#7 Outros Críticos [ano II - julho 2015]

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outroscriticos.com

Revista

Ed. 1 # cenas musicais janeiro/2014

Ed. 2 # o valor da música março/2014

Ed. 3 # paisagem sonora maio/2014

Revista

Ed. 4 # artes integradas agosto/2014

Ed. 5 # o improviso como forma - outubro/2014

Ed. 6 # estética e política dezembro/2014

Livro

no mínimo era isso (2013)

Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue (2012)

PASSAGENS PERFORMANCES PROCESSOS (2015)

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“Revirar escombros” é uma boa metáfora para inaugurarmos o ano II da revista Outros Críticos, tendo como tema "Ruínas e Cultura". O que realizamos como “crítica” é atravessado por contradições, divergências, rupturas, discursos, defesas, linguagens e modos distintos de usar a palavra. Portanto, estamos sobre e sob os escombros, ora escavando ora escavado. A própria existência de uma revista impressa sobre crítica cultural exige essa dupla ação. Somos nós mesmos ruínas e cultura. Estamos em Pernambuco e é muito importante enxergar os sons ao redor. Escutar já não nos parece mais o bastante. Nesta edição, um “Território movediço das linguagens” é invocado por Jomard Muniz de Britto em seu ensaio sobre as ruínas do pensamento. Espaços culturais, gêneros musicais, sons urbanos e afetivos, e o jornalismo — esse mesmo revirado sobre seus escombros — foram os textos produzidos pela equipe principal da revista em torno do tema. O maestro Spok nos recebe para uma entrevista e é provocado a pensar sobre o frevo e o seu lugar de ruína e tradição. Com ele, empreendemos importante diálogo. Em crítica de boteco, no imenso vazio do Pátio de São Pedro, as várias rotas traçadas pela artista visual convidada Bruna Rafaella Ferrer e pelo jornalista Renato Lins nos puseram também a refletir sobre os escombros revirados por nós mesmos. “a pele dos prédios descama cotidianamente/ e o sol retorcido das pixações faz carinho no lodo.”, nos ilumina o poeta josé juva a perscrutar para além do que é visível. Boa leitura.

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Foto: Thiago Blera


colaboradores

Bruno Vitorino Compositor, baixista do Nebulosa Quinteto e colunista do blog Variações para 4.

Jomard Muniz de Britto Cineasta, poeta e escritor.

Thiago Soares

Fernando Athayde

Professor do Programa de PósGraduação em Comunicação da UFPE.

expediente

Músico e jornalista, escreve para a revista Continente.

Edição: Carlos Gomes Projeto gráfico: Fernanda Maia Artista convidada: Bruna Rafaella Ferrer Jornalista responsável: Bruno Nogueira (DRT 3810-PE) Textos: Bruno Nogueira, Carlos Gomes, Karol Pacheco e Marina Suassuna Fotografia: Igor Marques Capa: Registro de ruína (encontro das ruas Matias Aires e Haddock Lobo - São Paulo)

RUÍNAS E CULTURA - edição 7 - bimestral - junho de 2015

Esta revista é uma iniciativa do projeto de crítica cultural Outros Críticos, e foi realizada com incentivo do FUNCULTURA (Governo do Estado de Pernambuco). Impressão gráfica: CEPE (Companhia Editora de Pernambuco). ISSN: 2318-9177 Informações ou sugestões: contato@outroscriticos.com www.outroscriticos.com paisagem sonora

artes integradas

o improviso como forma

estética e política

Ed. 3

Ed. 4

Ed. 5

Ed. 6

Adquira mais edições da revista em www.loja.outroscriticos.com

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Foto: Lilian Soares

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Frevo e baião como espaços de erosão latente por Marina Suassuna

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Foto: Adones Valenรงa


artista

convidada

Bruna Rafaella Ferrer é artista visual e pesquisadora. Doutoranda em Design (UFPE), mestre em Artes Visuais (FASM-SP) e licenciada em Artes Plásticas (UFPE). Desde 2006, participa de exposições de artes visuais como artista, como idealizadora e curadora de projetos e coordenadora educativa. Na pesquisa artística dá ênfase a duas frentes de trabalho, uma ligada à linguagem do desenho, no qual investiga a dimensão sensorial formal do desenho dentro da noção de campo ampliado; e outra ligada à proposição de operações artísticas enquanto apropriação das ruínas da vida cotidiana urbana, por meio de exposições, performances, produção acadêmica e outros projetos. Fez parte de alguns coletivos de artistas de Pernambuco, como o Branco do Olho. Tem experiência na área de cinema e vídeo; com restauração de bens culturais móveis e imóveis; com arteeducação em espaços culturais e como assistente e produtora em galeria comercial de artes. As obras e registros da criação da artista estão presentes, além da capa desta edição, nas seções ensaio, artigo e opinião. Os leitores também podem conhecer um pouco mais sobre Ferrer na seção crítica de boteco, na qual ela debate sobre o tema da ruína em sua produção artística, entre outras abordagens.

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ensaio

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Clique aqui e ouça a leitura do autor.

RUÍNAS da CONTEMPORANEIDADE ou PÓS-MODERNIDADE em RUÍNAS por Jomard Muniz de Britto

Os leitores (im)possíveis e ou dialógicos podem começar

escolhendo o título. Mesmo que seja outro, outros. Nossa ainda precária convicção nos desloca-dos dualismos. Certo/Errado. Bem/Mal. Ideológico/Complexidades. Fissuras. Se somos ALGO incompreensível, nossos

discordantes seriam muito mais. Perdidos e brincantes entre OUTROS CRÍTICOS.

Território movediço de linguagens. Por que não divertirse e até perverter-se com Dicionários? Dialéticas

revisionistas. Demandas. Ocupações. Confrontos.

Não conseguimos escapar das citações, desde que o

citacionismo foi considerado uma das características

redesenhadas da pós-modernidade. Lembram-se de Ana Mae Barbosa? Travessias da criticidade na ArtEducação.

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Dos polêmicos pré-socráticos ao corajoso Foucault. Do

eterno Nietzsche ao contemporâneo Agamben. Da “ideia

de matéria” às ideações da morte e do despertar. Ideias e interatividades em busca de leituras transversais. Todos retornos a nos consumir, alumbrar e desnortear.

Nunca um prefixo foi tão superestimado: TRANS... Dos

gêneros às historicidades masculinas, femininas, neutras. O GOOGLE transformou-se na Enciclopédia como neontesouro da juventude. Tudo com a maior e melhor pressa ou compressa?

Quase todas heranças e errâncias no jogo mais do

que lúdico das desterritorializações. (Lembram-se do

HOMO LUDENS?) Que enorme palavra desconstruindo territórios? Atenção para o refrão: é preciso estar atento para pronunciá-la com a melhor dicção e gestualidade. É preciso e urgentíssimo, como se fosse possível.

Em tudo, a favor e contra todos os solitários e até mesmo solidários das conversações ANALíticas. Perseguidores e releitores de FREUD podem virtualizá-lo em qualquer parte, partido alto ou partituras operísticas e orfeônicas.

VALE QUANTO PESA a sabedoria de Silviano Santiago ou Pedro Américo de Farias. Coisa e coisas do mundo, encontros e desatinos.

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A psicanálise selvagem jamais será domesticada, mas

continua atordoando lembranças de Heráclito a Roland Barthes. Escutas para qualquer es cre vi ven do ou ESCRIDURA.

O que Ezra Pound ensinava com indócil pedagogismo, fazendo a hierarquia entre Inventores/Mestres/

Diluidores, foi TRANStornado pelos direitos e avessos do KITSCH. Este vocábulo saiu de moda? Foi um rio

que repassou em nossas vidas secas e universitárias? Assim, tal e qual nada igual, a serialidade inventivo-

mercadológica veio situar nosso ROMERO BRITTO

no ápice de autores consagrados como Paulo Coelho. Sangrados por OUTROS CRÍTICOS. Traduzidos universalmente. Podem CRERRRRRRR.

Portanto, não estamos ofendendo ninguém quando nos surpreendemos com a voracidade do neon-capitalismo de sempre. Além e aquém dos GOVERNOS, mas bem

dentro do K, do CAPITAL com seus abismos, delações e contradicções.

Sem outras alternativas, continuemos vampiros

hipnotizados pelo enorme talento das improvisações.

Lúdicas e guerrilheiras por amadorismo. Pelo jogo dos

EDITAIS e empreendedores dos Fundos de Cultura.

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Continuemos miXturando as flores das recorrências

com espinhos das estranhezas. Alhos e bugalhos dos tropicaIismos e ainda tropicologias com Y.

Nossa memória errante enquanto exercício de

sujeitObjetos. Subjetivações em PERMANÊNCIA

transitando pela IDADE DA TERRA ao perspectivismo

dos antropólogos em círculos de cultura. Relembram-se de Paulo Freire agora denegado em nossa (?) PÁTRIA EDUCADORA? Até quando, ainda perguntaria O PALHAÇO REDEGOLADO?

O que desejamos para OUTROS CRÍTICOS afrodescendentes, indigenistas, telespectadores da

AVENIDA BRASIL em folias? Nosso ID oscilando entre astrológicas ocultações e OCUPAÇÕES

autossuperadoras. Nosso EGO perdurando entre

Narcisos e demais FUNDAMENTALISMOS. Nosso

SUPEREGO atravessando ciladas pelos idioletos no

horizonte das imprevisibilidades. O que fazer com nossas

RUÍNAS para todos bem e malpensantes?

Do mais antigo jornal em circulação na América

Latina – DIARIO de PERNAMBUCO – aos confins do mais saudável anarquismo conscientizador das OCUPAÇÕES.

Além das alternativas missionárias pela

CAIXA CULTURAL, ocupemos ESTELITAS,

UNIVERSIDADES, Avenidas, Praças, Largos entre O

GALO DA MADRUGADA e o BLOCO (filosofante) do NADA. Dialética sem SÍNTESE recuperadora? Diálogo

transtornado pela Dúvida Permanente para todos, alguns e ninguém. oc

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nada de novo sob o sol por Karol Pacheco

Há rumores de um Recife do século XXI nas instituições. Eles nascem a partir de uma ideia de “cluster de cultura e entretenimento”, que consiste em aglomerar uma série de empreendimentos do mesmo setor em determinada área geográfica. A revitalização, além da especulação imobiliária e da verticalização em

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plena área histórica, passa ainda pela reconstrução de edifícios antigos por fundações culturais de bancos ou holdings privadas. Quando a ruína vira interesse, o conluio poder público e poder privado funciona com perfeição, e é tempo que os desavisados, que por lá possam estar, sigam outro rumo.


“O importante é que nós fizemos. O importante é que a gente possa falar de quem pensou assim. Ninguém imaginava que ia ser desse jeito. A gente tinha um desejo de fazer uma homenagem a tudo isso”, regozijou o então Governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Este discurso comemorativo de inauguração do Museu Cais do Sertão bem que poderia ter sido proferido em 1915, quando da apresentação do Teatro do Parque, que hoje só pode contabilizar o seu tempo de interrupção. Em vez

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das sessões de cinema, teatro, exposições e ainda um jardim, estão em cartaz no equipamento cultural público o mofo, rachaduras, infiltrações e cupins. “Toda era tem o seu monumento. O monumento da era Eduardo Campos é o Cais do Sertão”, regurgitou o então Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Márcio Steffani. Esse recorte, embora pareça mais ficção, apresenta uma dinâmica real: toda essa cortação de fita estupra o espaço-tempo.


Foto: Registro visual de Ferrer sob efeito multiply, cor #5f162c.

MODOS DE USAR RUÍNAS

i

“Pessoas entravam para defecar; estava imundo”, lembra Edson do Nascimento. Desembarcados de um ônibus fretado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, mais de 150 famílias invadiram o prédio do antigo Cine Trianon, na Avenida Guararapes. Abandonado, o Edifício Trianon, que apenas servia, um dia por ano, no Sábado de Zé Pereira, como camarote do desfile do Galo da Madrugada, foi ocupado e transformado em moradia, cineclube e biblioteca. Pouco tempo depois, desalojado por ordem judicial e vendido ao Grupo Ser Educacional. Outro prédio, adquirido pela mesma holding, o Ed. Sigismundo Cabral, onde funcionava o Bar Savoy, um dos principais redutos de intelectuais, músicos e escritores no Recife do século passado, também será revitalizado com uma prevista construção de dois memoriais.

ii

Não há luz no fim do túnel da Abolição. Pelo contrário, as complicações decorrentes das obras, inacabadas, da área prejudicam o acesso ao Museu da Abolição, na Madalena, eleito patrimônio histórico de Pernambuco. Criado em 1957 e inaugurado oficialmente em 1983, considerado por muitos como Centro de Referência da Cultura Afro-brasileira, um dos poucos equipamentos culturais que revisita a trajetória do negro brasileiro padece com cada vezes menos visitantes. As calçadas desniveladas dificultam a acessibilidade para deficientes visuais, cadeirantes e idosos, enquanto a iluminação pública, retirada para a execução da obra (mais uma intervenção em área histórica do Recife sem a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, que posteriormente autorizou a operação), espantam transeuntes que poderiam ser visitantes em potencial, mas que se esquivam pela falta de segurança. Os caminhões que transportam as obras de arte também não conseguem mais ter acesso ao equipamento público. 14


iii

As ruínas causam ora repúdio ora fascínio – a depender da concepção de mundo de cada contemplador, amparada por suas convicções que dizem respeito ao certo e ao errado, ao limpo e ao sujo, ao fértil e ao estéril. A dualidade verborrágica To be (estado-ação), complementada pela física da Terceira Lei de Newton (ação-reação), desexplica a performance de Wolder Wallace, em 2008, durante uma das edições do Olinda Arte em Toda a Parte – a negação do que se tem certeza é uma robusta ruína humana. “Entrei numa casa abandonada no Sítio Histórico de Olinda. Tinha gazes cobrindo meu rosto e só usava uma cueca. A proposta era ficar parado e em silêncio, mas entraram outros dois maloqueiros e eu fiquei bolado. Meus ouvidos iam acompanhando o trajeto deles pelo imóvel, entre as ruínas”, explicou Wolder, com outras palavras, a sua performance Trancado, sem rosto e atirando bombas.

