E-ZINE - pq? #1

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outroscriticos.blogspot.com

Ano I - Novembro 2010 - Edição 01

SEÇÕES Música | Literatura | Ensaio | Ilustração | Perfil E MAIS ENTREVISTAS Karina Buhr | Tiê | Juliana R | Lulina | Catarina DISCOS Apanhador Só | Jair naves | Mombojó | Thiago Pethit | Pato Fu E MAIS


AOS LEITORES

Eis a edição número um do e-zine dos Outros Críticos: Pq? Esse é o título do nosso trabalho,

nós que já estamos acostumados a lançar nossas perguntas canhestras a tantos artistas, jornalistas, poetas etc. Resolvemos chamá-lo de e-zine - embora essa primeira edição se pareça muito mais com uma revista - porque iremos tentar elaborar um trabalho mais simples, com poucas seções, assim como já caminha o blog. Dessa maneira, o formato e-zine será o mais próximo de nossas primeiras intenções. Essa edição é encarada como um projeto piloto, já que será nossa primeira investida nesse gênero, e, portanto, muita coisa poderá mudar ou desenvolver-se de outras maneiras a partir dessa primeira edição. Pq? será um relicário das melhores entrevistas postadas no blog Outros Críticos, acrescidos de textos inéditos de nossa autoria e de possíveis colaboradores. Por enquanto, para essa edição, escolhemos cinco artistas, todas mulheres, entre compositoras, cantoras, atrizes, desenhistas, pintoras e presidentes de seus mundos - suas lândias... São as entrevistas de Karina Buhr, Tiê, Juliana R., Lulina e Catarina. Ainda haverá resenhas curtas de discos lançados recentemente; gente como Thiago Pethit, Jair Naves, D MinGus, entre outros. Como dito anteriormente, se trata de uma edição piloto, por isso, resolvemos não convidar colaboradores (eles aceitariam?) para compor o e-zine, assim sendo, na seção Literatura háverá trabalhos de Carlos Gomes e Fernanda Maia (os criadores dos criadores): um ensaio sobre Guimarães Rosa e um conto ilustrado; mas há também poemas de outros artistas que foram publicados anteriormente no blog. Tudo escolhido com muito carinho e atenção. Acreditem (eu sei que vocês acreditam). A capa do e-zine faz referência ao primeiro nome do blog: Marco Zero Paralelo. Num longínquo alguns anos atrás, quando Rennó ainda não conhecia Amélie. A foto foi feita por Cécile Duchamp numa tarde cinza e inconstante de nossa eterna cidade cambaleante: Recife.

Essa edição será a maior que talvez façamos, e o andar da carruagem será o guia de nossa

empreitada. A nossa intenção é fazer edições de dois em dois meses. É ser um sopro de vento nessa grande máquina nervosa e infantil que é o mercado cultural brasileiro. A ver. Os editores.


SUMÁRIO Editorial

aos leitores 02

Entrevistas karina buhr 04 | tiê 10 | juliana r 13 | lulina 20 | catarina 25

Discos d mingus | bárbara eugênia | dlth | mombojó | thiago pethit 17 zeca viana | a banda de joseph tourton | apanhador só | vitor ramil | do amor 18 pato fu | jair naves | karina buhr | wallace costa | rosie and me 19

Ouçam dolorez | mr. spaceman & julia debasse | the amazing broken man | françois & the atlas mountains | bill callahan | matheus mota | dick annegarn | franny glass | dlth | zé manoel | anna rose 28

Curta Ensaio por Clarice Flor blogs | bom dia, princesa! | odorico, marina e as bootlegs 29

Divulgação bootleg’10 | n.a.v.e | don’t touch my moleskine #5 | domenico | 7º prêmio barco a vapor 31

Poesia sérgio napp 32 | odorico leal | bith 33 | felipe aguiar | joão paulo 34 fábio andrade | gabriela magalhães 35

Conto gomes & maia 36 | emanuel nascimento 38

Ensaio por Carlos Gomes as margens de rosa 39

Livros borges | milan kudera | lima barreto | lourenço mutarelli | paulo leminski | raimundo carrero por marcelo pereira | freud | peter hunt | ieda de oliveira (ORG.) | lane smith | odilon moraes | ondjaki 43

Ilustração daniel liberalino 44

perfil por Júlio Rennó otto 46

charge liniers 50

EDITORES Júlio Rennó Amélie Marie DESIGN GRÁFICO Cécile Duchamp HETERÔNIMOS Alberto Infante, Barbara Woolfer, Albert Chevalier, Clarice Flor, Anônimo, Poeta anônimo, Marcel Ginsber-war AGRADECIMENTOS A todos os artistas que participaram do e-zine com os seus trabalhos, aos leitores que acompanharam os Outros Críticos durante esse pequeno tempo, aos jornalistas, assessores de imprensa e aos heterônimos perdidos entre páginas brancas quaisquer. CONTATO outroscriticos@hotmail.com


Myspace

Karina Buhr A música que move a arte de Karina Buhr cresce das cidades, pessoas, cheiros e paisagens que envolvem o seu canto, palavra, pintura e dança... Seu corpo é sua própria arte, seu campo de atuação se dá por tudo o que sua arte canhestra abarca, é tudo, é um pouco de imaturação, é velocidade e tempo contínuo, a música é agora, o tempo é esse.

Pq?: Segundo Rousseau, “O homem é fruto do meio em que vive”. Levando isso para a arte, você acha que o meio pode influenciar a obra de um artista? No seu caso, o que das cidades em que você passou entraram em suas obras? Karina Buhr: Que bom eu poder falar sobre isso! Obrigada! Os lugares influenciam e muito! Mas o que faz a diferença são justamente a química entre o que a pessoa é e as características culturais do lugar. O problema é que

isso normalmente é analisado muito superficialmente por muita gente. Por exemplo, é muito comum falarem que meu trabalho solo é mais “urbano” e menos “regional” por conta de eu estar há 5 anos em São Paulo. Já saiu num jornal: “São Paulo finalmente chegou à pernambucana Karina Buhr...”. Isso é uma coisa muito absurda e normalmente não tenho como contestar porque as pessoas simplesmente chegam a essa conclusão, tem certeza de que é verdadeira e ponto final! Claro que São Paulo me influencia, mas só quem sabe como e onde sou eu! E às vezes nem eu sei... Tenho inclusive uma prova (rs...) concreta de que isso é um absurdo, que é o lançamento do cd novo da Comadre Fulozinha em março desse ano. As músicas são todas minhas e a Comadre não virou “indie”. E o mais engraçado é que as músicas do cd novo da Comadre foram feitas por mim todas no ano passado e retrasado, já as do trabalho


solo são antigas, a maior parte. A maior parte do repertório desse show solo eu criei quando ainda estava em Recife. Só apareci agora com esse trabalho porque saí do Teatro Oficina depois de 5 anos. Não conseguia conciliar outros projetos com o teatro, porque lá era uma trabalheira muito intensa. É tudo muito sutil nesse campo das influências das cidades... Viajo muito, há muito tempo, por conta do meu trabalho e de cada lugar levo um pouco, ou um muito. Às vezes você fica dois dias num lugar e ele te influencia mais do que um que você passou anos morando. E os lugares têm as pessoas. O que fez uma grande diferença na minha vida em termos de influência foi o Teatro Oficina. Muito mais do que São Paulo. Mas não significa que comecei a fazer letras diferentes das que faço na Comadre Fulozinha por conta disso. Sempre escrevi desde criança e as letras que uso na Comadre são apenas uma parte disso. Muitos o lugar mesmo. Pode ser a esquina de casa. Mas o principal disso tudo é a química entre a pessoa e o lugar. E também é importante salientar que em Recife se sabe das notícias na mesma velocidade que em São Paulo. Recife não é um fazendão! E São Paulo é grande, mas não é o centro do mundo! Em Recife as pessoas pensam em outras coisas além do mar, a cana de açúcar e o coco de roda! Senão nem existiria mote pra coco de roda nem pra sambada de maracatu minha gente! Pq?: Hoje há uma grande diversidade de mídias que auxiliam na divulgação do trabalho dos artistas. Recentemente, por exemplo, muitos artistas vêm aderindo ao Twitter. Você se sente pressionada a seguir as novas ondas de comunicação para que sua música seja vista e apreciada por mais pessoas? Dá pra manter vivo todos esses blogs, sites etc? Mais especificamente dos que você faz parte?

temas passam pela minha cabeça desde sempre e muitos ritmos também. Sempre toquei no Estrela Brilhante e no Eddie ou no Piaba de Ouro e com DJ Dolores... Sempre tive uma semi dupla personalidade. Assunto a gente arruma na medida em que vai vivendo. O que de cada cidade levo pros meus trabalhos não tenho como dizer. Não caberia numa entrevista. São coisas pra vida toda. As letras, as músicas são um pedaço, um pouco do que consigo traduzir.

Tenho muito de Salvador, que é onde nasci e passei os 8 primeiros anos de minha vida; tenho muito de Recife, onde morei mais de vinte anos, onde comecei a tocar e cantar e onde tem o carnaval melhor do mundo... Tem um monte de cidade na Alemanha, no sertão da Bahia, do Ceará e de Pernambuco, da Espanha, Portugal, Canadá, Bélgica... Enfim... Os lugares em que fui tocar, sambar ou fazer teatro. E mais importante do que a distância é Karina Buhr: Pressionada não me sinto, mas é um movimento natural. Dá vontade de fazer, pra que a música chegue num maior número de pessoas. Às vezes enche o saco, mas é trabalho e é preciso fazer. O retorno é muito legal e permite uma proximidade com as pessoas que estão te ouvindo e nem te conhecem e você também não as conhece. É uma liberdade muito legal. Tem uma coisa muito louca no trabalho com arte, seja ela música, teatro ou o que for. É que você não vai fazer sua arte diferente pra agradar um número maior de pessoas, mas por outro lado você torce muito pra que muita gente goste! E esses meios de comunicação são seu canal de ação. Você passa a sair do ramo das preces e orações e entrar no ramo do jornalismo... (ö) Pq?: A experiência que você passou no Teatro Oficina deve ter mexido como muitas coisas ligadas a sua arte. Que mundos nasceram dentro de você a partir do contato


com Os sertões de Zé Celso? Que homem é aquele? Que mulher você é depois de ter passado por aqueles sertões? Karina Buhr: Não consigo traduzir isso de jeito nenhum. Mas foi um grande aprendizado pra mim. Conviver mais ou menos 10 horas por dia, durante 5 anos com uma equipe de quase 100, sendo que esses 100 dirigidos por Zé Celso... Não tem tradução pro papel. Fazendo peças como Bacantes e Os Sertões, fazendo roteiro do livro coletivamente, encenando o livro, fazendo turnê que passou por Berlim, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e ainda por Quixeramobin e Canudos... É muito! Encenar Os Sertões com o Oficina em qualquer lugar é uma experiência incrível, mas não tenho nem como classificar o que foi na minha vida ter feito as peças em Quixeramobim e Canudos. Não tenho. Preciso resumir muito. Se eu for transformar em uma frase, ou qualquer tentativa de explicação vai me fazer escrever um tenho nenhuma disciplina pra estudar por exemplo. Nunca estudei meus instrumentos, só toco em ensaios, shows e festas ou nos carnavais de Pernambuco que tanto amo. Tudo o que aprendo é na prática, seja pra tocar, pra compor, pra fazer teatro, pra desenhar ou pintar. Se precisar de um estudo pra uma técnica a mais... Não tenho! Não é por birra, é por absoluta falta de talento e vontade pra isso. Não me anima. Se eu não mantiver o meu jeito próprio de fazer minha arte, com os defeitos e as qualidades (que se confundem...) não vai me sobrar nada. Pq?: As canções que estarão em seu novo disco, partindo da nossa audição de Telekphonen, irão ter um caráter cosmopolita? A sua música irá tender a se afastar de uma chamada tradição popular?

Karina Buhr: Meu trabalho solo é uma parte muito importante do que faço, mas é uma

livro gigante. Sei que existe uma “eu” antes e outra depois do Teatro Oficina.

