˜ E ARTES FACULDADES SENAC DE COMUNICAÇAO
OTAVIO NETO SÃO PAULO 2004
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO AS FACULDADES SENAC DE COMUNICAÇÃO E ARTES COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM FOTOGRAFIA ORIETADOR PROF. JOÃO KULCSAR
SÃO PAULO 2004
Neto, Otavio VIA . Otavio Neto - São Paulo, 2004 Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade Senac de Comunicação e Artes. Orientador: João Kulcsar 1. Fotografia 2. Esportes 3. Arte
Aluno: Otavio Neto Título: VIA A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão em sessão pública realizada em /12/2004 considerou o candidato: ( ) aprovado 1) Examinador (a) 2) Examinador (a) 3) Presidente
( ) reprovado
DEDICO ESTE LIVRO A MEU PAI, POR ME PASSAR SEUS DONS FOTOGRテ:ICOS GRADATIVAMENTE. A MINHA Mテウ POR TODO INCENTIVO PARA EU CHEGAR AO FINAL DE MAIS UMA ETAPA DE MINHA VIDA.
AGRADECIMENTOS: PRIMEIRAMENTE AOS MEUS PAIS, POR ME PASSAREM EDUCAÇÃO E VALORES, POR TODA LUTA PESSOAL, PARA PROPORCIONAR E DAR O MELHOR POSSÍVEL A NOSSA FAMÍLIA. A MINHA COMPANHEIRA REBECA. A TODOS OS PROFESSORES DO SENAC, POR ESTAREM ENVOLVIDOS DIRETAMENTE COM A PREPARAÇÃO ,DE NÓS ALUNOS, PARA UMA MELHOR ADAPTAÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO. AO MEU ORIENTADOR JOAO KULCSAR DEVIDO A TODO ENCAMINHAMENTO DESTE PROJETO E A PACIÊNCIA DO DIA-A-DIA. AO PROFESSOR FERNANDO FOGLIANO POR TODOS OS TOQUES E INCENTIVO. A MEU GRANDE AMIGO EDILSON KATO, POR TODA AMIZADE E TAMBÉM POR ABRAÇAR ESTE PROJETO COM MUITO CARINHO E DEDICAÇÃO EM HORAS E HORAS NA FRENTE DO COMPUTADOR PARA CRIAR TODA A LINGUAGEM GRÁFICA DESTE LIVRO. A REVISTA TRIBO SKATE POR MANTER A CHAMA ACESA DA VERDADEIRA IDENTIDADE E CULTURA DO SKATE NO BRASIL E PELA OPORTUNIDADE DE EVOLUIR NO BERÇO DO SKATE. AO PAULO RICARDO DA TIFF ESTÚDIO DIGITAL, POR TODA DEDICAÇÃO EM FORNECER OS ESCANERS DAS FOTOS DESTE PROJETO. E A TODOS SKATISTAS SEM EXCESSÃO ALGUMA, POR CARREGAREM TODO UM IDEAL DE LIBERDADE, CONQUISTAS E AMOR AO ESPORTE PELO MUNDO.
"DE TODOS OS MEIOS DE EXPRESSÃO, A FOTOGRAFIA É O ÚNICO QUE FIXA PARA SEMPRE O INSTANTE PRECISO E TRANSITÓRIO. NÓS, FOTÓGRAFOS, LIDAMOS COM COISAS QUE ESTÃO CONTINUAMENTE DESAPARECENDO E, UMA VEZ DESAPARECIDAS, NÃO HÁ MECANISMO NO MUNDO CAPAZ DE FAZÊ-LAS VOLTAR OUTRA VEZ. NÃO PODEMOS REVELAR OU COPIAR UMA MEMÓRIA" CARTIER BRESSON
RESUMO Através deste livro-monografia, apresentado como trabalho de conclusão de curso, referente a Graduação em Bacharel em Fotografia - Senac, pretende-se descrever um pouco da relação da fotografia com o skate. Falar, escrever sobre algo que faz parte de nossas vidas, foi um dos princípios deste trabalho, afinal o skate, enquanto esporte tem sido um grande incentivo em minha vida; assim como a fotografia. Correlacionar estes dois objetos de prazer, que proporciona diversos tipos de sensações, incentivos e descobertas é um desafio. Ao registrar, através da fotografia, um movimento, uma manobra, um gesto de vitória; transformamos este momento, em um momento único, que jamais haverá outro igual, podem existir melhores, ou nem tanto, mas igual jamais. É nesta relação entre pessoa, skate, arte e fotografia que é possível perceber, como um complementa o outro,em um eterno alimentar-se de desafios e conquistas. Ao iniciar a caminhada fotográfica, vivencia-se diversas dificuldades, o que motivou para a realização deste trabalho; na época não conhecíamos nenhuma biografia que se referisse a respeito de técnicas para fotografar o skate.
Devido a esta escassez de informações, resolvemos colocar nestas páginas, conceitos e técnicas que foram adquiridas durante os últimos quatro anos de trabalho no staff da maior e mais antiga revista skate do mercado, a Tribo Skate. Apesar de transparecer que o Skate, é um esporte específico para uma determinada faixa etária, classe social, o esporte vem crescendo muito e faz-se necessário que os adeptos na área da fotografia acompanhem este desenvolvimento. Nestes últimos dois anos uma nova geração de “fotógrafos de skate” surgiram, e como todo início, é uma fase difícil, sendo a proposta contribuir para que esta nova classe se aperfeiçoe com mais informação . Neste trabalho foi reunido através de pesquisas, dados e informações sobre a evolução e a técnica fotográfica empregada no skate, e a importância da relação do skate com o “momento decisivo” de Cartier Bresson . No decorrer do conteúdo há fotos, já publicadas nas páginas da Revista Tribo Skate, que tem por finalidade mostrar parte do universo do skate, através de fotos que retratam desde pequenos fragmentos do cotidiano de um skatista até viagens para vários lugares do mundo. Enfim, neste trabalho encontraremos momentos únicos, que quando registrados através da fotografia, se tornam em momentos compartilhados.
SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO DESENVOLVIMENTO APRENDENDO AS COISAS DA VIDA CONHECENDO O PRESENTE APRENDENDO MUDANÇA BRINCADEIRA PASSAGEM NOVOS AMIGOS CAMPEONATOS DECISÃO MUDANÇA: DOIS SONHOS ALCANÇADOS PRIMEIROS INVESTIMENTOS NOVIDADE: TERCEIRO SONHO ALCANÇADO EXPERIÊNCIA GRANDES VIAGENS HOJE
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SKATE E O “MOMENTO DECISIVO” A EVOLUÇÃO DA TÉCNICA FOTOGRÁFICA EMPREGADA NO SKATE NOS ANOS 70 AOS DIAS ATUAIS DÉCADAS: 70, 80 E 90 ANO 2000 RADIO SLAVE TELE OBJETIVA FISH EYE MÉDIO FORMATO EQUIPAMENTO DIGITAL
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CONCLUSÃO FOTOS BIBLIOGRAFIA CRÉDITOS
INTRODUÇÃO Skate é um esporte que surgiu do surf, em um período no qual o mar não tinha ondas. Na Califórnia, foi montado o primeiro skate a partir de uns patins desmontados e pregado em uma madeira. Nos anos 70,quando o skate dava suas primeiras “voltinhas” suas características eram totalmente do surf,os movimentos simulavam batidas (movimentos em “c” na parede da onda) só que no chão. Com o passar dos anos o esporte tornou-se particular, porque adquiriu características próprias, na qual englobam desde a prática do esporte em ruas e pistas próprias de skate até o estilo de vida. Incluindo o estilo das músicas, roupas e atitudes. O esporte teve vários momentos de crises e ascensões, e no momento vive sua melhor fase, e tem tudo para ficar e ditar regras de estilo de vida para os comportamentos dos jovens, pois o mesmo vem sendo subsidiado por um mercado próprio e atuante. O skate saiu do patamar da marginalidade, quando os praticantes eram conhecidos como “vagabundos” e “maloqueiros”, para um esporte de família, saudável onde os pais participam levando e acompanhando seus filhos para as pistas. Nesta última década o skate tem sido alvo de muitas propagandas nacionais e internacionais, promovendo alimentos, campanhas políticas e principalmente tornando-o um esporte de futuro.
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No atual cenário nacional o skate atingiu um grande número de praticantes no Estado de São Paulo, perdendo somente para o futebol. Temos hoje os melhores atletas do mundo que são “exportados” todos os anos para fora do país com propostas milionárias de trabalho. Já tivemos cinco títulos mundiais nas duas categorias vertical (rampa com mais de quatro metros de altura em formato de “U”) e street (simula obstáculos de rua, escadas, corrimãos...) e no ano de 2003 tivemos o campeão mundial Sandro Dias que recebeu honras do excelentíssimo Presidente Lula. Em 2004 tivemos o bi campeonato mundial nas duas modalidades, sendo os vencedores, Rodil Ferrugem no street e Sandro Dias no vertical. A energia e a diversidade deste esporte me comovem e me tornam quase que um dependente deste estilo de vida, com isso e com a fotografia resolvi desvendar o mundo do skate através das minhas “lentes” e coloquei como tema do meu TCC.
DESENVOLVIMENTO APRENDENDO AS COISAS DA VIDA CONHECENDO Minha história com o skate começa por volta de 1997, quando criança. Todos finais de semana eu viajava para a casa de minha avó em São Paulo e lá sempre via muitos skates montados na sala: meu tio era skatista profissional da época e também vendia skate para todo o Brasil. Eu achava aquilo muito interessante. Nestas idas para São Paulo minha vontade de ter um skate aumentava muito e minhas observações a respeito dessa vontade foram aguçando minha imaginação. Eu achava meu tio o cara mais “estiloso” e louco. Ele ficava na rua pegando a traseira dos ônibus, descia as ladeiras em grande velocidade deitado no skate, subia nos carros, era completamente maluco. Ficava vendo-o montar os skates, peça por peça. As lixas eram coloridas e sempre formavam um desenho diferente do outro. Como acabamento final, colava os adesivos de caveiras que na época faziam o maior sucesso. O cheiro dos adesivos marcou tanto que quando monto meus skates atualmente, sempre me lembro desta fase. Tenho o maior carinho por essas lembranças,
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pois montar um novo skate tornou-se um ritual onde coloco todas minhas vibrações positivas. Acredito naquele objeto como fonte de energia e inspiração para a vida. O PRESENTE Final de domingo, tudo arrumado para voltar para minha terra, São José dos Campos. Já dentro do carro, minha tia e tio vieram correndo em minha direção e me deram um pacote enorme. Falaram que não conseguiriam esperar até o meu aniversário no final do mês. Na minha cabeça nem imaginava o que poderia ser. Quando cheguei em São José, abri o presente e não acreditei que ali estava meu primeiro skate, todo preto com rodas de borracha vermelha. Não era tão bonito quanto os da sala da minha avó, mas era o meu skate. Não conseguia dormir, foi um sacrifício, pois só ficava pensando em acordar e ir brincar. Cheguei a usar o skate como travesseiro naquela noite. No começo foi muito difícil ficar em cima, então eu só brincava sentado empurrando o skate. A semana inteira foi uma farra com meus amigos, o presente foi uma novidade para todos. APRENDENDO Nos finais de semana continuei indo para São Paulo e foi na pequena garagem da vovó que
consegui ficar em cima do carrinho pela primeira vez sem cair. Depois disto ficava o dia inteirinho andando na garagem que parecia uma quadra de futebol. Agora vejo a mesma garagem que mal cabe um carro, mas quando se é criança a imaginação transforma tudo. Depois disto comecei a freqüentar pistas junto com meu tio, conheci várias e só agora sei que as mesmas pistas que andei quando pequeno fazem parte da história do skate brasileiro. Foi uma fase muito boa, pois comecei a sentir muito prazer quando estava praticando o esporte. MUDANÇA Nesta época eu morava em um conjunto de prédios e cursava a primeira série do primeiro grau. Passei momentos de ansiedade, pois quando ingressei nesta fase do colégio tive a notícia de meus pais que nós iríamos mudar de bairro. Mas não foi este fato que mais me marcou. Tudo preparado para a mudança. Minha irmã foi na frente e eu iria só depois de dois dias. Quando cheguei na minha casa nova, ela, já havia feito amizade com todos os vizinhos e logo de início espalhou para eles dizendo que eu andava muito bem, e no bairro estava a maior “febre” de skate. Para minha surpresa meus novos vizinhos tinham montado uma rampa de salto, para esperarem minha chegada. Logo que cheguei em casa minha irmã contou o que ela tinha feito e me pressionou para eu confirmar.