iv

Cada ruína é importante como reflexo de uma sociedade de escolhas e efemérides. Uma região devastada por uma ofensiva israelense, na Faixa de Gaza, foi cenário do Karama-Gaza Human Rights Film Festival, entre os dias 12 e 14 de maio deste ano. Em meio aos destroços, junto às casas destruídas do distrito de Shujaiyeh, tratores passaram para dar vez a um tapete vermelho, que posteriormente serviu de passarela para os palestinos, sem salto alto, que compareceram à estreia. Mais de 20 filmes com a temática de direitos humanos foram exibidos num telão montado em uma parede de uma das casas. “Foi nossa maneira de dizer que cada um deles é importante”, disse o organizador Saud Abu Ramadan. No terreno baldio, os caminhos não têm tapete vermelho, são acenos de caminhos. São mil. Pode ser por aqui. A luz amarela do dia cai desmantelada sobre os escombros. Entre poeiras, o verde da natureza devora a pedra. A honestidade dos parafusos espalhados e das paredes pichadas dão o mote para a instauração do sentido. Alguém desprezado entre os tempos, tal como a própria ruína, dormindo – a metafísica do refúgio. A dialética da contemplação. 15


v

A invisibilidade de uma ruína, onde tudo é permitido, foi o lugar certo para fazer transbordar a transgressão dionisíaca do Teatro Oficina, de Zé Celso Martinez. Num espaço abandonado, no Nascedouro, antigo Matadouro, de Peixinhos, bairro periférico de Olinda, o grupo montou um teatro/instalação (chamado de Teatro de Estádio) com capacidade para duas mil pessoas, abrigando uma estrutura de duas toneladas de equipamento de som, 150 refletores, telões, dez projetores de vídeo e tendas de camarins. À frente, Dionísio, desembarcando de seu carro naval: os deuses chegavam a Peixinhos. Nada resistiu, nem as pedras, nem o puritanismo, nem o moralismo, nem a vergonha. Na ruína e na arte é proibido proibir.

vI

No começo da década de 1970, no bairro da Várzea, o artista plástico Francisco Brennand – a quem Ana Luiza Andrade, pós-doutora em literatura luso-brasileira e hispano-americana, considera como “ruinólogo, ou alguém que constrói sobre ruínas” – debruçou seu ateliê sobre uma fábrica de cerâmica, construída sobre as ruínas da usina e esta sobre as de um antigo engenho. “Quando eu cheguei aqui em 1971, a impressão que me dava era de uma fábrica bombardeada mais do que uma fábrica em ruínas”, contou no vídeo Brennand, o Demiurgo: 1917-1971. Quem sabe se não teria sido exatamente a ruína o fator preponderante para que Brennand resolvesse restaurá-la? “Se eu tivesse encontrado uma fábrica próspera, refeita, talvez não seduzisse; era a ruína que me seduzia”, admitiu o artista. O fascínio de Brennand pelas ruínas: “sedições de contrários, ambivalências, um só mundo de realidades e mitos, sem excluir o mundo abissal que deve espreitar de perto essa carnagem repleta de soberba e luxúria”.

vII

O maior “crime artístico” do século passado? No Word Trade Center, a arriscada travessia do equilibrista Philippe Petit, em 1974, entre as Torres Gêmeas de 110 andares, em Manhattan. No centro do Recife, as manifestações artísticas locais também resistem aos cimentos, cerâmicas, mármores e espelhos estéreis do Novo apocalipse Recife. Em skyline de Arthur Bolitreau, no 3º andar do Edifício Texas (piso descaracterizado, músculos da parede à vista, escada sinistra, de uma belezura convulsiva), o miolo do bairro da Boa Vista é (re)desenhado. Entretanto, sem as Torres Gêmeas, embriãs de um Recife sem passado. 16


Foto: Registro visual de Ferrer sob efeito multiply, cor #4b3e88.

“A beleza será convulsiva ou não será” O encerramento do romance Nadja, escrito por André Breton em 1928, complementa, neste jato de luz sobre as ruínas em contemplação, o fenômeno reforçado por Itamar Assumpção, no início da música “Prezadíssimos Ouvintes”, do álbum Sampa Midnight (1986), nos versos de Paulo Leminski: “O novo não me choca mais. Nada de novo sob o sol. O que existe é o mesmo ovo de sempre, chocando o mesmo novo”. oc 17


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Foto: Igor Marques

Crítica de

BOTECO

A seção Crítica de Boteco promove a cada encontro um debate sobre temas abordados na revista. Com o tema “Ruínas e Cultura”, esta edição foi gravada no bar e restaurante Aroeira, no Pátio de São Pedro, em Recife-PE, com a artista visual e pesquisadora Bruna Rafaella Ferrer e o jornalista Renato Lins. A mediação do debate foi feita por Karol Pacheco e Carlos Gomes. Ainda contamos com o registro fotográfico de Igor Marques.

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O centro e as outras cidades invisíveis Bruna: Eu tenho um apego com a cidade. Sou de Vitória de Santo Antão. Fui criada por meu avô e ele trabalhava em comércio, então eu vivi muito no meio da rua. Eu me sinto muito bem quando chego no Camelódromo. Esses lugares me fazem bem. Me sinto muito à vontade.

de fazer hoje em dia. Algo que gosto muito nessa região do Centro, alguns lugares ainda têm: antigo nº tal; é curioso você reconhecer o lugar pelo o que ele era antes: antiga tal coisa. Onde tem isso aqui? Igor: Na Rua do Bom Jesus tem. Antiga Rua dos Judeus.

Renato: É. O camelô faz parte da identidade do Recife.

Bruna: É. Isso. Você reconhece mais pelo o que ela foi do que pelo o que ela é.

Bruna: Totalmente. Histórica e geograficamente Recife é o lugar onde se chega, é a ponta do continente. É o lugar aonde chega de tudo, todo tipo de gente. Infelizmente mudou um pouco essa rota com o tempo. Recife tem uma coisa de cacheiro viajante. Principalmente no Centro, como representação da cidade, de maneira mais ampla. Se você for pra Casa Amarela sente isso. Na Várzea, onde eu moro, tem um comércio que vive um pouco esse caos do Camelódromo.

Carlos: Muda, mas preserva uma memória.

Bruna: Bar Savoy. Não conheço muito bem a história, mas fico curiosa.

Renato: Eu não peguei o auge do bar Savoy, mas um período dos anos 80 pra cá. Pra mim era só um bar do passado. Nunca sentei pra tomar uma cerveja, mas também você constrói relações afetivas com... É claro que eu sei a importância do Savoy, mas quando eu tinha entre 19 e 22 anos aquilo não me dizia nada. Não desenvolvi nenhuma relação afetiva com aquilo. Com a Sete de Setembro, que hoje parece uma rua que não diz nada pra ninguém, com aquela igreja, a gente tinha uma relação afetiva imensa, por conta da Livro 7. Essas gerações afetivas vão sendo reconstruídas também. Nem sempre elas se mantêm.

Renato: Pra mim, o coração do Recife bate aqui no Centro. Adoro andar por aqui. Desde adolescente.

Carlos: Andando por esse lado, pra ir ao Mercado de São José, o engraçado é que nos planos de baixo, você vê uma cidade, que é a das lojas. Mas se você olhar um pouco o plano de cima, vemos casarões abandonados. Uma cidade acima...

Bruna: Outra cidade. Tem isso no Guia Comum do Centro do Recife, projeto artístico que estou desenvolvendo em colaboração com artistas, designers e pesquisadores da cidade. Criamos um sumário para categorizar os lugares e situações mapeados no centro da cidade, interessantes pelo aspecto de ruína. Nos lugares para olhar pra cima têm essas fachadas, da sobreloja. Tem uma saindo da Praça do Diário (Rua Duque de Caxias) que tem um índio na fachada. Tem uma loja de sapato embaixo e na fachada um índio gigante, que é um mero ornamento! O índio está segurando uma placa. Depois eu reparei que essa placa é o número da casa. Provavelmente, aquilo é só um ornamento para a placa com o número da fachada. De uma alegoria que ninguém vai se dar ao trabalho Foto: Igor Marques

Bruna: No Guia abordamos um pouco desse imaginário nos lugares que não existem. O bar Savoy, a Livro 7... Lugares que mexeram com a vida cultural das pessoas que circulavam no Centro, mas não existem mais.

Renato: A Livro 7 era o ponto de encontro de estudantes, da intelectualidade. Carlos: Os cinemas também. Cheguei a ir ao Moderno. O Veneza que é mais conhecido.

Bruna: Ah, eu queria tanto. Sempre que ouço falar dos cinemas desativados do centro é como se eu tivesse saudade do que não vivi

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Renato: Longe de ser nostálgico, nada disso. Era muito legal poder assistir um filme num cinema de rua e ainda mais


alguma coisa do público também, por ser no Centro e estar aberto a todo mundo. Um ritual bem interessante. Eu me lembro que assisti Salò ou Os 120 Dias de Sodoma, de Pasolini, que é um filme pesado pra caramba, no Moderno. Era confronto da plateia com o filme. Porque boa parte da programação já era dedicada à pornochanchada, era um cinema semipornô. O filme era todo em cima de relação sadomasoquista, então o público foi achando que era filme pornô. Eu tive pena do bilheteiro, do projetista. Ao mesmo tempo ia todo o público que era do Pasolini. Eram situações bem inusitadas, bacanas, gostosas.

quando ia assistir a um filme de arte. Eu adoro o Cinema da Fundação, é massa e importante demais pra cidade, mas tem um tipo de ritual ali bem pensante que às vezes me incomoda. Era massa assistir a um filme de Fellini – eu assisti Amarcord e saí do cinema encantado pelo filme, pela música, até hoje lembro disso... Bruna: E você sai pra rua...

Renato: Eu saí pra rua, e era uma sessão absolutamente comum. Era do povo, barato, qualquer um podia entrar lá.

Bruna: Você sabe que não é uma pessoa que está superinteressada se é filme italiano... Renato: Não é um estudioso, nem está consumindo aquilo como uma Alta Cultura... Apesar de ser pago, mas guardava

Carlos: Engraçado, que os cinemas de rua que sobrevivem aqui são os de filme pornô.

Espaços e espaços culturais Bruna: Muito forjado para uma classe bem específica de poder de consumo, de apreciação de determinada forma de produção cultural. Acompanhei e fiz o processo de seleção do que seria o educativo quando o Paço do Frevo iria abrir, no final de 2012, ainda na gestão de João da Costa. Foi uma loucura para tentar abrir naquela gestão, mas não abriu. Vi umas coisas absurdas. Em termos expográficos, eu teria alguns equívocos a apontar.

Karol: Aqui no Pátio de São Pedro não está tendo muita movimentação, ao contrário do Pátio de Santa Cruz. Estamos no bar Aroeira, que é muito antigo, quase centenário, e às vezes não vende um almoço. No Recife Antigo tem o Casarão das Artes, uma ruína mesmo, que dá até medo de entrar, mas as pessoas produzem coisas por lá. Eu queria que a gente falasse sobre esse mapeamento e a relação das ruínas com a cidade.

Renato: Acho que existem tipos diferentes de intervenção do poder público no patrimônio histórico da cidade. Ou nas ruínas da cidade. O tipo de intervenção que foi pensada para o Pátio de São Pedro, no geral, eu acho bacana, que foram bem pensadas. Discordo da avaliação que fazem do Memorial Chico Science. Ele é bacana do jeito que funciona, pois não foi pensado para guardar um acervo, mas ser um centro vivo de reflexão. Era um modelo de intervenção que não trazia embutido nenhuma forma de gentrificação – é horrível essa palavra –, de aburguesamento do local, pois é uma intervenção diferente da que acontece no bairro do Recife com aqueles armazéns. Eu acho muito frio, turístico.

Renato: Ao projeto de Bia Lessa?

Bruna: Isso. Ok, é bonito. Mas pra quem? Bonito de que forma? Os estandartes no último andar ficam no piso. Isso deu o maior chabu com a comunidade carnavalesca, que entende o estandarte como algo sagrado. Não é por acaso que ele fica no alto, está acima de todas as pessoas, para todos verem de um ponto de vista simbólico. E no momento que você coloca no chão para as pessoas pisarem, isso isso foi entendido como desrespeitoso. Karol: Então, se identifica a ruína nesse novo, não é?

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Bruna: Para além da questão do Paço, quando o Novo vem junto com sentido


“Quinha do tamborete é um ponto para se falar de resistência, de criatividade por excelência. De alguém que tira do lixo a matéria para fazer um trabalho, sobreviver, e que vende o seu trabalho cantando.” Bruna Rafaella Ferrer

Foto: Igor Marques

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de progresso – e aí, pensando em Walter Benjamin –, parece que essa ideia já nasce arruinada.

uma série de ruínas novas. Lugares que funcionaram durante seis meses, um ano, e depois fecharam, e estão lá, abandonados. Eu acho bacana fazermos essa diferença pra demarcar que o poder público pode intervir no espaço geográfico, afetivo da cidade, para potencializá-lo, mostrar sua riqueza, diminuir os seus problemas.

Renato: Em modos diferentes de intervenção do poder público, tem um tipo de intervenção que é exatamente isso. Por exemplo, o modelo de intervenção da Rua do Bom Jesus e arredores. Aquilo gerou

Pessoas como paisagens sonoras

Karol: Para além dos espaços físicos, eu estava no Pátio de Santa Cruz e escutei Quinha do tamborete cantando. E como podemos ver as ruínas além dos espaços, do que não é palpável?