Pq?: Você tem a preocupação de tentar achar um jeito próprio de fazer sua arte (seja na música, nas letras ou nas pinturas)? Já caiu na armadilha de tentar fazer uma arte que não representasse os seus próprios sentimentos? Karina Buhr: Nunca vou cair nessa armadilha! Dessa água não beberei! Se precisar fazer um comercial de biscoito eu faço e já fiz. E isso faço sem a menor culpa e feliz de conseguir grana do meu suor. Mas isso não é arte. Isso é comércio. Negócio, negócio, arte à parte. E pra mim o único motivo de fazer minha arte é ela ser o que eu sou. Se não for assim não faz o menor sentido. Se não fizer sucesso probleminha... problemão... enfim... Não vou mudá-la por conta disso. Sorte a minha se gostarem, azar o meu se não. Inclusive não parte. Nunca me preocupei em me afastar ou me aproximar de tradição alguma. Toda música que faço é a partir do que sinto. Como falei na primeira pergunta, tem o cd da Comadre Fulozinha que lancei esse ano e agora estou gravando o do trabalho solo, que é bem diferente da Comadre. A diferença está em várias coisas, não é uma questão de temas simplesmente, ou de cidade grande/cidade pequena.

Em tempo, a música que faço na Comadre Fulozinha não é tradicional! Uso elementos do que se chama de tradicional, no caso coco, maracatu, ciranda e baião, mas o que faço ali é experimentação. O que faço no trabalho solo também é experimentação, só que uso outros elementos. O x da questão está aí. Essa preocupação que normalmente se tem sobre o que é popular, tradicional e o que é cosmopolita, urbano não me tomam o tempo. Me atormentam bastante, de tanto que se preocupam com isso. Minhas músicas não preci-


sam representar a civilização urbana ou a população do campo! Elas são apenas elas. Elas simplesmente existem. O que é importante pra mim é o sentimento que elas carregam e os outros tantos que elas vão provocar nas pessoas. O resto é detalhe. Pra mim isso tudo é muito leve e se confunde. Não vejo fronteira nessas coisas. Não determino antes como vai ser uma música. Simplesmente faço e depois ela é classificada, como os biscoitos dos comerciais de que falei. Mas quem faz isso não sou eu. E nem quero. Pq?: Quais são as primeiras pessoas que ouvem suas canções? Falo do momento em que você acaba de fazer uma música; há pessoas que você confia em mostrar? E as reações delas acabam por fazer você mudar alguma coisa?

Karina Buhr: Normalmente sofro pra mostrar pela primeira vez. Mostro no ensaio pros ção. Equipe que amo demais e que faz a história ficar bonita junto comigo.

Pq?: Vimos recentemente no seu blog algumas imagens de quadros seus, em que período se deu a feitura deles? Além da pintura, que outras artes você abarca? Há em algum momento confluência entre elas? Há choque por vezes ou sempre harmonia? Karina Buhr: São quadros e desenhos de muitas épocas diferentes. Tem coisa de 15 anos atrás e coisa da semana passada. Faço desenhos com caneta esferográfica, com nanquim e também pinto com tinta acrílica, aquarela e faço umas colagens. É isso. Gosto muito de dançar, mas não danço em nenhum grupo. Dancei no Balé Popular, no começo do Balé Brasílica. Fiz O Baile do Menino Deus e outras coisas lá. No Oficina eu também dançava. Sinto falta. Mas não sou bailarina. Apenas gosto muito de dançar. Talvez seja o que mais

músicos que tocam comigo. Ou dou um susto neles e improviso uma nova em algum bis de show. É aquela velha coisa que falei... Torço pra eles gostarem, mas se eles não gostarem não posso fazer nada por que não vou mudar. Se acontecer, prefiro mostrar outra. Tive sorte de até agora eles gostarem de todas. Acho legal todo mundo tocar feliz e gostar das músicas, senão não fica bom. Tem que ser com amor. Das letras não mudo nada, nem das melodias. O que costumo conversar é sobre arranjos. Sempre chego com uma ideia e o trabalho é feito a partir dessa ideia, mas aí, sempre, não só importa a opinião deles como peço a opinião e fazemos juntos. Sob minha direção, mas juntos. Aproveito pra citar os nomes deles: Bruno Buarque na bateria, Mau no baixo, Otávio Ortega no teclado e escaleta, Guizado no trompete. Aproveito mais ainda e cito Ricardo Moranez da luz e Duda Vieira da produ-

Pintura de Karina Buhr


gosto de fazer.

Confluência entre elas existe o tempo inteiro. Considero partes de uma mesma coisa. Se eu separar fico com elas meio capengas. Acho que uma precisa da outra. Acontece também de eu encher o saco de uma linguagem e passar o tempo só em outra, depois volto pra ela. Rolam uns surtos de desenhar, de fazer músicas, de escrever. Isso foi uma coisa muito importante que me manteve tanto tempo, ininterruptamente, no Teatro Oficina. Lá eu tinha que atuar, cantar, falar textos, fazer músicas, dançar, assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. Era cansativo e inspirador. Gostava demais! Me esforço sempre pra não voltar pra lá de vez, senão vou ter que parar com os outros trabalhos.

Entrevista feita por Júlio Rennó e Amélie Marie. Fotografias modificadas por Cécile Duchamp. Publicado orginalmente em Outros Críticos.

Alessandra Fratus


IMPRENSA “Uma música que se move por lugares plurais. Ela é o próprio movimento.” Alberto Infante, Diário Austral. “Não perguntem mais se ela é urbana! Estes artistas...” Barbara Woolfer, Revista de Cinema. “Não há mesmo porque mudar suas letras: sarcástica e feminina!” Clarice Flor, Suplemento Palavra. “Fiquei com pena de mexer nas fotos... Perfeitas as fotos de Alessandra Fratus...” Cécile Duchamp. “Ela é hiperativa e com pernas fotogênicas. Eu amo. Num show ela pisou com suas botas em minha mão. Guardo as marcas até hoje. Foi lindo!” Anônimo, Fã Clube. “Discordo de Clarice. As letras só sobrevivem nas músicas.” Poeta Anônimo, Clube de Literatura dos Corações Solitários do Sargento Carrero.

INDICAÇÕES POR KARINA BUHR Um ritmo que sempre mexe o seu corpo: Um samba de roda do lento, do antigo e do bom! Um verso ousado: “Quem se importa se na festa de natal Eu tive um ciúme, uma Brad Pitt Eu quero ser sua praia, seu gol Seu Sport Clube do Recife!”

Um livro que vive bem nas estradas: Eu leio muito pouco. Acho que minha cota foi na pré adolescência, na ciranda de livros da escola, que eu tirava primeiro lugar... Queria ler mais. Gosto muito mas sofro de desconcentração. O último que li e gostei muito foi “Persépolis”, de Marjane Satrapi. Incrível! Mas não posso deixar de citar “Nas peles da Cebola”, de Günter Grass. POR OUTROS CRÍTICOS Um livro trágico-irônico pra quem sofre de desconcentração: O triste fim do menino ostra e outras histórias, de Tim Burton.


TIÊ TIÊ

Tiê passou ligeira por Recife, no Festival no Ar Coquetel Molotov do ano passado, essa nossa conversa foi feita com ela e Thiago Pethit, aqui vocês curtem a parte feita por Amélie Marie.

Pq?: No clipe de Essa canção francesa, de Thiago Pethit, aparece você lendo o livro de Julio Cortázar, Rayuela. Como a literatura sempre está muito presente na música; que importância tem a literatura para o seu trabalho? Você acredita que pode haver poesia em uma canção? Um músico (compositor) pode escrever como um poeta? Tiê: A importância da literatura é total. Muitas vezes até cito o livro que estou lendo quando componho uma música. Enquanto à poesia, é claro que ela pode estar dentro de uma canção. Não necessariamente, mas, às vezes, acontece sim. Vários compositores são poetas, acho que depende do estilo de com-

posição.

Pq?: Como surgiu sua amizade musical com Thiago Pethit? Tiê: Começamos a trabalhar juntos num antigo projeto meu, Cabaret de duar Tsu e Tiê bireaux. Thiago Pethit ainda dirigia e atuava. Aí, num ensaio, quando ele estava cantarolando minhas músicas percebi que ele era afinadíssimo e o incentivei a começar a cantar. E aqui está ele arrasando!!! É também um dos poucos músicos que consigo compartilhar minhas letras, que são muito, muito pessoais. Talvez ele seja minha versão masculina. Pq?: A faixa Passarinho passa uma delicadeza e doçura, algo como contar uma pequena história para uma criança. Como surgiu a composição da letra dessa música? E como surgiu a própria música? Você já pensou em escrever um livro infantil com


pequenas estórias doces como Passarinho? Tiê: Em Passarinho surgiu musica e letra de uma vez só. Fui pensando na infância e no meu nome, aí saiu. Depois que ela estava pronta eu cantava sem parar e foi aí que caiu a ficha!! O começo da melodia, da parte sem letra, eu tinha feito com o Dudu há muito tempo atrás, que ficou armazenada na minha cabeça. Por isso que é uma parceria nossa. E sobre o livro infantil, sim. Tenho vontade de fazer um disco só pra crianças!! Pq?: Há um texto sobre você no myspace que menciona: “O talento (de Tiê) chamou a atenção de Toquinho, que a convidou para ingressar em sua banda. Tiê rodou o Brasil e o mundo com o músico e acumulou experiência”. Que experiências, além da musical, você adquiriu na banda de Toquinho? Que importância essa fase teve para a sua vida e para a sua carreira?

Tiê: Ficar na estrada ensina muito. Você toca em vários lugares diferentes. Lida com públicos, casas, microfones e vai aprendendo com isso. Foi meu “curso profissionalizante”. Pq?: No site Vitroleiros há uma matéria falando sobre você, em que diz num excerto: “Ou seja, Tiê, cantora paulistana, não é uma mera aposta, mas uma já ganha”. Além de citar o elogio de Caetano feito a você: “Coisa mais linda mesmo é Tiê. Passarinho no Youtube é uma janela para o céu. Ela é apaixonante. (...)”. Qual a sensação que você tem ao receber elogios sobre o seu trabalho? Independente de pessoas famosas ou desconhecidas. O que significa para um artista ter o seu trabalho reconhecido?

Tiê: É maravilhoso receber elogios sobre o meu trabalho. Acho que é quase tudo!! Claro que é importante também ouvir quem não

goste, e as suas opiniões. Mas quando entendem o que você quis fazer é maravilhoso.

Pq?: O seu disco, Sweet Jardim, representa uma fase de composições próprias. Você sente alguma receptividade diferente de quando você era intérprete? Quais as diferenças perceptíveis em cantar palavras que são suas e em interpretar canções de outras pessoas Tiê: Total. Começando pelo meu próprio sentimento. Era muito insegura quando só interpretava. Aí, comecei a compor e tudo mudou. Cantar minhas próprias palavras - pra mim - é muito mais fácil e sincero. Acho inclusive que canto melhor quando a composição é minha.

Entrevista feita por Amélie Marie. Fotografias modificadas por Cécile Duchamp. Publicada originalmente em Outros Críticos.


IMPRENSA “Poetas das circunstâncias. Escrevem e cantam o que está às mãos. Nada mais que isso.” Alberto Infante, Diário Austral. “Não responderam a pergunta sobre a simbologia dos pássaros...” Albert Chevalier, Le monde Decadence. “Eles resgatam um tipo de inocência e estética que parece estar fora de moda. É o que eles são: artistas fora de moda. Por isso grandes.” Clarice Flor, Suplemento Palavra. “Estão chamando pethit de beirut brasileiro. E tiê? Vão chamar de quê? Cat Power!!! Grita alguém da sala de imprensa” Marcel Ginsber-war, News Days Poems. “Adoro t & t juntos, ainda mais cantando.” Anônimo, Fã Clube. “Estou curioso... só isso.” Poeta Anônimo, Clube de Literatura dos Corações Solitários do Sargento Carrero.

