Boletim do CIM (Jan-Mar´17)

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BOLETIM J A NEIR O -M A R Ç O 2 0 1 7

CENTRO DE INFORMAÇÃO DO MEDICAMENTO

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INIBIDORES DAS JANUS ASSOCIATED KINASES NA TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA As Janus Associated Kinases (JAKs) são uma família de enzimas envolvidas na transmissão de sinais de múltiplas citocinas, hormonas ou fatores de crescimento. Esta família compreende quatro proteínas intracelulares - JAK1, JAK2, JAK3 e tirosina cinase 2 (TYK2) – cada uma associada a diferentes recetores de cinases. As JAKs ativadas, pela ligação da citocina ao recetor, fosforilam os resíduos de tirosina presentes nas caudas citoplasmáticas de recetores transmembranares, possibilitando a ligação de proteínas responsáveis pela transdução do sinal (proteínas STAT - Signal Transducer and Activator of Transcription) e ativação da transcrição. Uma vez ligadas, as proteínas STAT tornam-se substrato das JAKs e a transferência do grupo fosfato entre elas origina a dimerização das STAT. A fosforilação dos resíduos de tirosina das STAT é essencial à sua ativação, dimerização e ligação ao ácido desoxirribonucleico no núcleo da célula, ativando, desta forma, a transcrição de genes específicos que controlam determinados processos celulares, como a proliferação, a diferenciação e a apoptose. A regulação da expressão génica explica o papel crucial da via de sinalização JAK/STAT nas respostas inflamatórias e imunes.1,2 A ativação

excessiva da via de sinalização JAK/STAT é o mecanismo básico subjacente a várias patologias, frequentemente associadas a um prognóstico muito reservado.3 No mercado farmacêutico encontram-se apenas aprovados dois inibidores das JAKs para uso humano – o ruxolitinib e o tofacitinib. Porém, em estudos pré-clínicos e clínicos encontram-se inúmeras moléculas que tentam provar o seu potencial no tratamento de diversas patologias (p. ex., artrite reumatoide, psoríase).

RUXOLITINIB

O ruxolitinib é um inibidor seletivo das cinases JAK1 e JAK2 aprovado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA).4 Encontra-se indicado no tratamento da mielofibrose (MF) primária, MF pós-policitemia vera ou MF pós-trombocitopenia essencial e, ainda, no tratamento de doentes com policitemia vera (PV) resistentes ou intolerantes ao tratamento convencional com hidroxicarbamida.5 A MF é uma doença crónica rara associada à fibrose progressiva da medula óssea, caraterizando-se por um estado de inflamação sistémica.6 A PV é uma doença crónica que se carateriza pelo aumento da contagem de células vermelhas,

glóbulos brancos e plaquetas, sendo que os doentes diagnosticados com esta condição têm um risco aumentado de eventos trombóticos e problemas cardiovasculares.7 Apesar do avanço clínico que a terapêutica com ruxolitinib representa em doentes com MF e PV, existem advertências na utilização deste fármaco que justificam a monitorização clínica e analítica contínua destes doentes. A sua ação mielossupressora pode originar efeitos adversos hematológicos, incluindo trombocitopenia, anemia e neutropenia. Ademais, o risco de desenvolvimento de qualquer tipo de infeção está inerente em qualquer fase do tratamento com ruxolitinib, sendo que as infeções víricas são as mais relatadas.5,8 Os efeitos adversos não hematológicos mais reportados em ensaios clínicos de fase III são a diarreia, equimoses, tonturas e cefaleias. Foi também reportado o desenvolvimento ou agravamento de anormalidades nas concentrações séricas de alanina aminotransferase e aspartato aminotransferases, e um aumento da concentração sérica do colesterol em alguns doentes. O ruxolitinib pode ser tomado com ou sem alimentos. É metabolizado principalmente pela isoenzima CYP3A4, por isso deve ser evitado o

TABELA 1: INIBIDORES DAS JANUS ASSOCIATED KINASES (JAK) APROVADOS PELA AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I. P. (INFARMED), EUROPEAN MEDICINES AGENCY (EMA) E UNITED STATES FOOD AND DRUG ADMINISTRATION (FDA). A informação contida nesta tabela foi retirada da base de dados do INFARMED, EMA e FDA.

