PASSAGEN S PERFORMANCES PROCESSOS
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Carlos Gomes Igor Marques Karol Pacheco Marina Suassuna Rodrigo Édipo
Edição Carlos Gomes Projeto Gráfico Fernanda Maia Realização Outros Críticos Apoio Rec-Beat Produções Fotografia / Festival Rec-Beat Ariel Martini Flora Pimentel Pedro Bayeux Captação de áudio / Festival Rec-Beat Estúdio Base
PASSAGEN S PERFORMANCES PROCESSOS
GOMES, Carlos et al. Passagens Performances Processos. Recife: Carlos G. O. Filho, 2015. E-book ISBN 978-85-919115-1-6 1. Música - crítica. 2. Performance. 3. Processo criativo. I. Título.
Este e-book está disponível para download gratuito no site outroscriticos.com; bem como as faixas de áudio ao vivo, cedidas pelo Festival Rec-Beat. Contato: contato@outroscriticos.com
RECIFE Carlos Gomes de Oliveira Filho 2015
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Apoio
Capa: Montagem de Fernanda Maia em Papel Canson 180 g/m², com citação a SALLES, 2004, p. 90. Utilizamos Fonte Dirty 26, Dirty 30 para títulos e Wyvern para corpo do texto.
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Realização
apresentação
Passagens porque estivemos pondo os olhos onde ninguém costuma ir. Reparar os rostos sem a força artificial das luzes dos refletores. Performances porque os artistas impõem lugares de escuta sobre os palcos e plateias. São eles também os próprios corpos das canções. O público recebe e devolve a tensão que faz da música um espaço para encorporações das mais diversas. Processos porque recolhemos os vestígios esparramados no chão pelos músicos e por nós mesmos. O livro só existe porque deixamos de lutar por ele. Os ensaios contidos em PASSAGENS PERFORMANCES PROCESSOS são breves recortes críticos do que chamamos - mas somente entre nós - de “processos criativos da performance”. A nossa intenção primeira era acompanhar da passagem de som ao pós-show de Juçara Marçal, Russo Passapusso, Thiago Pethit e Matalanamão, que se apresentaram durante a 20ª edição do Festival Rec-Beat, durante o carnaval pernambucano de 2015. No entanto, esse “acompanhar”, aparentemente passivo, se transformou a partir das percepções dos autores durante o processo de observação e posterior escrita dos ensaios. Escrever sobre arte tendo como impulso os processos criativos que permeiam a criação dos artistas, desfeita a imagem clássica da “inspiração”,
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exige dobrado esforço de quem está atento ao que escapa à própria obra. Criar tese para o lugar do “grito” na performance de Juçara, perceber as relações de afeto entre os músicos que tocam com Russo Passapusso, tragar com Pethit cigarros e absorver a relação entre fã e artista, ou mesmo captar o erro, o processo criativo da banda Matalanamão, e ser o próprio autor um recorte dessa experiência, são os lugares críticos que estabelecemos para escrever sobre esses músicos. A crítica subjetiva que empreendemos é reforçada pelo diálogo que estabelecemos com as fotografias, montagens, colagens e demais construções que compõem o projeto gráfico deste livro. PASSAGENS PERFORMANCES PROCESSOS é um lançamento do Outros Críticos, com apoio da Rec-Beat Produções, que abriu as portas do festival para que pudéssemos experimentar essas formas de escrita e crítica. Boa leitura ao que é texto e ao que escapa.
Carlos Gomes Recife, 26 de abril de 2015.
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PARA OS FORTES, ENCARNADO
sugar darling,
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A canção como fé e paraíso
memria memória
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autores
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outros críticos
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REC-BEAT
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Texto: Carlos Gomes Fotos: Ariel Martini, Carlos Gomes, Flora Pimentel Áudio: Juçara Marçal, “Queimando a língua”
Para os fortes, encarnado
Gritar é exasperar a potência do canto. Essa é a tese que encontrei para começar a escrever sobre a experiência de assistir ao show Encarnado de Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rhoner durante a 20ª edição do festival Rec-Beat, em Recife-PE, na pletora de alegria que é o carnaval pernambucano. Relembrar o grito de Juçara é me deparar com dois momentos distintos: o grito-útero e o grito-canto. São sobre essas distinções que procurarei escrever neste ensaio.
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Preâmbulo, passagem Na manhã da apresentação no festival, durante a passagem de som, a luz do sol fazia questão de deixar tudo à mostra. Mas esse tudo não era visível. A passagem se afirmava reiteradamente de passagem. Os músicos não chegaram a tocar uma música inteira. Ajustes no som, equipamentos, breves palavras, vistas na rua vazia, à margem do rio, na presença de um caminhão e equipe de limpeza a lançar potentes jatos d’água sobre a rua e as calçadas. O sol quebrava o vazio do lugar, mas suas ondas de calor já prometiam o descanso da chuva, à noite. Encostados, dois ou três observavam o palco, quando minimamente se dava o encontro dos sons e da voz de Juçara, um outro som, decerto. “Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”, recorro ao desgastado trecho de Rosa, mas recorro. Porque sintetiza o lugar que a música de Encarnado habita, mesmo que ali eu ainda não a pudesse perceber. 12
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Conversando com os músicos, nada de música. Saber onde ficava o cinema São Luiz, o período do festival de cinema Janela Internacional ou imaginar que duas torres possam se multiplicar na paisagem estavam no centro da nossa ligeira conversa. A música estava entre eles, mas num espaço que certamente eu não conseguiria captar nem em mil passagens de som. No entanto, Dinucci me perguntou se o show funcionaria no carnaval. Diante de meu silêncio, ou balbuciar de que sim, logo se desfez a pergunta para a sua crença de que Encarnado possui um som hipnotizante. Não me recordo se exatamente nesses termos; mas sim, nós criamos que Encarnado poderia funcionar no espaço e período especial em que se dá o festival pernambucano. Dadas as diferenças entre palcos de pequeno porte como a Casa de Francisca, onde muitos dos músicos contemporâneos a eles rebentam, amadurecem e experimentam suas performances, e lugares maiores, como no show de lançamento no SESC Belenzinho ou no palco aberto da Virada 14
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Cultural, ambos em São Paulo, no ano passado, tocar no carnaval é certamente outra coisa. O carnaval está para a Virada como a poesia está para a prosa. Por conta disso, os shows do festival Rec-Beat têm uma dinâmica diferente da dos demais festivais de música. A poesia que se instaura na festa, sua força simbólica e cultural, atinge e transforma as performances de todos os artistas que tocam nesse ambiente. Daí o festival diferir da prosa cotidiana da maioria dos festivais de música. Essas diferenças não imputam juízos de valor, mas se valem como características que distinguem o lugar que o festival ocupa no calendário dos principais eventos de música do país. Subir ao palco aberto com Encarnado no carnaval pernambucano requer uma dupla ação. Se os sons são hipnóticos, será preciso hipnotizar aqueles que já estão sob o efeito de variados tipos de “hipnose”. Carnaval é choque e anestesia, outra dupla ação.
