De tons absurdos, português ‘Technoboss’ lança olhar honesto para a terceira idade [PT]

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Guilherme Sobota, O Estado de S. Paulo 12 de março de 2020 | 06h00 Muito de Technoboss – uma comédia de tons absurdos do diretor português João Nicolau, com estreia nesta quinta-feira, 12 – é sobre a ausência de comiseração que o filme direciona para seu personagem principal, Luís Rovisco (a estreia de Miguel Lobo Antunes, 70 anos, no cinema). Divorciado e à beira da aposentadoria (ou da reforma, como dizem os portugueses), Rovisco poderia ser um personagem melancólico, mas o roteiro e a direção incluem na sua história tantos elementos únicos que o filme se transforma em uma crônica de amor e compaixão. LEIA TAMBÉM

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O filme estreou em 2019 no Festival de Locarno, na competição oficial, passou pelo DocLisboa, pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, pelo Festival de Sevilha, onde venceu o prêmio do Júri, e pelo 21.º Festival do Rio. A distribuição no Brasil é da Vitrine Filmes.

Cena do filme 'Technoboss', do diretor português João Nicolau, com estreia no Brasil no dia 12 de março Foto: Vitrine Filmes

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Com dificuldades para lembrar-se de entregar relatórios da empresa para a qual trabalhou a vida toda (uma fictícia SegurVale – Sistemas Integrados de Controle de Circulação), Rovisco dirige (conduz) entre regiões de Portugal, cantando canções do heavy metal à salsa espanhola, ao volante ou não. Um clima de musical se instala, mas o humor natural de Lobo Antunes (jurista e produtor cultural aposentado, aqui em seu primeiro filme e sua primeira atuação na vida) se mistura ao do personagem, nunca retratado como um pobre coitado. Outros elementos dão forma ao filme: Rovisco sofre com a morte de seu gato companheiro, Napoleão, se complica com avanços tecnológicos diversos, lida com uma dor no joelho e com um filho com casamento confuso, mas também encontra afeto com o neto e com o chefe amigo, o britânico Peter Vale (que nunca aparece na tela, embora esteja em diversas cenas do filme). Mas sua missão é mesmo alcançar Lucinda (Luísa Cruz), recepcionista de um hotel que ele atende com frequência, um amor de anos atrás perdido no tempo e que agora ele fará de tudo para recuperar. Lobo Antunes (irmão de Antonio, o célebre escritor) também se aposentou recentemente, em 2017, e foi depois de o diretor João Nicolau vê-lo dançar em uma festa que o convite para participar do casting chegou. “Quando estava no processo de casting, incluímos muitos atores profissionais e cantores, mas eu não estava totalmente satisfeito”, explica o diretor, por telefone. Amigo e colega do filho de Lobo Antunes, testemunhou Miguel em uma festa, e a cena dele dançando ficou em sua cabeça. “Foi mais uma imagem, não consigo nem traduzir em palavras”, diz o diretor. “Procurei buscá-la em alguns momentos do filme. Era como um copo na mão a gingar-se um bocadinho, e a maneira que olhava”, arriscou. Em São Paulo para apresentar o filme na Mostra, em outubro, o ator novato demonstrou na vida real simpatia similar à do personagem, embora seja menos carrancudo. “Foi muito difícil, mas esse filme salvou a minha vida”, disse. “Não tinha experiência nenhuma de ator. Mas João é muito amigo de meu filho e eu gosto muito dos filmes dele. Ele é quem arriscava mais, porque se o ator fizesse um mau papel, o filme vinha para debaixo.” Para o diretor, uma das preocupações foi justamente evitar o olhar de “comiseração” para um homem mais velho. “Quis situar o filme no presente do personagem”, explica. “Digamos que a trama principal é o que ele está vivendo, não é um retrato sobre envelhecimento, é claro que isso está lá também, mas há outros elementos: vida doméstica, vida amorosa, uma vida interior que mostra que não está bem com ele próprio.” A ideia era, portanto, observar: “Para mim, mais do que fazer ressaltar alguma característica da idade, me interessava como aquele personagem específico reagia àquelas situações. Fomos descobrindo no trabalho.”

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As primeiras resenhas do filme na imprensa europeia comentaram semelhanças no humor do personagem com as atuações de Jacques Tati (1907-1982), mímico e ator francês, mas também é possível apontar tom do filme como um todo mais inspirado pelo cineasta finlandês Aki Kaurismäki e pelo ator e comediante Larry David (Segura a Onda, a série do americano autor de Seinfeld, está no ar atualmente na HBO na 11.ª temporada). Além das músicas, que permeiam o filme e lhe emprestam frescor e bom humor, outro aspecto salta aos olhos: em algumas cenas, um cenário é montado com banners e tecidos, dentro de estúdio, acrescentando ali outra camada do humor surreal. Uma solução criativa para um problema logístico e financeiro: filmar as viagens em uma estrada real seria um impedimento definitivo. “Tínhamos sim um orçamento reduzido, mas achei que o personagem já tinha um corpo suficiente para o colocar num outro de patamar de realidade”, explica o diretor. “O que foi uma solução de produção sumária acabou por mostrar ao longo do filme aspectos e um olhar sobre o personagem em um outro contexto. Foi uma ferramenta. Gosto muito de trabalhar nessas áreas limítrofes.” Se Technoboss não se alinha diretamente à linha do humor português de filmes como o amalucado Diamantino, o filme faz escolhas ousadas o suficiente para divertir e emocionar cinéfilos de cá e de lá do Atlântico.

Watch Video At: https://youtu.be/PdLBhwen7sA

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