Diários de Otsoga: O momento em que o cinema procura o seu espírito [PT]

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Diários de Otsoga: O momento em que o cinema procura o seu espírito c7nema.net/critica/item/102189-diarios-de-otsoga-o-momento-em-que-o-cinema-procura-o-seu-espirito.html 15 de julho de 2021

Por Paulo Portugal 15 de Julho, 2021 A colaboração entre Miguel Gomes e Maureen Fazendeiro que gerou “Diários de Otsoga” assinala, seguramente, um dos filmes mais insólitos e marcantes deste histórico (e pandémico) Cannes 2021, neste caso apresentado na Quinzena dos Realizadores, a secção que parece ajustar-se melhor a um cinema que desafia regras. Aliás, tem sido esta secção paralela a que mais se adequa ao realizador português. Foi assim com o apoteótico de mais de seis horas, “As Mil e Uma Noites” (inviabilizado para Seleção Oficial), dividido em três filmes, mas também, ou sobretudo, “Aquele Querido Mês de Agosto“,afinal de contas o filme que, em 2008, colocou Gomes no radar do cinema inconformado (já depois de “A Cara que Mereces“e de várias curtas). Aliás, este é um projeto entre vários que Miguel Gomes desenvolve (entre eles o já anunciado “Selvajaria“, que será apresentado no festival de Locarno, que decorre entre 4 e 14 de Agosto).

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Valeu a revisão da sua carreira, para sintonizar com o ritmo retrospectivo do tempo deste filme, já que se trata de um projeto realizado em plena pandemia (a rodagem ocorreu entre meados de Agosto e Setembro do ano passado). Mas também por sugerir uma fruição próxima com o fundamento e ato de criação do cinema, algo tão grato ao cineasta português que decidiu trocar a análise crítica pela análise dentro da realidade do próprio meio. A única premissa é acompanhar a equipa de rodagem (desse mesmo filme), apenas com a intenção de rodar as cenas num inverso cronológico. O que significa também uma ausência de guião. Um pouco como no “Memento“, de Christopher Nolan, se quisermos. Embora essa seja sempre uma referência falhada a propósito deste filme. Um outro filme talvez possa ser associado, será “O Sonho da Luz, o Sol do Marmeleiro“, do espanhol Victor Erice, quanto mais não seja pela associação das tonalidades de dois marmelos (um mais e outro menos maduro) que Miguel Gomes vai observando, como que a sublinhar essa ideia de tempo. Nesses propósitos encontramos o trio Crista Alfaiate, Carloto Cota e João Monteiro à procura de um filme. Eles e a equipa. Por isso, este filme tem uma ressonância tão orgânica como “Aquele Querido Mês de Agosto“. Como que a confirmar a necessidade do cinema, e dos seus processos, antes de mais. E não há muito mais a dizer, a não ser que se trata de um filme que pesquisa essa doçura especial do verão (a certa altura Maureen sugere a inspiração de um livro do Pavese) e esse dolce fare niente tão cinematográfico (Jorge Silva Melo adaptou um outro livro do Pavese, para o seu “Agosto“). Essa pode ser a ideia do cinema. O resto passa pelo trabalho, pelas discussões. Nem que seja o argumento do técnico de som Vasco Pimental sobre os itens do pequenoalmoço. O resto é conversa. “Otsoga” está desde o dia 14 em exibição em França. Estreia em Portugal em Agosto.

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