Frevo, Memória e Patrimônio (2018)

Page 1


Santos z i u L e s e v e t s e o n a rd o E L : s e r o d a z i n O r ga

F R E VO, MEMORY E G A T I R E H D AN

, O V E R F A I R Ó M ME O I N Ô M I R T A P & (IDG) o ã t s e G Recife, 2018 e o t n nv o l v i m e e s e D e d o t u t i Inst

1a e d i ç ã o



PREFEITURA DO RECIFE Prefeito Vice-prefeito Secretária da Cultura Presidente da Fundação de Cultura da Cidade do Recife

Geraldo Julio Luciano Siqueira Lêda Alves Diego Rocha

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO IDG PARA O PAÇO DO FREVO Presidenta do Conselho Conselheiros

EQUIPE DE PESQUISA

PAÇO DO FREVO

Coordenação Geral Organização Social Gestora Diretor Presidente Diretor Executivo Gerente Geral Gerente de Desenvolvimento Institucional Gerente de Conteúdo Gerente de Planejamento e Gestão Gerente Administrativa Financeira Coordenadora de Operações Coordenadora do Educativo Coordenadora de Dança Coordenador de Música Produtora Cultural Supervisora de Recursos Humanos Analista de Compras Analista Financeira Assistente de Planejamento e Gestão Assistente de Desenvolvimento Institucional Assistente de Tecnologia da Informação Assistentes de Pesquisa e Memória Técnico de Áudio Técnicos em Manutenção Recepcionistas de Informação e Bilheteria Educadora Bilíngue Estagiários

6

Regina Gaudêncio Fred Arruda,Paulo Hermany Jobim, Roberto Souza Leão, Joana Pires

Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG) Ricardo Piquet Henrique Oliveira Eduardo Sarmento Joana Pires Nicole Costa Maíra Costa Márcia Silva Nathália Fialho Vanessa Marinho Daniela Santos Sérgio Gaia Naara Santos Graça Filizola Polyanna Ramalho Gleicy Aquino Thyago Novacosque José Terceiro Marcos Braga Luiz Santos Mônica Silva Matheus Rodrigues Aleudo Ferreira Fábio Angelo Alice Guedes Brena Freitas Camilla Andrade Rayane Mendes Ana Carolina Lopes, Anderson Vieira, Anna Helena Vasconcelos, Bruno León, Cynthia Oliveira, Dyana Barlavento, Emerson Sarmento, Igor Barreto, Jéssica Guerra, Maria Luiza Oliveira, Rafael Lins, Rudah Lopes, Sibelli Carvaho

Produção Coordenação de Pesquisa Supervisão da Pesquisa Arte e Diagramação Fotografia e Vídeo Consultoria Pesquisa e textos Tradução

Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento Nicole Costa Naara Santos Sílvia Melo Leonardo Leal Esteves Luiz Henrique Santos Isadora Melo Paulo Maia Cid Cavalcanti Jacira França Janine Primo Henrique Araújo

7


SUMÁRIO SUMMARY

2. a luta

PAG 10 Projeto Frevo, Memória e Patrimônio: Entre possibilidades e experiências empáticas Project Frevo, Memory and Heritage: Between possibilities and empathetic experiences

para resistir

the struggle to resist

PAG 14 Introdução Introduction

1. a festa

PAG 50 Passos de Guerreiros: a praça e o frevo Movements of Warriors: the square park and the frevo

e os sentidos do frevo

PAG 54 Experiências, caminhos e sonhos - o frevo para o Clube de Boneco Seu Malaquias Experiences, paths and dreams – frevo according to Clube de Boneco Seu Malaquias

the feast and the senses of frevo

PAG 20 Luiz Gonzaga de Castro: Vida, Frevo e Folia Luiz Gonzaga de Casto: Life, Frevo and Revelry PAG 24 Frevo e liberdade, o terno que irradia destreza Frevo and freedom, the suit that radiates adroitness PAG 28 Rafael Marques: “O bandolim toca Rafael” Rafael Marques: “The mandolin plays Rafael” PAG 32 Marcos FM: “O frevo é a cristalização do meu jeito de pensar” Marcos FM: “Frevo is the crystallization of my way of thinking”

PAG 36 Ele é de fato um bom pernambucano, espera o ano e se mete na brincadeira He is indeed a good Pernambucan and waits the whole year to kick up his heels PAG 40 Dançar e pular, eu gosto, adoro! Dona Nair, 98 anos de alegria! Dancing and Rocking: I like it, I love it! (Dona Nair, 98 years of joy!) PAG 44 Um lugar mais profundo do frevo, Valéria Vicente A deeper place of frevo, Valeria Vicente

PAG 58 Resistência, dedicação, alegria e luta no extravaso, porque Eu Acho É Pouco! Strength, dedication, joy and fights above and beyond anything because Eu Acho É Pouco! PAG 62 Júnior Viégas: “A dança é o meu caminho” Júnior Viégas: “Dance is my way” PAG 66 Estudar e escrever sobre frevo, “agora dentro da academia” Studying and writing about frevo, “now inside the Academy” PAG 70 O Garoto de Guadalupe: O fascínio dos Bonecos Gigantes The Garoto de Guadalupe: The Fascination of the Giant Puppets

3. entre

o rito e a transgressão Between rite and transgression

PAG 76 Henrique Albino: “Eu quero ser livre dentro da música” Henrique Albino: “I want to be free inside the music” PAG 80 Jefferson Figueiredo: uma pedagogia do corpo Jefferson Figueiredo: pedagogy of the body PAG 84 Luciano Magno: A guitarra no frevo Luciano Magno: The Frevo with the electric guitar PAG 88 Otávio Bastos: a poética do corpo Otávio Bastos: the body poetics PAG 92 Tradição, inovação e preservação: “É o Bonde?! É bom demais!!!!!” Tradition, innovation and preservation: “It’s the Bonde?!It’s very good!!!!!” PAG 96 Flaira Ferro, entre a tradição e a contemporaneidade Flaira Ferro, between tradition and contemporaneity PAG 100 Quem já ouviu frevo tocado na rabeca?! Who has ever heard frevo played with the fiddle?!


PROJETO FREVO, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO Entre possibilidades e experiências empáticas

PROJECT FREVO, MEMORY AND HERITAGE Between possibilities and empathetic experiences

O PAÇO DO FREVO VEM, DESDE FEVEREIRO de 2014, investindo na percepção do museu como um potente meio de comunicação, informação, educação e transformação, compreendido como sistema aberto e interativo, baseado no diálogo, na reflexão, no engajamento e na convivência entre os sujeitos, instituições, grupos e comunidades. Nele, o frevo, enquanto um complexo patrimonial e um fenômeno cultural, tem encontrado um ambiente propício ao pleno exercício da experimentação, da descoberta, da atualização e, especialmente, da salvaguarda, fazendo convergir arte e educação, tradição e inovação, pensamentos e práticas, ideias e pessoas que constroem o presente, problematizam e projetam futuros. Assim, aos poucos, redes de saberes, afetos e conhecimento, tal como um rizoma, vão sendo reveladas, desenvolvidas e exploradas, permitindo a abertura de novas conexões, caminhos e possibilidades. Os desafios, como é possível imaginar, são inúmeros e complexos, passando pelo econômico e o social, o estético e artístico, o formativo e o mercadológico, mas todos eles têm nos incitado, motivados pela causa e propósito, a inovar nas estratégias, a repensar conceitos e processos, a experimentar novas possibilidades e recursos. Isto, por sua vez, não seria possível sem uma definição clara da missão e da vocação, sem o ativismo

THE CULTURAL RESOURCE CENTER PAÇO DO Frevo has, since February 2014, invested in the museum’s perception as a powerful means of communication, information, education, and transformation, and seen as an open and interactive system based on dialogue, reflection, engagement and interaction among people, institutions, groups, and communities. The Frevo, as a heritage complex and cultural phenomenon, has found a conducive environment to the full exercise of experimentation, discovery, update and especially the safeguard, bringing together art and education, tradition and innovation, thoughts and practices, ideas and people who build the present, and problematize and design the future. This way, little by little, knowledge networks and affection, as a root stem rhizome, have been unveiled, developed and explored, enabling the surge of new connections, paths, and possibilities. The challenges, as you can imagine, are numerous and complex, from the economic and social ones to the aesthetic and artistic and the formative and marketing; but all of them have incited us, motivated by cause and purpose, to innovate strategies, to rethink concepts and processes, to try out new possibilities and resources. This, in turn, wouldn’t be possible without a clear definition of the mission and vocation; without the activism and amazement; without the empathy from so many people, artists and groups that use Frevo as a poli-