Fármaco inibidor das JAKs

Alvo Molecular INFARMED

Autorização EMA

Indicação Aprovada

FDA MF primária

Ruxolitinib Uso Humano

(Jakavi®)▼

MF pós-PV JAK 1/2

Sim (agos-12)

Sim (agos-12)

Sim (nov-11)

MF pós-TE PV - doentes resistentes ou intolerantes ao tratamento convencional com hidroxicarbamida

Tofacitinib (Xeljanz®)* ▼

JAK1/3

Não

Não

Produto medicinal sujeito a monitorização adicional.

* O Tofacitinib foi recusado pela EMA devido a preocupações quanto ao seu perfil de segurança. AR–Artrite Reumatoide; MF –Mielofibrose; PV –Policitemia Vera; TE –Trombocitopenia Essencial;

Sim (nov-12)

AR moderada a severamente ativa - doentes refratários ou intolerantes aos efeitos adversos do metotrexato.


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JANEIRO-MARÇO 2017 consumo concomitante de inibidores daquela isoenzima, como a toranja. É recomendado que os doentes que tomem inibidores potentes do CYP3A4 recebam uma dose de 10 mg duas vezes por dia se a contagem plaquetária for de 100×109/L ou maior. A administração concomitante de inibidores do CYP3A4 deve ser evitada em doentes com uma contagem de plaquetas menor que 100×109/L.9

TOFACITINIB

O tofacitinib é um agente imunossupressor aprovado pela FDA em novembro de 2012, com indicação para o tratamento da artrite reumatoide (AR), destinando-se a doentes cuja patologia se defina como moderada a severamente ativa e que sejam refratários ou intolerantes aos efeitos adversos do metotrexato.10,11 A AR é uma doença autoimune crónica caracterizada por sinovite persistente, inflamação sistémica e destruição articular.12 Múltiplas citocinas indutoras da via JAK/ STAT desempenham um papel central na patogénese desta condição clínica. Estas citocinas são responsáveis pela ativação, proliferação e função dos linfócitos, pelo que a inibição das vias de sinalização a elas associadas resulta na modulação da resposta imune.11 A eficácia do tofacitinib foi considerada equiparável à do adalimumab – fármaco biológico indicado na AR quando uma resposta inadequada a outros fármacos modificadores da doença, incluindo o metotrexato, está presente.13 Os principais efeitos adversos detetados incluem infeções graves que compreendem infeções oportunistas e tuberculose, problemas cardiovasculares,

doenças malignas, perfuração gastrointestinal, diminuição acentuada da hemoglobina, neutropenia e elevação de enzimas hepáticas.14 A FDA recomenda a monitorização laboratorial contínua dos doentes devido às potenciais alterações nos linfócitos, neutrófilos, hemoglobina, enzimas hepáticas e lípidos.10 A Tabela 1 sintetiza os inibidores das JAKs disponíveis no mercado nacional e internacional com as respetivas indicações terapêuticas aprovadas.

NOVAS POSSÍVEIS INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS

Estão em investigação novas possibilidades terapêuticas para os fármacos já aprovados. A descoberta de que a inibição das JAKs resultaria no bloqueio da sinalização de várias citocinas pró-inflamatórias envolvidas na ativação, proliferação e função dos linfócitos implicados na modulação da resposta imune levou à investigação da aplicabilidade destes fármacos noutras patologias de natureza autoimune e inflamatória. O tofacitinib encontra-se em investigação para diversas doenças inflamatórias, incluindo a colite ulcerosa, doença de Crohn15,16 e psoríase.17 O ruxolitinib encontra-se em estudos pré-clínicos para avaliar o seu potencial no tratamento da leucemia,18,19 do cancro colorretal,20 da sépsis por Candida albicans21 e do lúpus eritematoso sistémico.22 De igual modo, encontram-se a decorrer estudos de fase II para avaliar a tolerabilidade e a eficácia do ruxolitinib em combinação com a capecitabina em doentes com cancro pancreático

