, valorizam e são complementares ao esforço feminino, serão os de masculinidade mais elevada e se tornarão os mais respeitados diante do olhar deste momento geracional cada vez mais impositivo de um ambiente equânime entre o feminino e o masculino.

A pergunta recorrente é: avançamos? Prefiro responder não, pois tenho visto muito “washing” nas empresas, com programas de ESG mal elaborados; nas entidades de classe, com poderio altamente masculinizado; na política, impregnada da superioridade característica do patriarcado; e lá na ponta, na mais ampla faixa da pirâmide social, onde mulheres de baixa renda são os pilares de nossa sociedade, lamentavelmente, onde encontramos o grau maior do machismo enraizado, culminando nos crimes de violência contra a mulher.

Se isso é difícil para os homens, imaginem para mulheres.

Emília Buarque presidencia@lideceara.com.br

Presidente do Lide Ceará e empresária. Formada em Turismo (Unifor), em Gestão Pública e Empresarial (UFC) e em Conselho de Administração (IBGC). Presidiu a AJE, foi VP do CIC e desde 2016 preside o Lide. É Conselheira do Fórum de Mulheres Empresárias da CNI e da Unifor.

Por Dana Nunes, Superintendente do IEL Ceará e Líder da Transformação Digital do Sistema FIEC

Artigo.

A diversidade de perspectivas proporcionada por uma maior participação feminina na liderança resulta em mais criatividade, cooperação, engajamento, inovação, entre várias outras vantagens estratégicas, incluindo oportunidades de ter uma performance financeira superior

Mulheres na liderança

Em um mundo onde as estruturas corporativas são redefinidas constantemente, as empresas estão cada vez mais empenhadas em ampliar a presença feminina em seus quadros profissionais, tanto nas áreas operacionais quanto em posições de liderança. Esse movimento não é impulsionado apenas pela necessidade de reduzir desigualdades históricas e culturais, mas também porque o que se vê, na prática, é uma verdadeira transformação nos negócios quando mulheres assumem posições de destaque.

A diversidade de perspectivas proporcionada por uma maior participação feminina na liderança resulta em mais criatividade, cooperação, engajamento, inovação, entre várias outras vantagens estratégicas, incluindo oportunidades de ter uma performance financeira superior.

Um estudo da McKinsey & Company, uma das mais importantes consultorias do mundo, revelou que empresas com mais mulheres no time executivo têm uma probabilidade 21% maior de ter margem de lucro econômico superior, demonstrando uma relação direta da diversidade, tanto na lucratividade como na criação de valor.

Movimentos pelo mundo inteiro têm chamado as empresas à ação, incentivando que elas busquem alcançar o percentual de 50% de mulheres em cargos de liderança. Mas, garantir a participação efetiva das mulheres no mercado de trabalho e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão vai muito além do estabelecimento de metas numéricas.

Tão importante quanto contratar e promover mulheres é apoiar o seu desenvolvimento desde o início e fortalecê-las para o pleno exercício da liderança. É fundamental que não só as mulheres invistam em seu autodesenvolvimento, mas que as empresas assumam também esse papel e qualifiquem os seus talentos, promovendo um ambiente em que as mulheres possam expressar seu potencial sem barreiras.

O caminho para um futuro mais sustentável está em apoiar as mulheres para que assumam o seu protagonismo. Não se trata de decretar o fim dos homens. Equilíbrio é a chave. Ao unir habilidades e características masculinas e femininas, que são complementares, despertamos todo o nosso potencial e tornamos a liderança um lugar de humanidade, de cuidado com o outro, de criatividade e flexibilidade, trazendo benefícios para todos.

Dana Nunes iel-administrativo@sfiec.org.br

Graduada em Administração (Uece) e Letras (Unifor), é especialista em Administração e Gestão de Negócios (IBMEC), em Qualidade (UFC) e em Linguística e Ensino da Língua Portuguesa (Uece). Atua há 21 anos no Sistema Fiec e, desde 2019, é Superintendente do IEL Ceará.

Artigo.

Por mais lideranças femininas

A mulher ainda tem que provar ser mais capaz do que os homens. No mundo profissional, como na área financeira e empresarial, em que a predominância maior é de homens, uma mulher precisa ser três vezes mais eficiente para ser aceita, inclusive por outras mulheres

O papel da mulher é fundamental em todos os segmentos e funções existentes no mundo. A força feminina é transformadora! Somos resilientes, flexíveis e manifestamos instintos de sabedoria, sensibilidade e de resistência, fatores que contribuem no discernimento e tomada de decisões. Características que a sociedade ainda resiste em reconhecer e legitimar.

No século 21, não deveríamos mais estar reivindicando direitos, mas vivenciando a normalidade dessa pauta. Mulheres deveriam estar ganhando salários adequados com a função desenvolvida, disputando vagas em condições justas, ocupando cargos em proporção de igualdade na questão de gênero, inclusive em posições estratégicas. Deviam estar presenciando o respeito em todas as instâncias, sendo livres de preconceitos, tendo o direito de ir, vir, e de como querem viver suas vidas, aspectos que a sociedade, enraizada de dogmas e paradigmas, ignora e não consegue se desvencilhar.

A mulher ainda tem que provar ser mais capaz do que os homens. No mundo profissional, como na área financeira e empresarial, em que a predominância maior é de homens, uma mulher precisa ser três vezes mais eficiente para ser aceita, inclusive por outras mulheres, que, por questões obviamente culturais, ainda se colocam nessa posição de segundo lugar. Haja inteligência emocional e autoconfiança para vivenciar esse dia a dia.

E, ainda se não bastasse tudo isso, tem a luta árdua para dar conta de

todos os papéis. O homem quando é provedor, é apenas provedor. A mulher precisa ser provedora e operacional da casa e de sua maternidade. São décadas de lutas, que ainda estão longe de acabar.

Ainda vivemos com medo, somos vítimas diárias de feminicídio, de todo tipo de violência física e psicológica, crimes que nem sempre são punidos. Mas existe caminho para um novo mundo, precisamos de mais mulheres na liderança pública e privada, mulheres no legislativo lutando pela aprovação de leis que nos protejam e nos garantam um mínimo de tranquilidade e possibilidades de ascensão profissional sem culpa. Só com mais mulheres legislando pela nossa causa, chegaremos a políticas públicas favoráveis.

Com 35 anos de trabalho na mesma empresa, já ocupei inúmeros cargos e, muitas vezes, vi o estranhamento por ser mulher, como se uma mulher não pudesse entender de negócios e lidar com números. Nunca desisti. Fácil não foi e nem é.., sigamos em frente!

Eliane Brasil elianebrasil@bnb.com.br

Foi gerente de ambiente, superintendente e a primeira mulher diretora do BNB, quando ocupou a Diretoria Administrativa e de Tecnologia da Informação. Antes ocupou a Superintendência de Desenvolvimento Humano, criando a Célula de Relacionamento com os Funcionários e a Universidade Corporativa, responsável por qualificar e expandir a área de treinamento do Banco.

Artigo.