10

e o encantamento, sem a empatia das tantas pessoas, artistas e coletivos que se fazem frevo, como afirmação política da força popular. Ao compreender que o frevo se faz com gente e emoção, com tensões e diversidade, com histórias e memórias, temos partido para uma jornada de ativismo, fundamentados num pensamento empático que articula um conjunto de práticas vinculadas à percepção do outro de modo mais denso, investindo, assim, em relações interpessoais que nos permita ver o outro como se pudéssemos olhá-lo através de seus olhos. Acreditamos que uma das peculiaridades do Paço do Frevo, enquanto um “museu empático”, tem sido a de valorizar e visibilizar múltiplas vozes, agenciar indivíduos e catapulta-los para novas experiências, novos pensamentos e, portanto, novas existências e resistências. Nesse sentido, o projeto que ora se materializa nessa publicação e no DVD que a acompanha, cumpre de modo cuidadoso, denso e esteticamente agradável o principal objetivo do projeto – e, também, do Paço do Frevo: ampliar e diversificar as vozes de atores sociais que mantém fortes relações com o frevo, com toda sua vitalidade e potência. Na perspectiva, portanto, de promover a empatia através da visibilidade de diferentes atores envolvidos com o universo do frevo, o Paço do Frevo contou com o fomento do FUNCULTURA para possibilitar e concretizar o desejo de ampliação das pesquisas realizadas à época do inventário do frevo. Fruto do anseio de sistematizar novos conhecimentos sobre o frevo e de um longo trabalho realizado pela equipe envolvida, o projeto “Frevo, Memória e Patrimônio: Interlocuções e diálogos para a Salvaguarda” traz a público seus resultados. Desse modo, ratificando nosso papel de instigar as aproximações entre os diferentes agentes do frevo, e estimulando novos encontros, tendo a empatia como premissa maior, convidamos o público a desfrutar dos resultados da iniciativa, sem dúvida produto de afetos.

tical affirmation of the popular strength. By understanding that Frevo is done with people and emotion, tension and diversity, stories and memories, we set out on a journey of activism, grounded on empathetic thinking that joins more densely a set of practices related to the perception of the other, investing in interpersonal relationships that allow us to see the other as though we could see him\her through their own eyes. We believe that one of the peculiarities of Paço do Frevo, as an ‘empathetic museum’, has been to value and make visible multiple voices, broker individuals and catapult them to new experiences, new thoughts and therefore to new existence and resistance. In this sense, the project that is now embodied in this publication and on the DVD that comes with it fulfills carefully, deeply and aesthetically pleasant its main objective, and also the Paço do Frevo’s which is to expand and diversify the social members’ voices that have strong relations with frevo, with all the Carnival power and vitality that boils out from it. In the perspective to promote empathy through visibility of different members involved with the universe of frevo, Paço do Frevo has counted on the fostering of FUNCULTURA to enable and realize the desire for expanding research carried out at the time of the inventory of frevo. Fruit of the desire to systematize new knowledge on frevo and a long work carried out by the team involved, the project “Frevo, Memory and Heritage: Interlocutions and dialogues for the Safeguard” brings to the public its results. Thus, by confirming our role in instigating the approaches among the different frevo agents and stimulating new gatherings with empathy as major premise, we invite the public to enjoy the results of this initiative, undoubtedly a product of affection. On the following pages, it is the result of a careful and passionate process, also permeated by the desire to keep in evidence the frevo and the people who work for it. We hope that the affection that moved us may also touch the readers, so

11


Nas próximas páginas, está o fruto de um processo cuidadoso e apaixonado, permeado também pelo desejo de manter em evidência o frevo e as pessoas que o fazem. Esperamos que o carinho que nos moveu também toque aos leitores, para que o olhar sobre o outro pelo viés da empatia tenha cada vez mais atenção – utopia mais do que necessária nos tempos atuais.

that the look on the other by the bias of empathy draws more and more attention – more than necessary utopia at the present times. Nicole Costa Content Manager of Paço do Frevo Museum Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento General Manager of Paço do Frevo Museum

Nicole Costa Gerente de Conteúdo do Paço do Frevo Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento Gerente Geral do Paço do Frevo

12

13


INTRODUÇÃO

INTRODUCTION

ESTA PUBLICAÇÃO E O DOCUMENTÁRIO QUE a acompanha são resultados do projeto de pesquisa “Frevo, memória e patrimônio: interlocuções e diálogos para salvaguarda”, proposto pelo museu Paço do Frevo, ao edital 2014/2015 do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura – FUNCULTURA. Dentre os objetivos deste trabalho estão a diversificação das narrativas em torno das histórias e memórias do frevo, bem como a compreensão de parte dos desafios e perspectivas relacionados à salvaguarda deste bem cultural. Há décadas o frevo vem sendo objeto de registro, investigação e análise por parte de jornalistas, cronistas, estudiosos e pesquisadores. Em determinados períodos, estas produções tinham como objetivo buscar meios de controlar a efervescência e o potencial catártico de violência e rebeldia inerentes ao frevo. Em outros, procurava-se valorizar e entender a riqueza e a diversidade de elementos de seu universo. Estas produções, sem dúvida, tem sido de extrema relevância para entender o frevo e parte de sua complexidade ao longo do tempo. O frevo, contudo, como manifestação predominantemente popular e extremamente viva e dinâmica, tem grande parte de seu universo relacionado à tradição oral e à vivência cotidiana de indivíduos e grupos sociais. Buscando então contribuir para a ampliação do diálogo com diferentes atores sociais que mantêm uma

THE FOLLOWING PUBLICATION AND DOCUMENtary are results of the research project “Frevo, memory and heritage: interlocutions and dialogues to safeguard” presented by the Paço do Frevo museum according to the notice 2014/2015 of the Pernambucan Fund of Incentive to the Culture - FUNCULTURA. Among the objectives of this work are the diversification of narratives around the stories and memories of frevo as well as the understanding of some challenges and perspectives related to the safeguarding of this cultural asset. For decades, frevo has been subject of various studies, investigations and analyses conducted by journalists, chroniclers, scholars and researchers. At certain moments, these publications aimed to identify ways to control the effervescence and cathartic potential of the inherent violence and defiance of frevo; at others, they sought to value and understand the richness and diversity of elements in its universe. Beyond the shadow of a doubt, these productions have been essential to understand frevo and some of its complexities throughout the time. Frevo, however, as a predominantly popular and extremely lively and dynamic manifestation, has great part of its universe related to the oral tradition and everyday experience of individuals and social groups. Seeking to contribute for the improvement of the dialogue with different social members that maintain

14

forte relação com este patrimônio cultural, a equipe de pesquisa composta pela socióloga Jacira França, a historiadora Janine Primo, o fotógrafo Paulo Maia e o educador, artista e carnavalesco Cid Cavalcanti, foi a campo entre o final de 2016 e início de 2017. Ao longo deste período, foram registradas as narrativas de pessoas e grupos envolvidos com este bem cultural, acerca de suas trajetórias individuais e coletivas e compreensões dos caminhos percorridos pelo frevo na contemporaneidade. Utilizando estratégias metodológicas associadas às ciências sociais e à história oral, buscou-se registrar as memórias destes atores sociais e estimular relatos de experiências, sonhos, crenças, anseios e interpretações, por vezes semelhantes, por vezes divergentes, a respeito do frevo e dos processos possivelmente necessários para garantir a sua continuidade. Partindo da percepção de que o frevo está inserido em um contexto rico, dinâmico e diverso, optamos por enfrentar o enorme desafio de realizar um recorte e de trabalhar, por ora, neste projeto com apenas 20 (vinte) atores sociais. Esta opção nos foi de algum modo necessária, em razão dos limites de tempo para execução da pesquisa. No entanto, levamos também em consideração a possibilidade de ampliar esta mostra, de modo a contemplar outros importantes atores em futuras edições do projeto.