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A história da chuva “Encarnado é para os fortes”, assume Juçara Marçal diante das pessoas que assistem às primeiras músicas de sua apresentação, permanecendo debaixo da chuva, enquanto uma boa parte da plateia procura algum abrigo. A chuva, de alguma forma, acaba por contar a história do show de Encarnado. O chuvisco e a tensão que regem o “Velho Amarelo” apontam para um céu cada vez mais pesado, com a voz desafiadora de Juçara ao tempo, no canto do verso: “Quero morrer num dia azul”. E nesse ir e vir da intensidade da chuva, as pancadas “Damião” e “Queimando a língua” – a segunda canção, de onde vem o “encarnado” que dá nome ao disco –, estabelecem a performance e o lugar dessa apresentação, sobretudo diante daqueles que fazem da chuva também o seu abrigo. Com a afirmativa de Juçara, diante dos corpos e da água sobre eles, a “Pena mais que perfeita” fecha o primeiro bloco de canções, com elas, a chuva vai embora. 18
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A ferida se abriu Encarnado é poema. Carrega palavras como quem acalenta um rebento prestes a morrer. Como poema, sabe que a vida e a morte são partes de uma mesma palavra. Mas Encarnado não resiste a ser somente esta palavra, quer e exercita ser linguagem. Desfaço, então, a primeira proposição. Não deseja ser (somente) poema, mas linguagens em construção. Feliz é o encontro dos arranjos das guitarras – corpos se debatendo –, com a rabeca a improvisar como aura etérea. A canção “Odoya” pede proteção. Um som desvanece do palco e se refaz nas vozes diminutas da plateia, que se renovam num grande cântico para preparar o corpo-canção que nasce na sequência da apresentação, com a música “Ciranda do aborto”, de Kiko Dinucci. O grito de Juçara é do lamento. Profundo, consegue 20
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ser violento e tenro. Os sons das guitarras e rabeca se confundem, também se despedaçam, laceados, espalhados, aos pedaços – tudo o que a canção sugere no plano discursivo encontra resposta na sonoridade do trio e no canto de Juçara. O grito-útero da “ciranda” engasga e enche os olhos d’água, dá sobressaltos, movimenta no espaço-tempo de uma performance de canção o que cremos e o que não cremos sobre nascer e morrer. A canção nos apunhala e acaricia com as mesmas mãos, contra todas as verdades. “É sempre assim, a apresentação dessa música?”, pergunto a Juçara depois do show. “Sim, até por isso pedi para não usarem imagens no telão”. A cantora queria que toda a atenção ficasse voltada para a própria música. Se o ir e vir da chuva e plateia dispersa fez com que as primeiras canções do show Encarnado não “hipnotizassem” por sua própria força, a “ciranda” colocou a todos em comunhão. A rebentação das guitarras, rabeca e gritos do verso “Aos pedaços”, do final de “Ciranda do Aborto”, encontraram pouso e silêncio na ma22
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rimba e quase sussurro da voz de Juçara que nina para Oxum, logo na música seguinte: “Hoje eu não vou deixar ninguém sofrer”. Assim, depois da chuva, ciranda e pancadas, um pouco de silêncio e cantiga para recompor a alma.
Grita e berra como louca As músicas que encerram tanto o show quanto o disco Encarnado têm no caminho estético que passa pelos compositores Itamar Assumpção, Tom Zé, Siba, Kiko Dinucci e na parceria entre Thiago França e Romulo Fróes, a potência interpretativa que nasce do grito-canto de Juçara. Narrativas e irônicas, “E o quico?” (Itamar), “A velha da capa preta” (Siba) e “João Carranca” (Kiko) – a última ficou de fora do show – apontam para lugares distintos no canto de Encarnado. As primeiras apostam na potência das guitarras, também narrativas, com suas quebras em diálogo com as frases do texto. Sons também são discursivos, seus blocos de arran24
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jo compõem no plano sonoro uma parte essencial para a his-
ro de “Não tenha ódio no verão” (Tom Zé), que hipnose vai
tória que Juçara conta. Itamar se faz por uma narrativa das
se transformar em êxtase. “Grita e berra como louca”, diz a
ruas, tendo na coloquialidade sua premissa. Siba apresenta
Juçara, o som, a canção, a performance de Encarnado. Esse
uma estrutura narrativa mais formal, com personagem, enre-
berro diz muito sobre o lugar que o “grito” ocupa na música
do, diálogos, espaço e tempo. Essas músicas são importantes
brasileira atualmente. É o “grito” que escapa, não obedece
passagens da apresentação, aquelas em que público e músi-
a fronteiras, é recortado, fragmentado, exaspera, exaspera,
cos se entreolham nesse jogo entre texto, som e recepção.
distende escutas, atravessa discursos, refaz trajetos e é, re-
Os músicos como contadores de histórias e a plateia como
almente, para os fortes.