Aconteceu que em pouco tempo, eu já estava pulando a rampa e também os meus novos amigos deitados na frente da rampa. Desde cedo o skate me proporcionou conhecer novas pessoas e ultrapassar os obstáculos como se fosse algo familiar. BRINCADEIRA A vida no bairro logo se tornou familiar e o skate tornou-se parte do meu dia-a-dia, do meu corpo, pois tudo que eu fazia era com ele ou em cima dele. Comprar pão, ir na venda, brincar, era tudo com skate. Para eu conseguir ter um skate novo, guardava todo dinheirinho que vinha na minha mão e aprendi que “de grão em grão um skate é montado”. Todo ano no meu aniversário, eu ganhava um skate novinho dos meus pais. Era uma alegria imensa, pois sabia do sacrifício para se ter um. Na rua formamos uma galera do skate. Fazíamos rampas, palcos, corridas na calçada, descíamos sentados nos skates um atrás do outro em alta velocidade. Certo dia, um vizinho, “o velho da esquina” que não gostava das nossas corridas, fez uma fenda na calçada achando que ia nos atrapalhar. Mal sabia ele que ficou mais emocionante, porque agora nós pulávamos a fenda. O fato mais marcante destas corridas foi quando meu primo Samuel se empolgou na descida e acabou passando em cima da fenda, o skate travou e ele foi com a bunda direto no chão. Ele
arrebentou o traseiro e subiu correndo a rua gritando o nome da minha mãe. No banho era só sangue. Passado alguns anos ele nos contou que foi uma recuperação muito demorada, pois cada vez que ele ia no banheiro parecia que ele tinha acabado de cair. PASSAGEM O tempo passou e o skate para meus amigos virou coisa de criança, mas para mim, era tudo que gostava de fazer. Conheci outras turmas, outros amigos, outros colegas, mas também para eles era uma diversão passageira. No meu bairro foi construída uma mini rampa e lá se tornou o ponto de encontro da galera do skate. Como a maioria dos meus amigos parou de andar, fiquei um bom tempo andando sozinho na pista. O horário em que eu andava era sempre depois da escola. O sol era muito forte, e com o tempo descobri que no final da tarde andava uma galera mais velha que mandava muito no skate. O primeiro encontro foi decepcionante. Neste tempo existia uma ordem de descida, então logo que cheguei perguntei para o pessoal quem era o último da fila. A resposta foi imediata e o mais velho falou: – O último foi ao banheiro e não volta hoje! Você não vai andar.
Achei aquilo um absurdo e fui embora triste. Depois disto comecei a andar mais e mais e com o tempo ganhei o meu espaço e respeito entre eles. NOVOS AMIGOS A mini rampa ficou pequena para a nova geração de skatistas do bairro. Andávamos todos os dias, e de noite saíamos em bandos. Éramos “unha e carne”, como uma gangue. Elaboramos até um nome: TNT (turma nacional dos trombadinhas). A vida era uma festa. De dia skate e à noite zoeira. Andávamos com uma vassoura sem fardas e a chamávamos de “12”. Era o tipo de uma machadinha e funcionava como uma arma de nossa autoria. Nossa gangue colocava “terror no bairro”. Fazíamos o “correio”, onde o saco de lixo era a encomenda que nós jogávamos. Era uma farra: jogávamos e saiamos correndo. Éramos, certamente, as pestes do bairro. De dia a quadra de futebol do bairro virou pista de skate adaptada. Rampas de madeiras cobriam toda a extensão da quadra. Foi minha “escola do carrinho”. As palhaçadas noturnas não faziam mais sentido, e então o foco da galera fechou-se novamente no skate e foi neste período que começaram as competições. Viajávamos sempre em grupo, e os pais revezavam para levar a galera para diversas cidades
do Vale do Paraíba. Na nossa galera tinha o Lelo que sempre ficava entre os três primeiros lugares. Nas finais sempre ficávamos torcendo. Nosso grupo era rival de outro grupo do centro da cidade; era coisa de criança disputando espaço. Quando o melhor da outra turma ia correr nós fazíamos barulho de “pum” em todas manobras que ele dava com a intenção de que ele errasse. Chegou até a sair briga, mas nada grave. Na minha turma tinha colegas que eram muito bons, eles eram à frente da época, pois eles acertavam manobras que ainda hoje são difíceis. Fico imaginando se eles tivessem continuado a andar, onde eles estariam hoje?! CAMPEONATOS Participei de muitos campeonatos de skate de iniciantes e amadores, que aconteciam nas cidades do Vale do Paraíba e comecei a me destacar dos outros. Até que certo dia, um conhecido DJ, o Suyle, me ofereceu um patrocínio. Eu nem imaginava o que seria um patrocínio. Ele disse que me daria um boné, uma camiseta e uns óculos, além da passagem e a inscrição dos campeonatos. Isto para mim foi o máximo. Meu dia-a-dia mudou. Eu ia para a pista, apenas falava oi para a galera e ficava andando o tempo inteiro. Cheguei a ter o apelido de “alcalina”, não ligava para ninguém que estava do meu lado, só queria saber de andar, andar e andar.
Um certo dia fui participar de um campeonato na cidade de Caçapava no Bar Posso! O lugar era alucinante. Tinha vários ambientes e uma pista de skate no fundo. Nos eventos rolavam shows de bandas e o lugar era muito animado. Depois que participei do campeonato, na categoria iniciante (não me lembro qual foi minha classificação), o dono do bar veio me oferecer patrocínio dizendo que gostou do meu estilo. Depois disto, a fantasia de viver do skate tomou conta da minha cabeça. Viajava quase toda semana para Caçapava para andar e pegar peças. Era um grande sacrifício. Viajava de ônibus, quase duas horas de “poeira” (ônibus intermunicipal, bem fuleiro). Não era à toa o apelido do ônibus: poeirinha... Neste período, estas conquistas e desencantos foram muito importantes, porque o Felipe, dono do Bar é um cara muito difícil de se lidar, mas foi ele que me ensinou muitas coisas sobre o skate, devido a sua ajuda e amizade. Hoje dou muito valor as minhas origens. A equipe da Posso! fazia viagens para muitos lugares. Sempre íamos de Kombi e a galera era muito unida. Uma viagem que ficou na história foi a para Campo Grande, no Rio de Janeiro. Depois de viajar mais de cinco horas apertado na Kombi chegamos e a vontade de andar era tão forte que a Kombi parou e a galera saiu correndo para dentro da pista. O pessoal do local não acreditou nos loucos chegando e até me confundiram com “gringo”, o que não era difícil, pois eu estava de
camisão florido com chapéu “cata-ovo” e de óculos estilo abelha. Sei que foi uma grande confraternização este campeonato. Tudo era motivo para rir. O clima estava tão bom que na final na minha volta eu pedi para o DJ colocar um “pancadão” mais conhecido como “funk” e a galera explodiu quando eu dropei dançando. Consegui fazer uma volta perfeita e quando parei de andar todo mundo invadiu a pista e começou a dançar, foi uma grande festa. Sentimentos de alegria, confraternização, amizade e respeito fazem do skate um esporte particular, pois vivemos de emoções, apesar de algumas dificuldades. Neste campeonato tive a felicidade de conhecer uma figura do Rio de Janeiro o nome dele; Wellington da Silva, mais conhecido pela galera de “Sinistrinho”. O apelido não era por acaso. Ele era caricato, cheio de marra de garoto de morro, uma pessoa de coração enorme pronto para ajudar tudo e a todos. Com o tempo ficamos muito amigos, participamos de vários campeonatos, tanto no Rio como no Vale do Paraíba e percebemos que nossos objetivos eram muito parecidos. Ele morava na Comunidade da Rocinha. Só de pensar na Rocinha eu tinha medo. Um certo dia ele convidou a mim e o Felipe da Posso! para ficar na casa dele, pois haveria um campeonato no Rio. O convite foi aceito e quando eu me deparei na entrada do morro fiquei com muito medo e sem ação e ele me falou “fica tranqüilo cumpadi, você está mais seguro aqui do que no asfalto; aqui é o melhor lugar para se viver.”