strong relationship with this cultural heritage, the research team composed of the Sociologist Jacira França, the historian Janine Primo, the photographer Paulo Maia and the educator, artist and carnival producer Cid Cavalcanti dug into this universe from late 2016 to early 2017. Over this period, accounts of people and groups engaged in this cultural asset about their individual and collective trajectories and understandings of the path covered by frevo in the contemporaneity were recorded. By using methodological strategies associated with the social sciences and oral history, they tried to register the memories of these social members and promote accounts of experiences, dreams, beliefs, wishes and interpretations, sometimes similar, sometimes divergent, regarding the frevo and the processes possibly needed to guarantee its continuity. From the perception that frevo is placed in a quite rich, dynamic and diverse context, we made the decision to face the enormous challenge of making a clipping and working on this project with a group of only 20 social members. This decision was somehow necessary because of the deadlines of the research. However, we also considered the possibility to extend the select wishing to benefit other important members in future editions of this project. Thus, three aspects were taken into consideration to select the interviewees of this project edition. The first

15


Com isto, foram considerados três aspectos para selecionar os entrevistados nesta edição do projeto. O primeiro aspecto está relacionado ao tipo de envolvimento destes indivíduos com o bem cultural, privilegiando atores sociais e grupos que mantém relações distintas com a manifestação - tais como músicos, compositores, intérpretes, passistas, artesãos, representantes de agremiações carnavalescas e foliões. O segundo, diz respeito à tentativa de ampliação do universo de pessoas e grupos que foram entrevistados no processo de inventário e registro do Frevo como Patrimônio Imaterial do Brasil em 2006/2007. O terceiro, refere-se ao reconhecimento público e/ou dos pares acerca importância destes entrevistados para compreensão de diferentes práticas e sentidos do frevo na contemporaneidade. As entrevistas e imagens registradas no âmbito desta publicação revelaram que o frevo continua ampliando o campo de atuação e dialogando com outras referências culturais. Seus artistas propõem diferentes caminhos, visando a experimentação e a aproximação de novos públicos para sentir a vibrante pulsação desta rica manifestação da cultura brasileira. Tanto o livro, como o vídeo que o acompanha, foram apresentados na forma de um conjunto de pequenos ensaios, seleção de imagens e depoimentos que servem como convites à reflexão acerca destas questões. Para enfatizar alguns dos aspectos centrais contidos nas narrativas dos entrevistados, dividimos a publicação em três sessões principais. A primeira sessão, “A festa e os sentidos do frevo” nos faz refletir a respeito da dimensão ritual e festiva e dos diferentes sentimentos despertados pelo frevo. A segunda, “A luta para resistir”, destaca os desafios, o cotidiano, os bastidores, a construção de ideias e as práticas necessárias para a manutenção do frevo, muitas vezes invisibilizadas no momento apoteótico dos desfiles e das apresentações artísticas. A terceira, “Entre o rito e a transgressão”, aponta para as mudanças e permanências, assim como os processos de apropriações e ressignificações permanentes no fazer do frevo.

16

aspect is directly related to the engagement of these individuals with the cultural asset, favoring the social members and groups that maintain different relationships with this expression, such as musicians, composers, interpreters, passistas, artisans, Carnival groups’ members, and merrymakers. The second aspect refers to the attempt to broaden the universe of people and groups that were interviewed during the inventory process and register of frevo as Intangible Heritage of Brazil in 2006/2007. Finally, the third one is related to the recognition of the public and/or its peers about the importance of these interviewees for the understanding of different practices and senses of frevo in the contemporaneity. The interviews and images recorded in the scope of this publication revealed that frevo continues to expand its field of activity and dialogue with other cultural references. Its artists have proposed different ways, aiming at the experimentation and approach of new audiences to feel the vibrating pulsation of this rich experience of Brazilian culture. Both the book and the accompanying video were presented in the form of a set of short essays, selection of images and testimonials that serve as invitations to reflection on these issues. To emphasize some of the key aspects contained in the narratives of the interviewees, we divided the publication into three main sessions. The first session, “The feast and the senses of frevo,” makes us reflect on the ritual and festive dimension and the different feelings aroused by frevo. The second, “The struggle to resist,” highlights the challenges, the daily life, the backstage, the construction of ideas and the necessary practices for the maintenance of frevo, often invisible in the apotheosis of parades and artistic performances. The third, “Between rite and transgression,” points to the changes and continuities, as well as the processes of appropriation and permanent re-significance in the making of frevo. Finally, we try to get closer to the diversified and complex world of these people and groups that make frevo. Considering that there is, many times, an asymme-

Tentamos, enfim, nos aproximar um pouco do diversificado e complexo mundo destas pessoas e grupos que fazem o frevo. Considerando que há muitas vezes um processo assimétrico nas atividades de investigação e interpretação científica e que existem diferentes formas de envolvimentos e visões de mundo entre os diversos atores sociais, esta perspectiva de caráter predominantemente dialógica e polifônica poderá indicar aspectos importantes a respeito deste bem cultural, a partir do ponto de vista de seus próprios agentes. Acredita-se que, deste modo, o estudo poderá apontar possibilidades distintas do fazer artístico do frevo, bem como caminhos possíveis a serem seguidos para a sua salvaguarda.

tric process in research activities and scientific interpretation and that there are different forms of involvement and world views among the different social members, this perspective of predominantly dialogic and polyphonic character may indicate important aspects regarding this cultural asset from the point of view of its own agents. It is believed that this way, the study could point out different possibilities of the frevo’s artistic work, as well as possible ways to be followed for its safeguard. Luiz Henrique Santos Supervision of Research Leonardo Leal Esteves Coordination of Research

Luiz Henrique Santos Supervisão da Pesquisa Leonardo Leal Esteves Coordenação da Pesquisa

17


THE FEST S E S N E S E H T AND O F F R E VO

A T S E F A S O D I T N E S S O E O V E R F DO


LUIZ GONZAGA DE CASTO: LIFE, FREVO AND REVELRY By Jacira França

“ÉS FREVO A ANTÍTESE DA TRISTEZA E DO cansaço,” assim inicia uma das poesias deste folião, compositor, dermatologista e professor universitário. Seus caminhos estão entrelaçados à efervescência dos muitos Carnavais de sua vida, como ele destaca: “Eu sou folião profissional, carnavalesco como consequência e compositor por enxerimento”. Brincando, acrescenta “Minha profissão é folião, eu trabalho tratando ‘pereba’ [dermatologia] pra ter dinheiro pra brincar o Carnaval”. E esta é uma história que começa desde sua infância, no final dos anos 1950: “Esse amor à folia vem desde pequenininho, porque me impressionava muito como a cidade e as pessoas se preparavam, se produziam para o Carnaval. Hoje ainda acontece isso em Recife e Olinda, mas, naquela época, por serem menores as cidades, isso era mais patente. As pessoas, a partir de setembro, já estavam pensando no Carnaval, se preparando para o Carnaval: que fantasia vai fazer, que clube vai brincar, qual era o carro que a gente vai participar do corso1. Havia um intenso Carnaval para todas as classes”. Marcante também é a influência dos seus avôs, tanto o materno como o paterno, que gostavam muito de Carnaval e contribuíram para Luiz Gonzaga amar esta festa – “o meu avô materno era clarinetista e tocou em orquestras de frevo, como a do Clube Internacional do Recife. Já o avô paterno gostava tanto de Carnaval que seu clube preferido, o Clube das Pás2, todo ano fazia um baile na casa dele”.

“YOU ARE FREVO, THE ANTITHESIS OF SADNESS and weariness,” this way begins one of the poetries of this reveler, composer, dermatologist and university professor. His paths are intertwined with the effervescence of the many carnivals of his life, as he points out, “I am a professional reveler, carnival maker as a consequence, and a composer by meddling.” Joking he adds, “My profession is being a reveler, I work on scabs [dermatology] to save money and play carnival.” And this is a story that begins in his childhood in the late 1950s, “This love of revelry comes from the time I was a small child, because it impressed me a lot the way the city and people used to get prepared and produced for Carnival. Even today, this happens in Recife and Olinda; but at that time, being the cities smaller, this was more evident. People, as of September, were already thinking about carnival, getting ready for carnival: what costume to wear, which club to play, which Corso1 to be in the parade. There was an intense carnival for all classes.” It is also remarkable the influence of his grandfathers, both from his father and his mother, who liked carnival very much and helped Luiz Gonzaga love this feast, “My maternal grandfather was a clarinetist and played in frevo orchestras such as the Clube Internacional do Recife. His paternal grandfather, however, liked carnival so much that his favorite club, Clube das Pás2, held every year a ball at his house.” Other prominent figures were his mother, Odete Cunha de Souza and his father, the gynecologist Luiz

1 O Corso era um tipo de expressão carnavalesca que desfilava utilizando carros ornamentados e foliões fantasiados, geralmente, jogando confetes e serpentinas. 2 O Clube das Pás é uma das agremiações mais tradicionais do Recife, fundada em 1890.