Uma das maiores barreiras enfrentadas pela mulher executiva é o preconceito velado. Ainda é comum que as mulheres sejam subestimadas, obrigando-as a reforçar continuamente suas habilidades e resultados. Esse esforço para superar as expectativas resulta em uma carga emocional e psicológica significativa

Os desafios da mulher executiva

Em um ambiente corporativo que ainda enfrenta desafios relacionados à igualdade de gênero, a mulher executiva precisa navegar por um mar de expectativas, preconceitos e exigências que ultrapassam as barreiras tradicionais.

As mulheres que atingem cargos de liderança frequentemente o fazem ao custo de uma gestão rígida de tempo e energia, equilibrando vida pessoal e responsabilidades profissionais. Esse cenário é agravado pela pressão de precisar provar constantemente sua competência em um ambiente ainda dominado por lideranças masculinas.

Uma das maiores barreiras enfrentadas pela mulher executiva é o preconceito velado. Ainda é comum que as mulheres sejam subestimadas, obrigando-as a reforçar continuamente suas habilidades e resultados. Esse esforço para superar as expectativas resulta em uma carga emocional e psicológica significativa. Em paralelo, é preciso lidar com as cobranças relacionadas à vida pessoal, pois frequentemente as mulheres são questionadas sobre suas decisões familiares, algo raramente exigido dos homens em posições equivalentes.

Outro desafio é o acesso às redes de apoio e mentoria. Muitos cargos executivos são obtidos não apenas por competência, mas também por meio de conexões estratégicas. No entanto, as mulheres ainda têm menos acesso a essas redes. É fundamental que lideranças femininas invistam em programas de mentoria, criando um espaço onde outras mulheres possam se sentir encorajadas e preparadas para assumir posições de liderança.

Em um mercado onde as exigências por produtividade e inovação são constantes, a mulher executiva deve promover um ambiente que valorize a diversidade e ofereça apoio às gerações futuras. Enfrentar esses desafios exige resiliência, mas também a criação de estruturas que permitam uma jornada menos solitária.

Transformar o ambiente corporativo em um espaço realmente inclusivo é um objetivo coletivo que beneficia a todos, levando as empresas a um novo patamar de crescimento e equidade.

Nestes dois últimos anos em que estou atuando como líder do Ibef Mulher CE, o maior ecossistema de mulheres executivas da região Nordeste, com 218 associadas, consegui mensurar a força que reside nas interações, no networking e na ampliação e desenvolvimento de conhecimentos técnicos.

Acredito na “Teoria do Brilho”, criada pela jornalista americana Ann Friedman, que reflete meu modo de agir: “mulheres que apoiam outras mulheres são mais bem-sucedidas e transformam o ambiente ao seu redor”.

Myrian Saraiva myriansaraiva@yahoo.com.br

Lider do Ibef Mulher CE, Superintendente do Grupo Sifra (FIDC), nas regiões Norte e Nordeste. Graduada em Economia pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Formação como Conselheira pelo IBGC.

Todo corpo é o ideal

Independente do peso, cor e posição social mulheres ainda são expostas à pressão por um corpo “perfeito”

Na década de 1950, as mulheres corriam para ter o corpo de Marilyn Monroe. Não só o cabelo loiro, mas a cintura fina e as proporções que se assemelhavam a uma ampulheta. Nos anos de 2010, eram as irmãs Kardashians que estampavam as capas de revistas e mobilizavam milhares de mulheres na busca de um corpo “perfeito”. Os anos foram passando e uma febre de lipoaspirações tomou conta e, atualmente, influenciadoras, atrizes e modelos exibem um corpo extremamente magro.

A magreza excessiva como padrão de moda é um retorno à estética dos anos 2000. No TikTok, a hashtag “Y2K, Years 2000”ou “anos 2000”, uma referência às tendências de moda daquela década, já acumula bilhões de visualizações. A tendência também abrange uma exaltação ao corpo “size zero”, uma menção a tamanhos de roupas sem numeração de tão pequenas.

A busca por um corpo padrão, mas que muda de década em década, e agora está na magreza exacerbada, tem provocado ainda a procura por dietas milagrosas e outras ações prejudiciais não só à saúde física, mas também mental. Além dos procedimentos estéticos que tem vitimado mulheres, por serem feitos de forma precária e sem o devido acompanhamento de profissionais qualificados, as mulheres têm recorrido a medicamentos que nem mesmo precisam. Tudo para emagrecer.

Em junho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta sobre semaglutidas falsificadas, medicamento usado para o tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade em alguns países. O aviso tratou de 3 lotes falsificados de produtos da marca Ozempic, detectados no Brasil e no Reino Unido, em outubro de 2023; e nos Estados Unidos, em dezembro de 2023.

O medicamento é prescrito para pessoas para reduzir os níveis de açúcar no sangue em quem tem diabetes. Um efeito encontrado é a capacidade de suprimir o apetite, o que tem atraído cada vez mais quem quer perder peso.

“A OMS tem observado o aumento da demanda por esses medicamentos, bem como relatos de falsificação. Esses produtos falsificados podem ter efeitos prejudiciais à saúde das pessoas; se os produtos não tiverem os componentes brutos necessários, os medicamentos falsificados podem levar a complicações de saúde resultantes do descontrole dos níveis de glicose no sangue ou do peso”, explicou o comunicado da OMS.

E buscar esse suposto corpo “ideal”, sempre magro, tem atingido diretamente a vivência das mulheres. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, cerca de 70 milhões de pessoas no mundo são afetadas por algum transtorno alimentar, incluindo anorexia, bulimia, compulsão alimentar e outros.

A anorexia nervosa e a bulimia apresentam grande incidência entre os jovens. As mulheres são as mais acometidas por esses distúrbios, sendo a anorexia a de maior incidência no público de 12 a 17 anos e a bulimia se mostrando mais presente no início da vida adulta.

Na anorexia nervosa, a pessoa restringe a alimentação. Inicialmente, é uma dieta comum que, com o passar do tempo, vai aumentando a limitação dos alimentos, levando a grande perda de peso. O jejum recorrente também faz parte das características apresentadas pelo transtorno, que pode levar à desnutrição.

Na bulimia, em situações recorrentes, o indivíduo ingere uma grande quantidade de alimentos num espaço curto de tempo. Por questões psicológicas, a pessoa passa a utilizar “métodos compensatórios” para evitar o ganho de peso, que incluem a indução de vômito e o uso de laxantes e diuréticos. É frequente que pacientes diagnosticados com esses quadros também tenham outras doenças psiquiátricas relacionadas, com os transtornos levando à desnutrição e à doenças psiquiátricas, dentre elas, depressão e ansiedade.

No meio disso, a importância de trabalhar a autoestima feminina, a aceitação de que a beleza não é um “padrão” e que a moda pode ter espaço para todos os corpos femininos. Uma das vozes nesse trabalho, no Ceará, é Jaqueline Queiroz, embaixadora do Movimento Plus Size no estado, e CEO do Miss Plus Size Ceará. Ela é precursora, no Ceará, da realização de eventos para a valorização e amparo a mulheres gordas.