Mesmo assim fiquei esperto. Logo me adaptei e entendi o que ele me falara quando entrei na comunidade. Todo mundo tinha o maior respeito um pelo outro. Todos viviam em segurança e tranqüilidade seguindo as leis do morro. Sinistrinho era um grande incentivador do esporte e com isso ganhou muito respeito e a admiração de toda a comunidade. Andamos de skate todos os dias, passamos por quase todas as pistas do Rio a session sempre terminava na rampa da Rocinha. Foi uma semana de muita troca de cultura e realidades sociais totalmente distintas, mas também com muitos pontos em comum. O primeiro o amor pela vida, a paixão de fazer o que se gosta e viver do skate e de tudo que ele proporciona: a paz. DECISÃO Na época de adolescente, terminando o segundo grau eu teria que tomar a decisão do que faria da minha vida. O que eu “iria ser quando crescer?” Desde pequeno falava para meus pais que gostaria de ser veterinário. Entrei no cursinho e estudei muito. Prestei vestibular em várias cidades, mas não passei. Continuei estudando para alcançar o sonho de criança.
Meu pai e minha mãe trabalham com fotografia, e desde criança eu os ajudava nas reportagens. Era algo que não gostava, pois sempre tinha de deixar de sair com meus amigos. Eu não tinha idéia que durante minha vida inteira eu estava envolvido com fotografia. Um certo dia meu pai me deu uma máquina fotográfica e me disse para tirar umas fotos de skate. No começo da conversa não gostei da idéia, mas mesmo assim eu fui. Foi uma coisa impressionante: quando cheguei em casa depois de tirar algumas fotos falei para meu pai com toda convicção do mundo “quero ser fotógrafo e skatista profissional, quero viver do skate.” Meus pais não levaram muito a sério esta frase, mas fizeram de tudo para me ajudar. Tive um “paitrocínio” que gastava uma nota por mês de material fotográfico e em revelações. Comecei a pedir a ele que me desse aulas de fotografia e meu interesse por foto virou minha vida. Pegava os livros dele e estudava, fazia testes e testes. Foram quase três anos de aprendizagem familiar. Com o tempo passei a fotografar casamentos com meu pai. Eu com uma câmera fotográfica e meu pai com outra. Era muito bom. Meus amigos skatistas viraram meus “modelos particulares”. Sempre marcávamos de fazer fotos. O Leonardo “Du” que sofria. Todos os testes eu o fotografava. Eu andava para todos os lugares para fazer fotos. Cheguei até a vender algumas para meus colegas.
Durante o ano de cursinho eu procurei saber se havia alguma faculdade de fotografia e descobri o Senac – Faculdades SENAC, e logo comecei a estudar, durante o ano todo, para prestar o vestibular no final do ano. Neste mesmo ano, 1998, aconteceu em São Paulo o 1º Campeonato Mundial de Skate no Brasil, um megaevento. Resolvi ir para lá. Saí de casa com cinco ou seis filmes e falei para meus pais que iria fotografar o evento. Chegando lá não conhecia ninguém e minha vontade era de fotografar de perto o campeonato. Passei o tempo todo tentando entrar na área de competição. O campeonato foi acabando e nada de eu conseguir entrar, até que finalmente consegui ver um amigo meu de Santos que estava lá dentro da área andando eu o chamei e pedi para me colocar lá dentro. Ele arrancou a pulseirinha de identificação e me jogou. Assim, em poucos minutos eu estava fotografando da beira do half (rampa em formato de U). Fiz muitas fotos, mas poucas ficaram boas. Acho que eu estava muito emocionado. Chegando em casa contei o fato para meus pais. Minha mãe perguntou se eu havia pegado autógrafos de algum atleta profissional e eu disse que apenas olhei para cima do half e falei para mim mesmo que um dia eu estaria lá em cima com eles. A vontade de fazer fotos de skate era tanta que comecei a fotografar todos os campeonatos com o objetivo de fazer uma revista do Vale do Paraíba, uma espécie de zine.
Um comerciante local descobriu minha intenção e se ofereceu para me ajudar. Seu nome é Jorge Kuge, dono de uma rede de lojas de skate no Vale. Ele me ajudou com várias idéias e dicas. Com o tempo fomos nos tornando amigos e a nossa vontade era de fazer um fanzine da loja dele. A idéia ficou na cabeça. Um dia ele me ligou fazendo um convite para irmos a São Paulo conhecer o editor da maior revista de skate do Brasil a Tribo Skate. Estava com tudo pronto para ir a São Paulo. Preparei um portifólio. Na época eu não sabia nem que isto tinha este nome. Fiz um álbunzinho 9X12 cm com as minhas melhores fotos. Chegando em São Paulo fomos na inauguração de uma loja de skate e o Jorge me apresentou ao Gyrão, editor da revista Tribo Skate dizendo: “Este é Otavio, o futuro fotógrafo da sua revista!” Eu não estava acreditando no que estava acontecendo. Depois de alguns meses recebi um telefonema em casa. Quando atendi, fiquei apavorado: era o Gyrão perguntando se eu estava disponível para fazer a cobertura de um campeonato em Brasília. Na hora falei que ia ver na minha agenda, não acreditando. Tampei o telefone e chamei minha mãe explicando tudo. Ela fez sinal para eu ficar tranqüilo e eu retornei a falar com o Gyrão, aceitando a proposta. Tudo marcado e acertado fui para a rodoviária encontrá-lo, recebi algumas orientações e parti para Brasília. Fiz toda cobertura do campeonato, tirei várias fotos, muitos filmes, não perdia nenhum acontecimento. Logo na primeira viagem fui acompanhado de dois malucos que de tão amigos
não paravam de brigar um minuto. Um chegou até a sabotar o skate do outro. Foi uma viagem diferente. Conheci alguns skatistas que eu só conhecia das revistas e tirar fotos deles foi um incentivo a mais para meus objetivos. Na volta entreguei todo o material e as reações dos editores foram muito boas. Tive até elogios de umas fotos com ângulos diferentes. Informei para eles que no final do ano estava prestando vestibular e talvez mudaria a São Paulo. O Gyrão disse que se eu realmente morasse em São Paulo eu poderia trabalhar na revista. Neste mesmo ano outro fato ocorreu que fortaleceu ainda mais a decisão de viver do skate: recebi uma proposta de uma loja de calçados da minha cidade. Eles queriam que eu participasse do circuito profissional. Fiquei muito empolgado e comentei com o Felipe da Posso! e decidimos fazer um “pacotão”. Acabei fazendo meu primeiro modelo de shape levando meu nome. Passar para profissional foi uma grande alegria e realização, mas agora eu tinha que batalhar para ganhar meu espaço. MUDANÇA: DOIS SONHOS ALCANÇADOS Final do ano, prova do vestibular, a expectativa para saber o resultado era grande. O resultado só foi sair no começo do outro ano, e quando soube que tinha conseguido foi uma festa total.