1 Corso was a type of carnival expression that paraded using ornate cars and costumed revelers, usually throwing confetti and streamers. 2 Clube das Pás is one of the most traditional clubs in Recife, founded in 1888.

Fotos: Paulo Maia

LUIZ GONZAGA DE CASTRO: VIDA, FREVO E FOLIA Jacira França

“És frevo a antítese da tristeza e do cansaço”

20

21


Outras figuras de destaque foram sua mãe, Odete Cunha de Souza e seu pai, o ginecologista Luiz Gonzaga de Castro e Souza que tinha um consultório na Rua da Imperatriz, localizada no centro do Recife. Nesta rua, no período carnavalesco, desfilavam muitas agremiações e seus familiares e amigos, acompanhavam a folia dos cortejos de clubes, troças, blocos e maracatus. O pai de Luiz Gonzaga também escutava muitos frevos e participava com toda a família das várias matinês e manhãs de sol da época, não só nos clubes, mas também nas casas das pessoas durante todos os dias momescos: “quando acabava o Carnaval, havia um silêncio mordaz e eu não sabia o porquê. A quarta feira de cinzas era pra mim uma tragédia”, ele recorda. Depois veio a adolescência e a folia era brincada de modo diferente, mais com amigos e menos com a família. Após concluir o curso de Medicina na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, mudou-se para cidade de São Paulo e lá morou por doze anos. Durante este período, no qual concluiu a Residência Médica e o Doutorado na Universidade de São Paulo - USP, ele não brincou Carnaval, mas isso não o afastou do contato com a manifestação, pois, além de ouvir frevos o ano inteiro, conheceu pessoas como o professor Dr. Guilherme Vilela Curban, e que amava o frevo. Em 1990, Luiz Gonzaga voltou para o Recife e decidiu se engajar mais com a dimensão histórica e cultural do frevo, então, passou a fazer parte do Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco – CEMCAPE e a participar mais de atividades promovidas por agremiações como o Bloco da Saudade, o Cordas e Retalhos e a Troça Pitombeira dos Quatro Cantos, entre outros grupos carnavalescos. No CEMCAPE surgiu a ideia de criar um espaço para divulgar o frevo e o Carnaval de Pernambuco durante a própria festa. Houve resistência à ideia, inicialmente, por parte de alguns dos membros do CEMCAPE, mas o sucesso do primeiro ano fez com que todos a apoiassem e assim surgia a “Tenda Cultural do Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco”. A Tenda du-

22

Gonzaga de Castro e Souza who had an office on Imperatriz Street, in downtown Recife. Along this street, during the carnival period, many associations and their families and friends used to parade, accompanying the revelry of the processions of clubs, troças, blocos and maracatus. Luiz Gonzaga’s father also used to listen to frevo and participated together with the whole family in the several matinees and sunny mornings of the time, not only in the clubs, but also in the houses of the people during the days of Momus, “When carnival was over, there was a scathing silence and I did not know why. Ash Wednesday was a tragedy for me,” he recalls. Adolescence came, and the revelry was played differently, more with friends and less with the family. After completing the medical course at the Federal University of Pernambuco - UFPE, he moved to the city of São Paulo and lived there for twelve years. During this period, in which he concluded the Medical Residency and the Doctorate at the University of São Paulo - USP, he did not play Carnival, but this didn’t keep him out of touch with this feast. Besides listening to frevo music all year long, he met people like professor Dr Guilherme Vilela Curban, who also loved frevo. In 1990, Luiz Gonzaga returned to Recife and decided to get a bit more engaged with the historical and cultural dimension of frevo, later joined the Carnival Music Center of Pernambuco - CEMCAPE and got involved in more activities promoted by associations such as Bloco da Saudade, Bloco Cordas e Retalhos and Troça Pitombeira dos Quatro Cantos, among other carnival groups. At CEMCAPE, the idea of creating a space to promote Frevo and the Carnival of Pernambuco during the feast itself came up. Initially, there was resistance to the idea by some of the members of CEMCAPE, but the success of the first year made everyone support it and, thus, the “Tenda Cultural do Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco” emerged. Tenda lasted seventeen years in Olinda, selling Frevo’s umbrellas, CEMCAPE’s records and distributing leaflets, in which the story of the umbrella was told in English and French.

“You are frevo, the antithesis of sadness and wearinses”

rou dezessete anos em Olinda, vendendo sombrinhas de Frevo, discos do CEMCAPE e distribuindo folhetos, nos quais contava a história da sombrinha traduzida para o inglês e o francês. Nos últimos dois anos de existência, a Tenda foi montada em Recife e Olinda. No CEMCAPE, Luiz Gonzaga também gravou alguns frevos como: “Sensação em Porto Alegre”; “Nino na folia” (homenagem a seu filho); “Bianca” (homenagem a sua filha e seu Frevo mais conhecido); “Pernambuco Esperando por Você”; “Sem Corda, Sem Trio”; “Ao Amigo João”. São dele ainda: “Um Bloco em Poesia”; “A Graça do Cordas e Retalhos”; “Infância e Carnavais”; “Palhaço Vida e Fantasia”. Destas incursões pelo frevo, surgiu o projeto “Frevos na rua: a história do frevo contada nas ruas”. O projeto, ainda em fase de execução, visa fazer apresentações nas ruas com a Orquestra Paranampuká – “termo derivado Tupi ‘paranampuka’ que deu origem ao nome do nosso glorioso estado. O repertório será dividido em três partes: ritmos que deram origem ao frevo - polca, maxixe, quadrilha, dobrado e a modinha; os primeiros frevos de rua e os frevos de hoje”. O projeto tem outro objetivo importante: executar frevos no seu andamento normal, pois, segundo ele, muitos dos frevos hoje em dia são executados “apressadamente”, sem respeitar o ritmo “normal” da música. E, deste modo, Luiz Gonzaga segue trilhando seus passos no frevo, sua grande paixão

In its last two years, Tenda was set up in Recife and Olinda. At CEMCAPE, Luiz Gonzaga also recorded some frevo music like, “Sensação em Porto Alegre;” “Nino na folia” (named after his son); “Bianca” (named after his daughter and his best known frevo); “Pernambuco Esperando por Você;” “Sem Corda, Sem Trio;” “Ao Amigo João.” Still by him, “Um Bloco em Poesia;” “A Graça do Cordas e Retalhos;” “Infância e Carnavais;” “Palhaço Vida e Fantasia.” From these forays into frevo, the project “Frevo on the street: the history of frevo told on the streets” emerged. The project, still under implementation, aims to promote street performances with the Paranampuká Orchestra, “term derived from the Tupi language ‘paranampuka’ that gave rise to the name of our glorious state. The repertoire will be divided into three parts: rhythms that gave rise to frevo - polka, maxixe, quadrilha, dobrado and modinha; the first street frevo music and frevo music of today.” The project has another important objective: to play frevo music in its normal tempo, since, according to him, many of the frevo music are nowadays played “hastily”, without respecting the “normal” rhythm of the music. And this way, Luiz Gonzaga continues to pave his course for frevo, his great passion.

