LUSA publicado 10:13 - 25 maio '23
Indígenas e membros da equipa do filme "A Flor do Buriti", da realizadora brasileira Renée Nader Messora e do cineasta português João Salaviza, manifestaram-se no Festival de Cannes pelo direito à terra dos povos nativos do Brasil.
A equipa de "A Flor do Buruti", que compete na secção Un Certain Regard, aproveitou a passagem pela passadeira vermelha para mostrar a sua oposição à tese jurídica do Marco Temporal, sobre a demarcação de terras indígenas, defendida pela direita brasileira, atualmente em discussão no Supremo Tribunal Federal daquele país.
Esta tese, apoiada por grandes fazendeiros e líderes do agronegócio, propõe que o direito à terra dos povos nativos deve ser limitado às áreas sob o seu controlo em 5 de outubro de 1988, quando a atual Constituição brasileira foi promulgada.
Para os manifestantes, citados por agências de notícias, esta "é uma tese perversa que legaliza e legitima a violência a que os povos foram submetidos até à promulgação da Constituição de 1988, especialmente durante a ditadura militar".
Por isso, hoje, em Cannes, a equipa de "A Flor do Buruti" ergueu os punhos e desfraldou uma faixa onde se lia "O futuro das terras indígenas está ameaçado. Não ao Marco Temporal!", como descreve a agência Efe.
Indígenas brasileiros manifestam-se em Cannes na apresentação de "A Flor do Buriti"
Esta posição vai ao encontro de argumentos de organizações de povos indígenas, assim como de procuradores da República do Brasil, que já alertaram para a inconstitucionalidade da defesa do Marco Temporal, e de organizações não governamentais, como a Human Rights Watch (HRW).
Para estas organizações, a aplicação do Marco Temporal tornaria impossível a demarcação de terras a comunidades que foram expulsas do território antes da Constituição de 1988, ou que se vejam impossibilitadas de comprovar a sua presença nessa data.
Em abril, a HRW alertou ainda para a situação de insegurança jurídica que aumenta a vulnerabilidade dos territórios indígenas à invasão de redes criminosas envolvidas em exploração mineira ilegal, na extração de madeira e no roubo de terras públicas.
"A Flor do Buriti" é a segunda longa-metragem coassinada por João Salaviza e Renée Nader Messora, rodada com o povo indígena Krahô, do Brasil.
O filme atravessa os u´ltimos 80 anos deste povo e, segundo a sinopse da obra, dá a conhecer "um massacre ocorrido em 1940, no qual morreram dezenas indi ´genas". "Perpetrado por dois fazendeiros da região", prossegue a descrição do filme, "as viole^ncias praticadas naquele momento continuam a ecoar na memo´ria das novas gerac¸o~es".
Segundo a produtora Karõ Filmes, o filme foi rodado ao longo de quinze meses na terra indígena Kraholândia, onde os dois realizadores já tinham feito "Chuva e´ Cantoria na Aldeia dos Mortos" (2018).
O nome do novo filme faz referência à flor do buriti, um tipo de palmeira selvagem que cresce no Brasil, e que se encontra no meio da comunidade Krahô, no norte do estado brasileiro do Tocantins.
O local é um bioma fechado - menos húmido do que a Amazónia - que se tornou a região mais devastada pela desflorestação no Brasil, como os dois realizadores afirmaram, em entrevista à agência EFE.
No comunicado de imprensa sobre a obra, João Salaviza e Renée Nader Messora lembram que, atualmente, "diante de velhas e novas ameac¸as, os Kraho^ seguem caminhando sobre a sua 'terra sangrada', reinventando diariamente as infinitas formas de resistência".
A manifestação de hoje tem paralelo na demonstração de 2018, na estreia de "Chuva e´ Cantoria na Aldeia dos Mortos", também no festival de Cannes, quando Salaviza e Nader Messora, com a sua equipa, alertaram para "o genocídio dos povos indígenas" no Brasil.
A 76.ª edição do Festival de Cinema de Cannes teve início no passado dia 16 e encerra no próximo sábado.