"Ninguém é perfeito e a vida é assim": a música brega em Pernambuco - Thiago Soares [preview]

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Edição: Carlos Gomes Projeto gráfico: Fernanda Maia Ensaio fotográfico: Chico Ludermir Capa: Montagem de Fernanda Maia sobre fotografia de Chico Ludermir Incentivo: Funcultura - Governo do Estado de Pernambuco Realização: Outros Críticos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Soares, Thiago “Ninguém é perfeito e a vida é assim”: a música brega em Pernambuco/ Thiago Soares; [ensaio fotográfico Chico Ludermir]. – Recife, PE : Carlos Gomes de Oliveira Filho, 2017. Bibliografia. ISBN: 978-85-919115-3-0 1. Cultura popular 2. Gêneros musicais 3. Música - Aspectos sociais 4. Música - Estética 5. Música popular (Canções etc.) - Pernambuco História e crítica I. Ludermir, Chico. II. Título. 17-07015

CDD-780.981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Música brega pernambucana: Expressão popular: História e crítica 780.981

2017 Outros Críticos contato@outroscriticos.com www.outroscriticos.com

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Para meu pai, que me emocionou ao ouvir “A Raposa e as Uvas”.

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Não deixe o brega morrer Desse jeito pode acabar Escrevam letras bonitas Pra que eu possa cantar Uma letra de um brega se fala de amor De grandes coisas dessa vida que a gente passou Não dá para aceitar o que está acontecendo Desse jeito nosso brega acaba morrendo Não falo da renovação porque acho bonito Brega pop do Pará assim como calypso Mas sim dessas gravações de como quem tá transando Isso é apelação, vamo acabar com isso Banda Aparências

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Prefácio A vida tem mais sabor quando é levada pelo nosso lado brega por Micael Herschmann

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Introdução Afetos bregueiros 12 Capítulo 1 Incômodos e políticas da música brega 24 Música pernambucana de qualidade: para quem? Disputas institucionais de valor musical O problema do arquivo

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O brega em eixos estéticos

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Capítulo 2 Recife não é Belém: Brega não é Tecnobrega 48 A teatralização da subalternidade Espacialidades bregueiras

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56 O deslizar do brega pela Avenida Conde da Boa Vista 59 Música brega e cultura da mobilidade 63 Circuitos de lazer: das pagoderias às casas de brega

Capítulo 3 Economias Estéticas do Brega 70

73 NP Produções e a Estética dos Teclados 74 Mediadores produtivos da cena brega

Luan Produções e a Banda Calypso no Recife O brega universitário

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Tensões em cena: brega, VIP e descolado Quando ser brega é conveniente

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Capítulo 4 Quando a piriguete encontra o cafuçu 92 Distinção na bebida alcoólica

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97 Desejos deslizantes na festa brega 100 Clubes como ambiências das canções 104 Piriguetismos noturnos 105 A virilidade do cafuçu 107 A diva bregueira 109 O “gangsta” do brega 111 O corpo alcoolizado como performance

Capítulo 5 Bregueiros midiatizados 116 Máquina e poder

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Compartilhamentos, redes sociais e versões Blogue para bregueiros

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Vocação televisiva do brega

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Pedofilia midiatizada: o caso Denny Oliveira “Jacaré que dorme vira bolsa”

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Reencenações do pop em videoclipes

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Capítulo 6 A Funkização do Brega 142

148 Ostentar ou não, eis a questão 150 Brega como cidadania cultural 153 Utopia e transformação 154 A “abertura” do brega ao funk

Bibliografia

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Ensaio Fotográfico A dança que nos revela 164 por Chico Ludermir 7


prefácio

A vida tem mais sabor quando é levada pelo nosso lado brega Micael Herschmann Doutor em Comunicação pela UFRJ, pesquisador do CNPq, professor do PPGCOM da UFRJ, onde também coordena o Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação. Contato: micaelmh@globo.com