Bruna: Ainda puxando desse assunto, de uma ruína como proposta urbana, progressista, nova, enfim, vai entender o que eles querem dizer com isso, como o Novo. Vemos abismos de disparidade social que vão totalmente de encontro com a proposta do que deveria ser uma intervenção na cidade, que deveria ser mais integradora. Pensando nos espaços de gestão cultural, olhando o Museu do Cais do Sertão, Paço do Frevo, ali naquela região, geograficamente a mesmo do Pilar, onde existe uma ruína física, arquitetônica, de degradação, de abandono – mais próxima de uma paisagem de guerra civil. Muitas pessoas não se sentem seguras de passar naquela área. Você vê nesse contraste algumas prisões, num ambiente muito próximo, quem frequenta o Cais do Sertão, Recife Antigo, ou vai andar de bicicleta num domingo, certamente não se sentirá à vontade de entrar no Pilar, como quem vive no bairro também não sente motivação de frequentar esse outro lugar. Quinha do tamborete é um ponto para se falar de resistência, de criatividade por excelência. De alguém que tira do lixo a matéria para fazer um trabalho, sobreviver, e que vende o seu trabalho cantando. É uma figura emblemática da ideia de reciclagem. Reciclagem que vai além da matéria. Há a reciclagem mais convencional, com a reutilização de matéria, a madeira catada pelas ruas, mas tem de conseguir sobreviver às dificuldades que Recife lhe coloca o tempo todo. Ela recicla a cidade com a música dela, através da projeção de voz. A

força do trabalho está na maneira dela de ocupar a cidade com a voz. Projeta aquela voz maravilhosa com uma música incrível, original. O banco é assim, tosquinho, mas funciona. Ela canta e improvisa, vendendo o tamborete. “Oh, o tamborete, óia!”. Só que a voz dela... parece ancestral. A melodia é muito bem feita. Ela passa a semana toda catando madeira. Ela fica rodando, vendendo pelo Recife Antigo, na Mamede Simões, por ali. Carlos: É como se a presença dela criasse quase que como uma paisagem sonora para aquele espaço. Mas pra vocês em que medida se dá esse choque entre a paisagem que ela ocupa e a que é imposta (construída) para turistas?

Bruna: Uma política pública cultural, ela forja algumas situações de representação simbólica do que é a cultura de algum lugar. Essa é a grande tentativa. Eu nunca fui gestora. Isso acontece na teoria, com as melhores das intenções. A forma como isso se materializa passa por tantos crivos, orçamentos, falta de recursos, tanta coisa.

Renato: Se você for olhar direitinho, a visão de política pública para a área da cultura ainda é hegemônica, desde os anos 1990; ela é toda construída em cima do conceito de multiculturalidade, diversidade cultural e correlatos. O que teoricamente abriria para você criar justaposições interessantes. Abriria não, abriu. Isso aparece o tempo inteiro. Mas, por outro lado, com o passar dos anos, esse conceito perdeu um pouco do vigor.

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Karol: Perde a validade. Esse conceito funciona só numa parte determinada do ano. Os ciclos natalino, junino, e no pró-


prio carnaval. E o que acontece aqui no Pátio, que eles sentem falta desses eventos durante outros períodos, então, essas manifestações populares ficam em ruína.

Bruna: O que me parece é que cada gestão, cada momento elege as suas prioridades para a cultura. Atualmente, fica muito evidente esses abismos que eu comentei anteriormente. Naquele passeio semanal de domingo de uma classe x para uma região bem específica. Por que a rota de passeio não alcança no sábado e domingo aquele sebo de vinis, livros e venda de equipamentos eletrônicos na Av. Guarara-

Ocupe Estelita, ruínas e lutas Karol: Eu queria entender para além da gestão pública a autonomia das pessoas. Por exemplo, o Ocupe Estelita, que tomou um lugar que era ruína e o tornou um lugar social, político e cultural. A partir de lá, de todo esse ativismo, dos artistas levantando a bandeira – ou se apropriando disso –, como vocês vêm as ações das pessoas e dos próprios artistas? Como ela se constrói e quais são as verdades dessa dinâmica?

Bruna: Eu acho que poucos artistas ocuparam efetivamente aquele lugar. Tinha uma potência a explorar ainda muito grande. Aquele espaço seria maravilhoso para os artistas visuais ocuparem, e aí eu me coloco, faço um mea-culpa, até certo ponto. Não sei se é o tempo que não foi suficiente para a proposição de alguma intervenção que modificasse mais geograficamente o lugar. Mas de qualquer maneira, algum projeto nesse sentido (deve ter havido algumas ideias) foi abortado no momento de reintegração de posse. Eu dei algumas aulas lá e tinha alguns projetos que não foram pra frente por conta da interrupção da ocupação. Mas senti falta de mais propostas. O meio acadêmico aproveitou bastante o espaço. Muitas aulas aconteceram. Turmas de arquitetura fizeram coisas interessantes. Mas não deu para caminhar muito além disso. Mas senti muito mais como palco do que lugar de proposição estética efetiva. Que foi importante. Isso é muito válido. Até pelo tempo que foi, foi uma coisa ótima. Se tivesse tido

pes? Há um monte de troca ali. Tem uma coisa muito estranha nisso. Recife é uma cidade de muitos contrastes sociais, sempre foi e parece que sempre vai ser. Mas esse contraste cultural tem se intensificado nos últimos anos. E parece que não faz muito sentido existir esse contraste, quando você vê que tem cultura desde em Quinha quanto estar aqui comendo nesse bar, e você pensa que muitas coisas aconteceram aqui, foram criadas. Mas caindo na sua cabeça o teto. Isso fica como uma imagem da conversa que estamos tendo aqui. mais tempo, talvez tivessem mais coisas. Eu não estou desmerecendo tudo o que aconteceu: o Som na Rural, várias exposições, mostras de filmes, debates, aulas, oficinas, cursos, tudo isso foi muito bom. Renato: Eu acho que algumas características do Ocupe Estelita se fazem presentes em boa parte dessas experiências de gestão ou ocupação, reinvenção das chamadas ruínas. São geralmente gestões com uma pegada mais coletiva, que passam distantes do poder público. Traz coincidências com outras experiências de menor porte que foram importantes para a vida da cidade. O Ocupe Estelita, junto com o Direitos Urbanos, são as experiências políticas mais interessantes que aconteceram nos últimos 5, 10 anos. Eu acho que é um momento muito rico da cidade, sobretudo das pessoas que se envolveram com aquilo tudo. E faz repensar os modelos de partidos políticos mais tradicionais. Trabalhavam com um grau de horizontalidade bastante interessante. Agora, é evidente que pra muita gente que estava ali, era uma espécie de debutar na vida política. E carregada de contradições, desafios. Desde eventuais brigas de ego até um ou outro artista que tenha tentado pegar uma carona pra ficar de bem com a causa. Mas foi muito rico, e acho que a poeira ainda está assentando para as pessoas terem distanciamento. É uma experiência que ainda está acontecendo. A luta ainda não acabou.

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“O Ocupe Estelita, junto com o Direitos Urbanos, são as experiências políticas mais interessantes que aconteceram nos últimos 5, 10 anos” Renato L.

Foto: Igor Marques

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Periferias catalogadas Renato: O conceito de multiculturalidade do Recife ainda tem uma dificuldade, inclusive as políticas públicas, de lidar com o brega. Isso é um fato. É como se não se soubesse muito bem o que fazer com o brega. Ele é um fenômeno que tem um enraizamento muito grande na cidade. E não é de hoje. Faz parte da vida cultural do Recife. Ao mesmo tempo, ele traz enquanto fenômeno cultural uma série de pontos bastante discutíveis, como a representação da mulher nas letras. E surge numa cidade que tem uma série de peculiaridades. Temos uma cena musical autoral bastante forte. Relativamente popular. A Nação Zumbi bota 80 mil pessoas no Marco Zero. Eu acho que tem um discurso oficial, multicultural. E a largura dele vai do Armorial, passa pelo Manguebeat, e quando chega no brega se torna difícil. Apesar do brega ser consumido amplamente, inclusive pela classe média alta.

culo XIX, que tinham umas exposições universais, que os grandes países capitalistas organizavam, e traziam tribos africanas e cercavam-nas para o público europeu ver aquilo. “Olha, como eles vivem!”. Eu fiquei achando ridículo, cara! Esse carrinho de som faz parte da minha vida. Passa por aqui o tempo inteiro, eu ando pelo centro da cidade. Bruna: No Paço do Frevo você vê isso também. Essa sintetização... Renato: Eu nunca entrei no Paço do Frevo.

Bruna: Tem isso também. Não vai ser o carrinho que entra lá, e sim uma reprodução do carrinho. É meio esquisito, sabe? Tem uma réplica do Pátio de São Pedro. A proposta é bem interessante, tem algumas coisas muito boas... As falas das pessoas, os depoimentos são emocionantes, mas a expografia não é muito interessante. Até o trabalho de Christina Machado, que é lindo, em que ela faz uma relação do coração com a cidade. Ela fez lambe disso e espalhou, virando uma intervenção na rua. Foi tão bonito na cidade, mas sintetizado na ideia expográfica do museu morreu um pouco. A gente tem que ver onde é o lugar do poder do artista. Eu não estou falando da arte no sentido do fazer artístico, mas da instituição que sintetiza, escolhe e elege o que deve ser reproduzido, discutido, dentro de uma proposta política. Se você parar para pensar, um museu que está propondo discutir o frevo, você chega no andar de cima e tem palavras populares, do que está relacionado ao carnaval, mas tem um monte de gente que não lê, mas vive o carnaval e deveria entrar naquele no museu, mas vai perder aquela informação. Tem alguma coisa estranha...

Bruna: Mas de que maneira é consumida? De maneira folclórica, estereotipada. Tem uma questão que me interessa como pesquisa, a ideia do artista como etnográfico. Hal Foster comenta até que ponto o artista está nesse papel de criar uma discussão sobre esse levantamento do que é uma identidade cultural. O artista está num lugar que não é do cientista, e é um lugar de quem tem a liberdade criativa.

Renato: Nossa, eu fui pra uma exposição, que eu não sei se é a mesma do que você está falando, no MAMAM, que era de Gringo Cardia e Heloisa Buarque de Hollanda, onde eles recriavam um salão de beleza da periferia, no ambiente. Eles trouxeram e colocaram em outra sala esses carrinhos que a gente vê passar o tempo inteiro na rua, tocando e vendendo CD. Parecia uma daquelas coisas que tinham no final o sé-

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Rotas e desvios Karol: No mapeamento do que seriam vários locais de efervescência cultural em Recife, ruínas ou não, alguns estão na rota das pessoas e outros não?

conciliar modelos de desenvolvimento que sejam capazes de lidar com esses espaços afetivos e físicos de grande riqueza histórica? Eu acho isso um dilema, um desafio enorme.

Renato: Eu acho que esses espaços físicos e afetivos que estamos chamando de “ruínas”, eles sempre tiveram um papel muito importante na vida cultural da cidade. Para oxigenar a vida da cidade. São espaços que estão menos submetidos às pressões do mercado. A produção cultural pode respirar mais livre. São menos regulamentados, permitem ambientes às vezes mais livres. São espaços que estarão sempre sendo reaproveitados, redescobertos. O problema que eu acho é conciliarmos uma cidade como Recife, que tem uma produção cultural riquíssima e um passado também, e apesar de todos os pesares, ainda conserva seus espaços geográficos e afetivos, de grande importância, antigos para o padrão da América Latina; ao mesmo tempo temos que lidar com isso e com as carências que cercam esses espaços. Porque não podemos dourar a vida das pessoas, em vista das carências das pessoas que vivem ali. Então, como

Bruna: É um desafio que parece passar batido pelas gestões públicas, que só abrem esses abismos. Eu insisto muito nisso porque é isso o que eu estou vendo. Esse novo, tudo aparecendo como Novo. Só faz reforçar que tem um velho que está quase se acabando. O velho não é mais importante porque é velho. Não é tão simplório assim. A gente não pode só jogar confete no que é antigo. Não é por aí. A vontade de comentar a ruína não é da mera preservação pela preservação. É atentar para a potência no lugar de transição da ruína. Embora esteja prestes a desaparecer, a ruína virtualiza a possibilidade de vir a ser alguma coisa. . É um lugar de abertura. Por isso que toda a discussão que a gente faz, fica no meio do caminho, não tem uma resposta muito certa, porque é própria da ruína você vê-la, analisá -la, discutir sobre ela dessa forma, pois ela não se encerra. oc

Foto: Igor Marques

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Frevo e baião como espaços de erosão latente por Marina Suassuna

Há muito tempo que ritmos tradicionais como frevo e o baião – responsáveis pela construção de nossa identidade dentro da música popular brasileira – deixaram de fazer parte do cotidiano do Recife. Antes prestigiados pelo grande público e com amplo espaço nas emissoras de rádio e tv, esses gêneros musicais hoje sobrevivem como nichos de resistência. “Eu vejo a música regional passando por uma grande crise, uma crise de expressão, que nos impede de acessar grandes públicos através de nossas matrizes. A crise é também educacional e cultural, e isso corrobora para uma maior dificuldade de colocarmos a nossa música à disposição das novas gerações”, observa o músico Bruno

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Lins, vocalista da banda Fim de Feira. Reconhecida como banda de forró pé-de-serra atrelada à poesia de cordel, a Fim de Feira não perde de vista o papel do baião como mola mestra da música popular brasileira. Assim como o compositor e músico Cláudio Rabeca que, em 2011, lançou o disco Luz do Baião, cujo repertório prioriza o gênero disseminado por Luiz Gonzaga. “O Baião não é um ritmo morto, mas vem sendo pouquíssimo usado. Me sentia incomodado ao perceber que ninguém mais estava gravando baião. Eu ia em alguns shows de artistas famosos, ditos defensores da música de Luiz Gonzaga e só o que eu via eram eles repetindo a fórmula do sucesso do momento, que é o xote romântico. São poucos os que mesclam o forró com o baião”, alerta. Cláudio também faz questão de manter o ritmo gonzagueano no repertório de sua banda de forró, a Quarteto Olinda. “Eu preciso forçar uma barra pra gente não deixar de tocar. O baião proporciona que você trabalhe mais harmonias e melodias, ele tende a ser mais lírico musicalmente. Mas os músicos não têm essa preocupação. Quando um movimento satura, o público tende a adotar outro em seu lugar. Isso aconteceu com a Jovem Guarda, com o Tropicalismo. As gravadoras investiram o quanto puderam no baião enquanto ele dava dinheiro, espremeramno como o bagaço da laranja, até sair a última gota, até que ele ficou sufocado”.