Há anos no setor, Jaqueline avalia que a valorização da extrema magreza “nunca acabou e sempre vai continuar”. “Como eu vejo esse ciclo, se há como quebrá-lo? É com o meu trabalho, o dia a dia, a minha resistência. Eu, o tempo todo trabalhando, palestrando, tendo voz nos equipamentos públicos, tendo voz nos meios de comunicação. É a única maneira de quebrá-lo”, ressalta.

Sua defesa também é quebrar ideias pre-concebidas. “Não é falando que a pessoa morra gordo, fique gordo, mas se cuidando. O caso é o preconceito, o caso é a aceitação da pessoa com seu corpo, porque quando a pessoa se ama, ela cuida do corpo e acaba emagrecendo, mas a sociedade é tão injusta com esse padrão, com o corpo gordo, que a pessoa acaba realmente se traumatizando, entrando em depressão.

O caso é o preconceito, o caso é a aceitação da pessoa com seu corpo, porque quando a pessoa se ama, ela cuida do corpo e acaba emagrecendo, mas a sociedade é tão injusta com esse padrão, com o corpo gordo, que a pessoa acaba realmente se traumatizando, entrando em depressão. A única forma de quebrar esse estigma é debater, é falar sobre ele

JOÃO FILHO

Jaqueline Queiroz dedica sua vida a gerar consciência na luta contra a gordofobia

A única forma de quebrar esse estigma é debater, é falar sobre ele, é ter voz no município e no estado”, explica.

Foi nessa caminhada que Jaqueline trouxe o Miss Plus Size para o Ceará. O por quê? A necessidade de ter um concurso que fosse inclusivo. “Porque todas as modelos, todas as mulheres gordas, um dia brincaram de serem miss, de serem princesas. Muitas não conseguiam participar no colégio, justamente por conta do corpo, porque só eram realmente permitidas mulheres magras”, aponta.

“Já tinha o Miss Plus Size nacional, que era no Rio de Janeiro. Eu resolvi fazer um aqui justamente por isso, para que a gente pudesse promover a diversidade dos corpos e incluir mulheres gordas em concurso de miss”, ressalta. No evento, há toda uma preparação para essas mulheres. Acolhimento e empenho são algumas das frentes. “Tem coach de miss, tem nutricionista, mentora comportamental, consultoria de imagem e estilo. Elas têm todo um acompanhamento justamente porque elas, como a maioria já são gordas desde

pequenas, elas não têm esse preparo que as mulheres slim, as mulheres magras têm. Eu acabo tendo que prepará-las, porque elas não nascem misses, se tornam”, destaca.

Além do impacto na vida de várias mulheres, Jaqueline também foi fundamental para o combate à gordofobia, que atinge, claro, as mulheres em maior indecência, mas que também afeta homens. “A gordofobia afeta em tudo. Mulheres e homens, em todos os ambientes. No trabalho, às vezes, a pessoa que está gorda não entra no perfil de uma loja ou de uma determinada empresa porque está gorda”, afirma.

“A gordofobia não só afeta as mulheres e homens em todos os ambientes, como ela também mata, porque a pessoa não tem um psicológico preparado. Por isso, é tão bom preparar as meninas”, pondera.

E a palavra gordofobia pode ser nova no vocabulário, mas as práticas que a envolvem já são sentidas há muito tempo. “Eu vi quando tinha que lutar por conta do preconceito,

preconceito contra as modelos plus size, preconceito contra as misses plus size, o preconceito em geral. Por quê? Porque até quando eu ia fazer a captação de patrocínio, quando eu falava que eram eventos que contemplava mulheres gordas, a marca não queria se associar. Isso é uma forma de gordofobia, você não querer associar a sua marca a mulheres gordas. É uma forma, claro que você tem todo direito de não querer, mas ficava explícito quando falavam para mim que não queriam a marca associada a mulheres gordas”, lembra.

Ela teve participação na criação do projeto de lei que institui o 11 de maio de cada ano como o Dia Municipal de Luta Contra a Gordofobia, incluído no Calendário Oficial de Eventos do Município de Fortaleza. Os frutos vêm sendo colhidos, mas Jaqueline quer mais. Sua defesa é que a legislação avance para o Ceará e abrace punições para quem praticar a gordofobia. “Foi fundamental a provação do dia da Lei de Luta contra a Gordofobia, que é no dia 11 de

maio, fez dois anos esse ano. Com a lei, foi quando eu comecei a ter voz, foi quando eu comecei a ir para os equipamentos públicos, foi quando as pessoas me viram. Só que é apenas uma lei municipal, uma lei que celebra o dia do combate à gordofobia. Agora, estou lutando para que essa a gordofobia se torne crime, que realmente se torne lei e se tenha punição”, defende.

A gordofobia não é considerada crime em si, mas o ofensor ou ofensora pode ser culpabilizado pelo crime de injúria (esfera penal), por danos morais (esfera cível), por infração disciplinar (esfera administrativa) ou ainda na esfera trabalhista.

O Senado Federal fez uma cartilha que explica, de forma rápida e direta, sobre o que é a gordofobia e como combatê-la. “É a desvalorização, estigmatização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos. Tal discriminação leva à exclusão social e, consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas”, ressalta o texto.

A gordofobia pode levar a desigualdades no ambiente de trabalho, sobretudo devido aos estereótipos negativos, segundo os quais as pessoas gordas seriam preguiçosas, desmotivadas, indisciplinadas, menos competentes e desleixadas. Esse preconceito é, muitas vezes, disfarçado de preocupação com a saúde, dificultando a identificação.

O texto dá sugestões de como não ser gordofóbico. Por exemplo, as pessoas precisam deixar de ser “fiscal de corpo”, que é quando alguém comenta o quanto a pessoa engordou ou elogia o emagrecimento alheio. Fazer comentários supostamente bem-intencionados sobre o corpo da pessoa, como: “você nem é tão gorda assim”, “você não é gorda, é cheinha”,

“você tem o rosto tão bonito, só precisa emagrecer”, “você deveria usar roupas que emagrecem” também precisa ser cortado, assim como dar palpites sobre dieta e emagrecimento ou comentar sobre o que a pessoa come.

Jaqueline ressalta ainda a importância de fazer debates com o público mais jovem. “Conscientização e prevenção. A gente tem que fazer nos espaços de colégios, de faculdades. Precisa haver mais debate sobre isso, ainda mais na área escolar, que é quando começa tudo, quando o jovem começa a sua formação”, aponta. Ela mesma tem uma cartilha e cita a urgência de acabar com o preconceito. “É conscientização nas escolas, nas faculdades, em debates”, defende.

(esq. a dir.):

Jaqueline Queiroz, Sabrina Matos, Carol Kossling e Juçara Mapurunga, no palco do Bárbaras 2023

Lembre delas A importância de celebrar mulheres artistas

Elas são fundamentais na criação e manutenção da cultura, mas tem seus legados apagados pelo machismo

Por Mabel Cavalcante

Preconceito, machismo e misoginia foram e são alguns dos impulsionadores dos percalços enfrentados para que apenas há poucos anos mulheres tenham conseguido expressar a sua arte e tornar isso muito mais que um hobby, e sim, uma forma de sustento. As mulheres precisaram se rebelar para abandonar o papel de musas e assumirem o protagonismo na arte.

