29.º Festival Internacional de Curtas-Metragens de Vila do Conde contracenas.com/29-o-festival-internacional-de-curtas-metragens-de-vila-do-conde 6 de agosto de 2021
De 16 a 25 de julho de 2021 decorreu o 29.º Festival Internacional de Curtas-Metragens de Vila do Conde. A Competição Nacional da edição 2021 é uma verdadeira viagem pelo cinema contemporâneo português, cruza analógico e digital, espaço urbano e espaço rural, retrato social e evocação da memória, espaços e tradições. O certame integrou 17 curtas, algumas das quais mais experimentais e de realizadores estreantes, mas também filmes de realizadores mais experientes, contando com atores conhecidos do grande público. Na competição nacional incluem-se os trabalhos de Ana Moreira “Cassandra Bitter Tongue”, Ico Costa “Timkat”, Leonor Noivo, “Madrugada”, Eduardo Brito, “Lethes”, Paulo Patrício, “O teu nome é”, Paolo Marinou-Blanco “Nada nas mãos”, Filipe Melo “O Lobo Solitário”, Inês Melo, “A Casa do Norte”, Francisco Moura Relvas, “Armazónia”, AntónioPedro, “Carta Branca”, Rosa Vale Cardoso, “Se o que oiço é silêncio”, Ana Mariz, “Matilde olha para trás”, Rodrigo Braz Teixeira, “Miraflores”, José Magro, “Nha Sunhu”, Bruno Lourenço, “Oso”, Mónica Martins Nunes, “Sortes” e Mário Macedo, “Terceiro Turno”. Arrecadou o prémio de melhor filme da Competição Nacional desta edição 2021 a curta de Leonor Noivo, “Madrugada”, o Prémio do Público Cannon foi para a curta “O lobo solitário”, de Filipe Melo, protagonizada pelo experiente ator Adriano Luz e na categoria de melhor realizador português, o prémio foi atribuído a Mário Macedo, pela curta “Terceiro Turno”. O registo experimental da curta documental “A casa do Norte”, de 2021, de Inês Melo, a partir dos plantas e pássaros conta a história de uma família do Norte passada numa casa em Geraz do Lima, no concelho de Viana do Castelo integra o certame. Também “Carta Branca”, de António Pedro conta, em modo desalinhado, histórias de Alcanena.
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Ana Moreira, cujo trabalho de atriz conhecemos de vários trabalhos de Teresa Vilaverde como “Mutantes”, realizou “Cassandra Bitter Tongue”, a partir de um texto da poetisa Cláudia Lucas Chéu, um texto provocador acompanhado pela consistente interpretação de Iris Cayatte. A co-produção é da RTP. A pretensa crítica política da curta de Francisco Moura Relves, com produção da Filmesdamente, com interpretações de Roberto Santos, Victor Santos e Nuno Rocha, “Armazónia”, que alerta para o premente problema da destruição da Amazónia e os perigos da governação de Jair Bolsonaro, é comprometida pelas fragilidades do argumento. Na abordagem sarcástica da curta ressalta algum simplismo e vulgaridade subalternizando a mensagem. A realizadora Rosa Vale Cardoso estreou-se no festival com “Se o que oiço é silêncio”, uma co-produção Portugal-Grécia que explora com especial sensibilidade a dimensão do silêncio e da linguagem não verbal nas relações interpessoais. O contraste entre as belíssimas paisagens de uma ilha grega e o silêncio incómodo entre mãe e filha, acompanhada pelo seu amigo Spiro, ao longo de uma viagem é o pretexto para se penetrar na esfera da intimidade. A curta que conta com uma interpretação sólida, sobretudo da atriz Antigone Kouloukakos, retrata de forma certeira e com subtileza o resgate gradual da cumplicidade sem que as palavras sejam necessárias. “Lethes” de Eduardo Brito, produzida por Rodrigo Areias e Ricardo Freitas – BANDO À PARTE, faz uma proposta mais audaz do que parece à primeira vista. A excelente fotografia da curta faz-nos desfrutar da beleza bucólica de uma casa na montanha onde é desenvolvida a rotina de cuidado de uma avó por parte da neta. O filme faz um retrato de solidão que parece pretender culminar com uma reflexão sobre o direito a morrer com dignidade. Os planos do filme acompanham-nos através de um enigma com delicadeza. Aguarda-se com interesse e curiosidade por novos trabalhos do vimaranense Eduardo Brito, professor, escritor e cineasta que já tem vindo a apresentar outros trabalhos. Filipe Melo venceu o prémio do público com o filme “O Lobo Solitário”, do qual foi realizador e argumentista. A curta-metragem conta, como atores principais, com Adriano Luz, António Fonseca e Maria João Pinho, a