Embora já existisse desde os anos 1920 como uma cadência das cantorias de viola, o baião só estourou como canção popular em 1946, graças ao processo de estilização feito pelo cearense Humberto Teixeira e o pernambucano de Exu Luiz Gonzaga, que resultou no “baião urbano”, incluindo letra num ritmo que, até então, era só instrumental. Através da composição “Baião”, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga colocaram o ritmo nos bailes e festas incorporando a instrumentação desenvolvida pelo pernambucano — triângulo-zabumba-sanfona — que se tornaria a principal base instrumental do ritmo. Na época, o gênero foi tido como uma “redescoberta da vitalidade rítmica” num mercado musical “saturado de boleros e sambas-canções abolerados”, conforme escreveu o crítico musical José Ramos Tinhorão no livro Pequenas Histórias da Música Popular segundo seus gêneros. Na sinopse do documentário O Homem que Engarrafava Nuvens, de Lírio Ferreira, que homenageia a obra de Humberto Teixeira, pode-se ler: “Quando as pessoas pensam em música brasileira, pensam em samba e bossa nova. Entre esses dois ritmos, há uma década esquecida. Um período em que um ritmo nordestino foi levado ao Sul,

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“Existe, sim, um desgaste do baião, mas também há compositores que resistem. Eu vejo o trabalho de Lenine como um trabalho de renovação do baião”

Bruno Lins

tomou o país como um furacão, e logo se espalhou pelo mundo. É o mais excitante e autêntico de todos os sons brasileiros: o baião”. Não se pode perder de vista que, antes do surgimento da bossa nova, o baião foi o ritmo brasileiro mais difundido no exterior. Um dos entrevistados do documentário, Gilberto Gil não mede palavras para dizer que o baião é, depois do samba, “uma das grandes famílias reais da música brasileira.” Em 2014, ele reforçou a ideia em matéria de Henrique Porto, no portal Uol, afirmando que o ritmo nordestino, além de ser um dos elementos utilizados por João Gilberto na batida da bossa nova, é também de onde vêm todos os gêneros populares e batuques brasileiros. No cinema, o gênero ganhou reconhecimento no Festival de Cannes de 1953, quando o filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, levou a Palma de Ouro, com menção honrosa para sua música, a toada “Muié Rendeira”, adaptada para o ritmo de baião urbano por Zé do Norte. No mesmo ano, a composição também foi agraciada na primeira edição do Grande Prêmio da Academia do Disco Francês. “Existe, sim, um desgaste do baião, mas também há compositores que resistem. Eu vejo o trabalho de Lenine como um trabalho de renovação do baião. Ele é um grande divulgador do

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gênero e continua lançando discos”, aponta Bruno Lins. No entanto, o baião sempre esteve ligado à sonoridade dos músicos do interior do Nordeste, como Sivuca, Dominguinhos e o próprio Luiz Gonzaga, que atuavam junto à vertente estilística associada à tradição, o forró pé de serra. Ao contrário dos músicos de frevo, que de uns anos pra cá são requisitados apenas no Carnaval ou em eventuais ocasiões, os músicos ligados ao forró pé de serra — ainda que este seja um circuito independente e minoritário diante da força comercial do forró eletrônico — fazem apresentações praticamente de janeiro a janeiro. “Alguns conseguem grande projeção comercial e se ocupam politicamente de reposicionar a vertente no cenário cultural da cidade, com algum êxito”, aponta o professor do Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Felipe Trotta, no artigo Tradicional é na capital: a circulação do forró pé de serra no Recife. Ainda assim, são poucos os que aproveitam esta visibilidade para recuperar o prestígio do baião. Aqueles que se comprometem com o ritmo gonzagueano, como o Quarteto Olinda e a Fim de Feira, atuam em circuitos alternativos. “Acredito que tudo é cíclico. O baião pode voltar à tona, não sei em qual intensidade e se volta a ser uma moda. Tem ritmos que fazem mais sucesso numa determinada época. Infelizmente, a galera vai atrás dos sucessos. Se algum artista do mainstream fizer um disco com baião, acho que ele pode voltar a ser o que era antes”, acredita Cláudio Rabeca. A sazonalidade é algo inerente à música, que se apresenta com maior ou menor relevância em nossa vida cotidiana, dependendo da temporalidade. Felipe Trotta explica: “Se refletirmos sobre a paisagem sonora das cidades, observaremos uma escuta que nos indica fases do calendário e estados festivos e afetivos associados.” Com o frevo não é diferente. Desde a sua origem, o mais genuíno 33


dos ritmos pernambucanos sempre assim, um mercado para compositoesteve associado às festividades mores, músicos, maestros, dando uma mescas, por ter se fixado como múrevigorada no frevo”. Diretor musical sica naquele contexto, em meio às da Rozenblit durante anos, o maestro bandas de rua do Carnaval recifenDuda conta que a produção em torno se no início da década de 1880 até do ritmo começava desde o período os primeiros anos do século 20. No de São João: “No meio do ano, graentanto, a demanda pelo gênero chevávamos todos os frevos novos que gou a ultrapassar o período eram compostos. Em outucarnavalesco, sobretudo bro e novembro, os disem meados de 1950 e cos já estavam pron1960, quando viveu tos. Era quando “Com apoio da seu apogeu. entregávamos nas gravadora Rozenblit, Com apoio da rádios para que gravadora Rofossem divulo frevo passou a zenblit, o fregados. Quando ser consumido no vo passou a ser chegava o Natal, Recife como música consumido no muitas pessoas Recife como mú- autônoma do eixo Rio- ganhavam os dissica autônoma do cos de presente São Paulo” eixo Rio-São Paulo. e no Carnaval todo No livro Do Frevo ao mundo já sabia cantar Manguebeat, o jornalista as músicas. Naquela époJosé Teles conta: “Antológicos ca, havia uma programação discos de frevo foram produzidos na musical local nas rádios e tvs. Hoje, a Rozenblit, com boa resposta comerprogramação local desses veículos se cial, alguns inclusive com grandes resume a jornalismo, futebol e protiragens, a exemplo dos LPs em que grama policial”. Claudionor Germano interpretava Com a falência da Rozenblit no Capiba e Nelson Ferreira. Abriu-se, início da década de 1980, o frevo

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passou a respirar com dificuldades. A demanda de mercado para o ritmo deixou de existir. Consequentemente, o gênero se distanciou das novas gerações de compositores pernambucanos e também do público. Nem o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, dado pela Unesco em 2012, foi capaz de evitar o descaso com o ritmo, que se reflete, principalmente, nos espaços de circulação e consumo do gênero, que não vigoram mais como antes. Sobre suas “ruínas” não incidem ações de preservação em grande escala ou noções de memória coletiva a serem trabalhadas que tragam o frevo novamente ao cotidiano dos recifenses. Ele está no museu Paço do Frevo o ano inteiro. Nas ruas, nas casas e nas “audições coletivas”, apenas no Carnaval. Um dos maiores representantes do gênero na atualidade, o maestro Spok se apresenta mais no exterior do que em sua própria terra natal, sendo considerado, por isso, o “cônsul” do frevo pernambucano. Vistos pelos músicos como uma oportunidade de estimular o surgimento de novos compositores e ar-

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ranjadores, os concursos oficiais de frevo que acontecem todo ano não têm seus discos inseridos nas programações das rádios recifenses. A única que inclui o frevo na sua programação normal é a rádio Universitária, cuja audiência passa longe do grande público. “Depois que a Rozenblit acabou, a gente só ouve frevo novo quando algum músico de porte, por exemplo, Alceu Valença, grava em seu disco”, disse o maestro Duda em 1989. De acordo com ele, a afirmação ainda é atual. “Os músicos continuam gravando, mas de maneira independente. O povo não toma conhecimento porque os meios de comunicação não tocam. Só dão espaço para a programação de fora.” Compositor de frevos que se tornaram clássicos, como “Último regresso” e o “O bom Sebastião”, Getúlio Cavalcanti testemunha: “Todo ano eu componho novos frevos, mas não adianta. Nas apresentações, tenho sempre que apelar para os frevos antigos. Se as rádios demonstrassem interesse como nos anos 1970, teríamos uma programação de frevo sempre renovada”. oc


spok

Se o frevo fosse uma pintura e a apresentação do Maestro Spok fosse colocada lado a lado de uma de, por exemplo, Maestro Duda, as diferenças seriam gritantes. “Isso que você faz não é frevo” é uma frase que Inaldo Cavalcante de Albuquerque, nascido em Igarassu, ainda escuta. Da primeira vez que vestiu sua orquestra de terno e retirou os passistas e que, mais uma vez, deverá ouvir quando seu terceiro disco de estúdio for lançado exclusivamente com sanfoneiros tocando frevo na base do improviso. Sempre preocupado em pontuar suas afirmações com humildade em expressões como “esse é só meu ponto de vista” ou “sei que é assim comigo”, ele tenta demonstrar mais respeito que receio pelo ponto de vista dos mestres. Cantarola um frevo de Duda para explicar a dinâmica de compassos e fala que, para ele, mexer com esse formato não prejudica o patrimônio. Apesar de ter ganhado o apelido de um personagem da ficção científica conhecido pela avaliação fria e calculista de todas as situações, para o Maestro Spok falar de frevo é quase uma abordagem mística similar à fé. A música vira essência, verdade e espírito da cultura pernambucana. por Bruno Nogueira

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Foto: Igor Marques

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O Frevo vive de controvérsias. É um dos ritmos musicais que mais marca o estado de Pernambuco, mas ainda parece limitado à escuta do carnaval. Que avaliação você tem do momento que o Frevo vive hoje? Eu acho que está num momento bom e eu sou a experiência viva disso. Eu vivi um frevo exclusivamente dentro do carnaval e hoje eu vivo um momento do frevo fora do carnaval. Consigo ir para a Califórnia, nos Estados Unidos, para ministrar oficina e workshops de frevo. Recebo composições das pessoas que participam dessa oficina. De músicos que fizeram sua carreira com o jazz. Isso é algo inédito. Vivo um momento de estar viajando o ano inteiro com o frevo, para vários lugares do Brasil e do mundo. Hoje em dia, eu toco frevo o ano inteiro. Claro que não é com a mesma pressão do carnaval, com a mesma quantidade e força por se tratar de uma festa específica. Mas eu posso dizer que trabalho o ano inteiro como nunca trabalhei na minha vida. Todo mês tem algum projeto de frevo sendo realizado que estou participando. Isso é só comigo. Imagine com outras pessoas que também trabalham com frevo o quanto essa música não está andando. Temos mais recentemente, esse momento que aconteceu com Wynton Marsalis, no Lincoln Center Jazz Big Band. Sempre que encontro com alguém na rua que assistiu a esse evento, vem dizer que nunca tinha imaginado que o frevo poderia estar vivendo este momento com esta Big Band. Imagine o que é ele escrever uma nota em seu diário sobre o frevo, falando da admiração que tem com o frevo. Então, eu acho que o frevo vive sim um bom momento; guardada as proporções, um ótimo momento. Mas ele ainda tem muita coisa para viver de melhor. Tem sido incrível. Hoje vemos vários artistas pernambucanos que não necessariamente tinham os olhos voltados para o frevo como tem hoje, tanto artista fazendo frevo e acreditando nessa manifestação superforte e poderosa e própria. Me refiro a pessoas que nasceram aqui, como a Orquestra Contemporânea de Olinda, a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério com o Maestro Forró, China e Monica Feijó fazendo trabalho com o frevo. Sem falar de todos os outros que sempre viveram uma vida intensa no carnaval, de minha geração, como André Rio, Marrom Brasileiro, Almir Rouche, Nena Queiroga, Gustavo Travassos, Nonô Germano, Edy Carlos... são tantos! Gente que sempre trabalhava exclusivamente com o cenário junino e agora está trabalhando com o frevo, como Alcymar Monteiro e Maciel Melo. Então, internamente ele vive um momento de bom para ótimo e, de fora do Brasil também. É muito especial ver o frevo no Rock in Rio. Vamos pela primeira para Las Vegas com a orquestra completa e vai ser a primeira vez que o frevo aparece no evento. Mas é um momento que é muito seu. Digo isso 38

A discografia da Spok Frevo Orquestra é formada por Passo de Anjo (2004), Passo de Anjo ao Vivo (2008), que também inclui versão em DVD, ambos os trabalhos lançados pelo selo Biscoito Fino, e Ninho de Vespa (2013), lançado de forma independente. O disco conta com composições de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro (na faixa que dá nome ao álbum), Dominguinhos, Beto Hortis, Cesar Michiles, entre outros.


pensando nas orquestras de frevo menores que ainda têm dificuldade muito grande de sair desse calendário do carnaval. Você tem essa percepção também? Do desafio menor do artista menor? Certa vez, um maestro de orquestra de frevo me fez uma comparação do frevo com o axé. De como o axé só cresceu na Bahia graças a um verdadeiro suporte do poder público, que conseguiu transformar a música num mercado de uma forma que o Governo de Pernambuco não se interessa em fazer com o frevo. Um mercado que dure o ano inteiro, que não seja só no período do carnaval. Você concorda com essa perspectiva? Você acha que uma possível transformação do frevo num mercado maior seria algo positivo ou negativo? Você sente necessidade disso? Essa é uma pergunta muito difícil de responder. Acho que nada atrapalha quando o artista busca sua verdade. Sentimos a vontade de buscar o elemento do jazz pelo improviso dentro de nosso trabalho, para que isso sim pudesse abrir janelas fora desse circuito exclusivo do carnaval, pois já fomos uma orquestra que tocava exclusivamente no carnaval. Tivemos a sorte de tocar com Nóbrega, que já tinha viajado o mundo inteiro e, com ele, aprendemos muito. Aprendemos ao ponto de enxergar que era possível colocar dentro do frevo, que era uma música instrumental, elementos de liberdade de expressão por improviso. Isso abriu portas para levar nossa música para lugares mais distantes e isso vem acontecendo até hoje. No caso do Governo, acho que é um processo lento, de longo prazo. Mas acho que o frevo pernambucano está num momento muito mais ativo do que esteve em décadas atrás. Ele está andando cada vez mais saudável, em lugares cada vez mais distantes, essa coisa de ficar uma música popular conhecida no Brasil, acho que o buraco é um pouco mais embaixo. Lógico, o Governo pode trabalhar cada vez melhor para isso. Lógico que os

artistas podem trabalhar cada vez melhor. Mas muita coisa vem acontecendo. Por exemplo, o Paço do Frevo é uma conquista incrível. A gente, hoje, tem um lugar onde se trabalha, vive, vê e se fala sobre o frevo todos os dias. Um lugar digno, sério, limpo, seguro, que é tudo que um nativo e o turista querem encontrar. É uma escola de música, uma escola de dança, um centro de exposição, um museu, então, essa é uma conquista muito grande. Não sei se em todo lugar do Brasil existe um espaço como o Paço do Frevo, dedicado à sua música.