leitora dessa dança palco-rua e rua-palco. Para a recepção do público, é sempre importante ressaltar que essa escuta passa pelo filtro de quem escreve. O “público” não é uma massa homogênea, nem o comum dos aplausos a cada fim de música, por exemplo, são garantias de qualquer posição. Sou eu o “público” nesta escuta extremamente pessoal, mas não menos crítica, que por diferentes recortes interpretativos estará também por revelar escutas das mais diversas. Mas é na exasperação do grito que se apresenta o ber26
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Texto: Marina Suassuna Fotos: Flora Pimentel, Marina Suassuna Áudio: Russo Passapusso, “Paraquedas”
A canção como fé e paraíso
De Feira de Santana para o palco do Rec-Beat, o canto de Russo Passapusso já ecoou de maneiras distintas. Em 2011, a primeira vez do baiano no Recife foi carregada de timbres e frequências graves. Tratavase de seu trabalho à frente do Baiana System, que ressignificava matrizes de samba com matrizes de reggae, atreladas à cultura do bemba style, música eletrônica, guitarrada e axé. Passada a primeira experiência, retornar ao mesmo palco quatro anos depois, na 20ª edição do festival, poderia naturalmente trazer-lhe
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mais conforto, se não fosse a estreia, no Recife, de seu recém-lançado projeto solo, Paraíso da Miragem, trabalho que pretende comunicar um universo bastante pessoal, bem diferente da poética explorada no Baiana System. “O Baiana System é um trabalho pra muita gente, que se comunica com a multidão. É uma espécie de bloco, pra todo mundo entrar. Ele trata a multidão como um só e o Paraíso da Miragem tem uma coisa mais singular, a gente se comunica com um só. É mais delicado, mais suave em certos momentos, tem mais nuances. Nele, é mais longo o processo de saber qual a resposta do ciclo da música, como ela vai voltar”, avaliou o baiano numa conversa entusiasmada durante a passagem de som, na tarde do sábado de carnaval. Ao subirem no palco por volta das 0h, Russo Passapusso e os músicos que o acompanham estabeleceram de imediato uma corrente elétrica no palco, onde a presença de cada um revigorava o vizinho, estabelecendo o equilíbrio do fluxo energético da performance. O entrosamento era nítido, 32
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algo como um seio familiar. Foi neste momento que alcancei, com veemência, a força das palavras ditas por Russo, ainda no camarim, envolto entre os braços de seus companheiros minutos antes de entrarem no palco, numa espécie de pacto de sintonia. “Vou estar sempre olhando para o público e pra vocês pra gente se entender”. Corrente estabelecida. Logo em seguida, assimilei, com a mesma intensidade, outro momento de nossa conversa: “Esses caras não são simplesmente músicos. São as pessoas que me ajudaram a dar a concepção do trabalho. Eu tinha as músicas construídas, mas era uma coisa vazia em mim, precisava criar uma concepção. Depois que eles entraram, eles sabem falar muito bem do que seria este Paraíso.” Quando designada para acompanhar Russo Passapusso no Rec-Beat, lembrei-me da primeira reação que tive ao assimilar o Paraíso da Miragem: que magia era aquela por trás das canções, capaz de transformar o disco num ritual de proteção? Aquilo não parecia com nada que eu havia escuta34
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do antes. Ao me dar conta da essência do álbum, cada audição sugava uma tonelada de minha sensibilidade. Enquanto ouvinte, me sentia participando de uma experiência singular dentro do universo da música brasileira. Percebia diferentes traços culturais e berços musicais de nosso país naquele repertório e conseguia visualizá-los com riqueza de detalhes, algo que, para o meu deleite, Russo esmiuçou com bastante nitidez durante a nossa conversa. “Cada músico tem suas guias. Eu aprendo muito com eles. Tem a matriz do Curumin com a coisa do rap-samba-soul, Sampa, essa coisa meio arigatô dele, budista. Tem Saulo (Duarte), que lida com cultura popular, a coisa da guitarrada, que é uma característica muito forte da terra dele. O (Maurício) Badé tem a percussão enraizada em Recife. Eu precisava ver o que essa mistura ia dar porque o meu conhecimento de percussão, samba e de guitarrada é outro. Essas questões estão se comunicando de uma maneira muito nova e experimental dentro do Paraíso.” Imaginava o Paraíso da Miragem no palco assim como 36
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ele é: uma presença de espírito. A métrica da pergunta e resposta que norteiam as composições, juntamente à tradição dos coros, traziam, desde o início, algo de venerável. - Meu paraquedas, pra que dar? - Pra te dar um bom motivo pra voar. - Vou te dar um bom motivo, vou te dar meu paraquedas pra tu parar de guerra. - (Guerra!) - Pra tu parar de dor. - (De dor!) - Pra tu parar de medo. - (medo!) -Pra tu pular de novo. - Se joga no chão! A maneira como Russo lida com a estrutura dessas canções no palco é bastante cuidadosa, envolvendo toda uma confiança na energia do público. “A questão da pergunta e resposta leva a uma crença da fé. Sempre tem essa coisa 38
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do sermão entoado para esperar a resposta e então fechar
entanto, maravilhosamente complexo. “Que lástima uma flor
o ciclo. É o amém em todos os cantos, em todas as religiões
de plástico/ Não há terra nesse vaso/ Não há vaso nessa ter-
e terreiros. Fé pra mim é isso, é a volta da energia. Nunca é o
ra.” Os versos estavam na boca do povo e ecoavam feito pól-
cara sozinho. No começo do show, “Paraquedas” é uma músi-
vora no Cais da Alfândega. Era apenas a terceira música do
ca que faz isso com as pessoas. Eu quero que elas parem de
repertório e no meu pensamento apenas uma certeza: o ciclo
dor, parem de guerra. Se elas não falam de volta, eu fico meio
da música que tanto Russo acredita já estava consolidado, se
assim. Essa música é bem em cima desse patuá.”
nutrindo a cada retorno do público.
Foram 45 minutos de descarga elétrica, normalmente
Até aquele momento, a banda se preparava desde as
tido como pouco tempo para um show comum, mas suficiente
14h, quando chegaram ao Cais da Alfândega para a passa-
para que o Paraíso da Miragem revelasse todas as suas nuan-
gem de som, pouco depois de aterrissarem no Recife. Neste
ces no palco. “Achei o tempo do show muito sensato, ideal
momento, percebi que nada para eles é protocolar. O entro-
para mostrar um trabalho. Não temos a necessidade de en-
samento é algo voluntário, que faz parte da convivência da
xertar, segurar o público.” O baiano não economizou fôlego.
banda, principalmente quando estão longe dos holofotes
Mostrou quase todas as canções do álbum num dinamismo
e do público. Ao contrário de alguns artistas, que não gos-
que levou a multidão de mais de 10 mil pessoas a reagir de
tam da passagem de som e preferem confiar a maior parte
forma calorosa. Um dos cartões de visita do álbum, a música
da missão a roadies e técnicos de palco, ou fazem de tudo
“Flor de Plástico”, foi o ápice da sintonia. Um samba male-
para não perder tempo, Curumin (bateria), Zé Nigro (teclado),
molente de frequências suaves, aparentemente simples e, no
Saulo Duarte (guitarra), Maurício Badé (percussão) e Marce-
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lo Dworecki (que substituía, no dia, Lucas Martins no baixo por incompatibilidade de agenda), se engajam na missão com despojamento, sem se descuidar dos pormenores. É como se comungassem de uma mesma causa, um mesmo afeto. Quem estivesse passando pelo Cais naquele momento poderia vê-los bastante à vontade em cima do palco, ajustando seus respectivos instrumentos, estabelecendo trocas e afinidades, um descalço, outro sem camisa. Estar ali, ainda que sob o sol escaldante do Recife, após uma passada rápida no hotel sem tempo para descanso, parecia ser algo prazeroso para eles. Depois foi a vez de Russo reconhecer o espaço. O baiano sobe ao palco por último e dá início à passagem do repertório, sem deixar transparecer o cansaço do dia anterior, quando se apresentara com o Baiana System na abertura do carnaval de Salvador. As três primeiras músicas do disco foram suficientes para estabelecer o volume e o retorno da voz de Russo para os demais integrantes. No ar, o vocalista deixava uma certa apreensão, a 42
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mesma que manifestava no camarim, antes do show. Não era
e embalava os companheiros com seus sopros, enquanto afi-
por menos: além de se tratar da estreia do Paraíso da Mira-
nava seu instrumento no próprio camarim.
gem no Recife, era apenas o quarto show do projeto. ‘’O Pa-
Perceber o processo criativo que leva a linguagem do
raíso está muito novo para entender e dizer que vamos ficar
Paraíso da Miragem ao momento da apresentação é se depa-
tranquilos. Rola esse nervosismo de ser recém-nascido ainda.
rar com uma força de trabalho gerida, sobretudo, por quem
Cada show é uma descoberta. Como são muitas nuances, ain-
valoriza a arte do encontro. Pessoas que se colocam a servi-
da está aquela coisa pra gente se perceber. Mas acho que vai
ço da música dispostas a somar e comunicar a sua verdade.
funcionar bastante.”