Apesar dos avanços na representatividade e nas oportunidades para mulheres artistas, as mesmas ainda são minoria em acervos de museus ao redor do mundo e, constantemente, precisam reafirmar e lutar pelo seu espaço na arte, em suas diferentes formas de expressão.

Artistas brasileiras, como Anitta, Luísa Sonza, Ludmilla e Iza, ganharam destaque internacional. Não só cantoras, mas outras artistas de diferentes formas de expressão artísticas ocupam espaços de reconhecimento nacional e internacional, como Fernanda Torres, indicada ao Globo de Ouro na categoria melhor atriz por sua atuação no filme “Ainda Estou Aqui", mesma categoria que sua mãe, Fernanda Montenegro, também foi indicada, em 1999.

Para o movimento de mulheres artistas, são conquistas que devem ser celebrados cada vez mais. As cearenses Lorena Lyse, cantora

e coordenadora de Cultura da Rede Cuca, e Suellem Cosme, artista visual e designer, compartilham um pouco do processo, das problemáticas e da importância de celebrar as mulheres artistas.

“É essencial celebrar para combater apagamentos históricos e destacar o papel inovador e transformador das mulheres na cultura. Essa vitória reflete a luta contínua por igualdade. Contudo, há muito a ser conquistado, principalmente em espaços que perpetuam a barreira de gênero”, avalia Lorena Lyse.

Para o desenvolvimento da sua arte, Suellem conta com as possibilidades dos encontros e das trocas. “O meu processo criativo é muito sensível a quem eu sou e o que me constrói, entendi que minha família, amigos, meus romances, as conversas que tenho com essas pessoas que ecoam na minha cabeça, as músicas que eu escuto, os livros que leio, os lugares que fre-

Suellem Cosme é artista visual e designer e defende um acesso mais democrático às artes em geral

quento, as roupas que uso, meus cabelos, os adornos que uso no meu corpo, a espiritualidade do invisível e do sentir, tudo isso faz parte de quem eu sou, se soma e vai guiando as minhas criações. Nada do que fazemos estamos fazendo sozinhos”, afirma.

A arte começou a fazer parte da vida de Suellem desde cedo e, ao longo da sua vida, encaminhou o seu trabalho para as pautas que acredita e fazem parte do seu entorno. “Observando minha avó fazendo pamonha, farinha e beiju na casa de farinha, vendo meu avô plantando o feijão dele, queimando castanha de caju, para mim, tudo isso é arte. Sempre trouxe para perto a ancestralidade que consigo tatear, das vivências que tive que considero não só afro-brasileira, mas da cultura indígena também. Sou de uma cidade do interior do Ceará chamada Ocara, onde esses povos construíram e constroem a nossa cultura com seus modos de plantar, colher, comer, conversar, se curar e viver”, afirma a artista visual.

Suellem percebeu a força de seu trabalho ao ver a repercussão de suas produções na internet, o que a motivou a continuar. “Creio que o momento, de fato, que comecei a produzir com força interior para abarcar os percalços do mundo da arte foi quando comecei a produzir gravuras em bandeiras vendendo pelas redes sociais. Muita gente usou como decoração de suas casas, fiquei bastante feliz em ver que algo que produzi estava na casa das pessoas. Com esse espaço de carinho e memória, após fazer as bandeiras, percebi que minhas produções em design (criação de identidade visuais, estampas e entre outros materiais) poderiam ter essa identidade e texturas que a gravura estava me proporcionando nas experimentações. Desde então, busco sempre utilizar o talhar como um diferencial no meu trabalho visual”, diz.

Já para Lorena, a arte entrou na sua vida de um jeito potente e por meios que a acompanham até hoje, passando de uma afinidade para sua profissão. “Isso [a arte fazer parte de sua vida] ocorreu em 2007, quando comecei a integrar grupos de manifestações culturais de expressões afro-brasileiras, como a Caravana Cultural e o Afoxé Acabaca, dos quais faço parte até hoje. Essas experiências me mostraram o potencial transformador da arte, além de serem fundamentais para o reconhecimento da minha identidade, do ‘eu negra’ e da conexão com a minha ancestralidade, que é o que me move e determina tudo o que sou”, afirma a coordenadora de Cultura da Rede Cuca.

Além de cantora, atualmente, Lorena está à frente dos cinco equipamentos do Cuca em Fortaleza, onde tem a oportunidade de atuar diretamente no incentivo à arte e à cultura, impulsionando jovens a almejarem novas possibilidades. “Esses espaços atendem majoritariamente jovens periféricos e criam conexões fundamentais para inseri-los no universo da arte e da cultura, algo que me atraiu profundamente como artista e gestora cultural”.

Por trabalhar diretamente com jovens e com projetos de incentivo à arte e à cultura, Lorena acompanha de perto a importância e os frutos dessas iniciativas. “O incentivo é vital para os jovens se enxergarem como protagonistas de suas histórias e transformadores do

Lorena Lyse é cantora e coordenadora de Cultura da Rede Cuca, que ajuda a desenvolver nos jovens da periferia o amor pela arte

meio onde vivem, tendo suas narrativas valorizadas. Para o público, é uma forma de se conectar com a diversidade cultural e enxergar potencialidades que muitas vezes são negligenciadas”, conclui.

Sobre projetos de incentivo como os desenvolvidos pelo Cuca serem o caminho para gerar oportunidade para novos artistas, para Lorena não ha dúvida. “Certamente, pois democratizam o acesso à arte e fortalecem os talentos das periferias. Com isso, ajudam a construir uma cena cultural mais plural e representativa”, aponta.

Em relação ao cenário artístico no Brasil, atualmente, Lorena avalia a má distribuição de oportunidades para artistas brasileiros. “Embora haja espaço criativo, as oportunidades são desiguais. Fortalecer iniciativas inclusivas é crucial para um futuro mais democrático”, afirma.

Em sua trajetória, Suellem pode contar com projetos que impulsionaram o seu trabalho. Ela reforça a importância de mais projetos de incentivo para artistas. “Participei de alguns editais culturais em coletivos, que me deram algumas visões de como funcionava o processo de inscrição e execução de projetos, e outros editais para produção própria, a partir de instituições culturais”, conta.

E segue: “As pessoas que têm acesso à arte e a serem artistas ainda são pessoas brancas, elitistas, que tem todo apoio financeiro para poder dedicar seu tempo para construir essa carreira. Muitos artistas negros, indígenas, periféricos e do in -

As pessoas que têm acesso à arte e a serem artistas ainda são pessoas brancas, elitistas, que tem todo apoio financeiro. Muitos artistas negros, indígenas, periféricos e do interior do estado estão no processo de se dedicar a outros trabalhos que possam pagar o seu fazer artístico principal/central, ou seja, o quesito tempo e dinheiro custa muito das nossas vidas

terior do Estado estão no processo de se dedicar a outros trabalhos que possam pagar o seu fazer artístico principal/central, ou seja, o quesito tempo e dinheiro custa muito das nossas vidas. Ter projetos em que possamos ser pagos de forma justa, termos tempo para fazer nossas pesquisas e produções é o cenário ideal”, disse a artista.