23


FREVO AND FREEDOM, THE SUIT THAT RADIATES ADROITNESS By Janine C. Meneses Primo

PODE PARECER ALGO INIMAGINÁVEL DANÇAR frevo utilizando um terno nos dias atuais, mas o grupo Frevoeterno ousou e vestiu seus passistas e músicos justamente com esse sofisticado traje, que costuma estar mais associado a situações em que se faz necessário suportar o calor e certo desconforto, em nome de uma maior formalidade. Este grupo nasceu da inquietação de Maria José dos Santos Altino, que é passista, musicista, produtora, atriz, artisticamente mais conhecida como “Maria Flor”, e de José Ferreira da Silva Irmão, o passista “Ferreirinha”3. Após longo período de estudos e práticas com o teatro e a dança, Maria Flor mergulhou no frevo e participou de vários grupos mas, como ela afirma “eu queria ter a minha forma de dançar frevo, estudei em várias escolas e cada uma tinha uma imposição: uma mão mais pra cima, outra mais pra baixo, uma sorria mais, na outra não podia sorrir tanto, foi quando eu conheci os Brincantes das Ladeiras4, um grupo de frevo de rua e as aulas são na rua, e aquele frevo me encantou, porque era aquele tipo de liberdade que eu queria ter [...] e criei a partir disso, o meu próprio grupo, com Ferreirinha, meu sócio no grupo Frevoeterno, que é o nosso grupo.” Uma das razões para utilizar o terno está relacionada a um tema pouco discutido, mas presente também no uni-

IT MAY SEEM UNIMAGINABLE TODAY TO DANCE frevo wearing a suit, but the Frevoeterno group has dared and put its dancers and musicians exactly with this sophisticated costume, which is usually more associated with situations that it is necessary to withstand heat and discomfort in the name of greater formality. This group was born from the restlessness of Maria José dos Santos Altino, who is a passista, musician, producer, actress, and best known artistically as “Maria Flor”, and José Ferreira da Silva Irmão, “Ferreirinha,”3 the passista. After long period of study and practice in acting and dance, Maria Flor dove into frevo and participated in several groups, but as she says: “I wanted to have my own way of dancing frevo. I had classes in various schools and each one had their enforcement: at a school, one hand should be up; at the other, down; at another, a broad smile; the other one, we could not smile so much. That’s when I met the Brincantes das Ladeiras4, a group of street frevo whose classes are on the streets. Their frevo style gave me a thrill because it was that kind of freedom I wanted to have [...] and from it, I created my own group together with Ferreirinha, my partner in Frevoeterno group, which is our group.” One of the reasons to wear suit is related to a little discussed topic, but also present in the frevo’s universe: the constant acts of violence against women in

3 Maria Flor é formada em Direito, atuou na Procuradoria Judicial do Recife. Ferreirinha é funcionário do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco e juntos formalizaram o grupo. Frevoeterno é composto também por Wilson Aguiar (passista), Júlio César M. Melo (sanfoneiro), Jefferson C. Alves (Baixo acústico), Natalício F. de Sales (pandeiro) e Thiago C. da Silva (saxofone). 4 Os Brincantes das Ladeiras é um grupo de passistas que, preocupados com a continuidade e fortalecimento do Frevo, ministram aulas gratuitas na Praça Laura Nigro, Sítio Histórico de Olinda.

3 Maria Flor has a degree in Law and worked at the Prosecuting Attorney Office of Recife. Ferreirinha is an employee of the Regional Labor Court of Pernambuco and together they formalized the group. Frevoeterno is also composed by Wilson Aguiar (passista), Julio César M. Melo (accordionist), Jefferson C. Alves (Acoustic bass), Natalício F. de Sales (pandeiro) and Thiago C. da Silva (saxophone). 4 The Brincantes das Ladeiras is a group of dancers who, concerned about the continuity and strengthening of Frevo, has taught free classes at Laura Nigro square, in the historical site of Olinda.

Fotos: Paulo Maia

FREVO E LIBERDADE, O TERNO QUE IRRADIA DESTREZA Janine Primo C. Meneses

O frevo utilizando um terno não deixa de ser também uma espécie de provocação às pessoas mais resistentes a cair no passo

24

25


Dancing frevo wearing a suit is still a kind of provocation to the most resistant people to fall into the rhythm

verso do frevo: os constantes atos de violência contra as mulheres em nossa sociedade. Maria Flor relata a dificuldade que tinha em usar o traje padrão da passista5, por causa dos assédios, e que buscava um tipo de roupa que a deixasse livre e segura para dançar. Iniciou com uma calça, logo inseriu uma camisa fechada e por fim, chegou a um terno, e assim compôs a ideia da identidade e figurino do Frevoeterno. Começou a receber convites de apresentações e palestras, e o trabalho passou a dar os frutos desejados, ou seja, estimular as pessoas a dançar frevo. Conforme Maria Flor dançar o frevo utilizando um terno não deixa de ser também uma espécie de provocação às pessoas mais resistentes a cair no passo, “com um frevo mais gostoso, mais elaborado, as pessoas acabam entrando sem perceber [...] eu acho que as pessoas pensam assim, se ela pode dançar com esse terno, eu posso dançar com esse meu vestido, né! E era isso que nós queríamos, fazer com que as pessoas despertassem para o que eu despertei anos atrás”.

our society. Maria Flor reports the difficulties she had to wear the standard dancing attire5 because of the continual harassment; so, she sought a kind of outfit that allowed her to feel free and safe to dance. She began with a pair of pants; then, a shirt and eventually a jacket. This way, the idea of identity and costume for Frevoeterno was created. She started to receive invitations for presentations and lectures, and her work began to give the expected results, that was to encourage people to dance frevo. According to Maria Flor, dancing frevo wearing a suit is still a kind of provocation to the most resistant people to fall into the rhythm “with a tastier and more elaborated frevo. People end up dancing it without realizing [...] I guess people think the following way: if she can dance with that suit, I can dance with my dress, right? And that was what we wanted, to make people wake up to what I woke up years ago.”

5 Saias curtas e rodadas, com blusinhas curtas de nó no peito e manga única, inspirado em Carmem Miranda e rumbeiros cubanos do cinema da primeira metade do século XX.

5 Short and bell-shaped skirts with chest ribbon-ties one-shoulder tops inspired by Carmem Miranda and Cuban rumba musicians from the first half of the 20th century..

26

Nas ruas ou nos palcos, a liberdade artística de seus integrantes se tornou também uma característica marcante das apresentações de Maria Flor e do Frevoeterno. Ela relata que cursos temáticos sobre frevo realizados em diferentes locais e por diversas pessoas6 a auxiliam na sua criação e interação com o grupo, “esses trabalhos diferentes são interessantes pra mim, porque sempre tem algo que eu posso aplicar lá, dentro das minhas mungangas, das firulas que eu faço no frevo.” Neste intuito, ressalta a arte de Ferreirinha, “Ferreirinha dançando é um convite, quando ele dança parece que ele está convidando todo mundo pra dançar [...] nada daquilo é ensaiado, até nos nossos espetáculos não é uma coreografia, nós criamos um roteiro e dentro dele nós criamos uma perspectiva de dança, que você vai estar livre, dançando, porém tem um porque, não é jogado, mas traz esse tipo de liberdade”. Por sua característica predominante: criação e liberdade para tocar diferentes instrumentos musicais e dançar o frevo de modo distinto, atualmente o grupo Frevoeterno se tornou inclusive objeto de estudo na pesquisa interdisciplinar “Estudo de repertório: Frevo – modelos e sistemas”, desenvolvido no Instituto Federal de Pernambuco - IFPE, no curso de Licenciatura em Música do Campus Belo Jardim. Apesar da expressiva importância na atualização do frevo, o grupo encontra muitos desafios para se manter, dentre eles, a dificuldade para obter o financiamento público para os seus projetos artísticos. Ainda assim, com dedicação e persistência, os integrantes do Frevoeterno já conseguiram produzir um documentário sobre o grupo, se apresentaram e ministraram um curso em Portugal e realizaram inúmeras apresentações no Recife e em diferentes outros municípios do estado de Pernambuco, proporcionando ao público um convite irrecusável para dançar livremente o frevo, inovando na criação de passos e possibilidades. É neste caminho que o grupo tem realizado um tocante chamado para se experimentar o frevo.