direção de arte coube a Juan Cavia, a direção de fotografia a Vasco Viana, a edição a Gabriela Soares e o som a Bruno Garcez e Dillon Bennett. A música original é também de Filipe Melo e do conhecido músico The Legendary Tigerman. Adriano Luz interpreta um locutor de rádio que, em direto, conversa com um antigo amigo que faz declarações desconcertantes. Uma curta marcante. A forma como o espectador é rapidamente capturado pela história, por uma espécie de terror psicológico garantido pela interpretação exemplar de Adriano Luz, explicam este prémio. Mário Macedo ganhou o prémio de realização com a curta “Terceiro Turno”. Agostinho reside em Joane, uma pequena vila do norte de Portugal, quando sofre um ataque epilético à saída do turno da noite da fábrica onde trabalha. A personagem que vivenciou uma situação que lhe gera inquietação não encontra compreensão junto da família que parece alheada da sua realidade. Agostinho fecha-se na sua melancolia e na sua crise adolescente enquanto procura escape no consumo de drogas, na companhia da namorada, 2/5
em vias de ingressar na universidade e de mudar de vida, nos amigos desorientados com a passagem para a idade adulta. A inteligência do argumento reside nessa construção de um retrato social a partir de um episódio que faz exacerbar a condição de vulnerabilidade do protagonista. O quadro social rigoroso da imprevisibilidade da vida e do impacto das mudanças e fragilidades identificadas na juventude, sobretudo quando somadas à falta de oportunidades, anteveem o potencial de uma futura longa-metragem a cargo deste realizador. Aguardam-se novos projetos. “Matilde olha para trás”, de Ana Mariz, faz o retrato de uma criança que foge do espaço rural, onde se encontra com mais adultos e não tem com quem brincar, para um lugar imaginário. A maquilhagem, as unhas pintadas e as roupas que usa chamam-nos a atenção desde o primeiro segundo. A tentativa de observar a desorientação da infância sob a perspectiva de uma criança fascinada com a idade adulta parecem perder-se um pouco na incredulidade de alguns comportamentos de Matilde. Ainda assim, é interessante o esforço de explorar a perceção da solidão sob a lente de uma criança. “Miraflores”, a primeira e promissora curta de Rodrigo Braz Teixeira, conta a história do bairro Miraflores, situado nos subúrbios de Lisboa, cruzando as histórias dos adolescentes aí residentes e explorando as suas experiências quotidianas. Uma comédia poética marcada pelos afetos e pelo contraste entre a dimensão anónima das grandes cidades e a identidade da sua gente. Uma das boas surpresas da competição. “Nada nas mãos” é uma comédia de humor negro que retrata a história de Caetano Reconcavinho, trabalhador de uma agência funerária que enfrenta uma depressão desde a morte acidental da mulher a tirar uma ‘selfie’ e se desdobra entre estratégias de suicídio, pesquisas sobre potenciais sequelas de um suicídio frustrado e conversas com um cadáver. Iniciada ao som da música de Mahalia Jackson “I’m on my way”, a curta adota uma abordagem cómica do medo da felicidade. Paolo Marinou-Blanco, em estreia no Curtas, aborda a problemática da solidão com um humor sagaz. As interpretações dos experientes Dinarte Branco e António Durães garantem uma boa experiência cinematográfica. Um dos documentários mais interessantes da competição fica a cargo de José Magro que opta por dar ao espectador alguma informação sobre o processo de construção da curta como se a quisesse dotar de uma veracidade que a enriquece aos olhos de quem a vê. A entrevista a Issa, futebolista bissau-guineense, jogador de futebol em Portugal, contactado pelos dois produtores de cinema, José Niza Ribeiro e José Magro, com o objetivo de saberem mais sobre o seu percurso é feita de silêncios e de um testemunho genuíno sobre uma realidade que poucas vezes vemos no grande écran. Em minutos vemos desfeito o sonho de um futuro atleta que abandona o seu país, junto com a família, na esperança de integrar um clube e ser bem-sucedido, mas que continua fiel à sua paixão: o futebol. “Nha Sunhu” levanta o véu do mundo do futebol e das más condições laborais de muitos dos seus jogadores, tantas vezes enganados pelos empresários. Nha Sunhu, “meu sonho” em crioulo, é mais uma das boas surpresas da competição.
