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Cristina Guerreiro “A educação pode mudar o mundo"

Há 16 anos que Cristina Guerreiro é professora de Linguagem e Comunicação no Estabelecimento Profissional do Montijo. Começou a carreira no ensino regular, mas um convite mudou-lhe a vida e hoje acredita ter tomado a decisão correcta.

“Já não conseguia fazer outra coisa. Estes homens têm um respeito pelos professores que os miúdos á fora perderam há muito tempo”, garante. Está convicta de que a educação “pode mudar o mundo” e entende que os seus alunos “fizeram a escolha mais difícil”: “Podiam optar por passar o seu tempo no pátio com os restantes reclusos, mas preferem estar num espaço onde há regras e, acima de tudo, onde dedicam tempo a si próprios. Têm o seu pequeno momento de liberdade”. Actualmente, Cristina dá aulas a 40 homens que se inserem em quatro turmas, divididos por anos escolares. O número de reclusos inscritos no programa educativo tem aumentado ao longo dos anos e a docente acredita que se deve à forma como são tratados. “Digo-lhes sempre que, a partir do momento em que passam aquela porta, não existem prisioneiros, mas sim alunos”, sublinha.

José [nome fictício], que apresenta um aspecto corpulento por estar envolvido num grande sobretudo branco, esteve em silêncio desde o início e parece pensar alto ao deixar escapar: “Este poema diz-me muito. Quando ele diz 'todos tiveram pai, todos tiveram mãe'. Eu fui abandonado aos sete anos”. A confissão gera nova discórdia, pois há quem queira afastar esses pensamentos. “Deixem-no falar. Às vezes temos de lembrar estas coisas”, interrompe Carlos. “O meu filho está numa casa de correcção. Também não tem a mãe e o pai com ele”, conta Júlio. “Também já estive numa casa de correcção”, ouve-se. Aos poucos, cada pessoa reflecte sobre a infância que levou e a família que deixou lá fora e, de repente, a aula enche-se de palavras fortes e vidas difíceis.

“Guardei o que mais gostam para o fim. Vamos ouvir 'Agora Nunca é Tarde' de Pedro Barroso”, anuncia a docente. “Este é bom. Este é muito

Este poema diz-me muito. Fui abandonado aos sete anos Quero agradecer à professora por nos ter trazido isto, porque nos transmite uma mensagem. Temos de acreditar

bom. Quando sair em liberdade vou levar este comigo, professora”, afirma Ricardo [nome fictício] que desde o início se tem preocupado em reunir cuidadosamente os papéis com os poemas que recebe. “Eu vou oferecê-lo ao meu avô”, conta Júlio.

Faz-se total silêncio na sala assim que a canção começa. Fala-se de sonhos, de vidas injustas e segundas oportunidades. Alguns alunos fitam as folhas, outros têm os olhos fechados e um homem com um terço tatuado no pulso deixa escapar uma lágrima. Os versos terminam com a esperança que a turma precisava: “Nunca é tarde demais para acordar”.

Os alunos parecem distantes quando Cristina Guerreiro pede para que falem sobre o que acabaram de ouvir. Após um curto silêncio, Júlio toma a iniciativa. “Identifico-me quando ele diz: 'Mas o curso da vida foi traidor. Agora já é tarde'. Passei por coisas boas e outras muito más. Mas gosto da forma como termina”. “Eu gosto daquela parte 'Amanhã partimos todos para Istambul', afirmam. Todos riem e festejam como se essa realidade fosse de facto possível.

A responsável pela aula aproveita a brincadeira para assegurar que, um dia, todos poderão realizar os seus sonhos, desde que acreditem. “O que sonhavam ser quando eram crianças?”, pergunta. E assim a poesia transportou cada homem para uma infância longe das grades. “Eu tinha um sonho que agora já é impossível. Queria ser piloto”, refere uma voz. “É mais provável que o meu. Eu queria ser polícia e agora já tenho cadastro”, comenta outra. Mecânico, jogador de futebol e outras profissões vão sendo nomeadas. “Quando era pequeno queria ser feliz”, revela José, enquanto fita o tecto. Todos riem, mas acabam por concordar.

A certa altura, um guarda bate à porta para informar que o tempo disponível para a aula está a terminar. Os alunos levantam-se, arrumam as cadeiras e despedem-se da professora. Quando todos se preparavam para sair, Hugo [nome fictício] diz: “Quero agradecer à turma e à professora por nos ter trazido isto [aponta para as folhas] porque nos transmite uma mensagem. Temos de acreditar”.

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