Sobre essa comparação com o axé, eu acredito que o frevo possa se tornar, guardada as devidas proporções, algo parecido. Eu só sonho que isso seja apresentado na escola. Por professores e por uma organização de forma muito séria. Com profissionais capacitados para isso, para levar para os alunos a força do espírito e da alma do frevo. A nossa orquestra, por exemplo, passa por um momento muito difícil, pois ninguém teve essa escola pura. Coube a cada um buscar mais intensidade ou menos, então a gente vive um momento antes do Paço do Frevo e depois do Paço do Frevo, onde é mostrado o puro, a verdade. Mas existe uma necessidade que isso seja muito maior, que vá para as escolas, mas de forma digna.

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Você falou algo que é de certo impacto. Você acha então que dá para colocar o frevo numa linha do tempo de antes e pós Paço do Frevo? Ele é um divisor? O Paço do Frevo é um divisor, sim. Não estou aqui com nenhuma arrogância, mas fico feliz em ter participado da primeira reunião do Paço do Frevo. Eu, Nenéu Liberalquino, Zé da Flauta, Wellington Lima e Gilberto Pontes, junto com a administração, ainda da prefeitura de João Paulo. Nós nos reunimos com Ada Siqueira, Ligia Falcão e Peixe, secretário de Cultura na época. Ali eu lembro que a gente começou as primeiras conversas sobre o Paço do Frevo. Para entrar numa possível pauta com a Fundação Roberto Mari-


“Transformar em patrimônio é transformar a alma. Não é só o frevo de Capiba, de Zumba e Nelson Ferreira, que eu bebo até hoje dessa fonte. Mas bebo da fonte da alma” Spok

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Foto: Igor Marques


nho. Eu sei das críticas que fazem ao Paço e é claro que sempre vai ter o que melhorar. Cabe às pessoas chegarem junto para poderem ajudar a melhorar e eu pretendo ajudar da melhor forma. Mas mesmo com esses problemas é um lugar lindo, bem cuidado. Existem outras histórias que merecem ser contadas? Sim! Mas isso é uma coisa que a gente vai melhorando com o tempo. É um orgulho muito grande poder ter um lugar que fala exclusivamente de frevo, um dos nossos principais cartões-postais. Poder ter um lugar para levar gente de fora e apresentar o frevo a ela e essa história ser contada da melhor forma possível. Para uma pessoa que mora aqui e diz que quer estudar sobre o frevo: tá lá a escola. Quer estudar dança? Tem lá a escola de dança. Quer gravar frevo? Tem lá o estúdio. Quer só visitar? Tá lá o museu. É algo incrível. A mesma coisa que acontece com o Cais do Sertão, o museu de Luiz Gonzaga.

Você se juntou, recentemente, a DJ Dolores para gravar o projeto Frevotron. Achei interessante por Dolores se tratar de um artista que vive do remix, de mexer, bulir, catucar o que já está feito. Isso me parece algo que é muito distante do que se faz com o frevo, principalmente por ter sido transformado em patrimônio. Eu tenho a sensação de que quando algo vira patrimônio, fica intocável. Essa introdução é para perguntar: o que você acha do frevo virar patrimônio? Isso é algo que contribui ou que complica os diálogos que você procura fazer com o frevo? Eu enxergo da seguinte forma: transformar em patrimônio é transformar a alma. Não é só o frevo de Capiba, de Zumba e Nelson Ferreira, que eu bebo até hoje dessa fonte. Mas bebo da fonte da alma. Isso para mim é importante, algo muito único. Não acho que atrapalha em nada um músico como DJ Dolores ter a liberdade de mexer e cutucar. Não acho que perde nada. Ele é uma pessoa que se criou aqui. Ele é sergipano, mas se criou aqui. Então, ele conhece o universo das manifestações que aqui nascem, entre elas, o frevo. Eu nasci e me criei aqui. Eu nasci e me criei com o frevo e faço parte do Frevotron. Então, qualquer sopro que eu dou nesse projeto vem da música de Nelson Ferreira, vem da música de Capiba, da música de Zumba, dos meus mestres. Não tenho nada contra, nem acho que abala o patrimônio, pois o patrimônio é a alma. Acho que a gente tem liberdade sim de catucar o patrimônio, o que a gente não pode é ser mentiroso e desonesto com ele. Eu acho que sim. China, Orquestra Contemporânea e as orquestras da Universidade Federal também são artistas que não têm desonestidade no que se propõem a fazer; e o patrimônio não é prejudicado. E quando você está gravando, vendo esse processo do mexer e cutucar que a gente falou, tem um pouco de frio da barriga e

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medo de uma geração mais velha que vai ouvir isso? Pensar no que eles vão achar? Tenho não. Minha vida foi ouvir e encarar isso. Hoje encaro muito menos, mas os próprios mestres já chegam para mim e dizem “o que você faz não é frevo”. Eu escuto com o maior respeito e entendo completamente o posicionamento deles. É como se nesse posicionamento o patrimônio fosse aquilo ali e não pudesse sair daquilo. Eu enxergo de forma diferente, enxergo algo maior. Para eles o honesto talvez seja isso, de não fugir dos 32 compassos. Os 16 compassos da primeira vez, os 16 compassos da segunda vez e dos 4 compassos que às vezes fazem a ponte da primeira para a segunda. Para mim pode ser muito mais. Pode ser 64 compassos e não deixa de ser frevo. Para mim pode ser só 8 e não deixa de ser frevo, desde que seja honesto. Da forma que a gente falou aqui, parece que o patrimônio são esses 16/16. Para mim, não. Você pode estar cuidando bem do patrimônio em 64 compassos, com dignidade no que é de verdade. É como o passista: só pode usar a sombrinha colorida, pois esse é o patrimônio. Não! Você pode usar um guarda-chuva. Para mim não mexe no patrimônio. Não pode é mexer no coração. Quais mestres falam que você não faz frevo? A gente fez um longa, o Sete Corações, que mostra os mestres do frevo. Eles não falam diretamente, mas tem uma cena de uma passista, Flaira Ferro, sou muito fã dela desde criança e ela lançou um espetáculo solo onde ela mostra o frevo do olhar dela. Nós levamos um desses mestres para assistir esse espetáculo e ele disse: “Isso né frevo, não”; “eu não concebo o frevo sem o estandarte, sem o passista. Para mim, não é frevo”. Para mim é honesto ter orquestra de frevo sem passista ou ter passista sem a orquestra, se está coberto com a verdade. É um conflito delicado, já que é uma geração mais antiga que ainda está presente, com visões que são diferentes, mas são corretas? É sim. Mas é algo que vivemos sempre. Muitas vezes no ensaio temos um mestre do frevo que chega para a orquestra e diz: “Gosto muito de Spok, mas o que ele faz não é frevo, gente”. Dizem que é outra coisa. Imagine que isso é dito hoje, com um trabalho que já deu algum caldo, que muita gente conhece. Imagine quando eu estava começando? Todo mundo 42


de paletó e gravata e sem passista? Uma vez o passista foi convidado a sair de nosso show. Num festival de jazz, num momento de improviso, um passista foi convidado a sair pelo próprio público. A música estava se mostrando mais forte. Foi difícil para nós, mas foi superimportante.

Você está terminando de gravar o terceiro disco de estúdio da Spok Frevo Orquestra. É um disco que chega então com o impacto de tudo que você colheu na carreira, de ter circulado pelos festivais, de estar num Rock in Rio. Isso para você tem algum impacto? Você precisa começar a pensar numa produção mais internacionalizada? Nosso trabalho é de música instrumental. Sempre com abertura para o improviso, então desde nosso primeiro disco, isso já é algo presente. Antes havia um interesse em levar esse frevo para fora a partir desses festivais. Talvez essa possibilidade não tenha sido mostrada, antigamente, para os outros produtores. Mas era algo que eu queria. Não acho que o frevo não tenha ido para fora por falta de algo, mas a intenção de levar é importante. O nosso trabalho já tem portas abertas em festivais do mundo. Quando a gente faz o disco, é uma coisa que as pessoas precisam conhecer. No caso desse novo, são compositores e arranjadores que não são necessariamente de Pernambuco. É um disco gravado totalmente com sanfoneiros que tocam frevo e que nunca tinham gravado dessa forma, com tanta liberdade. Dominguinhos já gravou frevo, com improviso, mas de uma forma menor. Xico Bizerra, Sivuca, vários gravaram, mas não sei se todos tiveram tanta liberdade, de fazer um disco inteiro e de ter sempre o elemento do improviso. No Frevotron tem se mexido mais: Otto e Jorge Du Peixe botaram letra. Estamos atrás de outros parceiros. Algo criado por um artista daqui, com o Foto: Igor Marques

espírito do frevo, junto com Yuri Queiroga, que é um grande músico, um grande produtor, bem antenado com as realidades do mundo. Ele é meu filho. Nasceu e se criou comigo e ainda assim consegue colocar elementos que eu não percebo, por não escutar tudo o que ele escuta. Isso é bom, pois um foge do que o outro costuma fazer.

Você tem essa perspectiva bem otimista do momento do frevo, um pouco do reflexo de sua carreira. Mas o que precisa ser trabalhado hoje ou estar em pauta, no foco, para essa música poder crescer? As escolas. Tem que ter a matéria escolar da música de Pernambuco, incluindo o frevo. Essa é a meta maior. Estamos lançando filmes sobre a orquestra de 200 músicos que encerra o carnaval do Recife. Um registro que nunca foi feito, para salvaguardar a história de nossa música. Para poder formar a verdade. Não necessariamente as crianças têm acesso hoje ao que forma seu povo. Porque os seus pais, de hoje, não foram apresentados à sua própria essência cultural. Muito possivelmente as crianças de hoje já ouviram falar muito mais de um artista de axé do que em Jacinto Silva. Os pais dessas crianças ouviram falar em Luiz Caldas, mas não conhecem Luiz Gonzaga. Pode ser uma vontade um tanto bairrista, mas eu queria que a criança optasse por dançar o rebolation, mas fizesse isso sabendo as manifestações que fazem parte de seu povo. As escolas não são apenas para formar público, mas para que a criança possa saber de uma pessoa que ajudou a manter algo nosso, como Luiz Gonzaga. Que aqui existiram os maestros de frevo, como Zumba, Nelson Ferreira, Capiba. O Mestre Camarão morreu agora e eu tenho certeza que a maioria das crianças nunca ouviu falar dele. A gente não pode deixar que o trabalho da mídia tradicional invada a verdade de um lugar. Se a gente não tivesse nada, tudo bem, mas a gente tem tanto. Precisamos apresentar isso. oc 43


A revista Outros Críticos, nesta edição, provocou diferentes autores a nos enviarem relatos sobre suas experiências com as ruínas da cidade, aquelas encontradas por acaso, ou mesmo as que nascem de suas reflexões sobre o lugar que as cidades estão ocupando atualmente, suas transformações.

José Juva Poeta e ensaísta, publicou 'deixe a visão chegar', 'vupa' e 'breve breu'. o grande e o pequeno fiteiro do comerciante universal vendemos um poema para cada janela enquanto passeamos, vira-latas na via láctea, com os olhos engolindo um pouco de luz que escapa da fiscalização do trânsito celeste.

gigantes de pedra morreram asfixiados. apesar disto, a erva cresce no final do corredor. nossas dores escorrem pelo caule da árvore, pingando por suas raízes aéreas. esfinges fingem não roer as unhas quando olham as ruínas da conciliação.

E

a pele dos prédios descama cotidianamente e o sol retorcido das pixações faz carinho no lodo.

m 2014, eu participei de uma rápida oficina sobre criação poética com Wellington de Melo, dentro da programação da Semana Manuel Bandeira, do Espaço Pasárgada. Entre várias provocações e gatilhos para a escrita, Wellington sugeriu uma deambulação por ruas adjacentes ao espaço da velha casa do poeta Manuel Bandeira. Na Rua da Aurora, ali perto do Museu de Arte Aloísio Magalhães tem um prédio abandonado, mas cujo interior é possível observar por algumas frestas. Eu vi bastante grama e lodo colorindo o cinza e o preto daquele prédio, com persistência. Mas o grande reencontro mesmo foi com a Loja Maçônica Conciliação. Ela fica ali na Avenida Conde da Boa Vista, mas não é possível enxergá-la passeando de carro, de ônibus, até mesmo a pé. Só por acaso ou pela instigação de alguém que já saiba da existência do prédio desta loja Maçônica é possível encontrá-la, ali, por trás dos edifícios, nos fundos da loja da Habib’s. Eu já havia me deparado com a loja, lá pelos idos de 2007, quando fiz o documentário sobre o músico Cinval Coco Grude para concluir a graduação em jornalismo, pela UFPE. Mas passados todos estes anos, eu simplesmente havia esquecido da existência dela. A loja havia retornado ao campo de enigmas sob nossos pés. Reencontrá-la aquela tarde, perambulando pela cidade com o propósito de captar fissuras, brechas no caroço da realidade, fendas no cotidiano para mobilizar a escrita poética foi como um transporte numa máquina do tempo. Enquanto duas funcionárias do Habib’s tiravam uma pequena folga fumando lá no pátio do fundo da loja, nós estávamos ali absorvidos pela presença estranha daquela loja maçônica, como que pousada entre os prédios habituais da avenida. Duas esfinges protegem a entrada e lá no alto da fachada podemos ler: Conciliação, logo abaixo do esquadro e do compasso. Foi uma experiência e tanto, foi uma suspensão do tempo ordinário. Depois descobri que a loja foi fundada em 1822. Apesar de parecer abandonada, suspeito que ainda haja reuniões e ritos lá. Desta experimentação surgiu o poema que transcrevi antes do depoimento. 44


Paulo do Amparo

Artista visual e músico.