“Todas as músicas têm alguma relação com a fé. É o signo da
Em contraponto aos músicos que, mais descontraí-
gente”, concluiu o baiano de Feira de Santana. Saravá!
dos, revisavam o repertório no camarim entre goles de uísque e alguns baseados, além de se divertirem com os figurinos carnavalescos que iriam vestir, Russo não escondia a inquietação. Sentado, de olhos fechados, parecia meditar por um momento depois de alguns passos aflitos pelo camarim. Em seguida, veio a preocupação com a voz, já que iria emendar mais dois shows no dia seguinte em Salvador, com o Baiana System. A esta altura, Edy Trombone, que não pôde estar durante a passagem de som, já chegara para completar o time 44
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Texto: Karol Pacheco Fotos: Flora Pimentel, Karol Pacheco Áudio: Thiago Pethit, "Quero ser seu cão"
Sugar Darling, Bem que poderia ser um cigarro Hollywood, aquele branquinho que pedi a você assim que sentamos no chão, no backstage do Rec-Beat, para conversar. A tarde tinha acabado de começar e você havia acabado de sair da passagem de som. Estávamos lá, ao invés das ladeiras e suores e amores de Olinda, numa segunda-feira de Carnaval. Nós, a banda e um punhado de seus fãs. Punhado vem de mão, de punho (contava-se nos dedos os destemidos dos raios ultravioletas). O Recife Antigo, sob a rachante luz do sol, era paz e alguma sujeira restante do domingo carna48
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valesco. Digo que bem que podia ser um Hollywood, mas o cigarro era todo branquinho, sem aquela bituca amarelo-pro-marrom dos fortes – fortes não, lisos; o cigarro dos fortes combina mais com o Derby ou o Dallas. Digo bem que podia ser um Hollywood, para que eu pudesse citar Raul Seixas, um verso da canção “É fim do mês”, ainda no primeiro parágrafo. Antes tarde: “Eu procurei fumar cigarro Hollywood, que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso.” – por sinal, o doce (e o) sucesso estavam nos poros dos brincantes das Olindas. Hollywood lembra Los Angeles, templo de Rock’n’roll Sugar Darling, terceiro e açucarado disco seu. A curta canção “De trago em trago” cabe em um tempo no qual se fuma com um colega de trabalho entre a apuração e o fechamento; ou com uma amante, pós ou pré-sexo, dividindo a mesma nicotina, o mesmo filtro, tragando junto a umidade da saliva do outro. Se enchendo da mesma fumaça. Do mesmo fogo e do mesmo fôlego. Ah, o cigarro e seus encorajamentos rasos. A música tem pouco mais de um minuto. O cigarro é seu parceiro, companheiro mais antigo que o rock, que agora você desbrava. Trago sua fuma50
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ça de volta em quatro dias de Carnaval, Pethit. Ao passo que
geles, cidade estelar. Ainda há espaço para as estrelas da
cigarro encoraja e mete os olhos da gente bem dentro dos
decadência no novo álbum de Pethit. O divo Joe D’Alessandro,
olhos do outro, ele ensaia o sucesso. O sucesso que é para
diretamente de Andy Warhol, Serge Gainsbourg, Louis Malle,
os fortes, não só para os fortes que encaram o Derby ou o
John Walters e Francis Ford Coppola. “Passei a juventude ou-
Dallas, mas para quem tem paixão e coragem no realizar(-se),
vindo fotógrafos me mandarem tirar as calças, agora tenho
mesmo que seja coragem de nicotina. Seja lá qual for o cigar-
uma mulher que passa o dia me mandando abotoar a camisa”,
ro que fumamos naquele dia, não era um cigarro dos fortes,
brinca aquele que tem seu vozeirão na abertura de RnR Sugar
nem exatamente do olhar dentro do olho, mas paixão tinha.
Darling.
Tinha paixão, coragem e nicotina. O rock tem um pouco mais
Joe já foi o homem mais bonito do mundo. Em 1971, con-
do que isso, tem a proatividade que há muito chamam de ati-
ta Pethit, a revista Rolling Stone o estampou em sua capa
tude. Era apenas o quarto show da turnê, e onde você quer
para dizer que ele era “a estrela da revolução sexual”. Hoje,
chegar, criativamente, só descobre quando entra no palco e
aos 65 anos de idade, “é um senhor com rugas e uma certa
o jogo começa.
barriga, mas tem o cabelo mais sedoso do que o meu e o mesmo olhar poderoso”. Foi. Era. A estrela da revolução sexual.
Decadente rock, star
Agora, com a doçura que a idade confere ao galã de outrora, dá boas vindas ao Sugar Darling: “People need it. They really
Raul Seixas, bem entendido de rock que é, só não
need it. A down to earth rock’n’roll superstar. A rockstar thats
pensou em ir a Los Angeles. Pethit Pensou. Foi pra Los An-
hustles. On the same street´s they do. They need a street
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angel. An angel with a cowboy mouth.” Em “Walk on the Wild Side”, do disco Transformer (1972), produzido por David Bowie e Mick Ronson, Lou Reed sugeriu que D’Alessandro desse “uma volta pelo lado selvagem”. Ele, por sua vez, agora convida o mais novo roqueiro paulista: “Hey pethit, why don´t you show us. Some rock’n’roll sugar, my darling.” Os versos que abrem o show e o disco RnR Sugar Darling foram escritos por Thiago Pethit e gravados pelo astro na música de Lou Reed. Pethit bebeu toda energia da glicosetravesti Candy Darling. Energia ultrassexual, talvez caminhando para a trans e bissexualidade presente nas obras de Reed e Bowie. “Sou tão infeliz / Amando assim ao meu Johnny / Que não chora por mim”, seu flerte com os boyzinhos vem desde Estrela Decadente, esboço do que viria a se tornar Sugar Darling (evolução natural do anterior - que, por sua vez, fortifica as raízes do iniciado em Berlim, Texas, de 2010).
