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Tradução do silêncio
Otradutor oficial da corte inglesa na segunda parte do século XVI, o poliglota Giovanni Florio, era versado, ao mesmo tempo, em latim, italiano, alemão, francês, espanhol e inglês. Como excelso tradutor da sua época, sustentava teorias de perfeccionismo na sua profissão: “Precisa interpretar (de um pronunciamento) corretamente o silêncio, além de ser necessário conhecer muito bem a língua de um homem”.
Ele era mais que um simples intérprete e chegou a colher uma admiração irrestrita de Elizabeth I por suas “traduções” que iam além da transliteração e captavam o “não dito”, as entrelinhas, as nuances que ficariam ocultas.
bons, as maldades dos diabos; revelar a inconsistência dos ignorantes, o vasto oceano de sabedoria.
Apalavra certa, nomomento certo, no local adequado, pode iluminar a compreensão – até dar voo e criar um ambiente sublime. Pode também entristecer, aterrorizar, levar à morte.
Florio tinha ciência de que umamátraduçãopoderiaprovocar perda irreparável, con-
“Pode parecer complicado, mas é próprio do homem, por tendência egoísta e preservacionista, fugir do que lhe desagrada, do que o complica, do que o desmente, do que o faz lembrar-se de que está em falta com a verdade. Se um cisco no olho alheio assume mais gravidade que a trave que cega a visão do próprio estulto, é por aí: ‘As palavras são as cores de um quadro; o silêncio, as sombras”.’
A palavra, é preciso lembrar, é um ato de criação –não apenas de ideias, mas de descrições. Pode ser vista como uma magia dos homens, já que os animais não a possuem.
Pode alegrar, felicitar ou, ainda, machucar mais que umalâmina.Faz surgir,donada, objetos, sentimentos, circunstâncias. Não há limites para a palavra. Substitui as imagens não presenciadas.
Pode fazer descer às profundezas e captar o segredo dos
Fé dos motoristas. No domingo (23), foi realizada a tradicional procissão motorizada em homenagem a São denação imerecida e até ódios e horrores. Bem por isso, no fim de sua existência, forjado pelas responsabilidades cruciais, confessava que “a gramática e a palavra eramosmeiosúteisparapacificar a humanidade, mais do que tratados de paz e acordos comerciais firmados entre homens de Estado”.
Cristóvão, santo conhecido pelos católicos por ser o protetor dos motoristas e caminhoneiros. Os festejos na paróquia findaram na terça (25) e reuniram centenas de fiéis.
A palavra correta, no tom mais próprio à circunstância, quebra a resistência da ignorância, penetra no íntimo, abre ocoração, conquista territórios e riquezas, ergue a
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paz no meio dos desentendimentos e das incompreensões. Mas, cuidado: “Para compreender o ânimo de um homem, é preciso escutar como ele fala, pois a maioria das coisas fica sem ser dita, nas entrelinhas silenciosas. A parte não dita pode ser a maisimportanteefixa osentido da verdade”. Pode parecer complicado, mas é próprio do homem, por tendência egoísta e preservacionista, fugir do que lhe desagrada, do que o complica, do que o desmente, do que o faz lembrar-se de que está em faltacom a verdade.
Se um cisco no olho alheio assume mais gravidade que a trave que cega a visão do próprio estulto, é por aí: “As palavras são as cores de um quadro; o silêncio, as sombras”. Por isso, é preciso prestar mais atenção às áreas de treva; nelas, como no silêncio, o indivíduo esconde o que o incomoda, aquilo com que o povo não pode sonhar. Transcorridos mais de 400 anos, se o tradutor de Elizabeth I reencarnasse no Brasil, teria que se dedicar a “interpretar o não dito dos culpados”, daqueles que, do trono, falam despudoradamente sem parar. Falam por medo de ter que escutar. Viajam para longe porque recolhem menos vaias que por aqui.