Eu tenho um fascínio natural por ruínas, sonho muito com ruínas invadidas pelo mar, algo semissubmerso, aquela urgência na variação da maré, fluxo, processos etc... Voltei a frequentar Pau Amarelo quando meu amigo Ernesto herdou uma casa na beira-mar bem perto do forte, exatamente no auge do avanço do mar e das obras para contê-lo. A casa bem velha, mas não tão antiga, precisando visivelmente de manutenção. O mar invadiu algumas vezes e salgou o jardim. Grades se desfazem em ferrugem, cupins, sol e chuva. Combina com a personalidade de meu amigo: filho e neto de perseguidos políticos, ele próprio meio desconfiado de tudo, tomando conta pra que a casa/terreno não seja invadida por nada nem ninguém. O silêncio e a escuridão do quarteirão, as ondas batem na obra de contenção e estrondam, a casa é como as ruínas que sonho. Cheiro de sal e sargaço. A luz do poste projeta um facho na maresia. Tudo isso me sugere algo profundo e espiritual, algo gigantesco: o tempo, o universo, o processo de desaparecimento da informação no meio da enxurrada de informações novas, transcendência... Mundos dentro de mundos.

Eduardo Amorim

Jornalista, mestrando em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE. Uma das cenas mais saudosas da minha infância é andar de cavalo com meu pai (ou meu avô) por perto do Sítio Três Irmãos. Hoje conhecido como “Paraíso” pela comunidade local, a propriedade foi deixada pela família para o meu pai, que ali plantou pitanga, cajá, acerola, coco e outras árvores frutíferas. E me deu de presente um cavalo chamado Estrela. Muitos anos depois da morte do meu pai, em uma obrigação de trabalho, finalmente fui levado a reconhecer o cenário da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Muribeca. Como jornalista, foi incrível perceber que não era mentira inventada pelos meus ancestrais, que aquelas pedras eram resquícios do tempo da segregação entre negros e brancos. Uma das poucas regiões que guardam áreas rurais da segunda maior cidade pernambucana, a Muribeca é conhecida por um lixão desativado, um aterro sanitário e um enorme conjunto habitacional e uma longa história de luta por moradia de centenas de famílias que foram obrigadas a sair do Conjunto Muribeca pelo risco de desabamento. A Muribeca dos Guararapes do início do Século XVI, um dos primeiros engenhos de cana-de-açúcar de Pernambuco, é uma história ainda quase absolutamente desconhecida. Trazendo ainda mais caldo para as marcas deixadas naquelas ruínas hoje tomadas de mato, rochas já cobertas por lodo e com uma falha de proteção para não permitir a invasão. A história dos pretos da Muribeca ainda está a ser redescoberta, mas me deparar com o cenário da vida deles me trouxe de volta à infância por alguns instantes.

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Anco Márcio Tenório Professor do Progra ma de Pós-Graduação em Letras da UFPE. O Recife tornou-se nas últimas décadas um aglomerado de ruínas. Uma estranha e fantasmagórica ruína, pois ela não está à vista de quem queira vê-la ou senti-la em sua decrepitude arquitetônica, em suas paredes descascadas ou caídas, em suas portas e janelas arrancadas, com seus espaços vazios dando para outros espaços vazios, putredinosos, oferecendo-nos uma leve ideia do que fora em passado recente ou remoto; uma estranha e fantasmagórica ruína, pois ela não reside apenas e somente nas memórias efêmeras dos homens e mulheres que foram suas testemunhantes ou nas imagens que a congelaram em fotos, quadros, filmes, poemas, crônicas, narrativas ficcionais...; uma estranha e fantasmagórica ruína, pois ela só se faz visível por subtração, pela volumetria e os traços arquitetônicos que estão, assim como a imaginação, suspensos no ar; uma estranha e fantasmagórica ruína, pois são como os ossos e as carnes putrefeitas que os túmulos e os jazigos guardam e tornam invisíveis. Sim, por trás de cada novo edifício, de cada nova via que é aberta, há uma ruína suspensa no ar. Seus ossos e as suas carnes putrefeitas não estão à vista, como não

estão também à vista nos cemitérios, mas sabemos que eles jazem ali. Não dá para falar desta ou daquela ruína, dos corpos que repousam nas pedras do IML ou dos que são velados nos velórios, quando toda cidade vai se constituindo em um grande cemitério. E como todo cemitério, ela guarda por trás dos jazigos caiados, dos novos túmulos que são erguidos, os restos mortais daqueles que um dia povoaram a paisagem de uma cidade que já não existe mais. Homens e mulheres que, assim como Recife, só existem agora nas memórias dos que lhes sobreviveram, nas fotos guardadas pelas famílias (algumas fixadas nos jazigos, assim como os nomes que batizam as novas construções) e nas imagens em movimento que nos dão a falsa impressão de que os mortos e as ruínas conseguem ressuscitar e assombrar a nós, os vivos. Recife é um grande cemitério com suas ruas permanentemente visitadas pelos vivos, lamentando a morte dos que se foram e temendo a sua frágil existência, como se ele, o Recife, vivesse um eterno dia de finados. O cemitério é o lugar que esconde a ruína e a memória dos que viveram entre nós; o Recife é um cemitério formado por jazigos de quarenta andares, caiados com azulejos e cerâmicas, fermentando suas carnes sob um calor de 40 graus.

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Sidney Rocha Escritor, é autor de 'O destino das metáforas', vencedor do prêmio Jabuti de Literatura. Talvez pudesse erguer meu depoimento sobre as ruínas, de Ítalo Calvino. Ou mais perto: ao sonho dos homens que inventam cidades, de Carlos Pena, que é a mesma energia, mais ao Sul, de Borges, com seus deuses incendiados nas ruínas do templo. Mas todo discurso é ruína como a memória é ruína sobre ruína. Talvez por isso Francisco Brennand tenha construído seu ateliê sobre a ruína de uma fábrica construída sobre as ruínas de um engenho. Há no Recife tantas camadas de ruínas, tanta sede de se diluir o passado, que não é errado falar de recifes que soterram recifes. Inteiras. Recife é a cidade que o Recife engoliu. “Tudo ali sofre a morte mansa/ do que não quebra, se desmancha”, dizia João Cabral num poema sobre canaviais e cupins. Enfim, Recife é madeira que cupim. Ando pela cidade. Hoje, há pouco para se ver. Mas ouço vozes. São essas vozes de certa paisagem desaparecida. Para mim, sons e silêncios são também paisagem. Uma grande floresta de silêncios desapareceu: o beco do vento, de silêncios, nos anos 80. A madrugada na Ponte d’Uchoa, onde a manga, caindo no pátio do colégio, acordava o bêbado, no banco. O silêncio do domingo à tarde na Ilha do Leite, da

rua da Glória. Seus Afogados, Aflitos — que devem seus nomes a catástrofes, e se erguem também sobre suas próprias ruínas, mudos. O mundo do Engenho do Meio, da Várzea, o silêncio. Sem silêncios, dormimos e acordamos sem pensamentos, sem reflexões, sem futuros. Aquele Recife acabou. E não adianta imaginar que foi o mundo que vi, que começava no Recife. Acabou, como Cartago, que os romanos passaram décadas para varrer da face de Roma. Quem estava lá, não me deixa mentir: os romanos derrubaram muralhas, demoliram casas, galpões, estelitas, e mataram a população, os que resistiram, que não se dobravam escravos. Depois, semearam sal nas plantações para que nada mais ali crescesse. Era paisagem desoladora. Contam que Emiliano, o general invasor, chorou quando viu. Aqui, também, Emiliano, imperadores de novos recifes tentam salgar o Recife todos os dias, há décadas. Como aqui romanos não choram, é torcer para que a cidade pense mais. E resista. Ah, lembrando o resto da história: Certo dia, acordando de sonhos intranquilos, Roma acordou e Roma havia caído. Arruinada. Sem choro. Sem torres. Sem vela. Silêncio.

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ensaio

Cidade suspensa, sons remotos por Carlos Gomes

Escrever estritamente sobre música já não é possível. Os sons, muito mais os sons, se impõem crítica, cultural e politicamente sobre a escrita. Categorias como artigo, ensaio ou resenha são diluídas, assim como as cidades que se inscrevem sobre cidades produzindo novas camadas de sentido. Raspar as superfícies delas e descobrir embaixo de sua crosta o corpo primitivo, suas histórias. São algumas horas e as ruas que deveriam dar para o Mercado de São José são o plano das lojas – na vista angular de quem passeia olhando vitrines, dizendo sim ou não para os lojistas – e o das sobrelojas – fachadas, andares, ornamentos, ruínas, variadas ruínas, uma cidade que resiste acima de quem vê, mas não consegue a enxergar como uma outra cidade, menos concreto, mais liquidez – que contam o passado e o presente, sobrepostos, reescrevendo um futuro ainda assim ruína, aqui mesmo neste lugar de passagem. Sabia destino, o Mercado, mas não sabia o caminho curto ou longo, por me deixar perder entre as diferentes ruas. Queria enxergar a complexidade da cidade acima das lojas enquanto me perdia nessas possibilidades de labirinto, Paisagem – é nisto que a cidade verdadeiramente se transforma para o flâneur. Ou mais precisamente: para ele, a cidade cinde-se em seus polos dialéticos. Abre-se para ele como paisagem e fecha-se em torno dele como quarto. O flâneur, sem o saber, persegue essa realidade¹. 48


Dobrei o som à minha volta com a artificialidade dos fones de ouvido no volume quase máximo a tocar Cassettes, [...] encontram-se, em diversas camadas, apenas sons oriundos desses cassetes, cortados, desgastados, transformados em loops, processados ou não e em rotações variadas, podendose ouvir também o som do próprio toca-fitas como parte das composições.² 49

A cidade de baixo despejava sua sonoridade tipicamente urbana de uma capital-porto-comércio, mas há os que apostem em vitrines, os em calçadas e uns outros com os velhos hábitos de fazer do grito o convite para adentrar em seu labirinto de coisas; a cidade de cima despejava detritos, tempo, nutria plantas, ornamentos, trepadeiras, pombos, muitos deles, fios ininhados,


janelas de cores variadas e descasques das paredes revelando antigas identidades; a cidade de dentro de mim era esse som do objeto fita cassette rodando repetidamente dentro da minha cabeça, mas que confundia-me no que era som dos Cassettes ou do lugar de passagem. Caos como colagem a inventar novas dobras de sons com a paisagem sonora das ruas. Como nessa caminhada-labirinto, o simples ato

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de levantar a cabeça, enxergar o micro ante o macro dos lugares por onde passava, reconstruía em mim toda uma cidade que sempre estivera ali, decompondo-se diante de toda presença. Mas são quatro as músicas dos Cassettes, as que me iluminam a enxergar essa microcidade. Se “Prematuro” fez sentido como abertura, a “Valsa” chiada que vaza do barulho da troca das fitas transforma o som do próprio su-


“1990”, diferentemente, é feita de porte (toca-fitas) em matéria-prima. nuances; talvez não precisamente nesAs vozes que incidem dessa torta valse ano, a minha primeira recordação sa são fragmentos interessantes para do centro da cidade é a imagem de escrevermos sobre as ladainhas dos canhões – daqueles mesmos que vevendedores de artesanato ou peixe do mos nos fortes – no topo de uma das Mercado que finalmente me encontra. igrejas. Ainda que miragem, memória Já que para o flâneur o contrário não ou invenção, continuei a preservar seria de todo possível. mais em mim, do que na busca exata Mudo de álbum. Vozes gemem mais daquela igreja, a forte imagem de dois que tagarelam. Vendedores constrocanhões instalados no topo de alguem paisagens com suas falas, vendas, ma construção centenária, em desuso, artes, pescas com tons de vermelho e provavelmente, tanto o canhão, quanto cinza, nesse galpão imenso que cheira a igreja, mas fortes como contradição e o próprio odor do abandono. Sua bememória. Fotografia permanentemenleza é saber que está vivo apesar das te em revelação. sombras e assombrações do novo que Me perco e volto à infância. Casas pouco a pouco desejam destituir a paisão marcadas pelo Estado nas perifesagem do bairro de São José. Vozes são rias. Aproximadamente vinte anos se mais tensas, incidem noites e sons sopassam, e nesse tempo funcionários turnos. Feitas as compras da paisagem voltam a rondar as ruas descalçadas, interna de adornos, artesanatos e genfazer anotações e servir de sombra às te e pescaria do Mercado, a caminhada assombrações que pairam sobre os segue ao som constante dos fones, agomoradores dos subúrbios de Pernamra conectados às memórias dos recorbuco. Alguns convivem com as assomtes de 1987/1990, enquanto atravesso brações, mas outros recebem a visita uma das pontes em direção ao sitiado bairro novo e velho do Recife. Como se dentro das engre- “Como nessa caminhadanagens ou ambientes sonoros labirinto, o simples ato das construções civis, os sons de levantar a cabeça (...) de “1987” explodem e atravessam comigo pelas duas margens reconstruía em mim toda da ponte Maurício de Nassau. uma cidade que sempre Na margem direita, duas torres estivera ali” apunhalam as costas da cidade, real. De longe se vê e é tão natural. Se e quase que alinhadas de forma equitua casa é um chão de medo, te ouvir distante, à margem esquerda, no que a não faz mal. A casa sangrou primeiro. vista alcança ao longe, dois novos edifíPosso sofrer, posso chorar3, dedilho no cios, ainda em construção, dão sentido à ferida que permanecerá sangrando violão no bairro do Porto Madeira, em enquanto os olhos ainda cumprirem a apartamentos cercados por muros baifunção de olhos. xos e narizes de pé, onde o rio é corta51


do pelo esgoto que é cortado pelo rio que é cortado pela gente que é cortada pelo Estado, não muito longe das casas marcadas com tintas e seus códigos perversos. Nas suas cores de despejo e demolição. Mais uma mudança de álbum no caminho de retorno, e a canção “Em transe” é uma assombração sobre a periferia da canção brasileira. Alia figura e fundo numa troca constante de lugares. A melodia corta os processamentos de sons, os processamentos cortam a voz, a letra corta a linguagem, a linguagem, por sua vez, lambe todas as feridas e faz de Banquete um espaço para a canção de fronteiras pouco visíveis. Arranjar como coautoria, cantar como coautoria, tocar como coautoria, até que a própria autoria seja diluída nessa cebola espessa e suas muitas camadas. Para o flâneur, seguir o itinerário de um ônibus é seu princípio de morte, mas as Canções de amor4 de um grupo chamado Hrönir tocam na estação de rádio oficial do Estado, ecoam no ônibus quase cheio; enquanto ouvem, passageiros, motorista e cobrador se entreolham absurdos. Talvez eu também escreva sobre isso. oc Fragmentos e discos

(BENJAMIN apud FERRER, 2011, p. 64) FERRER, Bruna Rafaella. Arqueologia do presente: processos artísticos. Dissertação de Mestrado em Artes Visuais. Faculdade Santa Marcelina. São Paulo, 13 de Setembro de 2011.