metastático.23 Estudos pré-clínicos envolvendo os dois fármacos inibidores das JAKs já aprovados para uso humano – tofacitinib e ruxolitinib – sugerem que a inibição desta via de sinalização constitui um mecanismo distinto com potencial para a inibição da replicação do vírus da imunodeficiência humana e/ou reativação da infeção latente.24 A aplicação tópica oftálmica do tofacitinib tem vindo a ser estudada, por ser expetável que conduza a uma diminuição da inflamação da superfície ocular.25 Mais ainda, a aplicação tópica de inibidores das JAKs tem demonstrado resultados promissores no âmbito da alopécia areata.26

CONCLUSÃO

Apesar do toque revolucionário que carateriza esta nova classe farmacológica no combate aos sinais e sintomas das mais diversas patologias, efeitos adversos severos são constantemente relatados, facto que reforça a importância do papel do farmacêutico no acompanhamento dos doentes implicados nestes tratamentos. O investimento no desenvolvimento de inibidores das JAKs seletivos, enquanto agentes únicos ou combinados com outros regimes terapêuticos, pode constituir um futuro promissor no tratamento de doenças oncológicas, autoimunes e inflamatórias. DANIELA SANTOS, SOFIA MENDES (Mestres em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior) MANUEL MORGADO (Especialista em Farmácia Hospitalar dos Serviços Farmacêuticos do Centro Hospitalar Cova da Beira, E.P.E.).

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JANEIRO-MARÇO 2017

INIBIDORES DO COTRANSPORTADOR DE SÓDIO E GLUCOSE 2 (SGLT2) INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a área da diabetologia tem conhecido grandes avanços, designadamente na área do medicamento, com introdução de novas classes terapêuticas. A diabetes é uma doença complexa e crónica, que deve ser tratada através do planeamento e execução de estratégias multifatoriais de redução de riscos, que vão além do ótimo controlo glicémico. A educação e apoio à autogestão da doença, por parte do doente, são críticos para prevenir complicações agudas e a longo prazo.1

NOVAS CLASSES TERAPÊUTICAS

Desde longa data que a intervenção farmacológica na diabetes tipo 2 se baseia na utilização de metformina como terapêutica de primeira linha. Esta atuação encontra-se apoiada nas conclusões de uma grande meta-análise, sendo que a seleção de terapêuticas de segunda linha deve basear-se em considerações específicas do doente.1,2 Na seleção da terapêutica, devem focar-se os seguintes aspetos: avaliação da eficácia, risco de hipoglicemia, impacto no peso, efeitos secundários, custos e preferência do doente.1 Nas últimas duas décadas, observou-se o aparecimento de novas classes terapêuticas que incluíram os inibidores da dipeptidilpeptidase-4 (DPP4), as tiazolidinedionas, os derivados da D-fenilalanina ou glinidas, os inibidores do cotransportador de sódio e glucose 2 (SGLT2) e o agonista do recetor do peptídeo-1 similar ao glucagon (GLP-1), e destacam-se as associações de antidiabéticos orais, que têm demonstrado eficácia terapêutica e que têm trazido melhoria comprovada no tratamento de doentes diabéticos.3,4

MECANISMO DE AÇÃO DOS INIBIDORES DO COTRANSPORTADOR DE SÓDIO E GLUCOSE 2

Os inibidores do SGLT2 facultam a diminuição da glicémia através do bloqueio da reabsorção de glucose no túbulo renal proximal, por inibição do SGLT2. Este transportador apresenta elevada expressão no rim, ao passo que a expressão noutros tecidos é muito reduzida ou inexistente. Como transportador predominante, é responsável pela reabsorção da glucose a partir do filtrado glomerular de volta para a circulação. A ação destes inibidores é independente da função das células beta no pâncreas e da via metabólica da insulina, o que contribui para um risco reduzido de hipoglicemia.1,5-7 Secundariamente à diminuição da reabsorção da glucose, verifica-se que a excreção urinária de glucose desencadeia perda calórica, associada a perda de gordura corporal e redução do peso corporal. A glicosúria observada com estes inibidores é acom-