In the streets or on the stage, the artistic freedom has also become a hallmark of the presentations of Maria Flor and Frevoeterno. She reports that theme courses on frevo carried out in different places and by different people6 have helped her in her creation and interaction with the group, “these different works are interesting to me, because there’s always something I can learn to increment the moues and razzle-dazzles I do in frevo.” Thinking of this, she emphasizes the art of Ferreirinha, “Ferreirinha’s dancing is sort of invitation. When he dances it seems he is inviting everyone to dance with him [...] Nothing is rehearsed. There isn’t even any choreography in our shows; we create a script and a dance perspective with it to make you feel comfortable to dance; there is a reason in this - it isn’t fudged together – it works out quite well and brings freedom to the dance.” For its predominant feature: creation and freedom to play different musical instruments and dance frevo differently, currently Frevoeterno group has become subject of the interdisciplinary research “Estudo de repertório: Frevo – modelos e sistemas” (Reperoire Study: Frevo – models and systems), conducted by the Music course at the Federal Institute of Pernambuco – IFPE, on Belo Jardim campus. Despite the significant importance in updating the frevo, the group has faced many challenges to keep going, including the difficulty to obtain public funding for their artistic projects. Still, with dedication and persistence, Frevoeterno members have managed to produce a documentary about the group, performed and ministered a course in Portugal, and made numerous presentations in Recife and various other cities of Pernambuco, offering the public an irresistible invitation to freely dance frevo, innovating in the creation of steps and possibilities. That’s the way that the group has issued a touching call to experience frevo.

6 Por exemplo: “Frevo Pilates”, ministrado pelo passista Jefferson Figueirêdo; “Pulso – Presença. O tradicional e o contemporâneo”, com o multiartista Helder Vasconcelos; “Conviver com Frevo”, com a professora e dançarina Valéria Vicente; “Teatro e Dança: Uma brincadeira, com a multiartista e pesquisadora Viviane Souto Maior”; “Orquestra de Pandeiros”, com percussionista Lara Klaus; “Acupe – Formação do Intérprete – Pesquisador em dança (Recife)”, entre outros.

6 For instance: “Frevo Pilates” ministered by the passista Jefferson Figueiredo; “Pulso – Presença. O tradicional e o contemporâneo” with the multi-artist Helder Vasconcelos; “Conviver com Frevo” with teacher and dancer Valéria Vicente; “Teatro e Dança: Uma brincadeira” with the multi-artist and researcher Viviane Souto Maior; “Orquestra de Pandeiros” with percussionist Lara Klaus; “Acupe – Interpreter Formation – Reseacher of dance (Recife)”, among others.

27


RAFAEL MARQUES: “THE MANDOLIN PLAYS RAFAEL” 7 By Jacira França

BANDOLIM, INSTRUMENTO DE CORDAS, POESIA em forma de música, sentimentos dedilhados e transformados em melodia. O bandolim no Brasil está comumente ligado ao gênero musical do choro, mas não se restringe a ele, daí surgem outros encontros e parcerias, como é o caso do frevo com o bandolim. Neste âmbito, se encontra o trabalho de Rafael Marques dos Santos, natural do Recife, bandolinista que já tocou em blocos líricos e é um dos integrantes do grupo “Saracotia.” A trajetória de Rafael Marques na música começou na adolescência, como uma atividade lúdica, e o seu primeiro instrumento foi o cavaquinho. Ele relata como foi este começo e o porquê de escolher o bandolim, “Eu comecei estudando no Conservatório Pernambucano de Música, acho que aos catorze anos. Eu ainda não tinha a ideia de que seria músico profissional. Eu entrei porque lá em casa sempre teve instrumento. Foi como um lazer, mas aí eu fui aluno do professor Marco Cesar e ele me incentivou muito pra que eu fizesse o curso de licenciatura [em música]. Entre os dezesseis e dezoito anos foi quando eu comecei a tocar profissionalmente, com um grupo chamado “Arabiando,” que era um grupo de choro que durou dez anos. E minha vida no Bandolim se iniciou por conta do Arabiando.” O Arabiando, grupo de choro, foi formado em 2002, na cidade do Recife. O nome foi inspirado num choro de Esmeraldino Sales, compositor paulista, e teve a seguinte formação inicial: Rafael Marques (bandolim), Rodrigo

MANDOLIN, STRINGED INSTRUMENT, POETRY in the form of song, feelings strummed and transformed into melody. Mandolin in Brazil is commonly linked to the musical genre of choro, but not restricted to it; from this point, other conjunctions and partnerships come up, such as frevo played with mandolin. In this context, lies the work of Rafael Marques dos Santos, born in Recife, mandolin player who has played with some blocos líricos and one of the members of “Saracotia” band. The trajectory of Rafael Marques in music began in his boyhood as a hobby; his first musical instrument was a cavaquinho (a small chordophone with four strings). Here he describes how everything happened and why he chose the mandolin, “I started studying at the Music School of Pernambuco, I think I was fourteen. I still had no idea that I would be a professional musician. I enrolled there because at home we always had musical instruments. It was for fun at first, but then I became one of the Professor Marco Cesar’s pupils who encouraged me a lot to take a degree [in music]. Within the ages of sixteen and eighteen, I started playing professionally with a band called “Arabiando,” that played choro; it lasted ten years. My life on the mandolin began because of the Arabiando band.” The Arabiando choro band was formed in 2002 in the city of Recife. The band’s name was inspired by an Esmeraldino Sales’ choro song and had the following initial formation: Rafael Marques (mandolin), Rodrigo Samico (six-stringed acoustic guitar), Bruno leite (seven-stringed

7 “O Bandolim toca Rafael” é o nome da música composta pelo maestro Ivan do Espírito Santo, em homenagem a Rafael Marques. .

7 “O Bandolim toca Rafael” (The mandolin plays Rafael) is the name of a song composed by maestro Ivan do Espírito Santo in honor to Rafael Marques.

Fotos: Paulo Maia

RAFAEL MARQUES: “O BANDOLIM TOCA RAFAEL” 7 Jacira França

“Por que dizer que o frevo não pode ter um pouquinho de minimalismo, o frevo não pode ter um pouquinho de jazz aqui no meio, não pode ter um pouco de música afro?”

28

29


Samico (violão de 6 cordas), Bruno leite (violão de 7 cordas), Bruno Eduardo (cavaquinho) e Naara Santos (voz). O grupo se apresentou em diversos festivais e, em 2006, fez uma turnê pelos Estados Unidos, na qual participou do Lotus World Music and Art Festival. Em 2009, lançou o CD “Caminho de Casa,” já com a seguinte formação: João Paulo Albertim (cavaquinho e bandola), Rafael Marques, Tadeu Jr., Ricardo Freitas e Rodrigo Samico. O grupo também acompanhava os blocos líricos no Carnaval, “Pro Carnaval, a gente criava uma mini orquestra. Era a Orquestra Arabiando de Frevo, então, acho que daí foi os primeiros passos.” Mas antes de criar esta orquestra, Rafael Marques tocou em blocos como o Bloco das Ilusões, o Bloco da Vitória Régia e o Bloco em Poesia. Neste período, ele também começou a cursar Licenciatura em Música, na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, mas não concluiu. Em seguida, foi estudar música, curso de Produção Fonográfica, na AESO – Faculdades Integradas Barros Melo, localizada em Recife, na qual chegou a defender o seu trabalho de conclusão de curso que era sobre o choro, no entanto, não chegou a se formar8. Rafael Marques, então, decidiu priorizar sua carreira artística. Com o passar dos anos, os integrantes do grupo Arabiando foram seguindo seus próprios projetos pessoais, inclusive Rafael Marques, que em 2008 resolveu criar o trio chamado Saracotia, formado por ele (bandolim de 10 cordas), Rodrigo Samico (violão de 7 cordas) e Márcio Silva (bateria). De acordo com Rafael Marques, “Saracotia é uma derivação errada do nome ‘saracoteia’. A gente achou mais bonito saracotia do que saracoteia e deixou errado mesmo. E transparece um pouco na forma musical da gente que não se prende muito a formas.” O repertório do grupo conta com a apresentação de diversos gêneros musicais, inclusive o frevo, um ritmo que sempre esteve presente nos seus trabalhos. O grupo já fez turnê pela América Latina e pela Europa, além de estados brasileiros como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em relação ao bandolim de 10 cordas e o frevo, Rafael Marques procura adaptar a música respeitando as