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Mangue Bitch, thudo é permithido “Recife, minha fanthasia de Mangue Bitch não ficou prontha a thempo. Vou fazer o show nua e purpurinada”. Carnaval é para se despir; o rock também. Thire, thire os thudos e os thanthos! Thire as fantasias às Segundas de Carnaval; elimine os bbbrothers da THIV Globo às therças; rethire o que disse no Facebook sem likes às quarthas; thire uma boyzinha para encoxar no Xinxim às quinthas (“Thoca Gonzaga”, pai do rock e rei do baião, onde o primeiro ritmo é bastião do segundo); desnude e desbunde betodélico às SexThas; tire o látex sugado para o engenho de dentro no sábado (o rito de cultura copular se legitima ao alvorecer); tire o despertador no domingo (não o domingo caótico que antecedeu o show de Thiago Pethit, o próximo, católico). O cantor realizou os ritos-repetitivos-criativos de toda 56
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uma semana (de carnaval) –, ou de toda uma turnê, durante
ga quando foi atacado naquela Segunda-feira engordando
40 minutos de show no Cais do Alfândega, no festival Rec-be-
pra Terça-feira Gorda (o rito de cultura copular se legitima ao
at. O Carnaval tem outro tempo, o rock também. Não, nem isso,
alvorecer). “boa noite. meu nome é luana. o que eu tenho pra
o rock não consulta calendário. Outro tempo e outros modos.
falar é que o preconceito em Recife é muito grande. eu mes-
Nenhum tempo, nenhum modo. Não fossem as instituições, o
ma já levei um coco verde na avenida antônio falcão que des-
Carnaval, primitivo, seria o Éden. Nas costas de Deus muitas
maiei. a gente vem trabalhar, mas vai passar por tudo isso.”
cobras entrando dançando interpretando cantando sendo
Enquanto isso, I’ll be a rock and rollin’ bitch for you! I
colhendo plantando comendo entorpecendo chupando (du-
wanna be your dog. Eu quero ser seu cão. FWD: Eu quero ser
dus descongelantes tang maçã e pitú) e saindo das Evas de
seu cao. Assunto do e-mail do fã J (leia-se Jota, mesmo, seu
muque e make também nos outros 360 dias pela frente, numa
apelido. O maceioense me emprestou seu celular, cuja melhor
atitude Bowie in The Next Day. pope on vacation in las vegas!
qualidade que o meu aparelho, proporcionou vídeo, imagens
Mary, Mangue Bitch, Mary. risofloras anas júlias nata-
e fotos, enviadas posteriormente pelo Gmail), com fotos e vídeos desde a fila do gargarejo, onde os fãs enlouqueciam com
chas, esqueça-as. Um travesti foi assassinado na Segunda-feira de Car-
a performance provocante e sensual do cantor paulista Thiago
naval, dia 17 de fevereiro. Segundo a única câmera de vigilân-
Pethit, em sua vertente mais rockeira. Thiago Pethit subia em
cia que conseguiu captar a ocorrência, o prostituto e travesti
um dos grides do palco, numa demonstração Carnaval Heroes.
João Roberto Pereira de Souza, vulgo Mary, urinava entre os
Mary, travesti e prostituta, pediu um baseado e levou
banheiros químicos feminino e masculino no Cais da Alfânde-
bônus-cacetes de todos os tipos de dores e tamanhos. Tra-
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tada como Mangue Bitch, tratou de torar a genitália que não reconhecia. Urina ureia flora bacteriana sangue zigotos e colifórmios do Recife. Mutação. Nascem três travestis e um embrião de thravesthículo rock’n’rollin’bitch sugar darling. “Não pela música thípica ou qualquer coisa do thipo, mas a themática. Uma festha em que homens possam se vestir de mulheres, se fantHasiar daquilo que gostariam de ser, por um ou 4 dias, sair, beijar todo mundo e lidar com a sexualidade de forma abertha e explícitha, nada disso faz muito senthido pra minha vida. Eu sempre pude fazer essas coisas. Me fantasiar de mulher sempre que quisesse, pude beijar thodo mundo ou brincar de ser as minhas fanthasias, seja Bowie, Carmen Miranda ou Super-herói, sempre que subo ao palco é carnaval pra mim. ao palco, é carnaval. outro tempo, outros modos. Se posso fazer isso sempre, não preciso desses 4 dias em que thudo isso é permithido.”
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Beijaço: abram aspas Foi muito surreal!!! tipo eu tava super empolgado lá na grade, delirando com cada música. Parecia que o mundo ia acabar depois da próxima haha Acho que ele curtiu ver a galera que tava ali na frente, cantando todas as músicas, se jogando demais! Ai na última música ele desceu do palco e foi cantar no mosh pit. Quando ele chegou na minha frente, eu segurei o braço dele e fiquei cantando junto com ele hahaha ai foi então que ele me agarrou e deu um beijo depois beijou uma menina e outro menino que estavam perto de mim, e do outro lado do palco ele deve ter beijado mais umas 3 pessoas também!!! Detalhe que meu namorado tava do meu lado e não gostou nada disso. Quase que a gente termina mas ai tudo se resolveu. No outro dia, uma amiga veio me mostrar uma notícia que saiu no blog da Roberta jungmann sobre o show e o beijaço. E postaram a foto exatamente do momento em que a gente estava se beijando! kkkkkk Há boatos de que no final do show eu desci pro mosh pit e beijei vários meninos... mentira gente!!! beijei meninas também haha :)
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Semideus, adeus
tomar a cidade com festas, mas não sou a pessoa mais carnavalesca que conheço. Quando elas olham pra mim
“O palco resume tudo que
como um semideus, eu viro um semideus. E eu dou mais.”
eu gostaria de ser. Não tudo que
“Pq semi?” “Ah, sei lá, pq eu sou meio humano, meio de car-
eu sou, mas o que eu gostaria de
ne e osso. Estar no palco pra mim é sobre transformação.”
ser. Eu consigo virar um semideus
Sugar Darling, o carnaval é sobre transformação, o
assim: tudo que eu sonhei ser, eu
rock também. As suas turnês são transformações. Eu vou
sou quando eu estou no palco.
te dizer, um mais do mesmo do que eu disse antes: “toca
Quando eu não tÔ no palco, eu
Gonzaga, as metamorfoses ambulantes”. Coisas dos enco-
não sou isso, eu não consigo ser
rajamentos nicotinhosos.