1

²Texto de apresentação de Cassettes (2014), de Cadu Tenório. Discos de Cadu Tenório, todos de 2014: Cassettes; Vozes; 1987/1990. Disco de Cadu Tenório e Márcio Bulk, de 2014, Banquete. “Cidad”, do próprio autor.

3

Disco da banda Hrönir, Canções de amor (2006).

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Revirar escombros: reconstruções do jornalismo por Bruno Nogueira

Nos últimos três anos, a quantidade de jornalistas demitidos em massa das redações dos veículos tradicionais de imprensa – os jornais impressos, os canais de televisão, emissoras de rádio e portais de notícia – seria suficiente para lançar pelo menos dois grandes conglomerados de mídia. As notícias assustam quando estamos em sincronia cronológica com os fatos: no Recife, o Diario de Pernambuco demitiu 30 repórteres em março; já em São Paulo, o Grupo Folha afastou 50 no mês seguinte.

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Nos Estados Unidos, veículos como o Chicago Sun-Times se desfez de todos – isso mesmo, todos – os fotógrafos. Os afastamentos, quase sempre justificados pela queda da circulação e audiência e a reajustes no setor financeiro, criam uma atmosfera de ruína para o jornalismo. Mas esse cenário faz parte da composição de uma das controvérsias mais interessantes da atividade: existe um certo glamour compartilhado na sociedade em ser jornalista, que faz a formação ser uma das mais concorridas nas


Fotos do artigo: Registro visual de Ferrer sob efeito halftone dot.

universidades. Um universo que mistura a ansiedade de chegar lá, com a desilusão e frustração de se estar lá, como aconteceu com Natalie Caula Huff, do periódico The Post and Courier, e Rob Kuznia, do Daily Breeze. Ambos deixaram a profissão para desempenhar outras atividades – serviço público e relações públicas – com um prêmio Pulitzer, o maior reconhecimento da área, na mochila. Kuznia, especificamente, deixou a profissão afirmando que o salário não o permitia pagar o próprio aluguel.

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Essas controvérsias, como dito, fazem parte da essência do próprio jornalismo. O pesquisador português Nelson Traquina, uma das principais referências no estudo sobre o jornalismo no mundo, lembra que um dos percursos mais difíceis da atividade foi a de ser considerada, de fato, uma profissão como a de advogado e médico. E não somente um trabalho de menos prestígio e sem uma perspectiva individual. O desafio, lembra Traquina, está no fato do jornalismo parecer, primeiramente, se tratar de


um saber técnico (escrever e apurar) “Eu costumo dizer que toda pessoa e estar recheado de interesses sindi- num chat do Facebook está produzincais e empresariais que minam o es- do conteúdo e tirando audiência de alforço intelectual. guém. Não há outro jeito: as empresas Para alguns, entretanto, a crise de jornalismo têm que trazer histórias que o jornalismo vive hoje, especial- e features interessantes”, completa. mente no Brasil, é bem diferente. José Olhar para a Internet como uma Flávio Júnior, que tem textos assina- perspectiva de mudança parece ser dos nas revistas Bravo, Rolling Stone, um caminho natural. José Flávio JúBillboard, Vip, Playboy, Capricho, Isto nior, no entanto, traz um contraponto É Gente e nos jornais Folha e Estado que esbarra, mais uma vez, em outros de São Paulo, faz uma conexão com contextos maiores do país e aponta o momento político e econômico do um culpado: o próprio leitor. “Por que país. “O que o brasileiro corta primei- o problema seria da credibilidade dos ro quando precisa apertar o cinto? veículos? Mesmo os mais contestaNão é a farinha. Internamente, a gente dos seguem publicando reportagens sabe que a Copa do Mundo deu uma relevantes, revelando falcatruas que camuflada na situdepois se provam ação trágica pela grandes casos de “Eu costumo dizer corrupção”, defenqual as empresas jornalísticas es- que toda pessoa num de. “Podia ser metavam passando. lhor? Claro. Mas o Editoras e jornais chat do Facebook está leitor também poseguraram as pon- produzindo conteúdo deria ser mais quatas para poder re- e tirando audiência de lificado. Mas não é ceber a grana vino jornalismo que alguém” culada à Copa, e forma as pessoas”, aí dar um respiro. lembra o jornalisMárvio dos Anjos Mas parece que a ta. “O problema Copa não foi lucrativa para ninguém”, vem da qualidade de nossa educação contextualiza. e de nossa fraqueza econômica. Por Editor Geral do jornal Destak, que que uma nação com tantos analfabeapresenta um modelo diferente de tos funcionais e com tanta gente pasjornalismo no Brasil, principalmente sando por necessidades teria um jorpela distribuição gratuita, o jornalis- nalismo pujante?”, alfineta José Flávio. ta Márvio dos Anjos concorda com Isso é algo que muda, para Márvio o contexto, mas vai um pouco além. dos Anjos, quando você trabalha em “Essa crise não é exatamente recente, um veículo de comunicação de acesso mas, em cenários econômicos de re- 100% gratuito. “Ser de graça nos faz tração, como o que estamos vivendo, pensar que somos não apenas indeela tende a se acentuar. Ela força uma xadores das melhores histórias, como transição, que os jornais estão bus- também temos participação num procando, de uma forma ou de outra, seja cesso de capacitação dos nossos leipela redução de papel, seja pelo posi- tores para a cidadania, para a gestão cionamento on-line”, diz, apontando de finanças e para o debate, que é o para uma perspectiva de mudanças. grande legado das redes sociais hoje 56


em dia”, diz. Para o editor do Destak, essa prestação de serviço ganha uma importância maior em tempos que todos querem ter uma opinião, por isso o jornal precisaria ser menos informativo e mais contextualizador. Se o Brasil não consegue cultivar esse jornalismo pujante na prática, ele ainda persiste no imaginário. Foi o que levou a universitária Elen Taline a escolher pelo curso da Universidade Federal de Pernambuco. “Eu achava que jornalistas podiam mudar o mundo”, conta ela, que na época do vestibular passou por um teste de aptidão promovido pela sua escola, que a fez desistir do curso de Artes Cênicas. Elen estava longe de ser diagnóstica com a síndrome de Clark

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Kent que sofre, por vezes, os profissionais da área, e tinha uma abordagem mais prática. “Se as pessoas têm acesso à informação sobre um direito que antes elas não usufruíam e passam a exigir ele, isso é mudar o mundo, de alguma forma”, diz a estudante, que está no penúltimo período do curso. Ao traçar uma proposta de divisões sobre como o jornalismo pode ser compreendido, o jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense, Felipe Pena, lembra que parte da profissão é puramente ritualística. Em uma perspectiva gnóstica, tem o jornalismo que se aprende e o que se faz. A percepção do mercado de Elen Taline mudou quando


ela passou a estagiar numa trajetória comum do curso: primeiro em assessorias de comunicação, depois em veículos. “Foi quando ferrou tudo”, conta. “Os interesses da empresa são reais e acontecem com frequência. A pior coisa era ter que cobrir evento da empresa e colocar no ar. Tinha matéria que não tinha valor notícia nenhum. Só estava lá porque o dono mandou mesmo”, lembra. Com as demissões em massa, ficam nas redações um volume maior do repórter mais jovem e desencantado com a área. “Os jornalistas mais jovens que acompanhei nos últimos anos chegaram às redações e rapidamente perceberam que escolheram uma profissão furada, sem futuro”, conta José Flávio Júnior. “Eles não valorizam certos aspectos da profissão que as gerações anteriores valorizavam. Num encontro com uma personalidade, preocupam-se mais em tirar uma foto com o entrevistado do que em realizar uma boa entrevista. Há

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pouco capricho no texto final. E eles leem bem menos, no geral. Se pintar uma demissão, o foca até agradece. Um motivo a mais para ele cair fora da roubada”. À frente de um jornal que tem sucursais em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Recife, Márvio entende que a engrenagem da mídia dificulta. “O problema do jornalista novo é que o convite e as forças que o reduzem a uma mera engrenagem são muitos. O principal motivador que esse jovem precisa manter é o de escapar dessa redução”, conta, mas também identificando problemas no novo repórter. “Para ser efetivo e ter histórias próprias, o jornalista tem que saber alternar a demanda diária com a história que ele pretende alcançar. O que eu sinto é que poucos se arriscam, poucos tentam seduzir o editor com uma história nova e poucos negociam a saída do ritmo diário em busca de algo que realmente seja diferencial”, diz o editor.


Enxergar uma saída para esse cenáDe volta às reflexões de Traquina, rio de ruína parece ser difícil. “Blogs? por mais que o contexto econômico Já estão inseridos no jornalismo tradi- reforce esse cenário de ruína, a imcional. Sempre estiveram”, conta José portância do jornalismo é evidente. Flávio. “Blog costuma ser uma coluna “Os jornalistas são participantes aticom mais atualizações. Buzzfeed e si- vos na definição e na construção das tes com legendinhas engraçadas são notícias e, por efeito, na construção um sinal dos tempos. Típico dessa ge- da realidade”, destaca o autor. Outro ração de idiotas que está na dianteira importante pensador da comunicação do universo”, provoca o jornalista. “Foi contemporânea, Pierre Lévy, dá uma difícil entender que é possível fazer dimensão ainda maior, ao afirmar que jornalismo fora das empresas”, com- “o exercício moderno da democracia plementa a estudante Elen Taline, que está ligado ao desenvolvimento dos hoje tem como meta profissional tra- mass media, a ponto de podermos balhar em comunicação pública. Sua afirmar que não há democracia sem vontade está alinhada com o contex- liberdade de imprensa e de livre exto geral apontado por editores como pressão da opinião. Ter mídias livres Márvio e jornaé uma condição bá“Os jornalistas são sica para o exercício listas experientes como José Flávio: participantes ativos da democracia”. trabalhar comuni“Talvez seja a na definição e na cação na base da hora de aparecer construção das carência maior hoje um híbrido entre do país, que é o se- notícias e, por efeito, jornalismo e videtor público. Essa é ogame”, reflete José na construção da uma perspectiva Flávio Júnior, penreal e menos utósando no contexto realidade” pica, que tem apado jovem leitor. Os Nelson Traquina recido como uma chamados “newssaída para um jornalismo com mais games” já estão em pauta desde 2012 comprometimento. É o caso da Agên- e ajudam a complementar um tripé cia Pública. Sem fins lucrativos, eles para o futuro do jornalismo: repenproduzem reportagens que buscam sar as condições de produção – como alinhar alguns dos problemas apre- o jornalismo sem fins lucrativos da sentados aqui: prestar um serviço de Agência Pública –, repensar as condiqualificar o leitor e mostrar ao novo ções de consumo, como ilustrado por jornalista um caminho diferente para essa fusão de plataformas e experiseguir. Concentrado no eixo temático ência de recepção de conteúdo, e redos preparativos da Copa do Mun- pensar a relação entre jornal e leitor, do, os investimentos na Amazônia e sendo parte de uma formação coma ditadura militar, a agência encon- plementar ou de fomentador dos cada tra financiamento para distribuir em vez mais infinitos debates travados “bolsas-reportagens”, para aquele que pelo público nas redes sociais on-line. se aventurar sair da zona do conforto oc dos releases de assessorias e se aventurar em apurações em profundidade. 59


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A retomada do Cidadão Instigado por Fernando Athayde Foto: Poster de divulgação

Ao longo dos últimos dez anos, tornou-se muito difícil tecer publicamente uma crítica ao som da banda cearense Cidadão Instigado. O trabalho realizado em seus dois últimos discos, Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências, de 2005, e UHUUU!, de 2009, fez com que o grupo adquirisse não somente uma base sólida de admiradores, mas se tornasse um dos grandes nomes da música brasileira alternativa. Este ano, o quinteto liderado pelo guitarrista e vocalista Fernando Catatau ataca novamente, com o álbum Fortaleza, quinto de carreira. O lançamento é complexo à medida que suscita uma série de questões sobre a turbulenta relação existente entre corresponder às expectativas do público e recriar-se artisticamente. De início, é importante estabelecer

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uma coisa: Catatau e sua trupe fizeram escola. Ao que parece, as noções harmônicas, melódicas e rítmicas sob as quais se estruturam boa parte das composições do Cidadão Instigado vêm ganhando mais e mais espaço no cenário nacional. Síntese aguçada de dois elementos que ocupam posição de prestígio no repertório básico do brasileiro universitário e culturalmente antenado, o rock clássico e o brega, o som do quinteto cearense surge alocado na intersecção entre a boemia romântica e o dito bom gosto musical da classe média. Uma reflexão interessante sobre isso é tentar interpretar os conceitos e a popularidade obtida pelos inúmeros trabalhos produzidos por Catatau para outros artistas na última década, como Nação Zumbi, Siba, Arnaldo Antunes e Karina Buhr.