INDICAÇÕES POR TIÊ: Uma doce canção com violão e piano: No violão, qualquer uma do Leonard Cohen; no piano, algumas do Tom Waits. Um livro para ser lido na língua original: La rayuela (O jogo da amarelinha, de Cortázar.) Uma canção perdida no tempo: Cantar. POR OUTROS CRÍTICOS: Uma grande música e uma grande intérprete: La Foule, por Angelique Kidjo.


Juliana R

Juliana R. tem algumas canções em seu myspace, segue trilhando como muitos outros, trabalhando quieta e propagando pouco a pouco as suas canções. Vive em São Paulo. Vive entre versos e sonhos. A música vive numa área agressiva. Ela quer sobreviver a isso. Nós também. Eis as palavras...

Pq?: Quando ouvimos uma música podemos notar explicitamente ou não a influência de outra canção ou artista; na maioria dos casos essa influência vem de artistas que já possuem uma carreira e uma personalidade musical já definida. Há no seu trabalho influência de pessoas desconhecidas? Juliana R.: Com certeza! Muitas pessoas me influenciam através de ideias, visões e opiniões. Gosto muito de conversar sobre música e sobre tudo o que a envolve e isso consequentemente acaba se refletindo não só nas

Tay Nascimento

minhas canções, mas em tudo o que eu faço. Às vezes entro em crise e acabo desanimando com esse negócio de fazer música e é aí que essas pessoas desconhecidas aparecem e renovam a minha vontade, o meu olhar. Pq?: Você vai participar (no mês de julho) de um evento chamado Les Provocateurs, no qual haverá interpretações de artistas franceses, como Françoise Hardy e Serge Gainsbourg; além disso, você também compõe em espanhol e inglês. Nota-se que alguns artistas vêm aderindo a essa “tríplice aliança”. Para você, qual a importância da língua estrangeira em suas músicas? É realmente um outro modo de dizer o que você sente? Há sentimentos que só se revelam em outras línguas? Juliana R.: Gosto de ir descobrindo a música aos poucos. Por exemplo, não entendo muito francês, e quando descobri a Françoise Hardy,


a France Gall, o Gainsbourg, a primeira coisa que eu fiz foi buscar as letras... Fui atrás de tradução, prestava atenção em como eles pronunciavam as palavras, como soavam. Aí dá vontade de escrever algo nessa língua, porque é nisso que estou envolvida no momento. Assim como quando eu comecei a ouvir bastante Erasmo Carlos e comecei a escrever mais coisas em português. Não é muito consciente, como se eu parasse e falasse “agora vou escrever uma música em alemão”. Depende do que ouço, leio, pesquiso. Na época em que escrevi El Hueco, estava lendo um livro em espanhol e ouvindo Juana Molina, achava o idioma bonito e acabei criando as estrofes. Não sei se alguns sentimentos só se revelam em outras línguas, mas acredito que quando ela muda, te toca de uma forma diferente. Além disso, a sonoridade muda também e a forma de organizar as palavras é outra.

de sentimento diferente na produção de seu trabalho? Essas canções poderiam ter nascido de qualquer cidade em que você estivesse? A nossa pergunta se guia muito pela ideia de que muitos artistas desejam estar em São Paulo apenas por a cidade ser central para a divulgação da música, mas esquecem que também a cidade em que se vive sai inequivocamente expressa nas letras e ideias das canções dos artistas que ali habitem.

ba às vezes e geralmente finalizo minhas músicas lá. Posso gravar minhas ideias no meu quarto tranquilamente e deixá-las repousar pra depois ver o que é válido. Longe do lugar que você habita dá pra refletir melhor, olhar de longe, de fora.

quatro músicas foram meu ponto de partida. Acho normal surgirem rótulos e não ligo pra eles, acredito que eu não preciso ficar dizendo que são isso ou aquilo. Na verdade, nem eu sei definir, é mais fácil pra quem ouve, e não acho que é preciso uma definição também, é simplesmente música autoral. Não penso em fazer um disco de samba, ou um disco de rock, um disco de reggae... Queria fazer um disco em que as diversas influências se encontrassem, conversassem. Acredito que os estilos musicais tendem a se modificar cada vez mais. Isso que é o legal da música: a mudança, a surpresa.

Pq?: Viver em São Paulo traz algum tipo

Pq?: A canção El Hueco abre o seu myspace; essa música joga para longe a ideia de “cantora folk” que a fácil imprensa quer pôr aos novos artistas, sobretudo nos enquadrados como independentes. O que você pensa sobre os rótulos? Há nesse mundo de música tão diversificada, e que numa canção mil cidades e estilos abarcam, espaço para rótulos que especifiquem os artistas? Abrir com El Hueco surge com alguma ideia conceitual ou é apenas uma simples escolha? Juliana R.: Não há nenhuma ideia conceitual em abrir com El Hueco, coloquei porque era a que eu mais gostava no momento. Essas

Juliana R.: Acho que não poderiam ter nascido de qualquer cidade em que eu estivesse, pois se eu vivesse numa outra cidade, minha vida seria diferente e quando escrevo, querendo ou não, parte da minha vivência está ali. As músicas seriam outras. Vim pra São Paulo porque sou muito agitada e queria mudar minha rotina, conhecer pessoas com as quais eu tivesse afinidade musical, que tivessem a mesma vontade que eu, mas volto pra Soroca-

Pq?: Uma das conquistas primordiais para quem é músico é ver as suas canções gravadas de modo que representem uma linguagem própria, ou seja, o artista vê naquele grupo de canções um recorte de algo que ele representa ou do que quer comunicar aos outros. Que esforços e luta você teve


para conseguir registrar estas canções? Juliana R.: Diversos! Larguei a faculdade, procurei estudar coisas que eu queria, mudei de cidade e tive empregos que não gostava. Tudo isso foi pra começar, acho que os esforços nunca param e não dá pra relaxar, senão tudo desanda. Fazer com que tuas coisas se realizem depende principalmente de você. O que eu ainda não descobri é como eu vou conseguir viver disso. Pq?: Entre criar uma música e pô-la num disco ou palco, muitos dias se passam... O que você está construindo no momento em que escreve as suas palavras agora? Que canções, que letras, que ideais? Novo grupo de canções no ar?

Juliana R.: É engraçado que quando canto músicas que escrevi há um ano, elas já não fazem mais tanto sentido pra mim e eu tenho

uma sensação de atraso. Ao mesmo tempo, acho que descrevem uma trajetória e revelam um momento que existiu. Acho que agora eu comecei a tomar um certo cuidado com isso, de ficar propagando algo que eu talvez não queira que fique soando por tanto tempo. Ainda não tenho nada pronto, mas rabiscos e acordes soltos têm sempre um monte.

Entrevista feita por Júlio Rennó e Amélie Marie Fotografias modificadas por Cécile Duchamp. Publicado orginalmente em Outros Críticos.

Tay Nascimento


IMPRENSA “Uma música tão pequena pode mover as pedras inócuas de nossas cabeças, ocupar o oco, o oco” Alberto Infante, Diário Austral. “Eu não percebo grandes metáforas e jogos linguísticos em suas canções. Meu editor disse que as compositoras de MPB fazem isso” Barbara Woolfer, Revista de Cinema. “São Paulo é um grande pedaço de terra de ninguém. Vamos para lá, depois do Pará. Lá tem musicá.” Albert Chevalier, Le monde Decadence. “Ela canta pedaços de sonhos, o contrabaixo ao seu lado parece parceiro, parceiro de dança, ela cantando parece dança.” Clarice Flor, Suplemento Palavra. “je t’aime!” Anônimo, Fã Clube. “São Paulo parece Recife. Daqui muito é sempre pouco. De lá tudo que ressoa é...” Poeta Anônimo, Clube de Literatura dos Corações Solitários do Sargento Carrero.

INDICAÇÕES POR JULIANA R Um poeta latino-americano: Mulher vale? Orides Fontela

Um cinema roçando a provocação: Uivos para Sade, Guy Debord

Uma voz que lhe toca o oco da alma: Pensei em milhares, mas fica Karen Dalton e Lou Reed POR OUTROS CRÍTICOS Um filme com o violão nas mãos: A skin too few: The days of Nick Drake (2000)

AXIOMA (ORIDES FONTELA) Sempre é melhor saber que não saber Sempre é melhor sofrer que não sofrer Sempre é melhor desfazer que tecer


D Mingus Retrato da geração, menos rótulos, mais invenção. Possibilidades de música pop, essa que merece cada vez mais música, e não essa complacência com os gritos histéricos dessa gente de cabelo e música tingida. Tenho dito. por Albert Chevalier. Bárbara Eugênia A companhia de músicos inserida no álbum assustou a minha audição. Respirei. Aos poucos, bem aos poucos. Vi que se tratava de um disco de compositora. Inda bem. Acho que tempos aqui dois eps, e um ou outro belo single. Melhor que fosse lançado aos poucos. Críticos são preguiçosos, menina. por Barbara Woolfer. Dead Lover’s Twisted Heart O maior problema das bandas brasileiras é terem que ser bandas brasileiras. O maior problema das bandas brasileiras é achar que não são bandas brasileiras. Esses meninos caipiras chiques são mineiros e franceses, caubóis e beats. Sua música, nesse disco, vai além e aquém dos tortuosos narizes da crítica embriagada. por Marcel Ginsber-war. Mombojó Não gostei do disco. Não gostei hoje do disco. Gosto muito do primeiro álbum. Vi os primeiros shows, os segundos, os terceiros. Defendi a banda em todas as rodas de duas ou três pessoas: o público de música em minha cidade. A banda – e as melhores delas – busca recriar a sua música a cada disco, canção e show; mas essa nova construção não me soou inquieta, provocativa, poucas palavras me puxaram pelos braços, poucas. Somente uma música de passagem nessa minha passagem. Talvez amanhã. por Alberto Infante. Thiago Pethit Teatro de todas as horas, assim imagino as vozes que ele entoa. Cada canção como cada canção. Tudo fundido e claro. Uma mistura de referências que não causam estresse aos olhos. Dois ou três clássicos. Conceitual demais, me diz desaforado um jornalista mal amado. Eu rio e fujo. por Júlio Rennó.


Zeca Viana Todos os dias quando acordo há uma música de Zeca em algum lugar. Inédita, estranha, provocativa e desordenada de cena. Não pertence aos olhos da cena. Que é cena?, pergunta mais ou menos intranquilo um músico ao lado, com o seu violão. por Clarice Flor. A banda de Joseph Tourton Música instrumental é para ser ouvida em shows. Vê-los no palco é outra coisa. Maior que disco. Ouvirei pouco essas canções. Aos shows, Tourtons, aos shows.

por Amélie Marie. Apanhador só Só faltava um grande disco a eles. Um que fosse prova de que o país é pluralidade mesmo nas regiões com maior força das tradições. Tradição não é sinônimo de quietude. Ai, se os outros ouvissem. por Albert Chevalier. Vitor Ramil Uma surpresa (ver tanta pretensão de fora – dos que analisam discos por encartes.) esse álbum de poemas e poemas, milongas e otras cosas. Uma surpresa, a mim não, já que me acostumei a escrever sobre discos depois de ouvi-los. Os encartes? Todos na estante, colecionando suas camadas de poeira e cinza. O mundo é virtual. por Marcel Ginsber-war. Do amor Música de brincadeira. Assim que vejo, melhor pra dançar. Assim como o axé deve ser para a plateia, ou o pagode, música de balanço dos corpos. O rock veste a aura de grande música, não quer se vestir de deboche. Desprezam. Eles não, amar a música que quer ser somente divertimento não deveria ser pecado. por Clarice Flor.