isso. É um mistério. Nem quando eu faço videoclipes. Na passagem de som, fico sem graça. O pÚblico, a troca, é um jogo. Eu preciso que as pessoas acreditem que eu sou um semideus - gosto da ideia meio grega de um deus Dionísio chegando em seu carro naval para 64
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Texto: Rodrigo Édipo, Igor Marques Fotos: Igor Marques Áudio: Matalanamão, "Ana Maria"
memria memória
não lembro bem, mas acho que foi na unitop que varlos me falou pela primeira vez sobre esse esquema do recbeat. nesse dia ele também falou de mais uns 300 projetos e me apresentou um planejamento do otros críticos pra 2035 e um contrato pra eu assinar. como de costume, falei que estaria ocupado até lá. dias depois veio o convite oficial. carlos me disse que “o artista” que escolheu para o meu ensaio era a matalanamão. nada mal. segundo ele, a ideia do convite veio depois de me ver comprar os radcunhos das obras autor editor
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de paulinho do amparo qe estavam a venda num quiosque numa feira de música. cada um com suas associações, mas
lembro que mostrei isso pra igor https://youtu.be/
acho que carlos é um cara que me entende. ele é um camisa
dt6fAbQTI1M e começamos a trocar ideia pelo chat… a partir
dez de primeira.
da conversa propus a ele em investir no tesão que tem pela
há muito tempo não venho com tesão pra escrever so-
fotografia analógica. igor é um dos responsáveis pelo projet-
bre música, isso explica un pouco meu distanciamento da mi
to passeio analógico.
(mas já to retomando). aceitei o desafio por ser matalanamão,
tenho um filme carregado, posso usá-lo
num impulso meio maloqueiro-juvenil-pride. a banda reside no seio da minha memória afetiva e contribuiu na formação do meu humor. um dia fui tomar o vegetal e um encadeamento de pensamentos me levou até igor - um menino novo, parceiro na autoria deste trabalho. cheguei a conclusão de q nao precisava fazer o trampo e decidi dar essa oportunidade a ele. falei com carlos echegamos a conclusão que deveriamos duplar. igor e eu. beleza. convidei igor.
13 de fevereiro de 2015 15:52 Segue alguns links sobre a Matalanamão: https://www.youtube.com/watch?v=cot90aSgQjY http://letras.mus.br/matalanamao/ https://www.facebook.com/matalanamao https://soundcloud.com/banda-matalanam-o 14 de fevereiro de 2015 19:03 Tudo certo? 9h30 e 19h amanhã? chegamis no recife antigo na hora combinada. igor já estava à minha espera sentado em um gelo baiano, olhando
11 de fevereiro de 2015 18:45 só não sei como posso te ajudar 70
para o palco vazio. o telefone da produtora do recbeat não 71
dava sinal e ficamos sem contato. decidimos sair de lá pra tomar uma coca e batemos um papo mais reto sobre como iríamos fazer o trabalho. nos perdemos um pouco na conversa e o tempo passou por nós. mas conseguimos recuperá-lo. bruno loja nos atendeu e nos conduziu até o palco. os caras já estavam se preparando para a passagem de som. “oxe, cadê? nos prometeram três virgens!” foi assim que eu e igor fomos recebidos pela banda. eu que pensei que a tarefa de quebrar o gelo seria minha, os caras deram um adianto no trabalho. nos receberam super bem e o papo fluiu como de boleiro, naquela linguagem da rua mesmo, de galera, sem muita frecusra. falamos sobre as duas dévcadas de carreira da banda que logo descambou praquele papo de que “tá todo mundo véio, mesmo”. engraçado ver essa perspctiva, pra mim matalanamão sempre representou aquela putaria juvenil, punheteira e cheia de perversão ainda não realizada., Chegou uma prima minha que veio de sao paulo cheia de 72
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sutaque boa pra caralho/seu nome é cristinha tem um corpo que
que não dava mais pra fazer essas coisas, por conta das es-
me atrai nao so a mim como ao meu pai/Fico sem controle cheio
posas e filhos. os caras envelheceram, aquele papo. mas com
de tesão quando estou com ela/Assistindo televisão cristina mi-
bom humor. a passagem de som foi bem rápida, muito mais
nha filha prepares para ver/Vou ter um orgamo em homenagem a
breve que a troca de ideia que a antecedeu. tradição punk,
você/Em homenagem a você (3x) Ah http://letras.mus.br/matala-
aquela urgência, músicas simples e a agressividade sarcás-
namao/842259/
tica e niilista de sempre. mas o punch chega junto, bate no
sei que a conclusão da conversa foi que tava todo mundo velho e a vibe ficou foi nostálgica. como estávamos com
peito e você dá aquele sorriso de canto de boca pensando “agora sim”.
equipamentos analógicos um papo bom que rendeu também
tiramos fotos no final, tava um climão bem de broda-
foi sobre tecnologia, revisitamos o passado e falamos sobre
gem, todo mundo feliz. fomos até convidados pra ir com eles
fitas e câmeras vhs… adilson ron ron nos contou a história de
pro alto zé do pinho e ficar até a hora do show, coisa que
uma ex namorada que sumiu com todo material que ele tinha
deixaria esse texto 500% melhor, mas eu tava recebendo um
do matalanamão depois que acabou o namoro. inclusive a vhs
casal de fora no carnaval e abdiquei pra curtir um paço do
original do clipe “os peitinhos” também sumiu. esse clipe foi
frevo e andar de barquinho até o galo da madrugada spock
censurado pela mtv na época. https://www.youtube.com/wat-
dos olhos azuis. que foi bom também. as coisas são o que são.