O trabalho artístico foi regulamentado em 1978, mas ainda hoje enfrenta dificuldades e preconceito. Suellem comenta sobre o que acredita que é possível ser feito para mudar essa realidade. “Quem está pensando política para o estado e para o país, não entende de fato a contribuição das artes visuais e dos artistas para o nosso território. Isso dá margem para muita coisa acontecer”, defende.

“Há vários artistas trabalhando sem contrato, artistas que não tem acesso ao conhecimento de como se proteger financeiramente, galerias se aproveitando dessas

situações. São diversas questões a serem resolvidas. Infelizmente é um local que sempre esteve nas mãos de pessoas brancas com poder aquisitivo imenso e que comandam da forma como querem. O que precisamos são de políticas públicas e de leis que protejam as produções, as memórias, e os artistas. Todos queremos usufruir dos nossos bens de direito ainda vivos”, afirma.

Números mostram a discrepância entre homens e mulheres

Para além das problemáticas vividas pelos artistas de modo geral, as mulheres ainda encontram outros agravantes que dificultam o desenvolvimento e o reconhecimento dos seus trabalhos. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, as mulheres receberam 17% menos que os homens em diversas áreas de atuação. Na arte, além da diferença salarial, as mulheres enfrentam a disparidade de oportunidades e de representatividade no mercado, que ainda se mostra machista e preconceituoso.

Também em 2022, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) e a Pinacoteca de São Paulo, uma das cidades mais populosas do mundo, possuíam apenas 20% de artistas mulheres em seu acervo. Lorena compartilha como percebe essa divergência e o que poderia ser feito para mudar. “Isso se deve ao machismo estrutural. Precisamos de políticas públicas efetivas de equiparações e mais mulheres em posição de decisão na cultura. Sim, [sobre as mulheres artistas sofrerem mais preconceito que homens artistas] devido à persistência de estereótipo que colocam em dúvida nossa competência e criatividade”, conclui.

Para Suellem, o machismo é o precursor de uma série de outras problemáticas. “O machismo está ligado diretamente com gênero, raça, classe e territorialidade. Não consigo ver esses outros pontos separadamente, grande parte da disparidade está ligada a eles também”, disse a artista visual.

AURÉLIO ALVES

Artigo.

O papel transformador da mulher nos espaços de poder

Ao longo dos anos, as mulheres têm ocupado espaços antes restritos, ampliando suas vozes e redesenhando o mercado de trabalho. No âmbito da cultura e da economia criativa, esse movimento tem sido especialmente marcante, evidenciando não apenas a capacidade de produção artística, mas também o poder de gestão, inovação e transformação social que carregamos.

No Ceará, observamos com orgulho um cenário que reflete conquistas históricas. Instituições culturais geridas por mulheres, como bibliotecas, museus e escolas de arte, tornaram-se catalisadores de mudanças profundas nos territórios. As mulheres têm demonstrado não apenas habilidades artísticas, mas também uma sensibilidade plural para articular ações que dialogam com a população, com o patrimônio e com a ancestralidade.

pação, mas é preciso que as oportunidades sejam verdadeiramente acessíveis a todas as mulheres, independentemente de sua origem social, cor ou idade.

No contexto pós-pandemia, muitas mulheres enfrentaram um retrocesso em suas condições laborais. A sobrecarga com os cuidados domésticos e familiares, que já era uma realidade, agravou-se, reforçando os estereótipos de gênero. É fundamental que essa realidade seja combatida com políticas inclusivas, que reconheçam a importância do trabalho feminino e promovam condições dignas para que possamos conciliar nossas múltiplas funções.

A cultura, enquanto um campo plural e democrático, tem o potencial de ser uma das principais alavancas dessa transformação. Que possamos, juntas, continuar escrevendo novas histórias de superação e sucesso

Entretanto, essa jornada de vitórias ainda é marcada por inúmeros desafios. O mercado de trabalho, apesar dos avanços, segue impondo barreiras. Dados do IBGE revelam que as mulheres, especialmente as negras e indígenas, continuam sendo sub-representadas em cargos de liderança e, quando ocupam tais posições, enfrentam uma desigualdade salarial gritante. A economia criativa não escapa desse cenário, ainda que sejamos maioria em algumas áreas artísticas e culturais, a valorização do nosso trabalho nem sempre se equipara ao dos homens.

É preciso refletir sobre o futuro que estamos construindo. Para além das conquistas individuais, é necessário que pensemos coletivamente. A economia criativa, como um campo vasto e dinâmico, pode ser uma ferramenta de emanci-

A cultura, enquanto um campo plural e democrático, tem o potencial de ser uma das principais alavancas dessa transformação. Que possamos, juntas, continuar escrevendo novas histórias de superação e sucesso, e que essas histórias inspirem futuras gerações de mulheres a irem além, a ocuparem todos os espaços que desejarem. Ocupar para existir e resistir, sempre.

Luisa Cela luisa.cela@secult.ce.gov.br

Formada em psicologia, com mestrado em Saúde da Família, ambas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 2014, tem atuação no campo das políticas culturais, direitos humanos e cidadania. Exerceu a função de Diretora de Direitos Humanos na Rede Cuca – Fortaleza, e no Instituto Dragão do Mar (IDM), assumiu a Diretoria de Cidadania Cultural, dirigindo o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) Também é secretária geral do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e suplente da Câmara Temática de Cultura do Consórcio Nordeste.

Anas: fio a fio da nossa história Artigo.

Ao amanhecer, atravessávamos as cercas rumo à mata para colher dos cactos os espinhos que usaríamos como alfinetes. No alpendre, minha avó costurava um tecido grosso emendado com recortes de chita. Aquele estofo seria preenchido por folhas secas de bananeira. O passo seguinte era montar os bilros, enfiar os pequenos cocos na haste de madeira, enrolar as linhas, furar o papelão com o esboço da peça e agregar tudo à almofada colorida. Me chamo Ana Helena. Minha mãe, Maria Ana. Minha avó, Ana José. Entre nós, “as Anas”, havia um trato: montar uma almofada de renda para mim.

Em Trairi, no interior do Ceará, as rendeiras estão nas calçadas, com seus caixotes, linhas, tesouras e almofadas. Fazem renda ao mesmo tempo em que conversam, tomam café com as vizinhas, ensinam a tarefa das crianças e espiam o feijão no fogo.

dia chegou. Era minúscula, mas me senti especial.

Minhas Anas são como alquimistas. Tipo de espinho, tempo da colheita, ponto das folhas, espessura das madeiras, peso do coco, cores e texturas da linha, furos no papelão, costura, conhecimentos e técnicas de arte. Com seu saber, mais do que produtos, traçam uma identidade cultural cearense.

Em Trairi, no interior do Ceará, as rendeiras estão nas calçadas, com seus caixotes, linhas, tesouras e almofadas. Fazem renda ao mesmo tempo em que conversam, tomam café com as vizinhas, ensinam a tarefa das crianças e espiam o feijão no fogo

Lá em casa, durante o dia, a sinfonia era essa: o som da televisão, das panelas na cozinha, crianças brincando no quintal e o estalar das cabeças dos bilros. Durante a noite, sob a luz das lamparinas, os bilros seguiam a canção. Ficava presa naquela magia: o cruzamento das linhas, a coreografia das mãos velozes e os desenhos que iam se formando.