Pato Fu Não vi o show teatro brincadeira deles. Vi alguns vídeos. Gostei mais deles do que do disco. Um DVD bastava.

por Albert Chevalier. Jair Naves Imperfeito é a melhor crítica que eu poderia fazer a esse disco. Provocador, sincero, poético. Se fosse artista, gostaria de fazer algo assim. Falam dois entre três amigos meus. Todos empunhando violões violentos. Eu digo, ouçam esse cara e façam um pouco de silêncio, por favor. por Júlio Rennó. Karina Buhr Para mim, um dos grandes discos desse ano, e ainda bem que ela está em São Paulo, pois isso certamente ajudará o disco a ser O disco.

por Clarice Flor. Wallace Costa Grandes canções embaladas em pequenas pérolas-arranjos. Uma lição aos desavisados violeiros, folks fakes. É pena a barriga do mercado estar sempre cheia de mediocridades que se admiram. É pena. por Albert Chevalier. Rosie and Me Assim, perfeito, poucas canções, descompromisso, honestidade, música que diz música. Sem pretensão. Hoje, amanhã, não se quererá falar em música para grandes plateias. Estamos virando poetas. Estamos. por Poeta Anônimo.


LULINA “eis uma artista lúcida!” Faço minhas as palavras de Clarice Flor, que passou dias atrás a divulgar sem muita repercussão a sua coletânea de poetas recifenses. Bem, deve ser porque são somente 13 pessoas que acompanham o blog, como são 13 os fãs que Lulina almeja, mas a música não costuma receber bem as coisas estranhas. E menos obscuro e estranho é a pergunta que vive a acossar os meus sentidos: “o que não é estranho, meu rapaz?!”

várias pessoas desconhecidas... Essa é a ideia chave do disco que você vem fazendo, e que todo o dia 13 recebe as composições dos outros... O resultado das canções está sendo satisfatório? Você não corre o risco de ter um amontoado de frases que talvez signifiquem muito quando chegam às suas mãos, mas a partir do momento em que você as une numa música elas percam o seu sentido?

Eu bem que gostaria de esperar o dia 13 para publicar essa conversa, mas sou ansioso, por isso deixo-a agora, e dia 13 irei nos coments deixar meus versos que não servem nem para enfeitar jornais, os jornais só servem pra matar barata, cobrir peixe e embrulhar ovos. Mas para que servem os blogs? Mas deixando as divagações heterônimas para lá, eis a conversa de muitas palavras com a cantautora Lulina.

Lulina: Sim, corro completamente esse risco, principalmente considerando que compor é um processo extremamente subjetivo e o que faz sentido para mim talvez não faça para você. Mas o risco de ficar bom (ao menos no meu julgamento do que é bom) é maior porque já tem o mérito de fugir do comum, de letras com refrões que se repetem e temas tratados de forma clichê. Se formos julgar do ponto de vista de uma música tradicional, esse projeto não vai agradar muita gente. Mas, se conside-

Pq?: Uma canção composta por frases de


rarmos que a canção vai além da colagem de frases, que o objetivo é unir pedaços de dias de pessoas em melodias, aí a coisa fica do jeito que eu pretendia que fosse: leve, despretensiosa e divertida. Eu não junto frases, eu leio todas e busco algum tema/sentido que as una (deixando de fora as que não se encaixam muito bem na temática predominante na música). Mudo as frases também, às vezes usando palavras completamente diferentes, mas para dizer a mesma coisa. A primeira música do projeto ficou a mais “bagunçada” nesse sentido da colagem, pois a divisão da parte I (frases de pensamentos) e da parte II (frases de atitudes) não ficou tão clara para os outros. Então, a partir da segunda, usei menos frases e temáticas mais claras, mais simples, para que ficasse mais fácil de ser digerida. Mas como a maioria dos projetos que invento, o objetivo na verdade não é agradar com o resultado: é se divertir com o fazer. Nesse projeto, consegui compor até com meu avô,

que mora em Recife e que eu não encontro há muito tempo. Então, ao menos para mim, tem sido muito bom transformar em música o dia dos outros. As pessoas que estão participando, por enquanto, me dizem que estão gostando também.

que aquilo ali nunca ia sair do meu círculo de amigos. A “decisão” de gravar com ruído, na verdade, não foi uma decisão. Era a única forma de fazer, nos tempos que comecei a gravar, cerca de 9 anos atrás. Eu morava em Olinda, tinha apenas um PC, um programa tosquinho de gravações e um microfone de computador. A medida que fui evoluindo, fui melhorando as gravações caseiras. Desde que comecei a gravar com Monstro (amigo meu de Recife, que também mora aqui em São Paulo), os discos mudaram bastante. Não conseguimos tirar todo o ruído (ainda dava para ouvir barulhos da rua e chiados do microfone tosco), mas já melhorou muito, considerando que não somos ricos para montar um esquema profissa de gravação em casa. Nosso último disco caseiro, um álbum duplo lançado no final do ano passado (Aceitação do 14/ Aos 28 anos dei reset na minha vida), muitos amigos dizem que a gravação está quase profissa (os ruídos quase se foram totalmente). A grava-

ção muda de acordo com as condições que temos, é tudo um registro verdadeiro da nossa realidade. Se tivermos condições de fazer melhor, vamos fazer.

Pq?: As gravações caseiras de outrora dizem muito do estilo e do seu modo de compor e criar? A decisão de produzir música “com ruído” é realmente uma marca de estilo ou simples circunstância?

Lulina: As gravações caseiras realmente dizem muito do meu estilo de compor e criar: são extremamente despretensiosas (tanto que os primeiros discos chegam a ser toscos, de tanto ruído que contém). Isso porque eu nunca estudei música e nunca esperei ter sucesso ou viver disso, então nunca investi de verdade nisso. Tudo o que fiz com música até agora foi intuitivo e muito pessoal, achava

Pq?: O novo disco se chamará Cristalina. Partindo de sua trajetória, entendemos o título como uma nova forma de gravar, com o que costumam dizer: “um disco gravado a sério”. Os seus discos barulhentos & ruidosos não foram gravados a sério? O que você pensa dessa expressão, e se há sentido em usá-la, no seu caso.

Lulina: É, realmente os discos que gravei em casa não foram gravados a sério, se considerarmos que ser sério é apresentar um disco para o público, para ser lançado e vendido. Eu nunca vendi nenhum disco caseiro, sempre copiei para os amigos ou para qualquer um que quisesse ouvir (cobrando às vezes só o custo dos cd-rs). São registros muito pessoais


(tem disco gravado “ao vivo”, em bebedeiras na casa de amigos, tem disco gravado sozinha no meu quarto, numa puta deprê depois que minha vó faleceu). Eu não pretendia lançar isso de verdade, mas a medida que pessoas do meio musical foram conhecendo e elogiando as músicas, comecei a tomar coragem de me organizar musicalmente (tentando fazer gravações melhores, começando a disponibilizar discos inteiros na internet - coisa que só estou fazendo mesmo de uns meses pra cá, cerca de 9 anos depois das primeiras gravações). O Cristalina é meu primeiro disco de estúdio, que para mim tem um significado maior, pois mostra que tem mais gente, além dos meus amigos, que vê alguma importância nas coisas que eu canto. É um disco mais levado a sério, porque envolve uma gravadora, um investimento deles nisso (tanto de tempo, quanto de grana) e vai ser vendido, promovido e oficialmente lançado. Antes mesmo do lançamento, uma música dele já entrou em um seriado da com baratas, ETs e bebidas exóticas), as pessoas acham estranho (até meus amigos mais próximos às vezes acham, tanto que criaram o termo Lulilândia para definir minha cabeça). A Lulilândia não é um mundo fechado, de piadas internas, como às vezes parece. Pelo contrário, o termo foi criado por pessoas que começaram a fazer parte da minha vida depois até dos meus primeiros discos caseiros. Eu, sinceramente, nunca achei que ninguém além dos meus amigos fosse se interessar pelas coisas que componho, por serem muito particulares, um misto de desabafo sentimental com desabafo irônico, em melodias muito simples. Gosto de fazer piada da desgraça, ao mesmo tempo que sinto necessidade de botar pra fora sentimentos não digeridos direito. Foi uma surpresa descobrir que mais gente se identificava com o que eu cantava, logo que comecei a disponibilizar uma música ou outra na internet, quando me mudei para São Paulo e formei uma banda aqui. E as músicas

HBO, por exemplo. É um produto mais bem acabado, produzido num estúdio de primeira, na Yb, por profissionais que eu admiro muito (e que também se tornaram grandes amigos ao longo desses anos). Estou muito feliz com o resultado e com essa primeira oportunidade de mostrar minhas músicas para um público maior (que não teria nem ouvidos e nem paciência para discos com chiados). Pq?: Suas canções parecem nascer de um mundo totalmente estranho e seu. Você sente, principalmente em suas letras, que a plateia compartilha de suas ideias? Há muita piada interna, private joke, ou seja, letras que só você e seu grupo entendem? Como arrastar a plateia para o seu mundo, para a Lulilândia? Lulina: A maior parte das coisas que escrevo e canto não são piadas internas, na verdade. É que, como uso muita metáfora (especialmente


que tinham piadas internas (as que tiravam sarro de algum amigo, ou de alguma situação constrangedora que já vivi), também foram absorvidas e de alguma forma entendidas pelas pessoas. Sei que tem muita coisa que complica o entendimento das minhas músicas: o Cristalina resolve uma delas, que é a parte sonora, que agora está “limpa” e com arranjos e mixagens que dificilmente teríamos condições de fazer em casa. A outra parte, que é a temática das músicas, aí é algo que não posso ajustar, pois são o que eu realmente sou. Fico feliz quando as pessoas gostam, mas não fico triste se elas não gostam. Respeito e entendo. A minha vó, por exemplo, gostava de um grupo musical que eu achava tosco. Eu falava “pô, vó, como é que tu gosta disso? é muito ruim!”, mas ela falava dessa banda com um brilho nos olhos e uma felicidade, que eu comecei a dar graças a Deus que aquele grupo existia. Ou seja, se uma música toca alguém de alguma forma, já vale a existência. Se esse disco esses trabalhos com arte. Adoro escrever, lancei um livrinho em formato de lixeira no ano passado (justamente para fugir das críticas, caso alguém dissesse que o livro era um lixo), adoraria também me aventurar pela literatura um dia. Mas, por enquanto, prefiro encarar a arte como essa coisa caótica que você falou: imprecisa, como uma canção que surge enquanto pego o ônibus, mas que não tem nenhuma obrigação de existir.

Entrevista feita por Júlio Rennó. Fotografias modificadas por Cécile Duchamp. Publicado originalmente em Outros Críticos.

agradar a mais umas 13 pessoas, já estou satisfeita.

Pq?: Houve algum acontecimento chave que fez você decidir em trabalhar com música? É uma decisão já tomada? Ou a arte é muito caótica e imprecisa para crermos ser parte realmente dela? Lulina: Eu adoraria trabalhar com música, mas minha profissão mesmo é redatora. Trabalho todos os dias numa agência de publicidade e não tomei nenhuma decisão de levar a música mais a sério, a coisa foi simplesmente fluindo. E tô deixando rolar, se isso me levar para algum outro lugar, lá vou eu. Ainda me sinto meio insegura, porque não tenho formação musical (sou auto-didata com revistinhas de violão), mas como mais e mais pessoas têm me chamado para colocar letras aqui e compor uma musiquinha ali, eu tenho me soltado mais e sonhado mais em desenvolver Dani Hasse


IMPRENSA "Sabe aquela palavra que escapa enquanto sonhamos? Pronto, vira tema para as canções dela" Alberto Infante, Diário Austral "Ela deve ser uma excelente redatora, vide o seu texto. Ela é só uma redatora" Barbara Woolfer, Revista de Cinema "Que diabos está acontecendo com a música? Ah, Françoise..." Albert Chevalier, Le monde Decadence "Eis uma artista lúcida! São das metáforas simples que nascem as canções imprecisas gostosas" Clarice Flor, Suplemento Palavra "Uma menina de ouro." Anônimo, Fã Clube da Terceira Idade "Ela precisa escrever mais, mais prosa, menos canção, vem participar da oficina de literatura..." Poeta Anônimo, Clube de Literatura dos Corações Solitários do Sargento Carrero

INDICAÇÕES POR LULINA Uma letra supersticiosa: O que me veio a cabeça primeiro foi um disco inteiro: Tim Maia Racional.