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Em seu livro Gramática do tempo (2010), o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos critica a postura científica mais conservadora, ressaltando a importância do pesquisador em investir na polifonia e na enorme riqueza presente no socius de um determinado contexto, valorizando especialmente os aspectos que não são encarados com muita credibilidade pelos membros da crítica e Academia. A proposta de Thiago Soares caminha corajosamente neste sendeiro menos percorrido e, de certo modo, esta publicação se insere na corrente de estudos comunicacionais de Música, Som & Entretenimento (HERSCHMANN et al., 2014), que vem atuando em âmbito nacional, e a qual tem procurado, entre outras coisas, problematizar as previsíveis condenações das manifestações musicais populares, salientando a relevância e complexidade destas expressões coletivas na vida sociocultural do País das últimas décadas (AMARAL, 2006; SÁ, 2011; HERSCHMANN, 2000; JANOTTI JUNIOR, 2003; TROTTA, 2014). Em seu livro intitulado Ninguém é perfeito e a vida é assim – a música Brega em Pernambuco, este pesquisador, jornalista cultural e professor da UFPE, reúne vários instigantes ensaios – elaborados entre 2005 e 2016 –, nos quais analisa a complexidade das polêmicas entre os atores e a relevância sociocultural de um amplo universo musical que tem como referência não só o Brega Tradicional, de ídolos locais/regionais, tais como Reginaldo Rossi, Adilson Ramos e Augusto César (que tem como referência, por exemplo, o trabalho de Waldick Soriano, Odair José e Agnaldo Timóteo), mas também o Brega Pop (mais dançante e que dialoga com ritmos caribenhos, forró e tecnobrega), o chamado Brega Universitário e até o Brega Funk. Entre outras coisas, Soares busca ao longo deste livro debater a noção de “qualidade musical” associada ao universo do brega na cidade do Recife, evidenciando o preconceito social por parte da crítica e da elite locais que entronizam certas expressões culturais como sendo de excelência (as quais ainda tomam como principal referência para o “padrão de bom gosto” a chamada música erudita). Além disso, o autor chama a atenção para um importante aspecto político desempenhado pelo brega nesta região: a capacidade deste universo cultural de promover “zonas de contato” (PRATT, 1992), ou seja, dinâmicas de encontros e trocas assimétricas entre diferentes segmentos sociais, o que tem gerado inúmeras articulações e tensões 9


urbanas, detalhadamente analisadas ao longo desta publicação. Nesse sentido, o autor afirma: A música brega aciona uma dimensão política na medida em que “força” a classe média branca e parda de Recife a se deparar com o Outro. (...) Este Outro, primeiramente é exótico e estranho (...), é quase visto como selvagem. É a música que aciona um outro padrão estético musical, tensionando as normas clássicas de gravação, agindo no improviso, naquilo que não se reconhece como “de qualidade”. O brega, em suas levadas musicais, coloca-nos diante de outras corporeidades possíveis: aquela que é negra, sem ser folclórica. Uma negritude que se constrói em diálogos com os padrões midiáticos, mas de forma viva e pulsante.

Assim, poderia se afirmar que o mundo bregueiro, assim como o do funk, forró e do tecnobrega, colocam em cena (para desespero dos setores mais conservadores da sociedade) o Outro, isto é, oferece visibilidade aos atores oriundos das camadas menos privilegiadas da população, os quais ganham protagonismo e reivindicam espaço para suas demandas, códigos sociais, performatividades e referenciais estéticos. Portanto, Soares parte do pressuposto de que os artistas e consumidores da cena brega ressignificam em certo sentido o seu cotidiano, construindo significativas dinâmicas de agenciamentos de “territorialidades” na cidade do Recife, as quais colocam em pauta, isto é, no centro, expressões culturais populares que tradicionalmente ocupavam uma posição periférica. Nesse sentido, o autor salienta que: (...) o periférico em geral aparece sob a máscara do exótico da cultura popular-folclórica, como nas imagens publicitárias institucionais que os governos amam exibir. Mas qual o periférico que está nas margens hoje? A música da periferia do Recife não é apenas o maracatu iluminado e museificado, tampouco o caboclinho com um riso fácil ou o afoxé de um carnaval de tambores silenciosos. A música da periferia do Recife é, sobretudo, o brega romântico, rasgado, sensual e pernicioso.

