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John From (2015) de João Nicolau O filme de Verão, das férias grandes, das tardes intermináveis, do tépido tédio entorpecedor, é um dos “géneros” mais marcantes do cinema português. Como se o sol e o calor, a luz brilhante e a languidez dos movimentos, aquecessem, rejuvenescessem esta cinematografia algo morna, um tanto cansada. Se o “género” não é recorrente – e, nesse ponto, João Nicolau tem razão: o nosso cinema é tão raro que nada é propriamente recorrente -, traz consigo gratas recordações, que talvez o façam parecer mais importante do que realmente é. As do azulíssimo mar algarvio de À Flor de Mar (1986), no qual César Monteiro deixou afogar a verrina habitual, as da branquíssima localidade costeira de Uma Pedra no Bolso (1988), onde Joaquim Pinto punha o protagonista no mais luminoso “castigo” de que há memória, entre tantos (vá, alguns) outros exemplos.
John From (2015) destaca-se desta linhagem (a que não quer pertencer), por ser um filme de Verão citadino. Exceptuando um brevíssimo interlúdio balnear, toda a acção decorre em Telheiras, um dos bairros mais recentes de Lisboa. Como lembra Nicolau, é dos poucos construídos e pensados de raiz: a sua arquitectura é rectilínea, espaçosa, moderna. E colorida – o elevador, centro nevrálgico do edifício meio brutalista onde habitam as personagens principais (no qual as miúdas deixam bilhetinhos uma à outra), é muito azul por fora e vermelho vivo por dentro -, bem ao contrário do centro da capital, mais escuro, mais vetusto, de uma fotogenia de postal. É uma geografia pouco vista no cinema português, e menos vista ainda nos referidos filmes de Verão, quase sempre filmados à beira-mar, longe do rebuliço urbano. O lado maravilhoso/maravilhado da fantasia revela a sofreguidão e a angústia subjacentes. Só que não há qualquer rebuliço em Lisboa no mês de Agosto. É uma cidade fantasma, onde nada se faz, de maneiras mais ou menos inventivas. Enche-se a varanda de água e apanha-se banhos de sol. Vai-se à junta de
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freguesia tocar órgão, bebe-se um café, dá-se uma volta ao bilhar grande e volta-se para casa. Meia-dúzia de rituais para preencher o tempo. É este o dia-a-dia de duas miúdas dos seus quinze anos, Rita e Sara (fabulosas Júlia Palha e Clara Riedenstein, de uma desarmante naturalidade), cúmplices nesta errância prazeirosa, a lembrar outros pares do cinema, particularmente o formado por Enid e Rebecca em Ghost World (Mundo Fantasma, 2001). A falta de atrito é tanta que Rita, um pouco por desfastio, decide apaixonar-se por um homem mais velho. Não se pense que John From segue pelos caminhos do drama (no sentido de conflito) ou vai abordar a pedofilia ou algo semelhante. O filme foge como o diabo da cruz de qualquer questão “importante”. Os problemas das personagens são muito comezinhos: uma certa desatenção dos pais (Adriano Luz e Leonor Silveira, descontraidíssimos), o namorado de que não se gosta muito, o que vestir para a festa de logo à noite, o metro que passa na estação sem parar. Ou melhor, são tão grandes como uma paixão adolescente. E para provar quão poderosa esta pode ser, o filme, às tantas, tranforma-se nela, “é” a própria paixão adolescente. O universo perfeitamente naturalista dos primeiros momentos vai sendo contaminado, aos poucos (os papéis voadores, o carro-fantasma, o nevoeiro), pela fantasia de Rita, representada no seu interesse obsessivo pela Melanésia – conjunto de ilhas do Pacífico, sobre o qual o seu amado, um repórter fotográfico, faz uma exposição – até ser completamente invadido no final. É um exotismo de trazer por casa – muito distante do turismo cinematográfico, cada vez mais reprovável -, cheio de pinturas faciais, música etnográfica, bichos perigosos, humanos monossílabicos, vegetação luxuriante e óbvios efeitos especiais (incluem CGI manhoso). É tudo meio a brincar, feito pelo prazer infantil (primitivo) de colorir, às vezes por fora das linhas. No entanto, e não sei o João Nicolau gostaria muito da comparação, o realizador português parece ter aprendido a lição de Apichatpong Weerasethakul: o lado maravilhoso/maravilhado da fantasia revela a sofreguidão e a angústia subjacentes. Ou seja, se John From é um filme em estado de graça, não desconhece a desgraça. E é para ser levado a sério. 2010'sAdriano LuzApichatpong WeerasethakulClara RiedensteinJoão NicolauJúlia PalhaLeonor Silveira
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