Esta “Ilha dos Pássaros” é o lugar para todos os que amam a natureza

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A ficção surge com o jovem Antonin (Antonin Ivanidze), um rapaz desmotivado a quem os serviços sociais suíços oferecem a experiência de um primeiro emprego com um salário

Passado num centro ornitológico dos arredores de Genebra, “Ilha dos Pássaros” está entre o documentário e a ficção. O crítico Francisco Ferreira dá-lhe três estrelas 30 junho 2022 10:30

Francisco Ferreira texto

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Em 2013, a dupla de cineastas Maya Kosa e Sérgio da Costa, ambos suíços, ela de ascendência polaca, ele portuguesa (são o mesmo casal que realizou “Rio Corgo”), deparou-se com um pequeno pássaro ferido que se havia refugiado no jardim da sua casa em Genebra. Não sabendo o que fazer com o bicho, trataram de procurar um sítio para tratá-lo e foi assim, fruto do acaso, que tomaram conhecimento do centro ornitológico de Gerthod, nos arredores da mesma cidade, na zona do aeroporto. O dito centro, que nada tem de jardim zoológico ou de parque de diversões, é uma espécie de hospital que abriga aves de todas as espécies, inclusive de rapina. Foi fundado há 40 anos pela benevolência de Patrick Jacot, um técnico que abordou o impacto ambiental do aeroporto de Genebra na fauna ao seu redor e que aparece, aliás, neste filme, num pequeno papel. As aves da região continuam a ser de sobremaneira prejudicadas pelos motores dos aviões que aterram ali, a escassas centenas de metros do local. De tal forma ficaram impressionados pelo trabalho e pelo cuidado dos veterinários sui generis que encontraram, pela riqueza desta relação entre homem e natureza, que Maya e Sérgio decidiram ser aquele um décor propício para um filme ao qual trataram de ‘colar’ uma história, apesar do contexto ser real e das personagens, à exceção do protagonista, serem os verdadeiros empregados do centro.

Watch Video At: https://youtu.be/A3DGhzhqNE4

A ficção surge com o jovem Antonin (Antonin Ivanidze), um rapaz desmotivado, talvez um tanto perdido na vida, e que os serviços sociais suíços enviaram para aquele local, oferecendo-lhe assim a experiência de um primeiro emprego com um salário. A linha de produção dos ratinhos que servem de alimento às aves é, a título de exemplo, uma das tarefas mais trabalhosas com que ele se depara. Antonin assume também na sua aprendizagem o papel de futuro substituto de Paul, que em breve se reformará após décadas de trabalho, assim como o de guia do espectador àquele ambiente tão singular que, apesar do seu assunto, nada tem a ver com os documentários de animais tal como os

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conhecemos dos canais televisivos. E a audiência vai-se habituando ao ritmo quotidiano de Antonin, enquanto Maya Kosa e Sérgio da Costa descrevem e filmam atentamente os gestos de quem ali trabalha. Aquele centro é o espaço de uma doçura estranha, em que a delicadeza dos movimentos dos veterinários encontra um equivalente na voz off, escrita como um diário de bordo e narrada por Antonin, ele que está tão intrigado pela vida das aves como pela natureza daquele primeiro emprego, que o pacifica. Sabemos depois que alguns daqueles bichos atrapalham o tráfico aéreo do aeroporto de Genebra e que, por causa disso, teve o homem que desenvolver determinadas medidas de dissuasão — tiros para o ar, reprodução de sons de aves predadoras, etc. Também há pássaros que, depois de passarem pelo centro, a ele regressam, pois preferem a segurança que ali têm à liberdade do mundo selvagem. Tudo isto é factual, realidade documentada, mas Maya e Sérgio tornam-na em matéria de ficção paciente, misteriosa, quase efabulada como uma história de La Fontaine. A estreia portuguesa de um filme tão especial como “Ilha dos Pássaros” faz também justiça a uma obra que, após a sua estreia no Festival de Locarno, quase ninguém conseguiu ver em condições por causa da pandemia. Fala-nos com originalidade de superação, de regeneração, da transmissão de um saber, com ciclos de vida e de morte que lhe acentuam a melancolia e a ideia de um mundo em perigo que precisa de ser estimado.

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