acoustic guitar), Bruno Eduardo (cavaquinho) and Naara Santos (vocal). The band performed at several festivals and in 2006 toured the United States, during which took part in the Lotus World Music and Art Festival. In 2009, he released the CD “Caminho de Casa,” this time with the following lineup: João Paulo Albertim (cavaquinho and bandola [stringed instrument related to the mandolin]), Rafael Marques, Tadeu Jr., Ricardo Freitas and Rodrigo Samico. The band also played with blocos líricos during Carnival, “For Carnival, we used to create a small orchestra. It was the Arabiando Frevo Orchestra; I guess these were the first scratches.” Before creating this orchestra, Rafael Marques played with many blocos líricos, such as Bloco das Ilusões, Bloco da Vitória Régia e Bloco da Poesia. During this period, he also began his college degree in music at the Federal University of Pernambuco - UFPE, but he didn’t complete his studies. Later, he took up music, Phonographic Production, at AESO - Integrated Colleges Barros Melo, located in Recife; there, he came to submit his thesis about choro. He didn’t graduate8, though. Rafael Marques then decided to prioritize his career. Over the years, the members of Arabiando band were pursuing their own personal projects; so, in 2008, Rafael Marques, decided to create a trio called Saracotia, formed by him (ten-stringed mandolin), Rodrigo Samico (seven-stringed acoustic guitar) and Márcio Silva (drums). According to Rafael Marques, “Saracotia is a wrong derivation of the name “saracoteia.” We found saracotia more beautiful than saracoteia and so it became. It somewhat reveals our way of dealing with the musical form which is not very strict.” The repertoire of the band consists of various musical genres, including frevo, an ever-present rhythm on his works. The band has toured Latin America and Europe, as well as Brazilian states, such as São Paulo, Rio de Janeiro and Rio Grande do Sul. Regarding the 10-stringed mandolin and frevo, Rafael Marques seeks to adapt the music respecting the question, answer and harmony phrases, following the structure of the music, sometimes just changing the tone - “each mu-

8 Em 2017 retomou o curso de Produção Fonográfica, na AESO e, como trabalho de conclusão, irá apresentar seu primeiro disso solo. .

8 In 2017, he resumed the Phonographic Production course at AESO and, as a conclusion work, will present his first solo album.

30

frases de pergunta, resposta e harmonia, seguindo a estrutura da música, algumas vezes mudando apenas a tonalidade – “cada instrumento tem sua idiomática e o bandolim tem uma e eu me utilizo dela e não tenho pretensão de dificultar ela. Eu ouço a música e tento adaptar pro bandolim.” Embora a junção entre bandolim de 10 cordas e o frevo não seja algo inédito, pois, outros artistas como Hamilton de Holanda e Armandinho já o fizeram, o trabalho de Rafael Marques se destaca pela busca em trazer novos repertórios, elaborar releituras de frevos consagrados e por sua preferência em tocar e compor frevos de rua, particularidade significativa, uma vez que o bandolim de 10 cordas está mais associado ao repertório e execução de frevos de bloco.

sical instrument has its own idiomatics, and mandolin has one; I make use of it without making it difficult. I hear the music and try to adapt it for mandolin.” Although the junction between the 10-stringed mandolin and frevo is not unheard, for artists such as Hamilton de Holanda and Armandinho have already done this, Rafael Marques’ work stands out for seeking to bring new repertoires, preparing reinterpretations of famous frevo, and for his preference to play and compose street frevo, significant feature, since the 10-stringed mandolin is more associated with the repertoire and execution of frevos de bloco.

“Why can we say that frevo cannot have a touch of minimalism, that frevo cannot have a tinge of jazz, cannot have a dash of African music?”

31


MARCOS FM: “FREVO IS THE CRYSTALLIZATION OF MY WAY OF THINKING” By Jacira França

MÚSICA QUE ENCANTA, EXPERIMENTA, FAZ a alma pulsar, assim é o frevo. Frevo de ritmo efusivo que ecoa pelas ruas e palcos, das canções saudosas, das releituras de composições consagradas, das novas sonoridades. Neste contexto, encontra-se Marcos Ferreira Mendes. “Marcos FM”, como é mais conhecido é maestro, arranjador, multi-instrumentista, professor de música no Conservatório Pernambucano de Música (CPM) e no Centro de Educação Musical de Olinda (CEMO). Nasceu em Macaparana, município localizado em Pernambuco, e, em seguida, foi morar em São Paulo, onde residiu até os doze anos de idade, quando sua família se mudou para Timbaúba. Sua iniciação musical começou, nesta ocasião, na Sociedade de Cultura Musical 1º de Novembro, conhecida popularmente, em Timbaúba, como “Pé-de-Cará”. O primeiro instrumento escolhido por ele foi o trompete, mas “não rendeu” e passou a tocar clarineta. Aos catorze anos, entrou para banda da “Pé-de-Cará” e participou de alguns eventos como retretas e procissões. Aos quinze anos, começou a tocar saxofone tenor, saxofone barítono, requinta (pequena clarineta), tuba, bombo e prato. Também regia a banda em algumas ocasiões. Neste período, ele se interessou em aprender o processo de composição e de fazer arranjos. Em 1995, entrou também no Conservatório Pernambucano de Música (CPM), localizado em Recife, capital pernambucana, para estudar baixo elétrico. Concluiu

MUSIC THAT WONDERS, AND EXPERIENCES, AND makes the soul leap - this is frevo. Frevo of boisterous rhythm that echoes along the streets and on the stages, the nostalgic songs, the rereading of consecrated compositions, the new sounds. It’s in this context you will see Marcos Ferreira Mendes. “Marcos FM,” as he is known, is conductor, arranger, multi-instrumentalist, music teacher at the Music School of Pernambuco (MSP) and the Music Education Center of Olinda (CEMO). He was born in Macaparana, municipality located in Pernambuco, and then moved to São Paulo, where lived until the age of twelve; then his family moved back to Pernambuco, to Timbaúba. His musical initiation started on this occasion at the Sociedade de Cultura Musical 1º de Novembro, popularly known in Timbaúba as “Pé-de-cará.” The first chosen instrument was the trumpet, but “it didn’t catch on” and he begins to play the clarinet. At fourteen, he joined the band “Pé-de-cará” and participated in some events such as concert bands and processions. At fifteen, he began playing the tenor saxophone, baritone saxophone, E flat clarinet (small clarinet), tuba, drums and cymbal. He also conducted the band on some occasions. During this period, he became interested in learning the writing process and making arrangements. In 1995, he also entered the Music School of Pernambuco (MSP), located in Recife, capital of Pernambuco, to study electric bass guitar. He graduated in 2001. In 2002,

Fotos: Paulo Maia

MARCOS FM: “O FREVO É A CRISTALIZAÇÃO DO MEU JEITO DE PENSAR” Jacira França

“Por que dizer que o frevo não pode ter um pouquinho de minimalismo, o frevo não pode ter um pouquinho de jazz aqui no meio, não pode ter um pouco de música afro?”

32

33


o curso em 2001. Em 2002, devido ao falecimento de seu professor, Toni Dias (Toni Fuscão), ele passou a lecionar baixo elétrico no CPM. No entanto, como não tinha na época o curso de licenciatura em música, teve que deixar de dar aulas na instituição e continuou em Timbaúba. Em 2004, fez vestibular e passou para o curso de licenciatura em música na Universidade Federal de Pernambuco, mudando-se de vez para o Recife. Terminou o curso em 2010. Pouco tempo depois, o CPM abriu concurso para novos professores efetivos, no qual ele passou em primeiro lugar. Em 2014, criou nesta instituição uma disciplina chamada “Estética no frevo”, na qual procura mostrar para seus alunos diversas gravações de frevos mais antigos, polca, maxixe, quadrilha para que eles possam conhecer melhor os ritmos que contribuíram para o desenvolvimento do frevo ao longo do tempo. Em 2017, Marcos FM lançará um livro sobre arranjos para frevo-de-rua. Além destes trabalhos9, ele é o idealizador da Orquestra Quebramar, formada em 2014. Com forte influência do jazz, o grupo tem o frevo como elemento principal. Quebramar é um tipo de estrutura costeira que tem a função de proteger a costa marítima da ação das ondas. O nome foi escolhido por fazer referência à imagética do litoral pernambucano. A Quebramar é formada por Marcos FM (contrabaixo, arranjador e compositor); Adilson Bandeira (saxofone e clarineta); Maurício Cezar (escaleta); Roque Neto (trompete); Kelsen Gomes (piano); George Rocha (percussão) e Ebel Perrelli (bateria). Antes da Quebramar, Marcos FM tinha formado a Banda Treminhão que atuou durante dez anos. Ele explica: “o nosso repertório [na Treminhão], apesar de ter músicas de diferentes lugares, tocava muito baião, xote, xaxado, maracatu, caboclinho, um pouco de frevo. Mas, a Quebramar ela tem um grupo maior e tem a presença de instrumentos de sopro, coisa que não tinha na Banda Treminhão. Na música da Quebramar nós temos muitos elementos do jazz, temos elementos da música contemporânea erudita, tais como o minimalismo”.