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Paulo Patrício, ilustrador e experiente realizador de cinema de animação – premiado por “Surpresa”, que ganhou os Prémio do Público no Curtas Vila do Conde de 2017 e no Monstra de 2018, em Espanha com o prémio “Mikeldi de Prata” do Festival Internacional de Cinema Documental e Curta-Metragem de Bilbau e foi selecionada para o Festival de Cinema de Tribeca dos EUA é autor do argumento e realizador da curta de animação – traz a curta “O teu nome é”. O filmefoiproduzido por Serge Kestemont, LUNA BLUE FILM, Thierry Zamparutti, AMBIANCES ASBL e Vanessa Ventura, Nuno Amorim, Animais AVPL, que propõe uma abordagem sobre o mediático e chocante caso de Gisberta Salce Jr., transexual, seropositiva e toxicodepente, vítima de maus-tratos por um grupo de 14 de adolescentes que lhe vieram a provocar a morte em 2006. A curta parte de testemunhos de dois dos jovens envolvidos e de amigas transexuais de Gisberta. Uma excelente curta, bem construída, que aborda com notável crueza e honestidade intelectual, os problemas da discriminação, da exclusão social. A reconstrução dos factos a partir das memórias e da perceção da realidade por parte de um dos interlocutores conferem uma verosimilhança rara neste tipo de trabalho. O filme coloca o espectador a refletir sobre as consequências da pobreza e da necessidade de aceitação pelos pares em contexto de segregação, desigualdade e de falta de oportunidades. Imperdível esta belíssima animação a 2D, feita de desenhos à mão, a preto e branco. Uma das melhores curtas do certame cuja qualidade foi justamente premiada. A curta venceu a competição My Generation, prémio atribuído com base na melhor média resultante das votações do público nas sessões no Curtas e nas escolas secundárias. “OSO”, de Bruno Lourenço, pode ser descrito como um relato cómico da ruralidade. Um urso interrompe a tranquilidade de uma vila. A reação dos locais, mas também da vigilante da natureza, uma personagem que nos dá um olhar feminino – mas desprovido de julgamentos sumários e consciente do seu contexto – de um meio onde as mulheres assumem lugares mais invisibilizados, é um verdadeiro exercício sociológico. “Timkat”, curta dirigida por Ico Costa, é um documentário de 13 minutos sobre uma celebração religiosa comemorativa do batismo de Jesus Cristo no rio Jordão, interpretada pelos seus seguidores como uma iniciação ao cristianismo. A curta opta pelo analógico e por um registo contemplativo. “SORTES” a segunda curta desta artista visual, cruza a poesia popular e a vivência da comunidade da serra de Serpa, no Baixo Alentejo. A incerteza da produção agrícola, muito dependente das condições climatéricas, condiciona as vivências dos locais, que constroem com a natureza uma relação de dependência baseada na necessidade de sobrevivência, mas também de afeto. A poesia dos poetas populares que leem os seus poemas – retratos de alegrias e angústias e da perceção das potencialidades e limites da sua condição social – dotam esta curta de uma dimensão onírica. Uma boa surpresa do festival. A Competição Nacional de curtas de Vila do Conde sinaliza a importância deste festival para o cinema português e a mostrar que é, de facto, uma paragem obrigatória para cinéfilos, mas também para curiosos à procura de experienciar a sétima arte em doses suaves.
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