Um filme para ver em VHS: Asas do desejo (que eu vi em vhs em Recife e achava até um dia desses que o filme era todo em tom verde - porque a fita tava com defeito e eu não sabia). Um bar para apresentações silenciosas, sem burburinho que atrapalhe a canção: Se juntou mais de 50 pessoas em um lugar, já vira burburinho, né? A solução é um lugar pequeno. Minha recomendação é a Casa do Mancha, que agora infelizmente está em reforma, mas que até uns meses atrás conseguia reunir uma boa quantidade de gente, que ficava atenta e silenciosa na hora dos shows. POR OUTROS CRÍTICOS Uma história trágica: Kiwi (Animação)


Catarina

Catarina Dee Jah, ou melhor, Catarina. É artista plástica, DJ e, entre suecos e Mallus, há pouco tempo se apresentou no Festival Coquetel Molotov, rendendo elogios e críticas na imprensa musical, pela sua ousadia em levar ao palco as guitarras do brega, o batuque do samba, as batidas das pickups e tudo o mais que se pode acrescentar à sua artevolúpia. Além de tudo isso, está sendo a minha primeira entrevistada (Amélie Marie).

Pq?: O brega é um gênero musical que sempre sofreu bastante preconceito, porém nunca deixou de existir. Com isso, foram surgindo suas “variações”, que hoje são totalmente adversas à sua origem (ou suas origens), que ainda sofre mais discriminação pela sua ideologia (ou sua pobre ideologia). Catarina, o fato de você apreciar o brega fez com que você sofresse (ou sofra) muito preconceito nas suas apresentações como DJ, e agora cantora? Caso sim, qual o principal motivo dessa discriminação?

Catarina: Acho que o brega é música, visceral, inventiva e original. Só que é mais tosco na linguagem. O reggae roots também. Acho bobagem essa segmentação preconceituosa de classe social na música. Brega é minha MPB. Sempre gostei de brega e quando comecei a discotecar rolava um choque cultural, que sempre me divertiu. Acho que ajudei a quebrar esse preconceito. Chato é ver virar modinha de verão... consumida e cuspida rapidamente pela classe média. Para mim arte tem que ser irrelevante a tempo e classe. Odeio a apropriação pejorativa e folclórica em relação ao brega e cultura popular. Maracatus-condomínio, bandas engraçadinhas com roupas engraçadinhas... uma meleca. Pq?: Embora a música esteja muito ligada tanto a quem é DJ, quanto a quem é cantora, ambas as profissões fazem uso dela de maneira distinta. Para você, quais as peculiaridades que existem nessas duas carreiras?


Catarina: No meu caso comecei pesquisando muito. Inicialmente nos sebos e agora também na internet. Isso me deu um suporte referencial que me transformou no que sou. Hoje sampleio meus discos para fazer as bases e cantar. Uma coisa alimenta a outra. Pq?: Em relação a fazer música e a fazer letra de música, com qual dessas você mais se identifica? Ou melhor, com qual dessas você faz com mais esmero e sente menos dificuldade ao elaborar? O que você procura passar para as pessoas quando produz uma música (ou uma canção)?

Catarina: Não sou técnica, sou bem intuitiva, gosto muito de participar de todo o processo criativo. Faço música para me sentir melhor comigo e com o universo, expurgar o que me entristece ou faz mal guardar. Quando vira canção me deixa feliz e leve. A voz é o espelho da alma.

Pq?: Até que ponto as artes plásticas influenciam nas suas músicas? Alguma obra que você fez acabou influenciando em alguma música ou vice-versa? Catarina: Sou artista, aplico essa sensibilidade em tudo o que faço, agora faço música e canto, me dei esse direito e estou feliz. Lisa mas feliz. Passei um tempo pesquisando Matisse e pintei muito inspirada nas cores e histórias de lugares onde passou. Acabei escrevendo uma música sobre uma cigana linda e malvada. Bandida e cheia de charme. Pq?: Antes de Catarina, você era Catarina Dee Jah. Percebe-se que a letra inicial de “Dee” e de “Jah” formam a sigla DJ, ou seja, Catarina DJ. Além dessa ambigüidade, nota-se uma comparação a uma expressão típica do reggae “na paz de jah”. Essa escolha inicial que você fez no nome foi apenas alguma brincadeira, algum tipo de crítica ou homenagem que você quis

fazer? Catarina: Acho que é reflexo da semelhança entre o brega e o reggae, esse charme desleixado. Fiquei com medo de que meu trabalho musical ficasse pré-conceituado como reggae, daí pensei, Catarina são todas em uma. Mas isso não se muda tão racionalmente... É uma coisa besta, porém importante. Ainda não resolvi...

Entrevista feita por Amélie Marie. Fotografias modificadas por Cécile Duchamp. Publicado originalmente em Outros Críticos.

Paulo do Amparo e Justino Passos


IMPRENSA “É porque eles não entendem o deboche, são sisudos e moralistas, mas a arte não é moralista, é livre, é vida” Alberto Infante, Diário Austral. “Eu não percebo mensagens sutis em suas músicas. Meu editor disse que músicas têm que ter mensagens sutis” Barbara Woolfer, Revista de Cinema. “O brega não é somente tosco, é uma das coisas mais vis que já tive o desprazer de ouvir” Albert Chevalier, Le monde Decadence. “As letras são sensuais à la Florbela Espanca e as cantigas de amigo da época do trovadorismo” Clarice Flor, Suplemento Palavra. “Ela toca-me dentro, profundo... Suas músicas, claro!” Anônimo, Fã Clube. “Não dá, não dá... Aonde está a poesia? Chico, cadê você?! O Buarque, é claro...” Poeta Anônimo, Clube de Literatura dos Corações Solitários do Sargento Carrero.

INDICAÇÕES POR CATARINA Uma obra-de-arte que não pode deixar de ser contemplada: As odaliscas de Henri Matisse e os vitrais de Marianne Perreti. Um estilo musical que não deveria existir: Todos os subprodutos que a industria músical repete em vários países, emos e toda essa desgraça.

Uma frase para não ser esquecida: “Não adianta para onde for, você lhe acompanha.” Catarina POR OUTROS CRÍTICOS Uma cantora francesa-60: Françoise Hardy

Pintura de Heri Matisse


Dolorez

The Amazing Broken Man

Matheus Mota

Dead Lover’s Twisted Heart

OUÇAM pq? Publicado originalmente na seção Ouçam por Outros Críticos. Imagens linkadas para as canções em streaming.

Mr. Spaceman & Julia Debasse

François & The Atlas Mountains

Dick Annegarn

Zé Manoel

Bill Callahan

Franny Glass

Anna Rose


BLOGS

tomzé do primeiro, o resto é silêncio.

um blog serve para caber coisas curtas, poemas

P.S. Clarice Flor, nossa colaboradora nos comen-

podem ser curtos ou longos, músicas duram o

acabou de perder o seu emprego no Suplemen-

são curtos mas não cabem num blog, contos

tempo que duram, nem mais, nem menos. perfis geralmente são longos, artigos também, mas eu só gostaria de poder escrever (sempre que

possível) em papéis. fellini é a banda que eu gostaria de ser. às vezes dá vontade de explodir. a quem interessa curtezas e explosões?

a segunda volta será mais longa que a primei-

ra volta, o segundo bloco será mais curto que o primeiro bloco, o segundo parágrafo serve para

desdizer o primeiro parágrafo, serve para ser

tários críticos que compõem as entrevistas, to Palavra, ela ainda tinha uma certa esperança

de que mantivessem o site do Suplemento, mas não. O diretor disse que os blogs estão acaban-

do com o jornalismo cultural, pois são escritos

por crianças que pesquisam por prazer, ouvem, leem, conversam, discutem, criticam, provocam

e debocham por simples prazer; já eles, e elas, as pessoas sérias dos jornais, estão trabalhando dia-a-dia sem prazer, só trabalho. É ingênuo,

eu sei. Mas essas foram as palavras de Clarice que tento transcrever mais ou menos aqui. Ela

ouvia Fellini, lia Hamlet e passeava por uma

– monotemáticas, já que os discursos estão por

uma tradução dessa sensação.

esse pós-hoje.

porção de blogs ininteligíveis. O texto acima é BOM DIA, PRINCESA! Bom dia, princesa! diz mais ou menos entusiasmado o personagem de “a vida é bela.” Esse é

o meu sentimento por agora. Aqui reestreio as

minhas palavras sobre música, já que devem saber (os três ou quatro de sempre) que a Su-

todos os lados, inda mais agora, inda mais hoje, Sempre curtas, sempre cheias de entrelinhas, sempre a linguagem, ficção rasa e mais alguma

coisa sobre todas as outras coisas. Música puxa o tema que puxa o tema que puxa… Até mais. ODORICO, MARINA E AS BOOTLEGS

plemento Palavra fechou as portas. Bem, mude-

Bootlegs são essas canções sem casa, cães vi-

o meu texto de estreia – numa coluna de música

talvez gostasse de afirmar o próprio Dylan. Ano

mos de assunto. O clima é outro. Quis começar – com uma citação do cinema. Por quê? Simples.

Citando um filme eu deixo mais ou menos claro que as minhas palavras não serão – e é impossível que a minha pretensão as quisesse assim

ra-latas vagabundeando por ruas e ruas, como

passado, juntamos os amigos e colhemos algumas bootlegs, daí nasceu a coletânea “Bootleg’09 – Outros Críticos”. Em breve faremos a chamada para a número 10. Mas, mesmo que


pareça, esse post não é autopromocional, não

Ela também está em uma outra banda, a dela já

os meus olhos, com a licença dos Outros Críti-

ginária que talvez eles façam a trilha, as suas

pensem isso de mim; gostaria apenas de lançar

cos, para Odorico e Marina, são dois jovens músicos que vez ou outra portam por esse blog.

O primeiro apareceu numa elegante entrevis-

circula entre os ouvidos de alguma cidade imacanções me soam como possíveis trilhas destas cidades. Trata-se da banda “Team.Radio”.

ta sob a alcunha de The Amazing Broken Man,

Mas por que Odorico e Marina? Simples. Guar-

cd com alguns amigos, agora, sob a alcunha de

turo eles talvez também chamem de Bootlegs.

hoje, está em São Paulo, e em breve lançará um

uma banda, uma mais outra, uma menos broken

man, mas ainda amazing – desculpem-me pelos trocadilhos: vício de jornalista –. A segun-

da nos apareceu também em entrevista, essa, mais tímida, mais desartista; veio sob o nome de “Dolorez”, com suas canções cinzas, voz mais que voz, ouçam, é só o que me atrevo a dizer.

dem as suas canções pequenas, essas que no fuMas não pensem que as guardando poderão ob-

ter algum lucro futuro. Não, não se trata disso.

(Gostaria de abrir um grandinho parênteses: Rennó certa vez me contou que um colega de faculdade guarda todos os e-mails que ele escreve, mas somente os e-mails provocativos ou

com alguma força poética, coisas que o colega

acha que no futuro valerão alguma coisa, assim

sação de estar viva no meio dessa música toda,

Esse colega infelizmente acredita no futuro.) As

dois garotos, ainda irão aprontar bastante coi-

como valem os manuscritos de alguns artistas. canções de agora de Odorico e Marina são um

registro de sua imaturidade, tão comuns em primeiras gravações, como também são imaturas essas minhas palavras, somos todos gente

é o simples fato de pertencer a geração desses sa. Guardem os nomes: Odorico e Marina (Nada a ver com o Paraguaçu e a Silva. Desculpem-me pela infeliz ligação: vício de jornalista).

nova: criadoras de bootlegs.

Não há dinheiro rolando nessa empreitada. Um xerife cibernético me sugeriu que retirasse as Bootlegs de Dylan do ar. Retirei os downloads

diretos, apenas deixei a indicação da fonte. Sim,

senhor. Eu disse. Bem, Odorico e Marina não devem se preocupar muito em ganhar dinhei-

ro com suas “Near Town” e “Lacuna”, talvez até ganhem, mas aqui o que me dá gosto é a sen-

Texto de Clarice Flor. Publicado originalmente na seção Curta Ensaio, dos Outros Críticos.