Particularidades sonoras tais quais o timbre das suas guitarras de marcas e formatos obscuros, calibrados com fuzz e vibrato quase sempre estão lá, criando identificação automática entre aquilo que é ouvido e quem tocou. É claro que a fundamentação de uma identidade estética como essa não é exatamente um problema, mas a transformação dela num método é algo particularmente monótono. Dessa forma, Fortaleza surge prejudicado por se basear numa série de virtudes já conhecidas e disseminadas. Se seis anos separam o novo disco de seu antecessor, a forma de pensar o som concebido pela banda nunca deixou de figurar os ouvidos do público. São doze faixas carentes de um elemento capaz de romper a linearidade harmônica e rítmica da obra e instigar, de fato, a novidade. Tal aspecto é algo curioso, pois o próprio Cidadão Instigado já se provou capaz de manipular a imprevisibilidade com esmero no longínquo álbum de estreia, O Ciclo da Dê.cadência, de 2002. Por não se permitir uma fuga dos moldes delineados pela sua própria história, o grupo dá à luz a um disco rico em timbres, mas escasso de conflitos internos. É bem provável que os muitos fãs da banda escutem Fortaleza à exaustão e encarem o álbum como a aguardada resposta dada àquele “gosto de quero mais” que ficou depois do fenômeno de popularidade UHUUU!. Ainda assim, quem nutre a esperança de se sentir provocado pelo contato com a abstenção de quaisquer regras que uma obra de arte deve exercer, pode se limitar a receber o lançamento apenas como um… lançamento. De qualquer forma, a figura de Fernando Catatau é sempre interessante. Aproveitando seu espaço frente ao grupo, o músico transpira carisma ao evocar a aura de uma espécie de rockstar cosmopolita, fusão de Robert Fripp e Evaldo Braga. Capaz de criar melodias cativantes, Catatau não se fecha ao universo das seis cordas e busca se afirmar

O novo álbum da banda traz a nostalgia e a angústia de uma cidade que padece nos braços do capitalismo e suas ruínas culturais. A capa e o rock’n’roll do novo disco denunciam as aspirações sentidas pelo Cidadão Instigado.

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efetivamente como um autor. Em seus versos, recortes inspirados nos aspectos da vida atual aparecem entrelaçados com devaneios e crenças particulares. A letra da faixa-título de “Fortaleza” talvez seja o ponto crucial do disco. Visto que até em seu espectro lírico o novo álbum traz uma abordagem surrada pela contemporaneidade, quando discorre sobre a descrença de um futuro próspero ou a desconfortante banalização dos arranha-céus; é nos momentos mais pessoais que a obra atinge seu melhor. “Fortaleza”, a canção, é uma crônica sobre a tentativa falha de transformar um artista nato num homem comum, cujas realizações e prazeres não residem nos constantes mergulhos no caos que determinam o ato de criar, mas sim na cadência sufocante do cotidiano. “Caminhava do Meireles indo até a p.I./ Vendo o povo nas ruas era bom estar ali/ Era tanta inocência e eu sonhava em partir/ Mal sabia que um dia tudo isso iria mudar/ Quando eu fui para o concreto eu só queria ver o mar/ E era tanta diferença e eu só pensava em voltar”, são versos que expressam muito sobre não se adequar a padrões - uma reflexão que Catatau parece compreender muito bem, mas que não deixou evidente nessa nova empreitada do Cidadão Instigado. oc


resenha

A Sinergia do Mojav Duo por Bruno Vitorino

Foto: Breno César/Divulgação

Uma das lendas vivas do jazz e figura central do movimento nascido em Chicago nos anos 1960 que ampliou as fronteiras sonoras (e políticas) do gênero, naquilo que ficou imortalizado como Association for the Advancement of Creative Musicians; Muhal Richard Abrams afirma que “quando você toca música com outras pessoas, forma-se um laço que nunca se quebra”. O que parece ser à primeira vista uma afirmação tanto óbvia, quando investigada mais a fundo revela um alcance assombroso. De fato, a gama de vínculos emocionais que surge do exercício coletivo da autoexpressão no mundo abstrato dos sons, ou seja, da performance, proporciona à música focada no improviso enquanto fio condutor da plenitude artística o tão necessário movimento que a torna dinâmica,

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profunda, imperfeita, transitória; enfim, humana. O pensamento e o instinto, o acerto e o erro, o sentido e o represado, a inspiração e a transpiração, o sentimento e a técnica; enfim, a conjunção dessa série de opostos que se manifesta de modo único em cada músico envolvido nesse processo contribui para que uma composição seja reformatada e reimaginada a cada execução, já que a comunhão dessas perspectivas individuais, que se ligam fortemente numa espécie de sinergia emotiva, proporciona a manipulação espontânea de uma estrutura predefinida, a construção de outra inteiramente nova a partir desta e o compartilhamento da liberdade desse ato de criar na incerteza. É justamente dessa teia de relações que se alimentam os pernambucanos do Mojav Duo na organização de suas


intricadas estruturas sonoras. Formado em 2009 por Fred Lyra (guitarra e violão) e Hugo Medeiros (bateria), o Mojav Duo traz em seu cerne a experimentação e um profundo comprometimento com o risco. A começar pela formação: um dueto improvável entre um instrumento percussivo que, indo muito além de sua função primordial de guardião do pulso, não se conforma em apenas marcar o tempo, mas expandi-lo, sublimá-lo; e outro harmônico, que mais atua como melodista do que como o provedor da massa de acordes organizados segundo as regras de um tonalismo tão decantado em nosso ouvido. Em sua busca por novas possibilidades composicionais, mais do que propor um incomum direcionamento harmônico vinculado a uma melodia que o determina, as composições do Mojav Duo se voltam para o ritmo enquanto força motriz do desenvolvimento temático, focando no ritmo liberto de si mesmo, isto é, das amarras e convenções estéticas da música ocidental que o condenaram a apenas alicerce na estruturação objetiva da forma, um coadjuvante ante o domínio da melodia/harmonia. Portanto, o que se encontra na música do dueto são trabalhos com ciclos rítmicos complexos que se combinam numa miríade desnorteante; o uso do pulso variável como elemento de dramaticidade na interpretação das músicas, o contraponto métrico promovido pela bateria em seu diálogo constante com a guitarra, a geometria assimétrica da sucessão de diferentes compassos e a tensão latente na sobreposição de padrões métricos conflitantes. Reminiscências dos conceitos estabelecidos por Steve Coleman, os quais assimilados pelas mentes inquietas de Fred e Hugo resultaram em peças de um brilhantismo ímpar, como atesta o primeiro disco da dupla. Gravado ao vivo no Estúdio Casona com recursos do FUNCULTURA, o disco homônimo Mojav Duo traz oito

Disco homônimo (2014) da dupla é a memória das experimentações estéticas do Mojav Duo, já que passa por um ínterim desde que Fred Lyra viajou para a França para estudar. Restando aos admiradores que preferem um tête-à-tête apreciar as construções “contratemporais” de Hugo Medeiros na banda Rua.

composições autorais do dueto que equilibram o rigor da arquitetura sonora e a liberdade partilhada pelos músicos quando da improvisação sobre essas estruturas hostis. Nesse sentido, vale ressaltar a imensa responsabilidade que recai sobre os instrumentistas, porque a empreitada exige deles a árdua tarefa de, com apenas dois instrumentos e muito espaço para preencher, dar substância às composições: estabelecer e interpretar as formas para logo em seguida internalizá-las com todos os seus complexos modelos rítmicos e se lançar ao exercício incerto da improvisação sobre essas plataformas complicadas auxiliados tão somente pela intuição e pela memória. Um trabalho hercúleo que expõe bastante ambos os músicos, já que todo e qualquer erro ou hesitação, por menor que seja, é claramente perceptível. No entanto, apesar dessas adversidades imanentes à música, o nível técnico dos instrumentistas e a força do elo artístico que os une são tão altos que o resultado não é outro além do sublime. Destaque para a métrica sinuosa de “De Costas para Si”, a profusão rítmica de “Série 1” e a ambiência flutuante de “Vozes do Além”. Altamente recomendado! oc 65


resenha

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Um beijo para quem ama Volta por Thiago Soares

Foto: Dani Neves/Divulgação

Quando terminei de ouvir Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!, lembrei logo de um show de Johnny que fui num inferninho do Recife Antigo, ele ainda Candeias Rock City, aquela profusão de rebeldia no palco, pensei comigo “Johnny é foda” ou algo como “Johnny vai acontecer”. Lembrei dessa noite porque música tem algo de energia, algo que vaza, algo que borra e turva. E que Johnny era uma neblina na cena de música pernambucana, excessivamente “hétera” (a cena), excessivamente geolocalizada, excessivamente recifense – num sentido meio pejorativo de “recifense”, sorry. A energia de Johnny era outra. Era Recife, ok, era Recife Antigo, ok, mas era outra coisa. E lembrei do final de Onde Andará Dulce Veiga?, aquele romance policial-kitsch de Caio Fernando Abreu, em que perguntam a tal Dulce Veiga o que

ela quer, o que ela quer cantar, o que ela quer para a carreira dela. E Dulce é evasiva: “eu quero outra coisa”. Johnny era outra coisa num certo Pós-Mangue, anos 2000, década de um Recife de ressaca de tanto caranguejo, tanta lama, tanto “cérebro”. Notaram que o Manguebeat não tem uma grande música de amor? Como pode? Corta. Daí, outro show, Johnny fez um tributo a Madonna, no primeiro andar do Pina de Copacabana, aquele bar ali, em frente à estátua de Chico Science (“oh my God, look at his butt!”, imagino uma drag dublando “Anaconda”, de Nicki Minaj, em frente à estátua de Chico, perdão a heresia), num lembro de muita coisa, eu tinha bebido um pouco além da conta, mas lembro de Johnny cantando “Get Together”, de Madonna, numa versão estranha (nem gostei na ocasião), mas 66


tudo isso, esse delírio tropical, autorreferente e reflexivo veio porque ouvi “Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!”, e pensei: é a hora de Johnny ou aquele trecho de Ana Cristina César (é ela?) “é agora, nessa contramão”. Johnny Hooker estava na contramão de uma cena. Talvez a rebeldia excessiva de Candeias Rock City fosse o incômodo dele com a coisa toda, com estar e não estar. Daí achei incrível quando vi Johnny assumindo a veia pop: foi pro Multishow, reality show, o escambau, ninguém na cena do Recife se arriscou daquele jeito. Até novela rolou. E talvez fosse a coisa de esperar “enquanto eles se batem, dê um rolê”. Johnny deu. Apareceu, sumiu. Ficou fazendo o dele e esperando o momento de gritar “eu sou, eu sou amor da cabeça aos pés”. Nesse ínterim, Recife mudou: a cidade que era epicentro da música foi cedendo espaço para o cinema, virou metáfora da classe média emergente worldwide, “O Som ao Redor”, a cidade fez uma autorreflexão às avessas, expurgando o fantasma de Setúbal como este imenso entrelugar, meio azulejo de banheiro, meio porcelanato de hall de prédio, Recife se encaretou e se encapsulou nos arranha-céus que são falos de uma classe média – como diria Judith Butler – melancolicamente heterossexual. Corta. E veio Tatuagem, veio o #OcupeEstelita, veio o brega, tipo Michelle Melo, aquele tecladinho, MC Sheldon, o embaralhamento do brega com a coisa de ser cult, veio uma certa carnavalização desse Recife-espelhado (ai que coisa mais cafona) e daí Johnny lança Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!. Chegou aquela “outra coisa” que imaginei ter ouvido ele falar da boca de uma Dulce Veiga de Caio Fernando Abreu. Não tem uma música que eu não goste. Não pulo uma. Quando ouvi “Segunda Chance” pela primeira vez, fiquei assim PAM com aquele verso “pra você restou a vida que escolheu, mas pra mim, só a voz que Deus me deu”, achei tão Caetano, tão Bethânia cantando “A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa”. A voz de Johnny achou um tom que atravessa gêneros: é meio masculina, meio feminina, super ambígua, lembro

O novo álbum de Johnny Hooker foi lançado em 2015. A canção “Volta”, que está no disco, foi gravada originalmente para a trilha do filme Tatuagem, de Hilton Lacerda.

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de Cássia Eller, lembro de Caetano (de novo) cantando “Eu Sou Neguinha” (desculpem se não cito artistas pernambucanos, ai ai). Tem algo no disco que é uma paisagem do Recife da Boa Vista, um Recife de quem caminha na sombra, adoro a poética cafuçu de “Boyzinho” naquele baixo incisivo que emerge em “boyzinho corta o cabelo, boyzinho arranja emprego” esperando fevereiro. O Carnaval é um atravessamento, seja em “Desbunde Geral”, seja em “Chega de Lágrimas” - e já tô louco para assistir a um show de Johnny Hooker no Carnaval, alô Prefeitura! Quando ouvi “Você Ainda Pensa?”, imaginei Johnny fazendo algo estilo “se você pensa que vai fazer de mim, o que faz com todo mundo que te ama, acho bom saber que pra ficar comigo, vai ter que mudar”, aquele Roberto Carlos raivoso, mas não, a coisa aqui é mais simples, nada de mudar o outro (ah, utopia, viu Roberto?), aqui a coisa é “você ainda pensa em mim quando você fode com ele?”. Eu sei que sim, eu sei que sim – cantei no show de lançamento de Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!, no Teatro Luiz Mendonça. E veio “Amor Marginal”, aquela entrega que me lembra demais Ney. E, para mim, uma frase que sintetiza o amor-ódio de alguém magoado do disco inteiro: “a solidão vai ser o seu castigo!”. Corta. Um beijo para quem ama “Volta”. oc


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