ch?v=cot90aSgQjY sugeri que trouxessem filmes pornôs ou pornochanchadas para projetar na hora do show. todos riram, disseram 74
15 de fevereiro de 2015 17:38 Doido, tô saindo sem celular, beleza? A gente se encontra 75
xhegamos e encontramos os caras no backstage e nos embicamos no camarim. o astral tava um pouco menos light que de tarde, apesar de tanto tempo na estrada, percebe-se que o frio na barriga é eterno e nos acompanha pro resto da vida. foi bonito vê-los ansiosos pelo show sem se importar em disfarçar, mesmo com 300 anos de estrada. foi muito massa ver alberto vestido de chaves emulando um ‘isso isso isso” na frente do e spelho. quem me conhece sabe do meu respeito por bolaños. matalanamão é um projeto muito verdadeiro e fiquei feliz em perceber e sentir isso na real. mas é aquilo, quem faz com amor costuma ser assim, né verdade? 8 de março de 2015 23:04 oi igor, você poderia me mandar um relato da sua experiência no dia do matalanamão... 9 de março de 2015 01:17 Matalanamão.docx
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Quando Adilson perguntava sobre a possibilidade de Gutie não ter pagado a conta luz em meio a escuridão que tomava o palco, eu me perguntava se ainda sim o show continuaria ironicamente enérgico, tal como seguia, e a resposta foi instantânea, o público que chegou cedo a um festival que não possui o feitio de explorar o punk, em meio ao carnaval, pôs em questão o papel da iluminação, talvez até instigando mais a banda a perceber que a troca de energias que acontecia ali, tratava-se de um elo entre eles (o público) e a música, o resto era tal qual um prato gourmet, que se come por vaidade e não por necessidade. Quando senti que não só eu tinha captado a mensagem, mas a banda também, percebi que existia uma reciprocidade, que só era real porque havia uma comunicação fluida entre os dois eixos em questão. A física diz que a escuridão não pode ser estudada separadamente da luz, já que o escuro é, na verdade a ausência do claro. O suprassumo de poder acompanhar Matalanamão foi 78
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perceber que, de fato não há postura palco, e é ai que mora a sabedoria de conseguir repassar sinceridade ao público e ser reconhecido por isso, valendo ressaltar que não falamos de um público comum. Os músicos estavam empolgados, comentavam estar há tempos tocando aqui e acolá, mas viam no festival a oportunidade de poder mostrar para um bom público que o barato de fazer música da forma como eles assumiram lá em 93, quando a banda começou a tocar, continuava o mesmo, talvez com letras diferentes, mas com mesma empolgação de sempre, e assim fizeram, suando as músicas, fantasiados durante o carnaval, com ou sem luz. Tal qual uma transa, mesmo que nós tentemos desmontar e ressignificar as ações e sensações, de qualquer maneira o show da Matalanamão, banda de punk pornô surgida na efervescência das multiculturas de uma favela recifense, começa como uma surpresa, no impulso de provocar, é intenso na maneira de causar e reverberar por si só e acaba na vontade de querer de novo. E o que marca é que, com a total 80
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abertura que os músicos lhe dão com todos, a sensação de dever cumprido é mútua. 6 de março de 2015 10:30 Chegaram as fotos, doido!! 6 de março de 2015 21:07 http://we.tl/cTdrkqKYyx Rolaram umas duplas exposições, que eu já tava pensando que iriam rolar. Vê aí se tu curte. Comenta aqui comigo, tô curioso! Ficaram fodas!! 7 de março de 2015 04:44 =D
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8/4/2015 10:43 RODRIGO ÉDIPO: se eu tirar print screen do meu texto, fernanda resolve? se eu entregar em imagem? 8/4/2015 10:44 CARLOS GOMES: Dá não, porque vai pro indesigner Teríamos que escrever tudo Tas escrevendo a mão é?
8/4/2015 10:55 CARLOS GOMES: Certo. Mas pra diagramar precisamos do texto. 8/4/2015 10:55 RODRIGO ÉDIPO: xiii beleza. 8/4/2015 10:56 CARLOS GOMES: Manda os dois formatos e te mostro como vai ficar
8/4/2015 10:51 RODRIGO ÉDIPO: no googlr docs google docs*
8/4/2015 10:56 RODRIGO ÉDIPO: massa.
8/4/2015 10:52 CARLOS GOMES: Manda os dois formatos Colocamos o texto e depois as marcações
8/4/2015 11:07 CARLOS GOMES: Fiquei pensando em incluir uma cor do editor, com observações que eu faria e a gente manter tudo.
8/4/2015 10:53 RODRIGO ÉDIPO: a ideia se sompleta se mostrar o texto dentro do google docs. completa. com as falhas... os destaques... a organicidade. é a forma que meu texto dialoga com a estética da banda de alguma forma. então é uma solução importante. posso escanear também. imprimir o print screen e escanear. me diz o que fernanda acha que devo fazer.
8/4/2015 11:07 RODRIGO ÉDIPO: ótimo!! mas aí não acaba nunca. porque eu também faria observacoes em cima das tuas ou não?
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8/4/2015 11:08 CARLOS GOMES: Mas na tua escrita a cor tem que significado? 8/4/2015 11:08 RODRIGO ÉDIPO: só preu entender. texto coletivo. hehe 85
isso pode ficar massa.
Entende?
8/4/2015 11:08 CARLOS GOMES: Ê mesmo. Mas a designer tomou o texto do editor e publicamos na net. Heje
8/4/2015 11:16 RODRIGO ÉDIPO: e mostrar que eu to escutando um disco durante a escrita? o que eu* simboliza algo? ou que to com varias abas de algum escritor de referencia emnqto escrevo o texto... etc etc? mostrar o navegador é uma coisa... mostrar só o texto é outra. a plataforma diz muito. podia ta ewcrevendo numa maquina de escrever embaixo de uma arvore. num sitio. offline.
8/4/2015 11:09 RODRIGO ÉDIPO: aí essa conversa aqui vai pro texto. hahaha tem que parecer o editor de texto. e se for de fato o editor de texto melhor ainda. essa segunda imagem que te passei o título do texto e os creditos tão no canto superior direito da tela. onde se bota o nome do arquivo no google docs quanto mais a gente deixar vivo esse processo tecnico-orgânico, mas faz sentido o texto. canto superior esquerdo* 8/4/2015 11:14 CARLOS GOMES: Mas acho que manter Google docs não é importante 8/4/2015 11:15 RODRIGO ÉDIPO: ooolhe 8/4/2015 11:15 CARLOS GOMES: As marcas do texto, ortografia, editor etc, cores Isso já é o processo Não importa a plataforma Podia ser numa máquina de escrever Com várias rasuras 86
8/4/2015 11:18 CARLOS GOMES: Sei 8/4/2015 11:21 RODRIGO ÉDIPO: esse lance da edição também, gostaria de deixar o erro passar. assim como aquele acorde errado da banda no palco. e agora, carlos?? 8/4/2015 11:23 CARLOS GOMES: manda tudo que fica melhor de discutir já em cima das soluções que fernanda der tb
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8/4/2015 12:16 RODRIGO ÉDIPO: tudo enviado.
8/4/2015 16:11 RODRIGO ÉDIPO: Pera. Vou amadurecer e te respondo já.
8/4/2015 12:57 CARLOS GOMES: recebido
8/4/2015 16:15 CARLOS GOMES: Blz
8/4/2015 12:57 RODRIGO ÉDIPO: show.
9/4/2015 10:44 RODRIGO ÉDIPO: não concordei com o argumento dito lá em cima sobre não fazer sentido se “eu atrasei”... mas acredito que pode ficar bom com o toque de vocês.
