"Os natais do filme têm algo de autobiográfico"

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Cinema

João Moreira e Pedro Santo falam de "O Natal do Bruno Aleixo", já nos cinemas

Conversar com João Moreira e Pedro Santo é quase tão divertido como assistir a um dos "trabalhos" da sua popular criação, Bruno Aleixo, que nos convida para um filme de Natal, já nas salas de cinema. De facto, e após um acidente, Bruno Aleixo vê-se numa cama de hospital, sendo revisitado, como no conto de Dickens, por fantasmas dos seus natais, que pelos vistos o deixaram traumatizado. Com um humor popular, mas subtil e inteligente, mostrando que é possível esta conciliação, "O Natal do Bruno Aleixo" segue-se ao "Programa do Aleixo", surgido na internet em 2008, e a "O Filme do Bruno Aleixo", lançado há dois anos.

"Quando o boneco surgiu, a ideia de um filme apareceu-nos. Mas como aparecem ideias de bêbados na rua. Não era nada de verdadeiramente consolidado", diz-nos João Moreira. "A família, os amigos, diziam-nos que devíamos fazer um filme. Mas até ser uma hipótese plausível ainda foi um grande caminho." Pedro Santo acrescenta: "Dizíamos que um dia íamos fazer, era fixe. Não vou dizer agora que nunca nos passou pela cabeça. Estaria a mentir. E a partir do momento em que se faz o primeiro é mais plausível fazer o segundo."

1/3 31 de dezembro de 2022
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João Moreira recorda como tudo começou. "O boneco nasceu de um guião que tínhamos escrito para outra pessoa e que acabou por ficar na gaveta. E acabámos por pegar nele. Na altura escrevíamos para outras pessoas, para talk-shows e coisas do género. Por carolice experimentámos isto, e correu bem. Pusemos na net e a partir daí já se sabe o que aconteceu."

Pedro Santo sublinha que o boneco já existia. "Tudo começa com uma referência visual que era aquele boneco e nós escrevemos o guião a partir dele." João Moreira recorda assim os primeiros tempos: "Hoje em dia já é muito barato filmar, mas na altura não dava. Não estava ao alcance de toda a gente, a qualidade não era muito boa, nem o som. O que nós podíamos ambicionar naquela fase era gravar umas coisinhas em casa, fazer umas animações baratas e pôr na net. Estava a aparecer o Youtube. A opção que tínhamos era gravar umas coisas e com um microfone, e foi por aí que o caminho surgiu."

A partir deste momento na conversa os dois criadores de Bruno Aleixo parecem gémeos, falam um por cima do outro mas, curiosamente, ainda se tratam por você. Pedro Santo explica-nos como se conheceram. "A história não tem muito elã. O Fernando Alvim juntou uma equipa de umas cinquenta pessoas, o que é um clássico, para umas coisas na televisão. Depois umas pessoas vão desistindo, têm mais que fazer, outras vão ficando, se não têm mais nada para fazer. Conhecemo-nos lá e começámos a tentar fazer umas coisas juntos."

A conversa passou para as referências, para o que viam em criança. "South Park" e o humor corrosivo e gráfico dos Monty Python também nos vem à cabeça ao ver o novo filme do Bruno Aleixo. "Nós temos os dois 42 anos", diz-nos João Moreira. "Quando o "South Park" apareceu já era marmanjo. Lembro-me de estar a ver quando caíram as Torres Gémeas. Já tinha 20 anos, estava na universidade. Não é uma referência de criança. Os Monty Python sim."

A memória juvenil de Pedro Santo aponta mais para os "Simpsons", como nos refere. "Lembro-me de ter estreado cá. Eu estava no Ciclo Preparatório. A malta estava toda muito entusiasmada. Mas ao princípio era uma coisa mais adulta. Lembro-me de falar na escola com os colegas, mas estávamos à espera de outra coisa. As coisas de garoto foram mais o D"Artacão, mas isso não são influências para o Aleixo."

Olhando para este novo filme, não se pode deixar de pensar que há um pouco do português típico nesta figura. "Um determinado português sim, mas acho que há muitos portugueses típicos", admite Pedro Santo. João Moreira acrescenta: "Todas as personagens são arquétipos. Se formos ver bem, todos eles são portugueses típicos."

O filme mistura a habitual técnica muito simples de movimento dos bonecos principais com animação tradicional. "A vantagem é que podemos inventar personagens novas", diznos João Moreira, explicando como foi organizada a produção do filme: "Tivemos seis equipas a trabalhar em simultâneo. Cada Natal tem uma equipa diferente. E como foi idealizado para ser feito em pandemia, a ideia foi dividir o filme e cada equipa estar a

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fazer ao mesmo tempo. Claro que tem mais custos, porque temos seis equipas em vez de uma, mas dá ao filme uma diversidade visual que sempre o mesmo tipo de animação não teria."

Pedro Santo vai mesmo mais longe. "Este filme sem as animações tradicionais nem existia, não fazia sentido nenhum. Cada sonho, cada Natal, tem uma animação diferente." Na realidade, a inspiração por detrás da história é evidente, como admite João Moreira. "No fundo é o "A Christmas Carol, do Charles Dickens. Vem assumidamente daí. Nem é uma homenagem, é uma reciclagem. Houve uma proposta de fazer um filme de Natal e nós pegámos nessa estrutura."

Bruno Aleixo está visivelmente traumatizado pelos natais de infância, os brinquedos que não recebeu, a comida que não queria, os beijos que os avós lhe davam contra a sua vontade. Será que os criadores do boneco estão a exorcizar os seus próprios traumas de infância?

"A minha prima Inês, que é mais nova do que eu, teve uma boneca e eu não tive nenhum brinquedo", queixa-se ainda João Moreira. "Havia aquelas pessoas que pensavam que toda a gente me ia dar brinquedos e davam-me uma camisola." E recorda como tudo acabou nesse ano: "Fiquei muito triste e o meu pai quis-me comprar um jogo. Há poucas lojas abertas no dia 25, só mesmo bancas de jornais. O meu pai comprou-me uma roleta. Já era um jogo, com uma caixa. Brincava com as fichas, nem sei o que fiz com aquilo."

Pedro Santo "acusa" o colega. "Lá está o Moreira, ressabiado, a aproveitar o filme para mandar bocas à família..." Num tom mais sério, continua: "Há ali dois ou três anos lixados em que não se sabe bem o que as crianças querem. Do que me lembro é que a minha tia só punha as couves ou as batatas a cozer quando chegava toda a gente. Todos os natais do filme têm alguma coisa de autobiográfico."

O que todos agora esperam é que o Bruno Aleixo tenha um novo filme. Mas Pedro Santo prefere agora descansar. "Depois de fazermos um filme, e isso aconteceu com o outro, nunca mais queremos fazer nenhum. Mas entretanto passou tanto tempo e já fizemos outro. Acho que é assim com toda a gente, depois de fazer um filme, gigantesco ou pequenito, tão cedo não se quer meter noutra".

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