João Nunes Monteiro, uma Shooting Star portuguesa na Berlinale jn.pt/artes/joao-nunes-monteiro-uma-shooting-star-portuguesa-em-berlim-14585419.html 13 de fevereiro de 2022
Crónica de Berlim
João Nunes Monteiro, ator português selecionado para o Shooting Stars 2022 Foto: Filipe Ferreira
Jovem ator nacional destaca-se em dia que confirma bom momento da produção francesa. Criado em 1998 pela European Film Promotion, o programa Shooting Stars reúne anualmente em Berlim, durante o festival de cinema, um grupo de dez jovens atores e atrizes de outros tantos países da Comunidade Europeia, que têm a possibilidade de mostrar o seu trabalho a agentes, produtores e distribuidores internacionais e alargar assim a sua perspetiva de trabalho. Só para dar uma ideia, no ano de lançamento, ao lado da portuguesa Beatriz Batarda estavam o francês Melvil Poupaud e a britânica Rachel Weisz, hoje nomes sólidos do cinema do seu país e além-fronteiras. A explosão de países a entrar para a comunidade tem levado a que seja mais difícil colocar um nome português na lista de dez selecionados, mas a verdade é que, depois de Joana Ribeiro e Alba Baptista nos anos anteriores, voltamos a marcar presença. João Nunes 1/3
Monteiro terá impressionado o júri de seleção pelo trabalho em dois filmes recentes, "Mosquito" e "Diários de otsoga". Fomos ao encontro do jovem ator português, no meio de uma série de atividades organizadas durante os quatro dias do programa. "Está a correr muito bem", disse. "O grupo é incrível. Sinto que todas estas atividades são mesmo para nos ajudar. Há um ambiente de nos deixar ser quem somos." Para João Nunes Monteiro, a escolha foi uma surpresa. "Não estava nada à espera. Sabia que a candidatura tinha sido enviada mas achava que nunca ia acontecer. Tinha cenas para ensaiar no dia seguinte, fui esquecendo. Quando me telefonaram a confirmar quase que não acreditava. Fiquei muito grato pela escolha." A escolha de um jovem ator português é a validação da qualidade de uma nova geração de corpos e rostos. Mas João Nunes Monteiro partilha os méritos. "Há um reconhecimento também dos filmes que foram vistos pelo júri. Mais uma vez, o nosso cinema e os nossos profissionais são reconhecidos cá fora. Só podemos estar orgulhosos disso, a nossa produção cinematográfica tem realmente qualidade." Para o ator, esta é uma oportunidade de internacionalização, algo que já tinha em mente. "Significa sobretudo multiplicar as minhas oportunidades de trabalho. De estar em projetos com que me identifico, com pessoas com quem, conheça ou não, há uma empatia e uma ligação." João Nunes Monteiro recorda a complexidade de interpretar a personagem central de "Mosquito", um filme que assenta todo sobre os seus ombros. "Foi muito difícil, com algumas noites sem dormir. Mas tive muita sorte com a equipa, e ter uma ajuda na preparação pelo Filipe Duarte, o carinho e a atenção que me deu ajudou-me a estar bastante mais descontraído e seguro naquilo que queria propor ou que achava que seria a personagem. Fiz muito exercício físico, andei descalço pelo Jardim da Estrela." Para o ator, este nem sempre foi o caminho profissional em mente. "Via muita televisão, mais do que ir ao cinema. Mas também ia e pensava que era algo que eu gostaria de fazer. Mas vivia no Porto, saía à rua e não via atores. Achava que era uma coisa que não existia nos meus arredores, até descobrir que havia escolas profissionais. Eu podia ser tanta coisa, queria ser historiador, queria ser investigador científico. Mas sempre gostei de fazer as peças de escola. E tentei, equivalia ao 12.º ano, podia ser que resultasse." Quentin Dupieux, incrível mas verdadeiro Não tem sido sempre assim nos anos mais recentes, mas a Berlinale 2022 está a mostrar que o cinema francês vive um bom momento. Aliás, nem só o francês, já que a programação desta versão reduzida do certame - termina já na próxima quarta-feira - está a mostrar uma qualidade média bastante assinalável, sendo muito raros os filmes de que se sai com a sensação de um tempo mal gasto, num evento onde há sempre a dificuldade da escolha do que se vai ver e a impossibilidade absoluta de se ver tudo.
2/3
Mas voltando ao cinema francês, aos filmes já aqui assinalados de François Ozon ("Peter von Kant) e Claire Denis ("Avec amour et acharnement") juntam-se as novas obras de Quentin Dupieux, Alain Guiraudie e Bertrand Bonello. Para muitos, Dupieux poderá ser ainda um cineasta menor. Mas quem acompanha há alguns anos a sua obra já lhe descobriu a tremenda originalidade. É quase impossível sair de um filme seu sem nos questionarmos de onde vêm as ideias. Depois de "Rubber", sobre pneus assassinos em série e cofinanciado com dinheiros de um milionário angolano, como o próprio realizador nos confirmou; e do delicioso "100% camurça", que abriu a Quinzena dos Realizadores de Cannes de há três anos; Berlim viu o seu novo filme, com um título que poderia definir toda a obra de Dupieux: "Incrível mas verdadeiro". Aqui, um casal à procura de casa decide-se por uma vivenda em que o agente imobiliário confessa haver um segredo: um buraco na cave em que, ao descer por lá, não só se volta de novo ao primeiro andar como se fica três dias mais novo. A sublinhar a bizarria das situações, o patrão do proprietário, convidado com a companheira para um jantar, confidencia-lhe que instalou um pénis eletrónico, com vários programas disponíveis. A história é incrível mas o filme funciona. Apesar de ancorado no real, e como reflexo da sociedade francesa de hoje, o novo filme de Alain Guiraudie, "Viens je t"emmène", está também polvilhado de personagens à margem. Tudo começa com o encontro de um homem que faz jogging pelas ruas de ClermontFerrand com uma prostituta de meia-idade, por quem sente um desejo irreprimível. Só que esta tem um marido, que embora sabendo da sua ocupação profissional é um ciumento compulsivo. Entretanto, o nosso protagonista acaba por recolher em casa um jovem árabe, metido em sarilhos ou talvez não, apesar das reticências de alguns ocupantes do prédio. Autor mais uma vez de um cinema regional, longe do urbanismo burguês parisiense, Guiraudie mostra uma vez mais que não tem medo de filmar o sexo, mas que a realidade politica e social que o envolve também não fica de fora do seu cinema. Finalmente, Bertrand Bonello conclui com "Coma" o que considera uma trilogia, iniciada por "Nocturama" e continuada em "Zombie child". Inspirado pela filha que agora completa 18 anos e a quem dedicara uma curta-metragem, o realizador mete-se na cabeça de uma jovem, numa obra enigmática mas fascinante, onde se conjugam imagens de sonhos, florestas onde se avistam os mortos, conversas zoom e animação de bonecos tipo Barbie e Ken, ao som de uma banda sonora hipnótica composta pelo próprio Bonello. Um filme que não deixa de se ver com uma outra emoção - a de escutar, entre outras, a voz do recém falecido Gaspard Ulliel, que fora o protagonista da versão Bonello de "Saint Laurent".
3/3