Ficava ao lado das minhas mestras, ansiosa para participar, esperando me pedirem um espinho. Quando saíam, eu corria para bulir nos bilros. “Tu já mexeu aqui né, Ana Helena?!”, me exortavam, ao perceber a trança mal feita. Tinha um sonho: ter minha própria almofada. E esse

Por muito tempo, acreditei que meu primeiro contato com a arte tinha sido a partir do cinema. Hoje, creio que meus pés de agente cultural têm feitura na prática artística e tradicional das rendeiras cearenses. A batida de bilros, instantaneamente, me arrasta para o meu chão de memórias. Saúdo as mulheres que neste solo, em qualquer dobra do tempo, são produtoras das nossas expressões culturais. Saúdo minhas Anas, donas de um encantamento. Eu, a Ana caçula, uma eterna aprendiz.

Helena Barbosa helenabarbosa7@gmail.com

Graduada em Ciências Sociais (UFC) com pesquisa nas áreas da Antropologia Visual, Cultural e Política; especialista em Gestão e Políticas Culturais e em Gestão Cultural Contemporânea. Na gestão pública, foi coordenadora dos Pontos de Cultura na Secult Ceará (2013), gerente de Ação Cultural no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (2017), diretora de Formação e Criação no Instituto Ecoa (2019), assessora do Gabinete da Secult Ceará (2021) e gestora executiva no Centro Cultural Porto Dragão, equipamento da Secult Ceará, gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM).

Artigo.

A guerra não tem rosto de mulher

Em 2024, aos 91 anos, faleceu Celeste Caeiro, símbolo da Revolução dos Cravos, em Portugal. Em 25 de abril de 1974, Celeste carregava cravos ao passar no Largo do Carmo, onde avistou soldados aguardando ordens dirigidas à guerra colonial em Cabo Verde, Angola e Moçambique. Em um gesto despretensioso, Celeste distribuiu cravos aos militares, que os colocaram nos canos de suas armas, transformando instrumentos de violência em insígnias de paz. Este ato marcou o fim da ditadura em Portugal e deu nome à Revolução dos Cravos, uma das transições mais marcantes para a democracia no século XX.

social. Com maestria poética, evidencia a normalização da violência e sua ressonância com o conceito de “banalidade do mal” da filósofa Hannah Arendt.

Lama Padma Samten, em palestra no Paraná, destacou como, enquanto líderes de guerra são exaltados, na realidade, são as mulheres — professoras, enfermeiras, cuidadoras — que, silenciosamente, reconstroem escolas e hospitais em meio aos escombros. Embora raramente celebradas, essas ações carregam imenso poder transformador.

Lama Padma Samten, em palestra no Paraná, destacou como, enquanto líderes de guerra são exaltados, na realidade, são as mulheres — professoras, enfermeiras, cuidadoras — que, silenciosamente, reconstroem escolas e hospitais em meio aos escombros

O papel das mulheres nas guerras desdobra-se em prismas diversos ao longo da história e da literatura. Em “A guerra não tem rosto de mulher” (1983), a escritora russa e prêmio Nobel de Literatura Svetlana Alexijevich dá voz às experiências das mulheres soviéticas na Segunda Guerra Mundial. Já em “Meninos de Zinco” (1989), revela a dor das mães e esposas diante das sequelas da guerra no Afeganistão. Essas narrativas mostram como a guerra devasta territórios e propõem ressignificar as experiências femininas, destacando força e resiliência diante do horror bélico.

Na literatura de língua portuguesa, Lídia Jorge aborda o trauma da guerra colonial em “A Costa dos Murmúrios” (1988). A autora retrata as mulheres que acompanharam maridos aos territórios de conflito e explora o impacto da guerra nos afetos, individualidade e tecido

Celeste Caeiro, com seu gesto de distribuir cravos, rompeu a invisibilidade das ações femininas. Como algumas das personagens de Alexijevich e Lídia Jorge, manifestou coragem silenciosa que recusa a violência como destino. Celeste nos lembra que a paz é, antes de tudo, um ato de resistência e criação. Que sua memória floresça, inspirando novas revoluções de paz.

Editora, professora de Literatura e gerente editorial da Fundação Demócrito Rocha.

Artigo.

A força das mulheres na cultura alimentar cearense

Por Vanessa Moreira, Coordenadora de Cultura

Alimentar, Pesquisadora da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco e Professora da Unichristus

No Ceará, como em boa parte do mundo, aprendemos a comer e sobre os sabores da vida a partir de mãos femininas, que guardam nos gestos silenciosos o conhecimento transmitido de mãe para filha, avó para neta, tecendo uma rede de saberes que nos alimenta muito além do corpo.

As mulheres, desde tempos imemoriais, foram as guardiãs das cozinhas, o coração de nossas casas e tradições. No sertão, na serra ou à beira-mar, é nas cozinhas que elas transformam o simples em extraordinário. Cada receita, cada tempero, carrega consigo histórias de resistência, afeto e identidade.

Nossa cultura alimentar é marcada pelo estigma da fome, fazendo com que, de fato, muitas mulheres transformem poucos ovos em malassada ou um pouco de tudo que se tem em uma preparação de uma panela só, como a canja, o mungunzá salgado, o baião de dois, o peixe cozido ou a panelada, que com o toque de cheiro verde, são comidas transformadas em saudade, desejo e mercadoria.

desempenhado um papel fundamental ao oportunizar a formação e o desenvolvimento de projetos de pesquisas de tantas mulheres no estado, que fortalecem a economia local, valorizam os ingredientes da terra e ajudam a criar uma gastronomia que respeita o passado, mas olha com coragem para o futuro.

Enquanto a paisagem gastronômica do Ceará é impulsionada, as receitas ancestrais e os ofícios tradicionais permanecem vivos, graças às cozinheiras, quebradeiras de coco babaçu, marisqueiras, pescadoras, agricultoras, mulheres que sempre foram invisibilizadas, mesmo sendo tão importantes para todo o funcionamento da nossa sociedade e a arquitetura da nossa cultura.

Perceber a importância das mulheres na alimentação e na preservação de nossas memórias, saberes e sociobiodiversidade é, como bem disse Ailton Krenak, uma forma de “adiar o fim do mundo”. Nós, mulheres, alimentamos o corpo e a alma do Ceará, lembrando sempre que a vida é no coletivo, assim como o ato de sentar à mesa para comer.

Perceber a importância das mulheres na alimentação e na preservação de nossas memórias, saberes e sociobiodiversidade é, como bem disse Ailton Krenak, uma forma de adiar o fim do mundo

Hoje, essas tradições, que não se cristalizam no tempo, somadas à inovação e ao empreendedorismo, transformam as aptidões femininas na cozinha em fonte de renda, emancipação e orgulho das suas trajetórias. A formação na gastronomia, aliada ao empreendedorismo feminino, cria uma nova geração de mulheres que não só preservam as receitas de família, mas também inovam e prosperam.

Projetos como os da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco têm

Vanessa Moreira vanessa.moreira@idm.org.br

Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, coordenadora de Cultura Alimentar, pesquisadora da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco e professora da Unichristus.