8/4/2015 15:58 CARLOS GOMES: queria discutir contigo o ‘processo criativo’ o texto focou bem mais no processo criativo dos autores do que da banda. acho que os erros ortográficos só valem se você estivesse entregue no dia seguinte. uma vez que maturasse sobre eles, não tem muito sentido manter os erros. a não ser os que caracterizem uma função. o do título, por exemplo, as falas, o copiar-colar de conversas. mas a parte narrativa e ensaística do texto, onde está presente a tua voz, não vejo sentido em manter o erro. Os prints vamos ver como usar. As fotos preto e branco achei mais bacanas. Tem uma lá por trás dos músicos que diz bem o lugar que quisemos ocupar nestes ensaios. Valia ser a capa do livro. oc é um espaço pra experimentação, mas a gente vendo esses detalhes dá pra deixar o ensaio “melhor”. Vamo conversando, mas dando carta branca mexo na revisão de uma parte e já vamos diagramar.
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9/4/2015 10:45 CARLOS GOMES: Ali eu não falei de atrasar, mas manter a grafia quando o texto é escrito numa tomada só Bate e pronto Sem revisão. Aí acho que justifica mais 9/4/2015 10:46 RODRIGO ÉDIPO: mas ele foi escrito numa tomada só. essa é a questão. por trechos. mas vamo nessa. confio em vocês. 9/4/2015 10:57 CARLOS GOMES: BLz.
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autores
CARLOS GOMES Editor e curador do Outros Críticos, atualmente cursa mestrado em Comunicação na UFPE, com estudo comparado dos movimentos Tropicália e Manguebeat. IGOR MARQUES Fotógrafo e editor do site de música Manga Rosa, participou da organização do Passeio Analógico. KAROL PACHECO Jornalista e repórter-estagiária do Caderno C do Jornal do Commercio, atualmente faz parte da equipe principal da revista Outros Críticos e na Goelas, com assessoria de imprensa para produtos culturais. MARINA SUASSUNA Jornalista. Colabora com a revista Continente e atualmente faz parte da equipe principal da revista Outros Críticos. RODRIGO ÉDIPO Mestre em Comunicação pela UFPE, atua como pesquisador nas áreas de comunicação, educação e desenvolvimento urbano. Curador/editor da Mi - Música Independente.
DESIGNER
FERNANDA MAIA Designer, cuida dos projetos gráficos das publicações, coletâneas e material de divulgação do Outros Críticos. Formada em Letras, se interessa pelo estudo intersemiótico na relação palavra-imagem, principalmente no livro ilustrado.
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Idealizado por Carlos Gomes e Fernanda Maia, é um projeto de crítica cultural que atua desde 2008. O site é atualizado com artigos sobre a música brasileira, com foco na cena musical pernambucana. Entre 2010 e 2013 publicaram o e-zine “pq?”. Além da crítica na internet, também produzem livros, como os de ensaios “Entrelugares – notas críticas sobre o pós-mangue” (2012), de Ricardo Maia Jr. e “no mínimo era isso: 10 bandas, 10 ensaios” (2013), de vários autores. Em 2012, promoveram uma série de debates e apresentações musicais com o “Outros Críticos convidam”. Atualmente, se dedicam às edições da revista Outros Críticos, que circula bimestralmente com incentivo do Funcultura (2014-2015), e ao ano II do festival “Outros Críticos convidam”, a ser realizado no segundo semestre de 2015.
OUTROS CRÍTICOS
A história do Festival Rec-Beat se confunde intimamente com o desenvolvimento da cena musical pernambucana dos anos 1990. As primeiras edições aconteceram em Olinda. A partir de 1999, o evento passou a integrar a programação oficial do Carnaval do Recife. O esforço para garimpar, buscar o novo e nunca cair no lugar comum continua sendo uma das grandes marcas do RecBeat. É bom ressaltar que essa verve contemporânea tem dialogado festiva e construtivamente com manifestações artísticas mais tradicionais, sejam do Brasil ou de outras nações. Nesses vinte anos de existência, são muitos os nomes que deixaram grandes marcas na memória afetiva de quem os assistiu no palco do Rec-Beat. O Festival Rec-Beat é patrocinado pela Prefeitura do Recife, tem apoio do Governo do Estado de Pernambuco.
REC-BEAT
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CRÉDITOS
FOTOGRAFIAS
FRAGMENTOS
p.9 – Pedro Bayeux. Frame do teaser-documentário do Festival Rec-Beat 2015. p. 12 – Carlos Gomes. Efeito em preto e branco por Fernanda Maia. p. 15 – Carlos Gomes. Montagem por Fernanda Maia. p. 16 – Flora Pimentel p. 18 – Carlos Gomes. Efeito em preto e branco por Fernanda Maia. p. 19 – Ariel Martini pp. 20,23, 24 – Flora Pimentel
CORTÁZAR, Julio. Fora de hora. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
p. 29 – Flora Pimentel. Montagem por Fernanda Maia. pp. 32, 35 – Marina Suassuna. Efeito em preto e branco por Fernanda Maia. p. 36 – Flora Pimentel p. 39 – Marina Suassuna p. 42 – Flora Pimentel pp. 46, 47 – Flora Pimentel. Montagem por Fernanda Maia. p. 46 – Karol Pacheco p. 50 – Karol Pacheco. Efeito em preto e branco por Fernanda Maia. pp. 54, 57, 61, 62 – Flora Pimentel p. 64, 65 – Karol Pacheco pp. 66, 67 – Igor Marques. Montagem por Fernanda Maia. pp. 73, 77, 78, 81, 83 – Igor Marques
SALLES, C. A.. Gesto inacabado: processo de criação artística. Ed. 2. São Paulo – FAPESP: Annablume, 2004.
p. 8 – SALLES, 2004, p. 31. p. 15 – SALLES, 2004, p. 13. pp. 28, 29 – SALLES, 2004, p. 71, 72. pp. 46-47 – SALLES, 2004, p. 53. p. 47 – CORTÁZAR, 1985, p. 09. pp. 66, 67 – SALLES, 2004, p. 15.
ÁUDIO 1. 2. 3. 4.
Juçara Marçal - Queimando a língua Russo Passapusso - Paraquedas Thiago Pethit - Quero ser seu cão Matalanamão - Ana Maria
Gravação ao vivo realizada pelo Estúdio Base do Festival Rec-Beat 2015, ocorrido no Paço Alfândega, no bairro do Recife, durante o carnaval em Recife, Pernambuco, Brasil.
p. 91 - Texto sobre Rec-Beat por AD Luna.
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Livro
Revista
Ed. 1 # cenas musicais janeiro/2014
Ed. 2 # o valor da música março/2014
Ed. 3 # paisagem sonora maio/2014
Ed. 4 # artes integradas agosto/2014
Ed. 5 # o improviso como forma - outubro/2014
Ed. 6 # estética e política dezembro/2014
Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue (2012)
no mínimo era isso (2013)