panhada de diurese ligeira, o que poderá contribuir para a diminuição sustentada e moderada da pressão arterial.5-7 Nesta classe terapêutica incluem-se três fármacos aprovados para tratamento da diabetes tipo 2, mas nenhum aprovado para tratamento da diabetes tipo 1 – dapagliflozina, canagliflozina e empagliflozina.1 A dapagliflozina é um inibidor altamente potente, seletivo e reversível, do SGLT2. Não inibe outros transportadores da glucose importantes no seu transporte para o interior dos tecidos periféricos e é cerca de 1400 vezes mais seletiva para o SGLT2 do que para o SGLT1, o principal transportador responsável pela absorção de glucose no intestino.7 A canagliflozina apresenta afinidade dependente da dose para o SGLT1. Com a utilização de doses mais elevadas (300 mg) antes de refeições, poderá ocorrer uma diminuição da absorção da glucose a nível intestinal, devido ao efeito da canagliflozina neste transportador.6 A empagliflozina é um inibidor competitivo reversível, altamente potente, sendo 5000 vezes mais seletiva para o SGLT2 do que para o SGLT1.5 Apesar dos três fármacos citados terem Autorização de Introdução no Mercado em Portugal, apenas a dapagliflozina e empagliflozina se encontram comercializadas em Portugal, na dose de 10 mg ou na dose de 5 mg combinada com metformina (na dose de 850 ou 1000 mg) e na dose de 10 e 25 mg, respetivamente.4

INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS APROVADAS

Todos os inibidores do SGLT2 encontram-se aprovados para tratamento de adultos com idade igual e superior a 18 anos com diabetes mellitus tipo 2, para melhorar o controlo da glicémia em monoterapia ou em terapêutica de associação combinada (em associação com outros medicamentos hipoglicemiantes incluindo insulina, quando estes, em conjunto com dieta e exercício, não proporcionam um adequado controlo da glicémia).5-8 A administração de dapagliflozina ou empagliflozina deve ser realizada uma vez por dia, com ou sem alimentos, devendo os comprimidos ser deglutidos inteiros. No caso da canagliflozina, a hora ideal da toma é em jejum antes da primeira refeição do dia.5-7

ENSAIOS CLÍNICOS

Para avaliação da eficácia e segurança da canagliflozina foram realizados nove ensaios clínicos duplamente cegos e controlados, com um total de 10 285 doentes com diabetes tipo 2. A canagliflozina foi estudada em monoterapia, terapia dupla com metformina, terapia dupla com sulfonilureia, terapia tripla com metformina e uma sulfonilureia, terapia tripla com metformina e pioglitazona, e

como terapia complementar com insulina. O tratamento durou entre 26 e 52 semanas.6 Para avaliação da eficácia e segurança da dapagliflozina foram realizados treze ensaios clínicos duplamente cegos e controlados, com um total de 4 273 doentes com diabetes tipo 2. A dapagliflozina foi estudada em monoterapia, terapia dupla com metformina, com sulfonilureia, e em associação com metformina, com uma sulfonilureia, com sitagliptina e/ou com insulina. O tratamento durou entre 24 e 208 semanas.7 Para avaliação da eficácia e segurança da empagliflozina foram realizados onze ensaios clínicos duplamente cegos e controlados, com um total de 11 577 doentes com diabetes tipo 2. A empagliflozina foi estudada em monoterapia e em associação com metformina, pioglitazona, uma sulfonilureia, inibidores da DPP-4 e insulina. O tratamento durou entre 24 e 102 semanas.5 Para qualquer um dos fármacos, observaram-se melhorias clinicamente relevantes da HbA1c, glicémia plasmática em jejum e pós-prandial, peso corporal e da tensão arterial sistólica e diastólica. Considerando os riscos cardiovasculares, foram realizadas meta-análises dos principais eventos cardiovasculares (o tempo até morte cardiovascular, acidente vascular cerebral, enfarte do miocárdio e hospitalização por angina instável), nos programas clínicos da canagliflozina e da dapagliflozina. A taxa de risco comparando canagliflozina/dapagliflozina ao comparador foi inferior a 1, com intervalo de confiança de 95%, indicando que os dois fármacos não se encontram associados a um aumento do risco cardiovascular em doentes com diabetes mellitus tipo 2.6 Por seu turno, o estudo EMPA-REG mostrou que, ao longo de um período médio de seguimento de 3,1 anos, o tratamento com emplagliflozina traduziu-se numa redução do risco de enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte cardiovascular em 14%. Estes dados suportaram a alteração das indicações terapêuticas da emplagliflozina pela FDA, para incluir a utilização de empagliflozina para redução do risco cardiovascular e morte em adultos com diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.1,5 Face aos dados apresentados, ainda se desconhece se os outros inibidores do SGLT2 terão efeito semelhante à empagliflozina em termos de risco cardiovascular.1