Minha mudança para São Paulo foi uma correria, pois não tinha nenhuma noção onde iria morar até que um grande amigo da família me propôs para rachar o apartamento. Foi um alívio. Minha cabeça estava uma loucura. Tinha que me acostumar com uma vida mais independente. A distância da minha família foi um grande choque, especialmente agora que todos meus sonhos estavam mais próximos do meu alcance. Eu era agora skatista profissional, estudante universitário e fotógrafo da maior revista especializada em skate do Brasil. Tinha que deixar de lado a saudade e colocar o “skate para frente”. Depois da mudança, comecei a trabalhar na revista como colaborador e o mais legal foi que a revista Tribo Skate era bem próxima do apartamento. No primeiro dia conheci todo o pessoal. Foi uma grande surpresa. Minha expectativa foi sendo substituída por novos conhecimentos. Fiquei encarregado de organizar todo o arquivo, fiquei dias selecionando fotos, separando por nomes e lugares. Aprendi muito sobre fotografia de skate vendo o arquivo, mas com o tempo a vontade de fotografar era imensa. Fui largando aos pouco minha função de arquivista e comecei a fazer mais fotos. Tirei muitas fotos para várias colunas da revista, cobri campeonatos pequenos e comecei a ficar mais confiante. Em uma ocasião surgiu a oportunidade de fazer uma seqüência de fotos para uma coluna da revista, chamada Escola Básica. A seção ensina como fazer as manobras de skate. Minha
máquina fotográfica tinha um motor muito fraco e por isso não dava para acompanhar todo o movimento da manobra. Para resolver isto resolvi fazer várias seqüências de fotos e depois montá-las. Após serem editadas e a revista pronta recebemos uma carta de um leitor falando que nós tínhamos mentido, pois no começo da seqüência das fotos o skatista estava de boné com a aba para frente, no meio da mesma ele estava com o boné para trás e no final já estava sem o boné. Foi uma vergonha, mas depois serviu como aprendizado. PRIMEIROS INVESTIMENTOS Depois do papelão da seqüência, com o dinheiro dos patrocínios de skate iniciei meu primeiro investimento na área de fotografia. “Comprei” uma câmera Canon EOS-5 do meu pai, e ele falou que eu teria que ajudá-lo em mais de dez reportagens, mas só me lembro das primeiras cinco. O restante do material fotográfico eu usava dele. Para comprar minha primeira lente, uma 15 mm olho de peixe, peguei cinco cheques emprestados da minha tia, que fez questão de acreditar em mim. NOVIDADE: TERCEIRO SONHO ALCANÇADO Na segunda edição do Campeonato Mundial de skate no Brasil, meu sonho de estar em cima do half competindo com os profissionais de ponta de todo o Brasil e alguns do mundo foi alcança-
do mais rápido do que eu imaginava, e com isto fiquei mais confiante em seguir meus objetivos. Com os trabalhos na revista em andamento, surgiu uma pauta cujo novos profissionais seriam abordados para falar como foi a transição de categoria. Para minha surpresa meu nome estava relacionado na lista de convidados. Marcado o dia para a realização das fotos, me desloquei de São José para São Paulo. Na noite anterior não conseguia dormir de tanta ansiedade, pois seria a primeira vez que eu sairia na revista Tribo Skate. Chegando em São Paulo o tempo deu uma virada, vi minha oportunidade se perder na minha mão. Mesmo assim partimos para Santo André na esperança do tempo estar melhor que em São Paulo. Quando chegamos na pista, a tristeza bateu. Estava me sentindo igual a uma criança quando perde seu melhor brinquedo. Depois de almoçar, o Gyrão teve a idéia de passar no galpão particular do Clube dos 13. Este galpão foi montado em São Bernardo, na fábrica do pai do skatista Sandro Dias, por um grupo de 13 amigos que estavam cansados de não ter pista adequada para andar. Ao chegar estava acontecendo uma session muito boa e a oportunidade bateu novamente no meu “skate”. No final de tudo consegui realizar a manobra várias vezes para o fotógrafo Fernando Moraes “clicar” tudo. O Fernando era muito sistemático. Enquanto ele não achasse que estava bom eu tinha que repetir, repetir e repetir.
A espera agora era para ver a revista pronta. Quando olhei, não acreditei na qualidade da foto. Ele conseguiu um enquadramento muito diferente. Só aí percebi o grau do profissionalismo do Fernando. Para mim foi uma escola de como se portar em um session fotográfica como atleta e fotógrafo. Mais uma vez a oportunidade bateu no meu “skate”. Ainda se adaptando à vida de estudante e trabalhador, o outro editor da revista, o Fábio Bolota, me convidou para acompanhar a turnê de skate que ele havia planejado fazer. O roteiro era de parar em todas as cidades que beiravam a Rodovia Presidente Dutra, de São Paulo ao Rio de Janeiro. O nome da turnê foi Dutra Tour. Nesta época estava no segundo semestre da faculdade e melhor, em provas. Tive que fazer mágicas para poder acompanhar toda viagem. Tudo era muito novo e eu não queria perder nada. A primeira parada foi na minha cidade natal, São José dos Campos. No caminho até lá fizemos várias paradas para andar de skate. A mais louca foi parar na beira da Dutra, onde andamos num posto policial. Sorte que a repressão só aconteceu no final. Já em São José, depois de andar o dia inteiro voltei para São Paulo para fazer uma prova, mas certamente minha cabeça estava atenta ao que poderia estar acontecendo na Tour. Depois de dois dias, logo de manhã liguei para o Bolota, e eles estavam a caminho de Guaratinguetá. Peguei um ônibus e fui direto encontrá-los. Já tinha rolado muito skate. Buscaram-
me na rodoviária e fomos direto para a casa do “Corujinha”, um skatista local de Guará. Chegamos até Volta Redonda, onde encontramos nosso anfitrião que o apelidamos de “Manu Palmito”. Ele era muito alto e magrelo. O mais incrível foi que ele já havia arrumado tudo para nós ficarmos na casa dele. Para Manu tudo era muito mais novo do que para mim. Ele sabia tudo de todos os profissionais que estavam na tour, era um PHD em skate. O skate é um esporte ligado diretamente ao estilo de vida e possibilita uma aproximação fácil entre o público e o atleta, fãs e ídolos. No final da viagem eu estava esgotado de tanta informação, mas feliz de ter aproveitado ao máximo as oportunidades da vida. EXPERIÊNCIA Meu trabalho como fotógrafo e skatista estava ganhando espaço. Participei de vários campeonatos e viagens, minha vida estava totalmente ligada ao skate. A revista planejou fazer uma tour nos Estados Unidos, para o estado da Califórnia. Meu nome foi indicado para ir cobrir junto com o Bolota. Fiquei muito contente e apreensivo, pois seria minha primeira viagem internacional. No avião que fui dar conta para onde eu estava indo - onde tudo começou no skate, a raiz do skate.