BOOTLEG’10 coletânea organizada por Outros Críticos

Ano passado, lançávamos a nossa primeira coletânea virtual, algumas canções perdidas, as conhecidas Bootlegs. Romulo Fróes, Zeca Viana, Holger e a cantora portuguesa, Márcia, foram alguns dos artistas que participaram da nossa primeira edição. Agora, nesse fim de 2010, queremos convidar todos os músicos a nos enviarem as suas Bootlegs, vocês sabem: takes alternativos, takes de voz e violão, guias de voz, guias instrumentais, gravações ao vivo etc. Enviem as suas músicas por email ou nos indiquem um link para que possamos fazer o download da música.

SHOW 03.12

Jean Nicholas Malvados Azuis 04.12

D MinGus Caravana do Delírio

A nossa intenção é lançar a coletânea entre 25 e 31 de dezembro, portanto, façam de tudo para mandar as músicas até o dia 15 de dezembro. Convidem os outros e os outros, espalhem a notícia, enfim… Deem voz às canções perdidas, aqui terão guarida. Prometemos.

Endereço Rua Capitão Lima 210 Santo Amaro, Recife (PE) CEP 50040080 | Fone: [81] 91172344

2009 NAVE - Núcleo de Artes Visuais e Experimentos http://www.e-nave.com.br/

Contato: outroscriticos@hotmail.com Prazo para envio: 15 de Dezembro de 2010. Previsão de lançamento: de 25 a 30 de Dezembro de 2010. Mooz


ONDE SE ESCONDE A POESIA? I

II

só ela entre outras em minha mão

porque as labaredas se armam na lucidez do gozo destroem-se cidadelas sucumbimos

esta pedra em minha mão pedaço de um pedaço de outra pedra não uma pedra qualquer

também eu pedaço de um pedaço de outros tantos não me sinto qualquer em tuas mãos

V

na casa vazia o que menos se ouve é o silêncio

o vento beija as canecas de alumínio e elas cantam um gato mia pelos corredores papéis amarelecidos escorregam pelo piso o sol aquece a panela-de-ferro sobre o fogão à lenha

neste momento uma rola pousa no alpendre

enquanto na sala o chapéu sobre a poltrona conversa com o retrato do homem na parede

porque sabes a fogo trago a noite e seus ardores

porque te alimenta a febre teu ventre incendeia me

VI

não se beija o morto ao morto se agradece pela vida cerca de pedra subitamente interrompida não se lamenta o morto do morto se registram as virtudes e o inúmeros vícios

não se culpa o morto ao morto se perdoa o que ficou nas entrelinhas e os silêncios não se julga o morto do morto guarda-se o último registro carteira de identidade um anel de pedras falsas

não se purga o morto o morto é quadro na parede das lembranças saudade que acontece em repentes do morto não te despeças o morto é tempo que não te abandona

III

IV

clara enorme plena colorida

teus cabelos estão contados homem fio a fio os pardais no entanto não caem ao chão sem o consentimento Dele

sento para espiar a lua em uma dessas cadeiras simples de palha e madeira clara sem braços e ela vem

a lua circunda os vultos a lua indulta as tumbas a lua inunda os ventres a lua

os pardais não valem tanto quanto o homem no entanto proclamam seus cantos no alto dos telhados

na escuridão revelas homem queixas silenciosas os pardais por sua vez colorem o coração das pessoas

ensombreces de medo homem bebem o orvalho da noite os pardais

VII

demasiada luz nessa manhã e os olhos poucos eu sou apenas adeuses

SÉRGIO NAPP É escritor e letrista, desde sempre Sergio Napp trilhou seus caminhos pela literatura e, especialmente, pela música. Participante e vencedor de diversos festivais, teve composições gravadas por intérpretes de destaque como Elis Regina, Quinteto Violado, Amelinha, Hebe Camargo além de músicas gravadas na Alemanha, França e Argentina. Possui três CDs lançados: Claridade, Nos Palcos da Vida e Mala de Garupa (com o melhor dos compositores parceiros e intérpretes do Sul). Fonte: Outros Críticos


VARIAÇÕES NARRATIVAS PARA UM BARCO SEM MAR

Nem sempre há um começo. Nem sempre é lícito narrar, Dizer: daqui até aquelas serras, Tudo era mar, Água do dilúvio, E foi secando. Há tardes em que um barco Suspenso de cabeça pra baixo No meio de uma floresta atlântica No coração de um país adormecido, É um barco sem mar, Sem começo. Um barco que é uma interrupção Ou o improvável despojo De uma outra paralela Onde os barcos fluem, impalpáveis, no ar. Um barco quando muito à espera De um deus que feche a fenda, A estrada incerta Que um outro deus abriu num sonho. Mas nem sempre é lícito narrar, Nem sempre há um começo, Uma palavra no começo. Explica-me isso, meu amor.

ODORICO LEAL nasceu em Picos, no Piauí, em 1983, no dia 13 de abril, sob o signo de Áries. Aos 13 anos, mudou para Fortaleza, Sundown City, musa auto-destrutiva de todas as composições da October Leaves. Cursou faculdade de Letras, na Universidade Federal do Ceará. Fez mestrado em Teoria da Literatura na Universidade Federal de Minas Gerais. Este ano, mudou-se para São Paulo, para se dedicar à música e provavelmente para trabalhar no Mcdonalds. Fonte: Outros Críticos

Inhotim, 2008.

BERGER

Caminhava no parque quando viu. E viu que a vida já não era a mesma. A mesma, sempre outra, feito um livro. Que, sentado na pedra, ele leu: “(...) Ao léu, imaginou-se uma cebola misteriosa, em camadas, compacta. Mas em cada camada (cada capa) uma dor que, no tempo, se esconde.

Berger, cebola, quis: ao temperar ia surpreender todos os dentes rindo, em vez das cortantes (facas) lágrimas. (...)” Cebolas, pedras, lágrimas voltavam — risos, temperos, páginas também. E Berger viu que o mundo era ele em verso...

BITH é Wilberth Salgueiro, professor de Literatura Brasileira na UFES, tem publicados, como poeta, Anilina (1987), Digitais (1990) e Personecontos (2004); como crítico, Forças e formas: aspectos da literatura brasileira contemporânea - dos anos 70 aos 90 (2002) e Lira à brasileira: erótica, poética, política (2007). Fonte: Wilberth Salgueiro


MEN’S LIFE HAS ITS TIME

A vida tem seu tempo e eu não sei qual é. Lá fora, um vento frio de uma outra cidade que não é a minha mas que estou: passageiro de um instante.

FELIPE AGUIAR é natural de Recife (1975), cursou Letras na UFPE e fez mestrado na UFBA, em que estudou a importância dos sonhos no candomblé. Publicou, através do selo Moinhos de vento, um impresso intitulado Poeira de Chipre. Ele também é compositor e faz Reiki.

Olho as estrelas e as nuvens desse céu; seus tons de negro. Olho firme as estrelas. Não há nada para mim nem para o tempo.

Todos os dias vejo um velho senhor chegar com flores. Ele anda sob o céu de sua cidade creio que sem percebê-la. E já são tantos! Que agora sou eu que não a vejo.

DOCE VIDA

doce, doce... a minha vida... JOÃO PAULO é pai, atualmente está trabalhando como assim o dizes... bem o sabes... técnico em eletrônica, e possui um par de doce, doce, ah! minha vida... poemas e canções guardadas na memória a minha sina... eh!... bem o sabes... e, talvez, em algumas gavetas. O poema foi eu pereço a cada dia... escrito em 04 de outubro de 2007. É dedia minha vida... bem... que sabem?!.... cado a Aline Mendonça, a sua irmã. se pareço-te ser vida? ah! minha vida...e de que vale?!... e de que vale?! ser-te exatamente o que, alhures, sou-lhes, que há de ser, se nunca sei-me nada além que o que não sou-vos?... e se desfiro minhas notas dissonantes ao infinito... peregrina...peregrina!...que é esta a parte que me cabe... em meus malditos desvarios... choro lágrimas de sangue... (e quem dera fosse o meu coração findo...)


A profusão da vida no catálogo frio das palavras vez ou outra o mar lança a palavra no rastro da dança viva das coisas mas multiplicam-se palavras posses provisórias castelos de areia * Em secreta e antiga alegoria a rosa dobrada se rompe frágil em perfumes oferece com o mutilado corpo de sua haste o resumo da vida.

FÁBIO ANDRADE é poeta disfarçado de editor, professor e crítico literário. Seus dois livros de poemas – Luminar Presença & Outros Poemas e A Transparência do Tempo – foram publicados, respectivamente, em 2005 e 2009. Autor da tese de doutorado “A Transparência Impossível: poesia brasileira e hermetismo”, publicado este ano pela editora da UFPE. Fonte: Outros Críticos

O COMPRIMIDO

para problemas de tempo, rua: pra fazer correr. (pra isso existe asfalto). para o outra ocasião, sentar na praia: mar é melhor. coisa diferente para cada mal, o seu remédio. para cada efeito-colateral o seu antídoto. e por isso irreconhecível de vez em quando porque para cada sintoma, um tratamento específico.

GABRIELA MAGALHÃES é autora do blog Do Comentário, onde posta frequentemente os seus poemas.


E se de todos os números eu tirasse o número 1? Como? E se eu tirasse a primeira perna?, A perna? Que é isso menina? O que você falou?, E se eu tirasse Vá. Você perna?, quer me enlouquecer. Que primeira perna? Da mesa, ora. a primeira A mãe olhou para baixo, e qual seria a primeira perna?

E SE?

E se de todos os quadrados eu tirasse um?,

perguntou a menina olhando para a parede. A

mãe não respondeu. Não havia escutado bem.

E se de todos os números eu tirasse o número 1? Como? E se eu tirasse a primeira perna?,

A perna? Que é isso menina? O que você fa-

lou?, E se eu tirasse a primeira perna?, Que

primeira perna? Da mesa, ora. A mãe olhou para baixo, e qual seria a primeira perna? E se eu tirasse um pedacinho dessa toalha?, Que toalha? Nem pensar! Saia daqui, vá brincar. saber, mãe. Você não queria?, Saber o quê? O

Dois depois menina triste. Mãe, que minutos aconteceria coma ele se...?voltou, Mas que loucunão querem brincar comigo. A mãe daquele menino ra! Elequeficaria aleijado! Vá, Ová.que Pra casa? disse eu fosse pra Que casa.pergunta! Não me responderam aconteceu?, o que aconteceria. Deixe de leseiras. Vá pro seu quarto brincar Aconteceria o quê? O que aconteceria se eu tirasse o só. dele. braço

Dois minutos depois a menina voltou, triste. Mãe, não querem brincar comigo. A mãe da-

quele menino disse que eu fosse pra casa. Pra casa? O que aconteceu?, Não me responderam

o que aconteceria. Aconteceria o quê? O que

aconteceria se eu tirasse o braço dele. A mãe se assustou. Mas minha filha, o que deu em você? Por que você perguntou isso?, Só queria

tirasse a porta? Tiro a liberdade!, escutou a mãe. Está enlouquecendo, pensou. Ao menos

encontrou alguma resposta. Deve parar. E se eu tirar um dente? Fico banguela, pensou. E fico feia!, riu de si. E se eu ficar surda? Eu não

ouviria mais os pássaros. E se os pássaros ficassem mudos? Cegos?, o do meu pai já está na gaiola.

E se eu tirasse o rabo do cachorro? E se eu

tirasse a asa do passarinho? E se eu tirasse essa página? E rasgou três páginas do livro

de ciências. E se eu tirasse a cor branca? E se

eu tirasse...? A menina olhou ao redor. E se eu

E se eu tirar um dente? Fico banguela, pensou. E fico feia!, riu de si. E se eu ficar surda? Eu não ouviria mais os pássaros. E se os pássaros ficassem mudos?