LUGAR NO ARSENAL TERAPÊUTICO DISPONÍVEL E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO

De acordo com a Associação Americana de Diabetes (ADA), a metformina em monoterapia deve ser iniciada aquando do diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2, exceto se existirem contraindicações, dado tratar-se de um medicamento eficaz, seguro BOLETIM DO CENTRO DE INFORMAÇÃO DO MEDICAMENTO

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JANEIRO-MARÇO 2017 e barato, existindo ainda evidência de redução de eventos cardiovasculares e morte nos doentes diabéticos tratados com este fármaco. A utilização de outras alternativas em 1ª linha deve ser reservada em caso de intolerância à metformina. A utilização de terapêutica combinada inicial é indicada quando a hemoglobina A1C é ≥9%, sendo a combinação de metformina com uma das classes de antidiabéticos orais plausível.1 A utilização da dapaglifozina deve ser limitada à indicação avaliada para fins de comparticipação: tratamento de adultos com idade igual ou superior a 18 anos com diabetes mellitus tipo 2 para melhorar o controlo da glicémia em associação com outros medicamentos antidiabéticos (incluindo insulina), nomeadamente em segunda linha em associação a metformina se houver contraindicação ou reação adversa a sulfonilureias, ou em terceira linha, após metformina e sulfonilureia, como uma das possíveis opções. Não é recomendada a administração concomitante com pioglitazona e análogos do GLP-1, no primeiro caso por aumento do risco de cancro da bexiga, à luz dos dados produzidos em ensaios clínicos, reportado com ambos e, no segundo caso, porque este fármaco não foi estudado em associação com análogos GLP-1.8,9 No caso de se associar à administração de insulina, ou sulfonilureia, deve ser considerada uma dose mais baixa de insulina ou do secretagogo da insulina para reduzir o risco de hipoglicemia. Esta reação foi notificada de forma muito frequente, em doentes com terapêutica combinada inibidor SGLT2 e sulfonilureia/insulina.7-9

PERFIL DE SEGURANÇA

Entre as reações adversas mais frequentes dos inibidores do SGLT2, identificam-se candidíase vaginal, vulvovaginite, balanite e outras infeções genitais, bem como infeção do trato urinário. As infeções do aparelho geniturinário foram mais frequentes no sexo feminino, sendo que a infeção do trato urinário foi notificada mais frequentemente em doentes com antecedentes de infeções crónicas ou recorrentes do trato urinário. Observou-se também micção aumentada, em geral de intensidade ligeira a moderada. Encontra-se ainda descrito como frequente a ocorrência de prurido generalizado e aumento inicial da creatinina com diminuição da taxa de filtração glomerular estimada, reações