Ao mesmo tempo, Soares sublinha que na capital muitos moradores, mesmo aqueles das áreas mais elitizadas da cidade, vêm aderindo às festas e bailes bregas (alguns desses considerados bastante “descolados” pelos atores). De certa maneira, o autor analisa parte do processo pelo qual o segmento social mais abastado da cidade, nos últimos anos, vem “(re)descobrindo o seu lado brega” (ainda que não o assuma de forma pública). 10


Referências AMARAL, Adriana. Visões Perigosas: uma arque-genealogia do cyberpunk. Porto Alegre: Editora Sulina, 2006. HERSCHMANN, Micael. O funk e hip hop invadem a cena. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000. HERSCHMANN, Micael; FERNANDES, Cíntia S. Música nas ruas do Rio de Janeiro. São Paulo: Ed. Intercom, 2014. HERSCHMANN, Micael; SÁ, Simone; TROTTA, Felipe: JANOTTI JR, Jeder. Consolidação dos Estudos de Música, Som e Entretenimento no Brasil In: MORAES, Osvando (org.) Ciências da Comunicação em Processo. São Paulo: Ed. Intercom, 2014, v.1, p. 404-426. JANOTTI JUNIOR, Jeder. Aumenta que isso é Rock in Roll. Rio de Janeiro: E-Papers, 2003. PARKER, Richard. Beneath the Equator: cultures of desire, male homosexuality, and the emerging gay communities in Brazil. New York: Routledge, 1999. PRATT, Mary Louise. Imperial eyes: travel and transculturalism. Londres: Routledge, 1992. SÁ, Simone Pereira. Funk Carioca: música eletrônica popular brasileira?! In: Revista E-COMPÓS. Brasília: COMPÓS, 2011. SOUSA SANTOS, Boaventura de. Gramática do tempo. São Paulo: Cortez, vol. 4, 2006. TROTTA, Felipe. No Ceará não tem disso não. Rio de Janeiro: Folio Digital, 2014.

Assim, analisa e dá destaque ao crescimento do número de casas noturnas – mesmo nos bairros chiques da cidade – que abrem espaço para a música brega na sua programação recorrente. Nesse sentido é que o autor afirma que emerge nesses espaços e no seu entorno uma “geografia do desejo” (Parker, 1999), ambientes de “paquera” e “pegação”, os quais afetam parcialmente o ritmo e a dinâmica do cotidiano noturno do Recife. Soares menciona a Avenida Conde da Boa Vista como um caso exemplar de como a música brega vem reconfigurando a “cartografia” da cidade, através da construção de “territorialidades sônicos-musicais” (HERSCHMANN e FERNANDES, 2014). Além disso, nos últimos anos, nesse processo de popularização do brega, o autor constata que a dança, performance e corporeidade desempenham um importante papel na mobilização do público, colaborando para colocar em evidência (inclusive nas mídias tradicionais e alternativas) uma cena cultural de grande efervescência, na qual se destacam não só os cafuçus, mas também as piriguetes, coroas, divas bregueiras e novinhas. Para finalizar, vale a pena ressaltar ainda que este livro de Soares é bastante atual e engenhoso, elaborado por um autor que não só não teme enfrentar controvérsias, mas também que não teme salientar como preconceitos sociais e estéticos vem presidindo os debates em certos contextos. Portanto, recomenda-se o inovador Ninguém é perfeito e a vida é assim a todos os interessados em repensar de que maneira o brega vem se popularizando e conquistando lugares significativos no imaginário social da cidade do Recife. Afinal, como afirma com certa sabedoria e jocosidade o cantor e compositor Falcão: “a vida tem mais sabor quando é levada pelo nosso lado brega”.

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Introdução

Afetos bregueiros Thiago Soares Professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCom) e do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), autor dos livros Videoclipe – O Elogio da Desarmonia (2004) e A Estética do Videoclipe (2013) e pesquisador do Laboratório de Análise de Música e Audiovisual (LAMA). Coordena o Grupo de Pesquisa em Mídia, Entretenimento e Cultura Pop na UFPE e o GT Comunicação, Música e Entretenimento da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) – Gestão 2015-2017. Contato: thikos@gmail.com