Do Estereótipo à Liderança

A publicidade tem um papel central na formação das percepções sociais, e a forma como as mulheres são representadas influencia diretamente como elas são vistas e tratadas na sociedade. A representatividade feminina nas agências é outro desafio para o setor

Embora a evolução tenha sido significativa, a indústria publicitária ainda enfrenta desafios em termos de igualdade de gênero, representatividade e oportunidades para mulheres em posições de liderança. Um dos setores que mais carece de mulheres é o da criação, de onde saem as campanhas e mensagens de marca. “Devemos desafiar mais as mulheres para ampliar a presença na criação. Isso é muito importante para trazer diversidade e mais visões de mundo pro jogo. Equilibrar lideranças femininas nas agências seria um grande passo para trazer mais do mundo real para as campanhas publicitárias e gerar mais conexões efetivas entre marcas e consumidoras”, afirma Eliziane Alencar, CEO da agência Advance e uma das painelistas do Bárbaras 2024.

“Vejo um avanço”, afirma Camila Nascimento, Diretora de Operações da agência Mulato. “Hoje encontramos grandes mulheres ocupando espaços de liderança e se destacando, mas os desafios estão aí, à espreita. Vejo marcas buscando retratar nós, mulheres, de formas diversas: nas idades, nos corpos, etnias e contextos sociais. O empoderamento feminino, a igualdade de gênero e a desconstrução de estereótipos estão cada vez mais presentes em anúncios e na televisão. Especialmente em marcas de grande alcance, como vemos, por exemplo, em marcas de beleza”, completa.

“Ser mulher em nossa sociedade é realmente um ato de coragem. Na publicidade, não é diferente. Mesmo sendo um meio em que, predominantemente, as pessoas são mais ‘descoladas’, ‘inclusivas’, ainda ocorrem casos de preconceitos contra as mulheres, nas suas mais diversas esferas”, afirma Céu Studart, estrategista de marcas com mais de 20 anos de experiência e fundadora da Desencaixa Branding. “Estamos avançando, mas não na velocidade necessária. Já vemos mulheres ocupando cargos de liderança, mas ainda são poucas, frente a nossa capacidade. Não existe equidade e a atenção que se é dada à voz feminina não é a mesma que se é dada à masculina. Eu mesma já presenciei, com muita frequência, situações em que homens e mulheres apresentam ideias semelhantes, e a escuta e crédito pela ideia é dada ao homem. É um ato de preconceito visível”, afirma.

A falta de representatividade feminina, principalmente nas áreas de criação da indústria publicitária, provoca uma visão sesgada de como essa mulher é representada nas campanhas, ainda nos dias de hoje. Nos primeiros tempos da publicidade, as mulheres eram frequentemente retratadas de maneira estereotipada, sendo vistas apenas como donas de casa, mães ou objetos de desejo. A imagem feminina era muitas vezes reduzida a um papel secundário, sem consideração pelas complexidades de suas identidades. A mídia de massa, com a televisão e os anúncios impressos, ajudaram a reforçar esses estereótipos ao longo do século 20.

Porém, a partir das últimas décadas do século 20, a situação começou a mudar. As mulheres começaram a ser vistas de forma mais diversificada, e anúncios mais modernos passaram a refletir um espectro mais amplo de papéis, que iam além dos clichês de esposa ou mãe. Contudo, o progresso tem sido gradual, e ainda hoje a publicidade luta contra a perpetuação de certos estereótipos limitantes. “Infelizmente, a publicidade ainda perpetua estereótipos de gênero, apesar de já termos evoluído nesse aspecto. A publicidade é um reflexo da nossa cultura e sociedade e ainda acaba reforçando alguns estereótipos em suas narrativas”, diz Céu.

Nos últimos anos, o movimento em direção a uma maior diversidade de mulheres nas campanhas publicitárias tem ganhado força. Marcas de diversos setores começaram a abraçar a multiplicidade de corpos, etnias, idades e estilos de vida, refletindo uma sociedade mais inclusiva e plural.

Exemplos disso podem ser vistos em campanhas que mostram mulheres com diferentes tipos de corpo e etnias, mulheres maduras em papéis de destaque, e até mesmo a luta contra os estereótipos de beleza imposta pela mídia. O empoderamento feminino também tem sido uma pauta crescente, com muitas campanhas publicitárias destacando a força e a independência da mulher moderna. Marcas como Dove, Nike e Always se destacaram por promover mensagens de autoestima e de superação dos padrões irrealistas de beleza.

As mulheres não são mais apenas alvo das campanhas publicitárias, mas também protagonistas e influenciadoras. Uma tendência crescente é o protagonismo feminino nas campanhas, com marcas que colocam mulheres em papéis de liderança, força e independência. Isso vai além da simples representação de mulheres em seus papéis tradicionais de esposa ou mãe, mostrando-as como figuras multifacetadas e complexas.

Além disso, a presença de mulheres em campanhas publicitárias de marcas de produtos de consumo e serviços financeiros, que tradicionalmente eram dominados por uma comunicação masculina, tem sido uma mudança significativa. A mulher é agora retratada como dona de seu dinheiro, seus desejos e seus sonhos, quebrando o paradigma de que a publicidade é exclusivamente voltada para o público masculino ou para um público feminino passivo.

Apesar dos avanços, a representação das mulheres na publicidade ainda está longe de ser perfeita. Um dos maiores desafios é a idealização de padrões estéticos inatingíveis. A pressão por corpos magros, jovens e “perfeitos” continua sendo uma característica predominante de muitos anúncios.

Não existe equidade e a atenção que se é dada à voz feminina não é a mesma que se é dada à masculina. Eu mesma já presenciei, com muita frequência, situações em que homens e mulheres apresentam ideias semelhantes, e a escuta e crédito pela ideia é dada ao homem. É um ato de preconceito visível

Isso não só afeta a autoestima de muitas mulheres, mas também contribui para a perpetuação de problemas como transtornos alimentares e distúrbios de imagem corporal.

Existe outro obstáculo importante na indústria da propaganda que é a falta de mulheres em posições de liderança nas grandes agências de publicidade. Embora algumas mulheres tenham conquistado cargos de destaque na indústria, a maioria das decisões criativas e estratégicas ainda é tomada por homens. Isso tem implicações diretas sobre a forma como as campanhas publicitárias são concebidas, o que pode influenciar negativamente a representação feminina.

“Importante considerarmos neste radar a criação de políticas para ampliar também a participação de mulheres negras e LGBTQIA+ nos quadros de uma agência de publicidade. Isso enriquece o olhar para as campanhas e promove mais inclusão e justiça social”, afirma Eliziane, da Advance.

A cearense Stephania Silveira, atualmente diretora de Criação na The Lego Group, em Londres, sentiu na pele não só a questão de gênero, mas também os medos pelo fato de querer tentar seguir carreira em São Paulo. "Na época, sofria de um certo complexo de inferioridade, achando que nunca seria tão inteligente quanto

os paulistanos que iriam fazer a mesma prova. Eu não saía à noite com as amigas, nem fazia outra coisa além de estudar. No fim, passei no vestibular da ESPM na primeira tentativa. Com 17 anos, arrumei as malas e fui morar com uma prima na Vila Mariana", conta.