transitórias durante o tratamento contínuo, ou reversíveis após a interrupção do mesmo.5-7 De março de 2013 a maio de 2015, identificaram-se 73 casos de cetoacidose em doentes com diabetes tipo 1 ou tipo 2 tratados com inibidores do SGLT2, nos Estados Unidos. Todos os doentes necessitaram de tratamento num departamento de emergência. Em muitos casos, a cetoacidose não foi imediatamente reconhecida, porque os níveis de glucose no sangue estavam abaixo dos normalmente esperados para cetoacidose diabética. Se se suspeitar de cetoacidose, o inibidor do SGLT2 deve ser descontinuado.10 Os doentes que tomam qualquer um destes medicamentos devem estar cientes dos sintomas da cetoacidose diabética, incluindo náuseas ou vómitos, dor de estômago, sede excessiva, respiração rápida e profunda, um cheiro doce para a respiração, um sabor doce ou metálico na boca.11 Também se identificaram 19 casos de urosépsis e pielonefrite com a utilização de inibidores de SGLT2, no período decorrente de março de 2013 a outubro de 2014, que principiaram como infeções do trato urinário não complicadas, nos Estados Unidos. Todos os doentes foram hospitalizados e alguns necessitaram de internamento em Unidade de Cuidados Intensivos ou diálise, a fim de tratar a insuficiência renal aguda.10 Pelo exposto, não é recomendada a utilização destes inibidores em doentes com compromisso renal grave, sendo que, em doentes com ClCr <60 ml/min ou ≥45 ml/min, poderão utilizar-se doses de 10 mg/dia de empagliflozina e 100 mg/dia de canagliflozina.5,6 Não se recomenda a utilização de dapagliflozina em doentes com ClCr <60 ml/min.7 Finalmente, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) alertou sobre um potencial aumento do risco de amputação dos membros inferiores (afetando principalmente os dedos dos pés) em doentes a tomar os inibidores do SGLT2 canagliflozina, dapagliflozina e empagliflozina.12 O alerta foi dado por um aumento no número de amputações dos membros inferiores (principalmente afetando os dedos) em doentes que tomaram canagliflozina em dois ensaios clínicos, CANVAS e CANVAS-R. O mecanismo pelo qual a canagliflozina pode aumentar o risco de amputação ainda não está esclarecido. Um aumento nas amputações dos membros inferiores não foi observado em estudos

com dapagliflozina e empagliflozina. No entanto, os dados disponíveis até à data são limitados e o risco pode também aplicar-se a estes medicamentos.12

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Não se recomenda a utilização de inibidores do SGLT2 em doentes tratados com diuréticos da ansa. Os três inibidores provocam redução da tensão arterial, sendo necessária precaução em doentes de risco, bem como monitorização do equilíbrio hidroeletrolítico.5-7 Os dados in vitro sugerem que a via metabólica primária dos inibidores do SGLT2 é a glucuronidação, por diferentes enzimas uridina-5’-difosfato-glucuronil-transferases - UGT.5-7 As dapagliflozina e empagliflozina apresentam baixo potencial de interação, pois não são inibidores nem indutores do citocromo P450, das UGTs, da glicoproteína P, ou mesmo de outros transportadores como OAT e BCRP. Todavia, o tratamento concomitante com indutores/inibidores conhecidos das enzimas UGT deve ser evitado, devido ao risco potencial de diminuição/aumento das concentrações séricas destes fármacos.5,7 Pelo contrário, a canagliflozina é um inibidor fraco da glicoproteína P e do transportador BCRP, não sendo de excluir potencial de interação com a digoxina, dabigatrano e rosuvastatina. A colestiramina pode reduzir a absorção deste fármaco, pelo que a administração da canagliflozina deve ocorrer pelo menos 1 hora antes ou 4-6 horas após a administração de um sequestrante de ácido biliar para minimizar o risco de diminuição na sua absorção.6

UTILIZAÇÃO EM POPULAÇÕES ESPECIAIS – GERIATRIA

O efeito dos inibidores do SGLT2 sobre a excreção urinária de glucose encontra-se associado a diurese osmótica, o que pode afetar o estado de hidratação. Como tal, os doentes com idade igual ou superior a 75 anos podem estar em maior risco de sofrer depleção de volume. Além disso, a experiência terapêutica em doentes com idade igual ou superior a 85 anos é limitada, pelo que não se recomenda a utilização destes fármacos nesta população.5-7 ANA PARÓLA Farmacêutica Hospitalar Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E.

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