Toda a gente gosta da Festa do Cinema Francês dn.pt/cultura/toda-a-gente-gosta-da-festa-do-cinema-frances-15283597.html 25 de outubro de 2022
L'Innocent, de e com Louis Garrel tem um segredo de humor: conferir tensão dramática às suas personagens hilariantes...
À partida, poderá ser uma das melhores edições de sempre da Festa do Cinema Francês, um caso sério de popularidade com muitas sessões esgotadas. Se é verdade que o cinema francês já teve melhores dias nas bilheteiras, também não é menos verdade que no contexto desta festa o público que não paga o bilhete para as sessões comerciais marca sempre presença. De facto, Katia Adler, a diretora, juntamente com a produtora francobrasileira Jangada, conseguiram garantir um número de títulos atraentes para promover o novo cinema francês, mesmo quando numa entrevista já muito viral temos o produtor Paulo Branco muito cético em relação ao rumo desta cinematografia, dizendo mesmo que se está a "auto-destruir...". Novidade este ano será uma nova secção dedicada à gastronomia, Cinema à Mesa, mas há também uma ideia de descentralização em que se tentará apostar em áreas do interior. A iniciativa chama-se Le Tour do Cinema Francês por Portugal e é uma volta ao país com filmes franceses nas salas da NOS, não deixando de parte cidades como Évora, Funchal ou Viseu. Como não poderia deixar de ser, os mais pequenos também são contemplados com as sessões no Cinejovem, embora o prato forte seja sempre a exibição dos inéditos e a respetiva visita de uma comitiva de convidados que inclui atores e realizadores. Do que é mesmo imperdível nesta Festa, L'Innocent, novo filme de Louis Garrel, é uma das lanças mais apetecidas. Trata-se de uma comédia insolente onde o realizador interpreta um bom rapaz que se vê inadvertidamente a dar um golpe com o namorado da 1/4
mãe, um ex-presidiário que espera ganhar uma fortuna com um roubo de um camião cheio de caviar. Fino e romântico até à medula foi das maiores sensações da seleção oficial de Cannes, mostrando que a comédia francesa pode ser um bálsamo de inteligência e bom gosto quando não segue a cartilha das comédia alarves de Christian Clavier, Tarek Boudali ou Omar Sy... É também um filme onde há uma explosão de luz de uma atriz radiosa: Noémie Merlant. Outros dos imperdíveis que veio de Cannes é Irmão e Irmã, de Arnaud Desplechin, cineasta que estará em Lisboa para apresentar o filme. É uma das suas grandes obras, conto fraternal de uma fratura familiar, contado com a habitual "mise-en-scène" lírica do realizador. Um filme poderosamente emocional que nos devolve o esplendor de Marion Cotillard e arranca a interpretação da vida de Melvil Poupaud, ator que parece estar a atravessar o seu melhor momento. Um grande trunfo desta festa. Bilhete obrigatório nesta Festa também Uma Bela Manhã, o novo de Mia Hansen-Love, um autêntico pedido de desculpas pelo anterior A Ilha de Bergman. Trata-se de um dos filmes franceses da pré-lista para o Óscar de melhor filme internacional, uma história de adultério sob o ponto de vista da amante. Sensível e sempre delicado, é uma ode a uma intimidade muito feminina. Um objeto de uma simplicidade desarmante e alavancado por uma Léa Seydoux transcendental. Impossível também não destacar Um Intruso na Cave, de Phillipe le Guay, o cineasta de De Bicicleta com Moliére, agora a aventurar-se no registo do suspense para uma história sobre um fascista que se instala numa cave de um condomínio "benzoca" de Paris. De novo um filme que assenta tudo nos atores, em especial em Jerémie Renier e François Cluzet, numa história sobre o pesadelo dos novos populismos. L'Homme de La Cave confronta de forma explícita um conforto burguês de uma sociedade cada vez mais politicamente correta. Logo a abrir, a Festa traz em antestreia uma das longas que o Curtas já mostrou em Portugal, Toda a Gente Gosta de Jeanne, de Céline Devaux, provavelmente o campeão de simpatia desta edição. História de amor passada em Lisboa sobre uma inadaptada trintona que se reinventa quando vem a Lisboa tentar vender o apartamento da sua falecida mãe. Mistura animação com imagem real e tem um charme feminino muito subtil. Inesperadamente, consegue ser melancólico no meio da sua torrente de energia positiva. E tem Nuno Lopes ótimo num papel secundário...
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O adiado Maigret e a Rapariga Morta, de Patrice Leconte, pode ser também um dos títulos mais procurados. Mais uma adaptação ao cinema de Simenon, desta feita com Gérard Depardieu como o famoso detetive. Mais do que um filme de investigação, Maigret é uma declaração de princípios de um cinema clássico que pode ser tão cínico como de "velha guarda". Sem Depardieu seria outra coisa, isso é certo. E entre inéditos e filmes a descobrir, a Festa poderá trazer boas surpresas, entre as quais Encontro, de François Manceaux, com Dalila Carmo. Mais um filme francês rodado em Lisboa, neste caso ainda sem distribuição garantida, mas também Os Passageiros da Noite, de Mikael Hers, promete ser sessão "quente". Foi um dos filmes em destaque na Berlinale e consta que tem uma interpretação marcante de Charlotte Gainsbourg numa intriga situada nos anos 1980. Outra das promessas da festa é A Acusação, filme da família da mesma atriz, neste caso, realizado pelo companheiro, Yvan Atal, e com a mesma como protagonista. Uma história sobre um rapaz que cai em desgraça após ser acusado de violação. Nem tudo são rosas nesta Festa, há uma desilusão evidente: o novo de Olivier Dahan, Simone - A Viagem de um Século, com Elsa Zylberstein digna a não conseguir salvar este biopic académico e meloso de Simone Veil, uma das mulheres fundamentais da política francesa, alguém que sobreviveu a um campo de concentração na 2ª Guerra Mundial. A vida desta estadista merecia um filme mas não era este. Seja como for, para quem não tem estado atento ao que tem chegado ao mercado, o cinema São Jorge exibe em horários 3/4
menos nobres uma seleção de títulos que merecem nova oportunidade, ou seja, obras ignoradas que são programadas para uma derradeira oportunidade. Segunda Chance, assim se chama esta secção, e inclui bons filmes como Vortex, de Gaspar Noé, Turno da Noite, de Anne Fontaine, Tão Perto, Tão Longe, de Cédric Klapich, ou O Acontecimento, de Audrey Diwan, a partir do romance de Annie Ernaux, a vencedora do Prémio Nobel deste ano. É claro que o cinéfilo mais glutão lamenta não encontrar no programa En Corps, de Cédri Klapich; Novembre, de Cédric Jimenez, ou Les Amandiers, de Valeria Bruni Tedeschi...
4/4