Com talento e determinação, ela foi evoluindo na carreira, mas sempre observando a falta de representatividade feminina nos espaços por que passou. "Em 2004, me inscrevi em um programa de estágio na Carillo Pastore Euro RSCG e passei. Depois, fiz estágio na Talent e na McCann, até ser contratada na Loducca.

Naquela época, ninguém falava sobre representatividade feminina. O departamento de criação era composto em média por 90% de homens e apenas 10% de mulheres. Como mulher e cearense, eu ainda carregava aquele complexo de que precisava sempre melhorar, escrever melhor e fazer mais para ser considerada criativa", revela.

Mas Stephania também conseguiu ter o seu destino cruzado com mulheres em cargo de chefia na indústria, o que para ela, fez toda a diferença. "Em 2018, tive minha filha, Margot, e voltei a trabalhar como diretora de criação na Grey. A Chief Creative Officer da Grey, Vicki Maguire, me ofereceu a possibilidade de trabalhar quatro dias por semana, para facilitar a transição entre a licença-maternidade e

A cearense Stephania Silveira, diretora de Criação na The Lego Group, em Londres, teve a sorte de poder se relacionar com mulheres em agências onde trabalhou

o novo trabalho. A Grey era uma agência onde a liderança era feminina: Sue Higgs, minha diretora de criação executiva, e Rachel Morris, minha dupla criativa. Eram mulheres que vocalizavam a importância da representatividade na criação e falavam abertamente sobre as dificuldades de estar em um mundo predominantemente masculino. Elas contribuíram muito para meu crescimento na carreira e ganho de confiança como criativa", lembra.

O futuro da publicidade e da representação feminina na indústria dependem de um compromisso contínuo com a igualdade e a diversidade. O mercado de consumo está cada vez mais exigente, buscando marcas que tenham uma postura mais autêntica e alinhada com as questões sociais contemporâneas, como igualdade de gênero, inclusão e diversidade.

“Não subestimem suas capacidades criativas e não parem de estudar. A publicidade é um dos segmentos mais impactados pela revolução digital e pelo uso de IA”, aconselha Eliziane, da Advance, para quem pretende seguir carreira na área. “Se atualize sobre tudo, tendências, novas tecnologias, comportamento do consumidor, para isso existem cursos, livros e workshops diversos. Consuma conteúdo relevante sempre”, diz Camila, da Mulato. “Estabeleça conexões profissionais. Participe de eventos, almoce com

seus clientes, faça um happy hour com veículos e fornecedores, esteja presente nas redes sociais, o mundo hoje também é digital. Não tenha medo de ser quem você é. A autenticidade pode ajudar você a se destacar no mercado. Converse, escute e aprenda. Todos, independente da religião, classe social, cargo, todos sempre podem ensinar algo. Mantenha a postura, o modo de vestir, o tom da voz. Saber se expressar e se comunicar com clareza é indispensável para transmitir ideias, negociar com clientes e trabalhar em equipe. Seja autêntica, mas sempre com seriedade e profissionalismo, especialmente em reuniões e apresentações importantes. Saber lidar com pressão e manter a qualidade do trabalho é fundamental para criar campanhas eficazes e alinhadas com os objetivos da marca, assim como ser uma gestora parceira, aquela pessoa que sabe escutar e que demonstra interesse em ajudar. Seja líder, nunca chefe. Invista em você, aprenda, tenha empatia e dê a mão para a próxima mulher. O mercado publicitário precisa cada vez mais de mulheres em todas as áreas e níveis de liderança. Não podemos deixar que nossa força e competência sejam retratadas na persona daquela mulher dura, arrogante e desprovida de sentimentos, que vemos no filme O Diabo Veste Prada. Devemos questionar: por que essa liderança feminina é retratada como a essência do mal, enquanto homens na mesma posição são chamados de heróis?”, observa Camila.

Camila Nascimento, da Mulato, aconselha às publicitárias transmitir ideias, negociar com clientes e trabalhar em equipe
Céu Studart, da Desencaixa Branding, ainda enxerga muito preconceito contra as mulheres na indústria publicitária

Artigo.

Não andem sozinhas

Por Eliziane Alencar, CEO da Advance e Colunista da editoria de Ciência e Saúde do O POVO e do quadro Saúde Veg da Rádio O POVO CBN

Somente em 1827, as meninas puderam frequentar uma escola no Brasil. E em 1879, as mulheres foram autorizadas a cursar uma faculdade. O direito a votar só veio em 1932. Passados noventa e dois anos, ainda não conquistamos uma representatividade nos espaços de poder equivalente à nossa participação na sociedade.

Apesar de mais de 50% da população ser de mulheres, no Senado ocupamos 17% dos mandatos e na Câmara dos Deputados, apenas 15%. Desafio complexo, considerando o domínio masculino dos partidos políticos e os casos de parlamentares mulheres eleitas sem compromisso com as pautas dos direitos das mulheres.

de estar onde elas quiserem. A Lei Maria da Penha, a lei do feminicídio e a regulamentação do trabalho doméstico são, possivelmente, as maiores conquistas deste século.

Hoje, somos maioria nos cursos de nível superior, maioria na aderência às pautas progressistas, nas causas de proteção aos animais, no veganismo e na liderança doméstica. No mercado de trabalho, já temos avanços nos cargos de liderança, mas temos um longo caminho a percorrer na participação em cargos mais altos e conselhos de administração das companhias.

Hoje, somos maioria nos cursos de nível superior, maioria na aderência às pautas progressistas, nas causas de proteção aos animais, no veganismo e na liderança doméstica. No mercado de trabalho, já temos avanços nos cargos de liderança, mas temos um longo caminho a percorrer

Mais assustadora é a violência contra as mulheres, seja física, psicológica, moral, sexual, patrimonial e, muitas Vezes, letal. A cada 15 horas, uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. E, em média, um estupro é registrado a cada 8 minutos. Sem contar os casos não registrados. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2021 a 2023, foram mapeados mais de 164 mil casos de estupros de pessoas de até 19 anos, sendo 48,3% crianças (meninos e meninas), entre 10 e 14 anos, e 87,3% das vítimas, meninas. Do total de meninas violentadas, 67% dos casos ocorreu dentro da própria casa e 85,1% dos crimes foram praticados por conhecidos.

E diante de um caminhar perigoso em campos minados de riscos, inclusive de vida, as mulheres seguem com suas dores em busca do seu empoderamento, cuidando dos filhos, trabalhando vários turnos, e exercendo seu direito

Em todas as conquistas das mulheres no Brasil e no mundo, não podemos deixar de registrar o importante papel do movimento feminista, que nos mostra a fortaleza que construímos ao caminhar juntas, com nossas redes de apoio, de proteção e de crescimento e com a consciência de que há ainda muito a conquistar.

Eliziane Alencar eliziane@advance.com.br

Graduada em Economia. Especialista em Comunicação e Marketing, vegana e animalista. Colunista da editoria de Ciência e Saúde no O POVO e do Quadro Saúde Veg da Rádio O POVO CBN

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