A turnê durou quase um mês. Tudo foi novidade. A cultura americana não me agradou muito. O mais importante desta viagem foi a troca de experiências com os brasileiros residentes na Califórnia. Eles conseguiam trabalhar e andar de skate todos os dias e formaram um tipo de comunidade. Na turnê fomos em dois carros. O meu era normal, um esportivo, já o do Cris Mateus era a casa dele. Ele estava morando em um “motor home”. Todos seus pertences estavam lá. Foi muita diversão. Fato triste desta tour foi o ocorrido do dia 11 de setembro. Estávamos prestes a ir embora, a notícia veio logo de manhã e parecia uma cena de filme sinistro. O medo e o desespero tomaram conta de nós. Queríamos saber como poderíamos sair do país no meio daquele terror. Andávamos nas rua e viamos velas e gente rezando para todo lado. Foram cenas de marcar. Depois de dois dias, resolvemos tentar ir embora. Ao chegarmos no aeroporto parecia que estávamos no meio de uma guerra. Era soldados, cachorros, tanque de guerra para todo lado. Graças a Deus chegamos intactos no Brasil. Alívio para todos. No mesmo ano, os editores acharam que eu já estava preparado para fazer as fotos de um entrevistado. A responsabilidade era grande, pois o escolhido foi o Rodolfo Ramos, o “Gugu”. Ele havia acabado de ganhar o mundial no Brasil. O menino estava com o skate no pé. Tudo decidido, partimos para Florianópolis em Santa Catarina. As primeiras sessions foram bem descontraídas, bem na tranqüilidade da Ilha. Tivemos uma companhia ilustre do amigo
Oscar “Mad”. Por causa dele, atrazsamos a entrevista em vários dias, mas sua presença só trazia alegria e risadas. No final da viagem o Mad ficou com o apelido de “alastrão”, pois tudo que falávamos ele sabia e já tinha feito. Foi uma viagem de muitas descobertas e amizades novas. Para minha alegria, na mesma edição em que saiu a entrevista do Gugu, eu fui capa da Revista com uma foto minha tirada dentro de um tubo de escape da represa de Paraibuna. Minha carreira de fotógrafo e skatista estava andando na linha. Minha vida chegou onde eu queria, eu estava vivendo do skate! GRANDES VIAGENS No ano seguinte decidi trancar a faculdade para dedicar mais ao skate. Viajei o Brasil todo, fui para lugares que nunca imaginei que iria sequer passar por perto. Fiz matérias em todos cantos do Brasil. Fui para: Salvador/BA, Belém/PA, Manaus/AM, Brasília/DF, Rio de Janeiro/RJ, Novo Hamburgo/RS, Florianópolis/SC, Belo Horizonte/BH entre outras. Foi um ano de muitas novidades. No skate trabalhei muito, saí em várias revistas, TV, rádios, foi um ano muito produtivo. Consegui melhorar muito meu nível técnico no skate. E quando eu achava que tudo iria ficar tranqüilo tive a ortunidade de viajar para a Europa para fotogafar e participar das etapas européias do Circuito Mundial de skate. Nesta “trip” senti o verdadeiro significado da vida e do skate.
Temos que estar dispostos a aprender com todos os acontecimentos ao nosso redor, pois só assim podemos viver em um mundo de possibilidades. Agora, a minha história com skate esta muito próxima dos fatos ocorridos. Percebo que agora não consigo mais viver no mundo de fantasia que eu vivia quando comecei a andar de skate, mas não me sinto culpado por perder a “máscara” da vida. Agora a lixa do skate é mais áspera. No ano passado, 2003 realizei a melhor campanha da minha vida, pois consegui viver de acordo com meus objetivos de quando comecei a andar de skate e o mais importante, o futuro já esta encaminhado, só falta deixar o skate me levar. HOJE Estou no meu último ano da Faculdade. Graças ao meu trabalho final eu escrevi a história de como eu escolhi viver. Este ano vou ainda viajar muito e pretendo recolher materiais para a realização deste meu livro. Claro, se você estiver lendo estas palavras é porque meu livro teve frutos. Não acabou ainda, vou escrever até o livro entrar na gráfica. Hoje já não é mais hoje, foi ontem.
O SKATE E “O MOMENTO DECISIVO” A filosofia bressoniana diz que “o momento decisivo” é algo puro, não e forjado nem trabalhado antes de ser capturado pela câmera fotográfica” diz a autora do livro “Ensaios Sobre a Fotografia”, Susan Sontag1 Fato este que fez do fotografo Cartier Bresson ser um ícone da fotografia mundial. Em uma entrevista ele diz: "Tirar uma foto é como reconhecer um evento",fato que ele explicaria mais tarde, "e naquele exato momento e numa fração de segundo, você organiza as formas que vê para expressar e dar sentido ao evento. É uma questão de pôr o cérebro, o olho e o coração na mesma linha de visão. É uma forma de viver."2 A captura do auge de um acontecimento, Cartier Bresson, batizou como “o momento decisivo” onde tudo se encaixa perfeitamente. O momento decisivo é um dos fundamentos do fotojornalismo. A fotografia de ação geralmente expressa velocidade e atitude.Os movimentos pode ser considerados como únicos porque no esporte as ações dos atletas são exercidas no limite.