E se eu não tivesse os dedos? Minha mãe iria

Sentiu gostar, eu não roeria mais as unhas. Seria bemfrio, olhou

para os pés, a mãe

mais fácil. E se eu tirasse o céu, onde eu co-lhe cobrava sempre as sandálias. locaria ele? Acho que ficaria bonitousar no meu

Ela já não tinha os pés. Quis tocá-los. Não tinha as mãos. Nem pernas e braços A menina olhou para o telhado que parecia que os tisustentassem. Sentiu-se rar de si a proteção que dava. Tudo ficou azul nua. Riu daquilo.

telhado.

celestial. Surgiram pontos com muitos bri-

lhos. Tão brilhosos quanto o sol. Ela se sentia aquecida. Sentia conforto. Não percebeu que

Era um sonho, haviam lhe tirado tudo. Mas

Sentiu frio, olhou para os pés, a mãe sempre

mãe, do passarinho que estava na gaiola, e da

lhe tiraram algo. A escuridão não a assustava. lhe cobrava usar as sandálias. Ela já não tinha

os pés. Quis tocá-los. Não tinha as mãos. Nem

pernas e braços que os sustentassem. Sentiuse nua. Riu daquilo.

estava muito feliz. Lembrou-se do pai e da mãe do menino que a mandou ir para casa. E ela foi.

Para sempre.

GOMES E MAIA são Carlos Gomes e Fernanda Maia. Utilizam essa assinatura em seus trabalhos de criação de contos ilustrados. Os autores possuem três livros prontos. O primeiro, já parcialmente ilustrado, recebeu o seguinte comentário do escritor Raimundo Carrero: “Li os primeiros trabalhos de vocês. E gosto muito. Gosto desse texto descontraído, leve, que reúne ironia e força narrativas. Além, é claro, dos desenhos. Um trabalho exemplar. Vocês conseguiram, em dose correta, reunir traço e palavras, o que não é fácil, mesmo quando parece ao leitor. É disso que tento me aproximar: simplicidade com sofisticação. Ou seja, fazer com que o leitor esteja sempre satisfeito com o que lê, mas reconhecendo que ali reside um tipo muito sutil de reflexão. E uma maneira muito leve de reinventar a realidade.” O conto que vocês veem aqui publicado foi escrito por Fernanda Maia e faz parte do primeiro livro: “Jack fareja, Fellini sonha e Ninguém escreve.” O texto está posto da maneira em que está no livro, mas devido ao formato do e-zine, as ilustrações não puderam obedecer ao seu formato original, tendo, a maioria, sido retiradas para caber nessa edição.


A BOLA E A MOLA A Mola disse à Bola. Ei, bora brincar. Não, não quero. Eu estou aqui pensando numa coisa. Que

coisa? disse a bola. Estou pensando no meu amigo. Que quando eu e ele estávamos brincando, ele me chutou e eu vim parar aqui. Eu também. Eu era a mola da cadeira da vó do João. Ei! João

era o nome do meu amigo. Eu nunca te vi, Mola. Eu também não, Bola. Então vamos ser amigos. Nós já somos. Ei. disse a mola. Vamos procurar a casa de João e a cadeira da Vó de João.

A Mola foi pulando e a Bola rolando. Saíram do lugar onde estavam e foram a todos os cantos da

cidade. Três dias passaram e eles já cansados resolveram parar debaixo de uma árvore. Quando viram uma porta se abrindo. A Bola viu João e a Mola viu a cadeira da Vovó. Quando a Vó viu a

mola da sua cadeira de balanço e João viu a bola. João pegou a bola e Vovó a mola. Eles ficaram muito felizes com a volta deles aos seus donos. E a Bola disse: vê se balança bem esta cadeira. E a Mola exclamou: faça belas jogadas naquele campo de futebol!

Maia 10

EMANUEL NASCIMENTO Tem onze anos de idade e é estudante da Escola Municipal Dom Hélder Câmara. Ele foi um dos vencedores do I Concurso Literário Manuel Bandeira (2010) - organizado pelo Programa de Leitura Manuel Bandeira, da Prefeitura de Recife (PE) - com o conto “A bolsa azul”.


tanto, precisarei jogar com algumas de suas AS MARGENS DE ROSA

∞ O homem que forjou para a sua escrita possibilidades infindas de leitura, cunhando

no mundo uma porção de palavras mágicas: a

sua sedução-linguagem, o profícuo jogo metafórico, os poemas em prosa, o bailado da ora-

lidade, a estilização das personas – estranhas, erráticas, crianças, loucas, deus, homem, dia-

bo. Este homem que irei não apresentar, mas tentar aos poucos desobscurecer algumas ve-

redas de sua obra, (e isso se dará através de formulações de caráter ensaístico, que para

mesmas armas estéticas – vide o neologismo canhestro de outrora) está “nessa água, que

não pára, de longas beiras (...) rio abaixo, rio

a fora, rio a dentro – o rio” (ROSA, 2005: 82). Ou seja, a sua literatura permanece miste-

riosamente vagando num rio sem fim, posto numa margem terceira, mas Rosa não navega somente “nos gerais”, visto que “a terceira margem do rio” fica em lugares nenhuns,

distante das especulações que o tempo crítico permanentemente trata de classificar a obra

de alguns autores, a sua está, como dito an-

teriormente, numa outra margem; porém, ao mesmo tempo, também podemos afirmar que é um “sertão que está em toda parte” (ROSA, 1984: 08), refletindo com a imagem do ser-

tão interior que habita os homens, em cená-

Eis a primeira vereda que proponho espe-

fia regional, mas a uma habitação espiritual,

tal como a personagem do conto “A terceira

rios que não estão apenas ligados à geograou seja, “um regionalismo com introspecção, um espiritualismo em roupagens sertanejas”, como afirma Walnice Nogueira Galvão ao con-

textualizar a obra de Rosa tanto no plano dos artistas regionalistas quanto dos espiritualistas, tendo como exemplo, na primeira vertente, autores como Raquel de Queiroz e Graci-

liano Ramos, e na segunda, a escritora Clarice Lispector. Ainda sobre a questão regionalista, vale a pena citar Álvaro Lins, no qual afirma

que “deveria ser o ideal da literatura brasileira na feição regionalista: a temática nacional numa expressão universal” (apud ROSA, 2005: 20).

cular sobre a literatura de Guimarães Rosa,

margem do rio”, que sai de casa, entra numa

canoa e vai viver enigmaticamente no meio do rio, distante das duas margens, solitário

e revelador de uma missão que não há entendimento explicável para os outros per-

sonagens, portanto, em analogia com a obra de Rosa, podemos compreendê-la como algo que está à margem da literatura de seu tempo, e que mesmo o caráter regional que a sua

obra apresenta, nem isso pode ser considera-

do como garantia para colocá-lo ao lado dos pares de sua geração, pois como visto, o autor

vai além das questões regionalistas, pois dia-

loga com outros temas, como o espiritualista,


assim sendo, é uma escrita que tem por ori-

A grande magia de Guimarães Rosa está jus-

sertão a voos maiores, mais longínquos, é

gem, o modo extremamente poético e par-

gem a imagem do sertão, mas que alça esse uma literatura de expressão universal, como

o próprio autor afirma: “Este pequeno mundo do sertão, este mundo original e cheio de contrastes, é para mim o símbolo, o modelo do meu universo (...) O sertão é dentro da gente.”

Portanto, podemos entender que “não preci-

samos de outra chave para entrar na obra de Rosa: ela busca o que há de universal no regio-

nal.” (Daniel Piza) Assim, temos como cerne de partida a ideia de uma obra que tem como símbolo o sertão, mas um sertão que dialoga para o além, para as questões do homem, ou seja, os temas universais.

tamente no que chamei de sedução-linguaticular que o autor utiliza-se para contar as suas estórias. “A linguagem não é só meio de

sedução, é o próprio lugar da sedução. Nela, o processo de sedução tem seu começo, meio e fim.” (Leyla Perrone-Moisés) Dessa manei-

ra, temos em Rosa uma imensa variedade de amavios que se estabelecem e se multiplicam

com maior vivacidade nas características de sua linguagem, sobre esse aspecto, Guimarães Rosa afirma que o escritor deve “criar da

linguagem a sua própria metafísica pessoal”, deve criar a partir de suas próprias experiências e criatividade um novo mundo poético, um achado singular que desencadeie uma

arte inovadora por excelência, mas uma exce-

tão, é por natureza um fabulista, um contador

mos “uma linguagem que não é linguagem”,

das estórias as contradições da alma huma-

lência que nasça do experimento, assim tere-

ou seja, não teremos mais a linguagem que tínhamos como referência, reconhecível e vá-

lida como modelo, como paradigma de uma arte irredutível, mas uma linguagem que seja

postulada no âmbito mais íntimo do criador,

uma que venha de suas idiossincrasias, de seu modo de pensar e ver a arte, portanto, a sua criação.

Outra grande característica da obra de Rosa é a “capacidade de fabulação (...) de inventar

tramas e personagens” (Walnice Nogueira Galvão), e que estão presentes nos contos de

“Primeiras Estórias”, pois “o homem do ser-

de lendas (...) dando a encontrar no substrato na.” (Daniel Piza) Uma capacidade de inven-

tariar distintos personagens e situações, em suma, Guimarães Rosa é um contador de estórias que tece a sua linha de palavras num

ininhado que somente os leitores ávidos por travessias de linguagem teimam em encarar. Nessas travessias, para os que acolhem a

jornada, devem todos estar preparados a penetrar num universo novo, quase que irreconhecível ao primeiro contato, mas que vai se

desobscurecendo ao passo da caminhada, ou melhor, talvez a imagem da navegação sobre um rio imenso e profundo seja mais profícua

para o caso de Rosa, de suas metáforas cor-


ridas nas estórias, que segundo Paulo Ronái,

as vozes e vozes de suas personagens, a sua

se todas são pluridimensionais, carregadas

seu estilo. Toda a sua obra é um constante

“(...) se prolongam pelo plano metafísico. Qua-

de significado oculto. Todos os rios do mundo de Guimarães Rosa têm três margens”.

Não bastasse toda essa invenção, Rosa ainda faz troça da prosa, aprecia transformá-la em

poesia, as que correm nas prosas de suas es-

tórias. “Teve a prosa como dança, isto é, como poesia, a dar fundamento no homem ao mun-

própria voz transfigurada, transmutada em abrir de portas e janelas para a poesia, e em

consonância com Octavio Paz, podemos perceber que “(...) há poesia sem poemas; paisa-

gens, pessoas e fatos podem ser poéticos: são

poesia sem ser poemas.” Essas são, portanto, as proesias que se acumulam indissociáveis de sua obra.

do que o cerca. (...) quis que as palavras, nos

Como segunda vereda (última por agora, pois

não perdessem volume, o cheiro, a textura,

tar hipóteses sobre o quanto a literatura de

seus textos, continuamente se movessem e

a cor e o peso. (...) Escreve prosa, portanto, como se fizesse poesia.” (Costa e Silva) Faz

poesia cercado por um bailado da oralidade,

Rosa é um rio que não cessa), podemos levanGuimarães Rosa é moderna. Segundo Paulo

Ronái, em “Primeiras Estórias”, “Cada estória

tem como núcleo um acontecimento. Mas o

sentido atribuível não é o que lhe dão comu-

maneira cronológica, numa ordem habitual

de ocorrência. “Parecia não acontecer coisa

podemos relacionar um pensamento de T.S.

mente os dicionários, isto é, não é sinônimo

nenhuma”, adverte-nos o contista certa vez; e em outra ocasião pondera, ainda mais explícito: “Quando nada acontece, há um mila-

gre que não estamos vendo.” Portanto, temos por vezes uma situação corriqueira, um enredo simples, um nada acontecer, um aparente

acalmamento dos pares, mas é nesse espaço de aparente simplicidade que o “milagre”

acontece, é nesse quase nada que a estória se desenrola, em suas diversas dimensões de

dos acontecimentos. Nesse mesmo caminho, Elliot – ligado à poesia – ao modo de Rosa criar os seus contos: “O objetivo do poeta não

é descobrir novas emoções, mas utilizar as

corriqueiras e, trabalhando-as no elevado nível poético (...)”. Dessa maneira, podemos en-

tender mais uma vez o modo sui generis que Guimarães Rosa cria a sua obra, retirando

do aparente simplório a matéria prima para construir a sua literatura.

significados e possíveis interpretações; eis,

A grande contribuição de Rosa à literatura

cia de um enredo definido facilmente, ou ain-

permanecerem bailando no movimento do

então, uma característica moderna, a ausênda a existência de uma estória que ocorra de

tem sido, sobretudo, o fato de suas estórias tempo, ganhando a cada nova geração leitu-


ras próprias, e assim, permanecerem numa

um que nos dê fibra e alumbramento, como

autor tenha sempre desejado crer, tanto em

ratura de João Guimarães Rosa: “(...) era fabu-

travessia incontida, como suponho que o

seus livros quanto na arte e nas estórias dos homens, todas vagando num denso rio sem

fim, em margens terceiras – nas margens de

deve ser a grande poesia, como é, enfim, a lite-

lista? fabuloso? fábula?” Não sei Drummond, esse Carlos aqui não sabe nada. Nada.