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O termo “música brega” é contraditório em qualquer contexto. Evoca divergências: quem chama a música de brega? Quem se diz ouvir música brega? Quem assume fazer música brega? Quem detrata a música brega? O termo “brega” e, portanto, “música brega” carrega, em si, contradições culturais. Aciona disputas de gosto, de classe, de gênero, de raça. Encena lugares, situações, corpos. Quase sempre corpos subalternos. Possivelmente abjetos. Corpos outros. Possíveis. Este livro Ninguém é perfeito e a vida é assim: a música brega em Pernambuco é uma tentativa de pensar o brega produzido em Pernambuco, entre duas décadas, no final dos anos 1990 e parte dos anos 2000, como um conjunto de tensões, dissensos culturais, negociações e performances que formaram parte da cultura musical, sobretudo, da capital pernambucana. Sem receio algum em afirmar: a extensa produção de música brega é parte fundamental e significante para o entendimento dos atravessamentos pelos quais a cidade do Recife passou – e passa. Geograficamente, culturalmente, politicamente. Os textos que aqui estão reunidos foram produzidos de forma dispersa, entre os anos de 2005 e 2016, quando comecei a me interessar pela música brega, ocupando o cargo de editor dos suplementos culturais do jornal Folha de Pernambuco (um veículo jornalístico voltado, originalmente, para as camadas populares) e também durante a minha formação entre o mestrado em Letras (UFPE) e o doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). Paralela a esta atividade, eu ministrava aulas nos cursos de Comunicação em diversas universidades da Região Metropolitana do Recife e, inevitavelmente, era interpelado pela música em conversas, bares e ruas da cidade. A música brega, 13


reparem, nunca esteve formalmente na minha partitura de pesquisas, no entanto, constantemente, eu era interpelado por questões que vinham deste gênero musical: seja no tocante à sexualização das letras, às disputas estéticas entre subgêneros musicais, à trajetória de artistas das periferias do Recife e, sobretudo, às referências sempre presentes de um imaginário pop na forma com que cantores e cantoras do brega comentavam sobre seus processos de criação e expressão. Vez ou outra, portanto, era instigado a escrever sobre a música brega do Recife na Folha de Pernambuco, entrevistar artistas, passar tardes fazendo ensaios fotográficos com eles, criar pautas. As pautas que, certamente, mais me instigavam eram aquelas em que transformávamos cantoras de brega em divas pop. Fizemos de Dany Miller, então vocalista da banda Lolyta, a “Beyoncé do Brega”. Dayane, vocalista da Frutos do Amor, a emancipada “Mariah Carey do Brega”. Michelle Melo, da banda Metade, a “Madonna do Brega”, expandiu-se e foi parar na Rede Globo, entrevistada por Regina Casé. O contato com estes artistas foi me fazendo perceber sistemas produtivos de música profundamente efêmeros, simples, caseiros, ao mesmo tempo, de uma singular potência comunicacional, de adesão e largo espectro de público. Percebi também um processo particular de celebrização que emergia nos contextos de periferia, passava pelos programas da televisão local e também pelos sites de redes sociais e me fazia enxergar a formação de ídolos nas periferias, em geral, de classes populares, que, rapidamente, eram alçados à esfera do “star system” pernambucano. Neste contexto, era possível que um morador do bairro de Nova Descoberta, na periferia do Recife, se transformasse num ídolo, aparecesse na televisão, começasse a trilhar uma carreira artística como cantor de brega e que seus vizinhos se orgulhassem por morar naquele bairro, ao lado de um artista. Este imaginário povoou – e ainda povoa – as periferias recifenses e fez emergir uma certa noção de que 14


a cultura seria uma forma de sujeitos aparecerem como celebridades num contexto periférico, narrativa que funcionou – e funciona – como base de políticas públicas e culturais nos mais diversos países (no Brasil, em países da América Latina, África, entre outros). O sistema produtivo da música brega em Pernambuco sempre me interessou porque, a partir dele, é possível discutir os agentes de produção, ambientes, estéticas, corporalidades e o consumo das classes populares – e seus atravessamentos – e posterior chegada em outros ambientes, notadamente, os bairros mais abastados da cidade e as boates e festas “descoladas” do Recife. Faço aqui um recorte: “música brega do Recife”. Essa ênfase na produção urbana é oriunda de uma disposição geográfica capaz de abarcar a Capital e sua Região Metropolitana como importantes eixos produtivos deste gênero musical e sua disseminação por todo o estado de Pernambuco. Sabemos que este recorte não abarca, por exemplo, a importante produção de música brega existente em cidades da Zona da Mata Norte de Pernambuco, onde os maiores expoentes são cantores como André Viana e Kelvis Duran, e todo o seu sistema produtivo – no entanto, é sintomático reconhecer que o eixo de criação, gravação e disseminação da música brega se dá maciçamente no Recife – cabendo ao interior de Pernambuco funcionar como um importante circuito de shows e espetáculos. Este livro reúne, portanto, textos, rascunhos de pesquisa, anotações jornalísticas e minha própria memória em torno de fatos e seus desdobramentos. Vários destes textos foram publicados em versões mais curtas em congressos e revistas científicas da área de Comunicação e Música, quando, a partir da resposta que fui tendo de pesquisadores das inúmeras áreas (da Antropologia, passando pela História e a Sociologia, além, logicamente da Comunicação), fui amadurecendo questões, endossando certos pontos de vista, questionando outros. Pela própria trajetória dos textos, é possível 15