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SONTAG, Susan. Ensaios sobre Fotografia. 1 ed. Lisboa: Arte Sociedade, 1986 http://www.estadao.com.br/magazine/materias/2003/jun/13/81.htm. Acesso: 15 de agosto de 2004
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"De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo e, uma vez desaparecidas, não há mecanismo no mundo capaz de fazê-las voltar outra vez. Não podemos revelar ou copiar uma memória." (Cartier Bresson) No skate não é diferente. A emoção e o instante do momento decisivo também estão agregados na formação da cena fotografada. Na execução da manobra é quando o “momento decisivo” do skate acontece. O momento decisivo do skate tem que ser expresso no ato da realização da manobra e simultaneamente com o movimento do skate indicando qual é a manobra realizada. Neste ponto que entra o estudo de Cartier Bresson, é quando o fotógrafo consegue agir antes do fato se realizar. No skate temos uma vantagem porque na grande maioria das vezes toda a cena é programada, a produção é feita na hora, o fotógrafo monta todo o equipamento e junto com o skatista combinam a manobra a ser fotografada. Para se realizar uma boa foto onde toda a cena se expresse em um único fotograma é necessário tirar muitas fotos, pois na maioria das vezes os movimentos corporais dos skatistas são muito complexos e para a foto passar a dificuldade e o percurso que o atleta realizou, assim como sincronismo skate-skatista deve ser perfeito.
A EVOLUÇÃO DA TÉCNICA FOTOGRÁFICA EMPREGADA NO SKATE NOS ANOS 70 AOS DIAS ATUAIS DÉCADAS DE 70, 80 E 90 Desde o surgimento do skate, a fotografia foi um ponto muito importante, pois foi através dela, que o estilo de vida do skatista se propagou pelo mundo. A foto possibilitou a formação de arquétipos, estilo de vida e conceitos, formando tendências para o mercado, fatos estes vistos no vídeo documentário DOGTOWN and Z-Boys3. E para acompanhar todas as transformações e evoluções do esporte e do mundo, a fotografia se juntou com as novas tecnologias, possibilitando o crescimento e a facilidade de captação de imagens com qualidade. No surgimento do skate, as fotos eram apenas registro de algo novo. “Na década de 70 as fotografias eram muito mais puristas do que hoje em dia. Sem auto-focus, programas, photoshops, as máquinas fotográficas e flashes eram 100% regulados pelo fotógrafo”, diz o fotógrafo Roberto Price que atuou com fotografia especializada nas décadas 70 e 80, em testemunho no primeiro livro de skate do Brasil, A Onda Dura4. 3 4
DOG TOWN AND Z-BOYS. Direção Stacy Peralta. EUA: Agi Orsi, 2001. DVD (90min) BRITTO, Eduardo. A onda dura: 3 décadas de skate no Brasil. 1 ed.São Paulo: Parada Inglesa – NPL, 2000
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FOTO 01
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Com análise nas fotos da época, retiradas do livro citado, pode se notar que não havia nenhuma técnica específica mais apurada que a simples relação velocidade/luz/flash para registrar as manobras. Ao fazer uma leitura da foto acima (FOTO 01), percebemos que o fotógrafo teve a preocupação de enquadrar o público atrás do atleta. A movimentação corporal, mostra a manobra da época lembrando o surf até no fato do skatista não usar sapatos. Na década de 70 no Brasil, as fotos de skate eram produzidas principalmente por jornais nãoespecializados, com isso as fotos tinham o intuito apenas de informar. O fotógrafo apenas registrava o acontecimento. No entanto, pode-se perceber na foto abaixo que o profissional já tinha noções do esporte, pois conseguiu capturar o momento certo da manobra onde o skatista se abaixa e coloca a mão na borda do skate. Referente à técnica fotográfica, não existe nada de especial. Apenas o flash direto, com a velocidade de sincronismo alta que congelou o movimento, mas escureceu o fundo (FOTO 02). Em 1978 foi criada a primeira revista especializada em skate no país, a Brasil Skate, conforme texto de César Chaves registrado nas páginas do livro A Onda Dura, publicado no ano de 2000. Foi neste momento que a fotografia direcionada ao skate começou a caminhar para o lado mais profissional.
FOTO 03
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Com a evolução do esporte, as manobras passaram a ter movimentos mais complexos. O skate já começava a criar sua identidade própria e se descaracterizar das influências do surf. O final da década de 70 e os anos 80 foram marcados com fotos tiradas de muito perto, chegando até mesmo a tocar a câmera nos skatistas, tentando trazer o máximo de emoção possível (FOTO 03). O obturador da máquina trabalhava mais lentamente para registrar o movimento e a emoção das manobras e com ajuda do flash congelava o momento certo. A expressão do movimento era colocada em primeiro lugar. A foto acima, fotografada com uma lente grande angular, mostra muito bem a dramaticidade da manobra. Com a velocidade baixa do obturador o fotógrafo capturou a luz ambiente, assim mostrando toda amplitude da pista iluminada. Como resultuado, um efeito muito bom com o contraste do fundo verde da lâmpada fluorescente com o movimento do skatista apenas iluminado com um flash direto, coberto por uma gelatina vermelha. O flash serviu apenas para dar uma congelada no movimento. Este tipo de recurso do obturador trabalhando mais aberto, foi muito usado na fotografia do skate, chegando a criar tendência nas décadas seguintes (FOTO 04). Com o avanço da tecnologia, as máquinas com o “drive” revolucionaram a captura das manobras. Agora podia-se ver os movimentos com perfeição, quadro-a-quadro (FOTO 05). Por ser uma manobra simples e de época, esta seqüência apenas evidencia o percurso que o skatista realizou.
