JOHN FROM_ JOHN FROM (2015), de João Nicolau

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António Oliveira Tavares

15/04/2016

A nota de intenções que consta da ficha dedicada a GAMBOZINOS (França/Portugal, 2013) no site da O Som e a Fúria resume quase na perfeição a obra ainda jovem de João Nicolau: «Como toda a gente sabe, os gambozinos são seres míticos que existem naquele terreno movediço situado entre a infância, a ingenuidade e a superstição popular. São, se quisermos, uma exponenciação colectiva da imaginação. Não sendo um especialista, suspeito que o cinema é praticamente a mesma coisa » (os sublinhados são meus). Se pensarmos bem na coisa, trata-se de uma ideia muito bonita sobre o Cinema: uma criação da imaginação colectiva, um ponto de fuga que resulta do encontro entre a recordação e o mythos. Os restantes filmes de João Nicolau, felizmente, não a desmentem. O Cinema de João Nicolau faz-se, portanto, a partir desse ponto de fuga. É um exercício rememorativo (persistente, acrescente-se), com toda a imperfeição que tal acarreta. É o tal «terreno movediço». Uma memória tem a limpidez de uma memória: pouca. Não é isso que a torna mais ou menos transparente, mais ou menos nítida; significa, tão-somente, que as coisas, conforme as recordamos, nem sempre correspondem à realidade, esse conceito absolutamente vago. O Verão, por exemplo, é um dos momentos mais marcantes quando se é mais novo. Contrasta, desde logo, com as estações mais frias, por as darmos, sobretudo, às aulas. E é precisamente durante o Verão que JOHN FROM (Portugal, 2015) se passa – aliás, quer-me parecer que todos os filmes de João Nicolau se passam durante o Verão. Um Verão citadino, cercado por Telheiras, bairro lisboeta. A praia está ausente de quase todo o filme, mata-se o tempo como se pode e vêem-se as vistas. Querendo, vai-se à rua tomar um café (ou vários) ou a uma festa em casa de um qualquer conhecido. Enfim, contempla-se o tédio. E quando já não há mesmo mais nada para fazer, pronto, lá se apaixona por alguém que pareça interessante, ainda que essa pessoa não esteja minimamente para aí virada. A paixoneta de Verão, em toda a sua glória pueril. No caso de Rita (a magnífica Júlia Palha) o alvo da paixão é o vizinho mais velho, um fotógrafo que andou pela Melanésia. Como a amiga (a igualmente magnífica Clara Riedenstein) lhe consente a paixoneta, Rita desenvolve um conhecimento enciclopédico, e a roçar levemente o obsessivo, sobre as exóticas ilhas e os seus habitantes. E o filme explode (no melhor dos sentidos) a partir daí.

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João Nicolau constrói, assim, JOHN FROM através de transições, da vontade de ocupar o tempo à de não fazer nada, do real ao fantástico, de Telheiras à Melanésia. A comunicação – i.e., a vontade de comunicar , muitas vezes expressa de forma inadequada durante a adolescência – assume um papel central nessas passagens entre meios; prova-o o elevador, onde as protagonistas deixam bilhetes uma à outra, peça-chave na sua relação. E é também no elevador que se prenuncia a última dessas transições, por sinal a mais radical: a total invasão de Telheiras pela Melanésia, o sonho que se sobrepõe à vida. De novo, uma ideia muito bonita. [Abrindo um parêntesis, há três coisas em JOHN FROM que julgo importante referir: i) JOHN FROM faz-se algures entre o filme-cerco e o filme-fuga; ii) o cerco, a certa altura, parece passar a perseguição, e vice-versa; e iii) fiquei com a impressão de que o comportamento que Rita assume junto dos rapazes da sua idade envolve um certo quê de ligeira manipulação.]

O Cinema de João Nicolau faz-se, portanto, a partir desse ponto de fuga. É um exercício rememorativo (persistente, acrescente-se), com toda a imperfeição que tal acarreta.

Voltando à explosão do filme – ou, melhor, à ideia de que ele explode a partir da paixoneta de Rita –, é dessa fuga ao aborrecimento do quotidiano estival que nasce o encanto do que em JOHN FROM se vê. Nisso, e na sua autoconsciência enquanto filme (e os efeitos especiais óbvios só acentuam o que já é sabido). Digerida a paixoneta, sobra apenas a fantasia. A meio caminho entre Aki Kaurismäki – e a citação que se faz no filme ao finlandês não será inocente – e Apichatpong Weerasethakul, nomes grandes, João Nicolau confirma-se, à sua segunda longa-metragem, como um dos realizadores do nosso Cinema a seguir atentamente. Quando tudo termina ao som duma música pirosíssima, com a leveza que só o Verão nos consegue trazer, fica a vontade de não crescer. Quis o destino que a efémera passagem de JOHN FROM pelo Porto (duas sessões no Passos Manuel) coincidisse com dias chuvosos. Menos mal, que o seu calor é capaz, e bem capaz, de nos aquecer entre o entrar e o sair da sala. O chato é saber que seremos devolvidos ao frio mal o filme acabe. Que volte o Verão. E que volte depressa, se não se importar. «A recordação vai estar para sempre aonde eu for.» About these ads

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