perceber uma série de (re)enquadramentos, novas perspectivas. O primeiro artigo acadêmico que produzi sobre o brega foi redigido em 2012 e apresentado no X Congresso da Associação Internacional para Estudos da Música Popular (IASPM) – Rama Latino-Americana, em Córdoba (Argentina) e se chamou “Quando a ‘Piriguete’ encontra o ‘Cafuçu’: Divas e ‘Gangstas’ nas Encenações Performáticas no Tecnobrega do Recife”. Percebam que eu ainda chamava o Brega de Pernambuco de Tecnobrega – questão que amadureci quando visitei Belém do Pará, por duas vezes e, em contato com as festas de Aparelhagem e as pesquisas em torno de artistas como Gaby Amarantos e Gang do Eletro, fui percebendo duas tradições e histórias distintas. O Tecnobrega e seu contato com os ritmos caribenhos e com a estética das equipes de Aparelhagem e o Brega recifense com a música de seresta, o forró eletrônico, o próprio Tecnobrega paraense e matrizes do funk carioca. A partir das críticas e do debate gerado no evento, publiquei uma versão semelhante a este texto apresentado em Córdoba, agora sob o título “Conveniências Performáticas num Show de Música Brega: Espaços Sexualizados e Desejos Deslizantes de Piriguetes e Cafuçus” na revista Logos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, já reconhecendo o Brega como gênero musical e apontando para um debate em torno da sexualidade e das performances de flerte e pegação nas festas. Continuei a tentar entender os espaços das festas bregueiras, uma vez que, como indica Fernando Fontanella (2007), o brega é a música do corpo e do triunfo da dança. Reconhecia que minha experiência era muito diferente quando eu apenas ouvia a música brega e quando ia para os locais. Foi por isso que, em 2014, preparei o paper “O Corpo Alcoolizado como Performance: Andanças Cambaleantes numa Festa de Música Brega” para apresentar no XI Congresso da Associação Internacional para Estudos da Música Popular (IASPM) – Rama Latino-Americana, em Salvador (Bahia). Dessa vez, parti para tentar compreender 16


mais detidamente as perspectivas performáticas dos frequentadores das festas, acionando a bebida alcóolica como agenciamento de corpos. Esses três artigos formam a base do Capítulo 4: “Quando a Piriguete encontra o Cafuçu”. Concomitantemente, fui percebendo mudanças substanciais no consumo da música brega a partir das redes sociais, blogues e da cultura da mobilidade, o que me levou a escrever o texto “Piriguetes e Cafuçus Digitais: Apropriações, Performances e Poéticas ‘Orkutizadas’ no Brega Recifense”, para debater no VI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber), em Novo Hamburgo (Rio Grande do Sul), em 2012. Desenvolvi mais tópicos, ampliei o espectro das lógicas de midiatização, incluindo também a televisão e o videoclipe como importantes ambientes/produtos ligados à cultura brega e esta é a configuração do Capítulo 5, “Bregueiros Digitais”. Apareciam novas questões ligadas à música brega – digitalização, “orkutização”, diferença – mas também elitização, disputas periferia x centro, Zona Norte x Zona Sul. O brega chegava à classe média do Recife, que fruía destas expressões de forma carnavalizada, humorística, problemática. Mas, e se pensarmos que o humor e o Carnaval deixam vestígios no corpo e no cotidiano? Redigi, então, o artigo “As Conveniências do Brega” para integrar o livro Cenas Musicais, editado por Jeder Janotti e Simone Pereira de Sá. A partir da noção de “conveniência cultural” de George Yúdice, tentei pensar o brega como uma série de enlaces e disputas dentro das culturas, turvando lugares estanques sobre “quem se apropria”, “quem é apropriado”. A base desta reflexão está contida no Capítulo 3, “Economias Estéticas do Brega”. Quando eu achava que não escreveria mais sobre o brega, eis que recebo o convite de Carlos Gomes, editor da revista Outros Críticos, para redigir um texto que julguei ser provocativo sobre Política e Arte pensando um certo silenciamento da musicalidade bregueira pelas políticas culturais do 17