Por volta da década de 90 as foto-células faziam parte do equipamento do fotógrafo de skate. Com a possibilidade de usar mais de um flash, as fotos começaram a ter um toque de imagens produzidas em estúdio. “Assim como no skate, o trivial também não era suficiente na fotografia. Ter uma câmera na mão era pouco. Um simples registro não bastava. Como no skate, a técnica tomou conta da fotografia. Olho no visor da câmera, atento em um, dois, três, até quatro flashes, às vezes. Tecnologia e emoção juntas em nome da arte, da evolução, do skate, ou tudo junto se preferir.” O texto é do fotógrafo Fernando Moraes, sobre o que foi a fotografia de skate na década de 90, no livro A Onda Dura. (FOTO 06) Fotografar à noite proporciona mais liberdade para se criar combinações diferentes de luz. Nesta foto o autor utilizou três flashes para iluminar a cena e, ainda com o recurso do obturador trabalhando mais aberto, registrou a luz de todo o ambiente. Para se ter uma noção do que a tecnologia pode acrescentar à captação de imagens com qualidade, podemos fazer uma rápida comparação. A fotografia acima foi tirada em 1998. Comparada a foto tirada em 1979, quase 20 anos de diferença, (FOTO 07) pode-se dizer que a técnica empregada nas duas foi a mesma: uso de flash para congelar o atleta e obturador para registrar a luz do ambiente. O que difere uma da outra é a tecnologia, porque com o auxílio de mais de um flash o fotó-
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grafo conseguiu “recortar” o atleta do fundo, havendo assim uma maior leitura e definição do mesmo. Com a disposição dos flashes em pontos estratégicos, o corpo do atleta foi iluminado por inteiro. Por isso não houve tanta interferência do fundo com o atleta, como aconteceu com a fotografia tirada em 1979, com apenas um flash direcionado. ANO 2000 RADIO SLAVE Agora com a tecnologia tão avançada, as fotos de skate ganharam muita liberdade com o auxílio dos “radio slaves” que possibilitam disparar vários flashes à longa distância via ondas de rádio. O fotógrafo fica mais à vontade, pois na câmera só está colocado o transmissor. As fotografias ganham mais dinamismo, novas iluminações. As sessões “out door” (externas) ficam com aparência de estúdio, onde quase todas as luzes são controladas (FOTO 08). A fotometria e o equilíbrio das altas e baixas luzes é parte fundamental para fotos feitas na rua, porque muitas vezes o ambiente funciona como um estúdio, onde se tem controle de tudo. Com auxílio do “radio slave” e dos flashes trabalhando com potências diferentes é possível criar iluminações muito peculiares. (FOTO 09). O contra-luz desta foto poderia ter atrapalhado muito se não fossem usados três flashs para equilibrar a luz de todo ambiente. Primeiro foi fotometra-
FOTO 08
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do o local e em seguida o mesmo com o céu. Como a foto foi tirada de baixo para cima, o grande problema era retirar a sombra do rosto do atleta provocada pelo céu ou sol. Os flashs foram colocados da seguinte forma: o primeiro em um tripé bem alto colocado atrás do fotógrafo, a potência do flash foi colocada no máximo para equilibrar com o contra-luz do céu e do ambiente em geral. O segundo flash foi colocado no mesmo plano do atleta em 45 graus com uma carga menor para iluminar toda lateral e congelar o movimento do skate e o terceiro foi colocado para iluminar as costas do skatista, para fazer um bom recorte do céu. Com ajuda do “radio slave” os flashes puderam ser colocados de maneira independente. TELE OBJETIVA A teleobjetiva está sendo muito utilizada para criar cenas onde os skatistas interagem diretamente com o ambiente, fazendo enquadramentos onde o skatista é apenas um “figurante” na cena, como demonstra esta foto. (FOTO 10) A foto abaixo foi feita com preocupação maior de descaracterizar o local com a composição. A uso da teleobjetiva permite acrescentar elementos entre o primeiro plano e o segundo, permitindo assim que linhas fossem criadas para valorizar a imagem. (FOTO 11)
FOTO 10
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FISH EYE A lente “fish eye” ainda é a mais usada no meio do skate, pois sem dúvida, a sua distorção ótica trouxe para o esporte muita emoção e criou linguagem. Com esta lente pode-se fazer milagres nos enquadramentos e também colocar toda a cena do ambiente mais próxima do atleta. Distorções em primeiro plano também são muito usadas para valorizar a altura da manobra e criar linhas de leituras nas fotos. (FOTO 12) A foto acima foi tirada com a intenção de valorizar a altura da grade que o atleta está pulando. A lente foi colocada muito perto da grade, quase se encostando à mesma. O modo de como se bascula a câmera (inclinações mudando o horizonte da máquina) é muito importante com o uso da “fish eye”, pois com mínimos movimentos verticais e horizontais se consegue ótimos resultados em construções de linhas para a imagem. MEDIO FORMATO Analisando revistas americanas de skate como a Transworld Skateboarding Magazine, Thrasher e a Skateboarder nota-se que o uso do médio formato e digital vem crescendo muito no mercado norte-americano. Com o formato quadrado, consegue-se fazer enquadramentos diferenciados, pois ao imaginar um quadrado, a área de enquadramento é muito maior que o
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formato 35 mm. A área que é maior que o 35 mm possibilita um ganho no enquadramento. Para a fotografia de skate isso é perfeito, porque pode-se colocar além do skatista vários outros elementos para valorizar o resultado. O obturador central possibilita um sincronismo de alta velocidade chegando até 1/500 s de velocidade sem perder a potência no flash, o que não acontece com máquinas eletrônicas 35mm. Estas câmeras fazem até 1/8000 s de velocidade de sincronismo, mas perdem a potência gradativamente. O sincronismo alto é perfeito para fotografia esportiva, porque além da velocidade alta podese usar o flash potencializando a definição da fotografia. Nesta foto (FOTO 13) foi utilizada a velocidade de 1/500 s sincronizado com dois flashes a iluminação. Com isso o objeto focado, o atleta, fica com uma ótima definição tirando todo e efeito de foto tremida. O enquadramento foi simples, mas com a possibilidade de colocar outros elementos junto com o enquadramento do atleta e ao mesmo tempo mostrar todo o percurso que ele fez. A escolha do médio formato resolveu bem. EQUIPAMENTO DIGITAL A fotografia digital é sem dúvida a grande novidade. Sem se preocupar com filme e com a
possilidade de editar as fotos no propria locacao, fotografar seqüências virou o mesmo que filmálas sem a preocupação de ligar para o atleta e pedir para repetir o salto que ele deu de um prédio para outro, como já vi acontecer. Mas no Brasil de acordo com nossas condições financeiras fica muito difícil adquirir máquinas digitais de porte profissional, pois o mercado de skate aqui vê a fotografia, a imagem de sua marca, como um gasto e não como um investimento. Os equipamentos que estao sendo mais usados são as Canon 10D e Rebel, são câmeras de boa qualidade, mas para captura seqüências são muito lentas para o esporte.
CONCLUSÃO Fotografia é uma linguagem, um veículo de informação que é capaz de transitar em todos os meios, porque ela desperta a curiosidade no indivíduo que está em busca de aprender, conhecer e ultrapassar novas fronteiras. Neste trabalho a fotografia e o esporte são colocados lado a lado com a intenção de informar e retratar um mundo tão singular, mas cheios de culturas e valores próprios que é o mundo “skate.” Deste modo na foto esportiva, a habilidade técnica do fotógrafo é um fator primordial para a captura de uma boa imagem, com o intuito de proporcionar um aprendizado rápido em relação a fotografia do esporte, skate. Nesta monografia foram colocados vários aspectos técnicos, históricos e pessoais . A relação do momento decisivo de Cartier Bresson aqui foi adaptada a um ato fotográfico quase que forjado se não fosse a captação do instante exato em que o atleta faz a manobra. Neste instante o skate e o corpo têm que estar em perfeita sincronia para poder informar ao leitor qual a manobra realizada e a sua dificuldade. A plasticidade dos movimentos e os locais onde o esporte é praticado acabou gerando um estilo próprio na produção das imagens, como pode observar nas fotos apresentadas. Através de um estudo fotográfico pode-se relatar a evolução da técnica fotográfica aplicada no skate. A preocupação deste livro não foi apenas de falar da técnica ou história da fotografia neste esporte, mas também mostrar imagens relacionadas a um cotidiano totalmente singular se comparado a outros esportes. As atitudes, gestos, superações e objetivos são colocados com valor maior para a vida.
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