Rosa. Se – em palavras de Octávio Paz – no

século XX, o interlocutor mítico e suas vozes

misteriosas se evaporam. Se o homem ficou

sozinho na cidade imensa e sua solidão é a de

milhões como ele. Se o herói da nova poesia é um solitário na multidão ou, melhor dizendo, uma multidão de solitários. Podemos, a partir

do contato com a obra de Guimarães, sermos solitários mais vivos, mais tenros, todos certos de nossa condição de sertanejos, os sertões de dentro, mas um que não nos paralise,

REFERÊNCIAS COSTA E SILVA, Alberto In. ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. 1.Ed.Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, 40 Anos, 40 Livros.

ELLIOT, T. S.. Ensaios. 1ª Ed. São Paulo: Art Editora, 1989.

GALVÃO, Walnice Nogueira. Guimarães Rosa. São Paulo: Publifolha, 2000 – (Folha explica). Acessado em 15 de Maio de 2010. Disponível em: < http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros. digitalsource >.

PAZ, Octavio. A outra voz. 1ª Ed. São Paulo, Siciliano: 1993.

___________. O arco e a lira. 1ª Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1982. CARLOS GOMES é estudante de Letras, atualmente prepara a sua monografia que será dedicada ao estudo de algumas vertentes da poesia contemporânea. Ao mesmo tempo, finaliza um livro de poemas com influência da epopeia, obra que tem como título provisório: “Volver”. O ensaio publicado é inédito e foi escrito para a disciplina de Literatura Brasileira III. O autor ainda possui trabalhos em co-autoria em contos, música e blog.



Daniel Liberalino But corrupt worms

John Williams loves wet pussy

Stroll

TĂŞnis no fio


Een land van liefde

Sozinho em casa

Corsário 2

DANIEL LIBERALINO É ilustrador, escritor e músico. Lançou em seu site o livro “Corpúsculo num plano - e como adquiri imunidade à varíola.” Disponível para download em: http://disfuntorerectil.blogspot.com/


OTTO

Cécile Duchamp

Enquanto, sentado e naturalmente tacitur-

outro lado, um com certeza de degradação.

programada na obscuridade, será que virá? Vi

coisas todas, aquela torre, aquele recife arti-

no, esperava pelo homem para a tal conversa assolar dentro minha cabeça algumas vozes, mal pude contê-las, e mesmo que difusas, soltavam certas palavras amigas, de bom agouro.

Vá embora, largue esse cais, vá. Mas mesmo que quisesse ouvi-las, alguma ideia mais se-

gura, ou ainda, a fome no meio dos bolsos me

Onde estará o homem que ergueu aquelas

ficial? E não é que, entre o sol que martiriza os vagabundos e os moleques, o homem gi-

gante veio surgindo? Talvez não tenha vindo das tumbas ou seja um velho adamastor - um monstro. Talvez.

faziam esperar um pouco mais pelo homem.

O homem é grande, com barba desgrenhada,

Antigo cheira forte demais. A minha alergia

confiante. É você? me pergunta enquanto vis-

Era o que eu estava a fazer. O bairro do Recife naturalmente também é tão forte quanto à

força avassaladora do vento que interrompe

gradativamente as minhas pequenas espirradas. Três estudantes riem da minha figura. Uns estrangeiros atravessam o mar até um

olhos confusos e alegres, ele anda torto, mas lumbra alguma onda incerta que bate os re-

cifes. Sou. Respondo olhando para uns cães negros que atravessam a rua de maneira mais

ou mesmo desavisada. Ok. Vamos sentar. Ok. Click. Um, dois, três.


Dá-me a impressão de que o seu último dis-

co, “certa manhã acordei de sonhos intraquilos”, é um disco de ruptura; um par de canções que quebram com qualquer expectativa sobre a sua obra, ninguém esperaria um disco assim - e ainda sob a influência da literatura de Kafka -, um ódio assim, ninguém imaginaria você criando canções como essas?

o homem troca a tosse pelo riso desajeitado.

As ruas são somente as ruas. Ninguém nunca esperou nada de mim. Só os meus. Os que andavam junto. A derrota não vende se você não

está disposto a tê-la como amiga. Fazê-la par-

te desse jogo maldito. Eu não faço parte disso. Sou músico, batuqueiro, só isso. Eu amo, simplesmente isso.

o homem, bem mais velho do que eu, arran-

Esse é o tempo que esperava para lançar a se-

pela primeira vez me encara o rosto, perce-

se homem, o cara não pararia de falar. Eu, de

ca uma tosse de algum pulmão misterioso, e be que não passo de um idiota, percebe, assim, de soslaio, mas percebe. No entanto, eu,

que claramente não acho que pertença a esta

classe tão distinta, tento recuar a sua agressi-

vidade. Algum problema com a pergunta? Aí

Gostaríamos que você falasse sobre a pre-

sença de “a metamorfose”, de Kafka, em seu disco; podemos interpretar o artista como aquele inseto, aquele que causa incômodo e estranheza aos olhos dos outros, mesmo que os outros sejam gente muito próxima, como família, amores, filhos, amigos? Como se deu a descoberta dessa estranheza em você, ela existe de fato, artistas devem ser os portadores desse incômodo? Quem é você? O que você quer arrancar de

gunda pergunta, se deixar, como é fama desmodo ingênuo, acreditava que fazer minhas perguntas era o meu trabalho, mas, com o

tempo, passei a perceber que o meu traba-

lho é somente ouvir, ouvir, e as perguntas são partes do jogo, só partes.

mem e eu resolvemos parar com aquela ideia

girando em círculos e vento. Calma, me disse o homem. Tu quer me ferrar? Não entendi. Vamos terminar isso aqui. Ok.

Não existe essa de artista. Vê aquele cara?

(um gari fardado de cor laranja) Você não vê.

Ninguém vê aquele cara. Entende? É isso que quero dizer. Kafka era um daqueles caras, ou na melhor das hipóteses, a sujeira que aquele cara varre pro canto.

mim? Tinha, naquele momento, uma nítida

guntas erradas, ou pelo menos, tocando em

haverá algum guia conceitual para os três dis-

mente valha a pena, assim, contrariado, o ho-

ca das letras, na referência à literatura?

impressão de que estivesse fazendo as perpalavras que são só palavras, nada que real-

Em entrevistas você vem afirmando que

esse disco é o primeiro de uma nova trilogia, cos, seja na produção musical deles, na temáti-


Não sei. Vê essa tatuagem? Deveria ser um

É uma música que sempre esteve dentro de

Como todas essas outras tatuagens. Mas são

guia. Está marcada. Fincada em minha pele.

só marcas. Nada do que está em meu corpo

mim. Só tenho isso a dizer.

Você regravou “Naquela mesa” e “Lágrimas

eu posso assegurar como verdade. Não posso.

negras”; gostaríamos que você falasse sobre a

lha, há algo nelas que se liga ao título do ál-

Como sei que não posso...

escolha destas canções, o que motivou a esco-

“6 minutos”, do seu novo disco, é aquele tipo de

bum, há algo que amarre ao conceito do disco?

canção que vale por um disco inteiro, talvez o

Entre “lágrimas negras” e “naquela mesa” há

disco não fosse o que é sem essa música, é como

“saudade”, foi proposital?

um filho estranho e necessário, uma família não seria o que é sem ele... enfim... como se deu a construção da letra e melodias dessa canção? Sabemos que você trabalha muito com o pandeiro, na hora de compor, na criação das letras houve alguma mudança no processo, sobretudo nessa?

São canções de dentro. Dizia o homem apontando os seus dedos enormes para o peito. E

eu tentava tornar aquela conversar uma breve passagem, assim como era breve o canto dos

pássaros selvagens, que de maneira muito co-

mum pairavam sobre nossas cabeças nessas

margens de cais imundície, o local onde está-

ca. É só que tenho a dizer.

pouco, pois um grupo de turistas estava rin-

O lugar onde agora sentamos fica próximo a

consensual, decidimos instintivamente tomar

e é ali, numa data não muito distante dessa

vamos. Resolvemos nos levantar e andar um do de sua desgraça e afasia. E nós, de forma certa distância daquelas falsas risadas.

Voltemos ao mote das trilogias; agora com

o distanciamento da sua primeira trilogia, que incluiu “samba pra burro”, “condom black” e “sem gravidade”, o que você, em poucas palavras, poderia observar criticamente sobre aquele período e aqueles discos e canções, ali estão as coisas que você precisava falar e desejava cantar naquele tempo?

uma estátua, uma que nos dá certa sombra,

conversa que o homem cantou uma música

de Luiz Gonzaga para uma multidão. Foi ali

que o homem virou outro homem, diferente desse aqui, que não sei por que, me diz tantas palavras inexatas, mas devo fazer um mea

cupla: sou tão inexato quanto as palavras que crio, estigma da modernidade, creio.

Em entrevista a Antônio Abujamra, no pro-

grama de TV, “Provocações”, Abujamra indagou a você o fato de a imprensa afirmar que não

Você é louco? Ouça os discos e pronto. Músi-

entendia as coisas que você falava (ou canta-


va), mas que ele, Abujamra, estava entendendo nitidamente todas as suas palavras. Você percebe, ou pelo menos intui, que há em parte da imprensa uma tendência de jogar alguns artistas para a obscuridade, com afirmações como: “A música dele é muito difícil”, “É demasiado hermético” Essa tendência parte de um jogo de rótulos que a imprensa necessita para separar o joio do trigo, manter cada qual no seu devido “lugar”? Qual o seu pensamento sobre essas coisas?

o rabo do jeito que elas querem, um jeito gos-

toso e sensual. Não faço parte dessa turma. A

minha turma é a turma dos músicos. Só. Nem de poetas eu gosto. Cinema e teatro ainda me

dão tesão. Mas ler esses jornais, como o seu ou o deles. Não. Não me furto à essa beleza.

A palavra beleza, como vocês devem imagi-

nar, veio carregada de uma enorme máscara. eu fiz cara de outra cara. Fui persona. Outro nome. Heterônimo.

O homem deu um sorriso cínico, um que mos-

por mágoa, por estrada. Você me perdoaria?

cinema que seja sertão e mar e cidade e uma

trou os seus dentes dilacerados, por tempo,

Para encerrar, gostaria que você desse três

dicas: Uma escrita que seja doce e insana, um

Por todas as minhas palavras? Não. É isso. A

canção de lua (o Gonzaga).

Peça dicas a um astrólogo ou ao presidente da

voltou. Chiiiii...

imprensa colhe os macacos que sabem abanar

república. Não dou dicas. Sou músico. Mas se quiser jogar o seu gravado ao mar, não fará

nenhuma falta a ninguém. Click. Clack. Ok.

E assim, o homem foi percorrendo as ruas, não foi por onde veio, aliás, nem vi surgir o homem, quem sabe eu tenha apenas inventá-lo,

tal qual a personagem de um conto de Borges. Quem sabe essa conversa tenha vindo com o

vento que sopra por esse lado da cidade, esse

que é o marco zero. Vou pôr a fita para rebobinar. Ver se há alguma voz de homem dentro

desse cassete. Se houver, terei uma entrevista para manter as mãos aquecidas do frio. Caso contrário, manterei o frio da noite e insanidade de minha cabeça de escritor. Click. A fita

Texto de Júlio Rennó. Perfil ficcionado a partir de uma entrevista não respondida.


Liniers


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