Estado de Pernambuco e do Município. Daí surgiu a base do Capítulo 1, “Incômodos e políticas da música brega”, cuja versão reduzida discuti no V Congresso Internacional de Comunicação e Consumo (Comunicon), em São Paulo, em outubro de 2016. Por fim, o texto “Recife não é Belém: Brega não é Tecnobrega”, que resulta do Capítulo 2 deste livro, apresentei também uma versão reduzida no Congresso da Intercom – Região Nordeste, em Caruaru, em julho de 2016. Os textos carregam diferentes perspectivas metodológicas. Algumas eminentemente críticas e analíticas, a partir de teorias e conceitos debatidos em textos acadêmicos e “usadas” com a finalidade de iluminar questões em torno dos fenômenos da música brega; outras de cunho essencialmente pragmático, de campo, revisitando uma longa tradição das pesquisas em cenas musicais, em contextos comunicacionais específicos. Como os textos que fui escrevendo apresentam diferentes metodologias, quis respeitar a gênese deles e também me coloquei numa espécie de deriva metodológica, que pode resultar pouco uniforme, “racional”, mas admito ter uma inclinação pelos indicativos mais afetivos e processuais das análises comunicacionais. Do ponto de vista metodológico, acho que este livro apresenta uma espécie de homenagem ao professor Micael Herschmann e seu pioneiro estudo sobre o funk carioca nos anos 1990, quando, numa singular atividade autorreflexiva, Micael tanto apresentava seu objeto – os bailes funk que seduziam o olhar de um Brasil fascinado e horrorizado pelos arrastões – quanto, ao se colocar como dentro/fora deste objeto, explicitava os limites de sua leitura. Ainda lembro quando li, nos corredores do Centro de Artes e Comunicação da UFPE, então estudante de Jornalismo, “O Funk e o Hip Hop Invadem a Cena” (2000), de Herschmann, um pouco surpreso, um pouco instigado, com a possibilidade de pluralizar as vozes na Academia. 18


Confesso que o maior desafio nesta obra é dar unidade a textos que foram acadêmicos, mas também jornalísticos, tentando negociar com aspectos teóricos, mas não esquecendo a riqueza do empírico. Fui percebendo que meus textos sobre o brega que começaram leves, humorísticos até, foram se tornando mais políticos – frutos de reflexões de nosso tempo e também do meu próprio reconhecimento nas expressões do brega. Frequentemente recebo telefonemas de colegas jornalistas, estudantes, pesquisadores, para dar entrevistas sobre o brega pernambucano, novos fenômenos, novos artistas. Percebo que o gênero musical está enraizado na cultura local e também nos afetos e na memória dos pernambucanos. Não me proponho aqui a contar a história do brega, nem fazer perfis dos artistas (embora ache importantíssimo), mas tento pensar o brega como ponto de partida para uma série de questões de ordem político-cultural. O título do livro, o verso “Ninguém é perfeito e a vida é assim”, cantado pelo Conde do Brega, é um convite à reflexão em torno das imperfeições culturais, das assimetrias do bom gosto, daquilo que não é cartesiano. “Eu não gosto do bom gosto/ Eu não gosto do bom senso”. Elitismo me entedia. O brega me aproxima das gentes. Do cotidiano de riso e horror. Do centro e da periferia. O brega é o deslize. A dobra. “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”, me disse o cantor. E, perdoem, eu acreditei. Em Piedade, Jaboatão dos Guararapes.

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outros crĂ­ticos

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THIAGO SOARES

a música brega em pernambuco Ensaio fotográfico por Chico Ludermir 21


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