due to the death of his teacher, Toni Dias (Toni Fuscão), he started to teach electric bass at the MSP. However, as he didn’t have at the time a degree in teaching music, he couldn’t teach for MSP and had to leave it behind; he continued in Timbaúba, though. In 2004, he succeeded at the ENEM exam (college application) for a degree in teaching music at the Federal University of Pernambuco, moving for good to Recife. He got his college degree in 2010. Shortly thereafter, the MSP issued a notice to hire new permanent professors, in which he was the number one. In 2014, he created at this institution a discipline named “Aesthetics in frevo,” which seeks to show his students several recordings of older Frevo songs, polka, maxixe and quadrilha so that they can better understand the rhythms that have contributed to the development of frevo over time. In 2017, Marcos FM is to launch a book on arrangements for Street Frevo. In addition to this work9 , he is the founder of Quebramar Orchestra, formed in 2014. With strong influence of jazz, the group has frevo as the main element. Quebramar is a type of coastal structure that has the function of protecting the coastline from the waves action. The name was chosen by reference to the imagery of Pernambuco coast. The Quebramar band is formed by Marcos FM (electric bass, and composer); Adilson Bandeira (saxophone and clarinet); Maurício Cezar (melodica); Roque Neto (trumpet); Kelsen Gomes (piano); George Rocha (percussion) and Ebel Perrelli (drums). Before Quebramar band, Marcos FM had formed another band called Treminhão which served for ten years. He explains, “Our repertoire [in Treminhão] despite having music from different places, played quite a lot baião, xote, xaxado, maracatu, caboclinho, and some frevo. The Quebramar, however, has a larger group and the presence of wind instruments, what it was not true in Treminhão band. In the music of Quebramar band, we have many elements of jazz; we have elements of classical contemporary music, such as minimalism.” Regarding these experiments with jazz, minimalism, random music, Marcos FM says, “We currently have some

9 Desde 2007, participou como arranjador dos Festivais de Música Carnavalesca do Recife, organizados pela prefeitura da cidade. Em 2013, no “Festival do Frevo da Humanidade”, foi premiado como o “melhor arranjador”. .

9 Since 2007, he has participated as arranger in Festivals of Carnival Music in Recife, sponsored by the local government. In 2013, during the “Festival do Frevo da Humanidade,” he was awarded as ‘best arranger’.

34

“Why can we say that frevo cannot have a touch of minimalism, that frevo cannot have a tinge of jazz, cannot have a dash of African music?”

Em relação a estas experimentações com o jazz, o minimalismo, a música aleatória, Marcos FM coloca: “Atualmente temos alguns músicos mais tradicionais que dizem que muito do que se faz hoje não é frevo e aí sempre é muito interessante fazer esse debate porque a gente começa a ter que exercitar a capacidade de conceituar coisas e definir. Mas, eu acredito que tudo que se está fazendo hoje é frevo, agora, é um frevo que tem outras influências. O frevo mais tradicional, ele não teve influências? Por que tornar hermético, se o frevo no seu surgimento já tem várias influências da polca, do maxixe, da quadrilha, do dobrado, da modinha, do lundu? Então, por que dizer que o frevo não pode ter um pouquinho de minimalismo, o frevo não pode ter um pouquinho de jazz aqui no meio, não pode ter um pouco de música afro?”. A partir destas reflexões e experimentações musicais, Marcos FM segue contribuindo para a formação de uma estética musical do frevo, possibilitando que este ritmo continue se expandindo e estabeleça diálogos com outras culturas.

more traditional musicians who say that much of what is done today is not frevo and it’s always very interesting to spark off this debate because we grow the need to exercise the ability to conceptualize and define things. But I believe that everything that has been done today is frevo, but it is frevo with other influences. Didn’t the most traditional frevo have any influence? Why should we make frevo so rigid if in its appearance it already had several influences such as from polka, maxixe, quadrilha, dobrado, modinha, and lundu? So why can we say that frevo cannot have a touch of minimalism, that frevo cannot have a tinge of jazz, cannot have a dash of African music?” From these reflections and musical experimentation, Marcos FM keeps contributing to the formation of a musical aesthetic of frevo, enabling this rhythm to keep expanding and holding dialogues with other cultures.

35


Natural of Pernambuco state, Northeastern Brazil.

HE IS INDEED A GOOD PERNAMBUCANO AND WAITS THE WHOLE YEAR TO KICK UP HIS HEELS By Janine Primo C. de Meneses

O ADMINISTRADOR DE EMPRESA DE CARREIRA firme e próspera faz qualquer negócio durante o ano, contanto que seu Carnaval seja respeitado. “Todo mundo na empresa sabe que eu gosto de Carnaval, minha vida é programada pelas datas do Carnaval, [...] os diretores inclusive, sabem disso, que eles podem passar qualquer projeto pra mim, época do meu aniversário, do natal, réveillon, não tem problema, menos nos meses de janeiro e fevereiro”. José Luciano Albuquerque nasceu no Recife em vinte de abril de 1970, mas nos conta protestando, “se tem uma mágoa com a minha mãe, é porque minha irmã nasceu em Olinda, e ela me escolheu pra me ter em Recife (risos), então eu disse a ela, ‘podia fazer um planejamento pra eu dizer que moro em Recife, adoro Recife, mas na verdade eu sou olindense (risos)‘”, e com seu pai, que aniversaria no dia 09 de fevereiro10, Dia do Frevo, “não podia ter planejado pra eu nascer na mesma data do senhor, não tinha problema se eu viesse de cesariana!”. Até os dez anos morou no bairro da Estância, e então foram morar em São Paulo, “dos quinze à presente data estou em Recife e não quero mudar isso em hipótese alguma”. Voltou para o bairro da infância e lá viveu até os trinta anos, mudando-se posteriormente para o bairro da Boa Vista.

BUSINESSMAN WITH A STEADY AND PROSPEROUS career, he works on anything during the year, if his Carnival is respected. “Everybody in the company knows that I like Carnival, my life is programmed by Carnival dates, [...] even the directors know about that; they can assign any project for me, during my birthday, Christmas, New Year’s Eve, no problem at all, except in the months of January and February.” José Luciano Albuquerque was born in Recife on April 20, 1970, but he tells us protesting, “If there is something that makes me feel sad with my mother is the fact that my sister was born in Olinda, and I had been chosen to be born in Recife (laughs); later, I told her ‘you could have planned a way for me to say that I live in Recife and love Recife, but that I was in fact from Olinda (laughs),’” and about his father, who celebrates his birthday on February 9th10, the Frevo Day, “Couldn’t I have been planned to be born on the same date as you? It hadn’t been any problem if I had come to life by cesarean section!” Until the age of ten he lived about Estância, and then moved to São Paulo, “From the fifteen to the present date, I’ve been in Recife and I don’t want to change it in any way.” He returned to the neighborhood of his childhood and there lived until he was thirty, and then moved again to the neighborhood of Boa Vista. As a young man, his carnivals used to be in Estância, “A carnival with my brothers, cousins, friends; unsophisticated,

10 O Dia do Frevo é comemorado no dia 09 de fevereiro pela referência ao primeiro registro sobre o frevo na seção carnavalesca do Jornal Pequeno, assinada pelo jornalista Oswaldo Oliveira, da cidade do Recife, em 1907. Nela, o autor fez menção ao Clube Empalhadores do Feitosa, do bairro do Hipódromo, que apresentava a música denominada O Frevo. Em reconhecimento à importância do primeiro registro oficial do ritmo e ao ano do Centenário do Frevo e registro do mesmo como Patrimônio Imaterial Brasileiro, desde 2007 se comemora o 09 de fevereiro como o Dia do Frevo.

10 The Day of Frevo is celebrated on February 9th by the reference of the first record on frevo in the carnival section of Jornal Pequeno, signed by the journalist Oswaldo Oliveira in Recife in 1907. In it, there’s a mention to the Clube Empalhadores do Feitosa in the neighborhood of Hipódromo which featured the music called Frevo. In recognition to the importance of the first official registration of the rhythm as well as to the year of centennial of Frevo and the registration of it as Brazilian Intangible Heritage, since 2007, February 9th is celebrated as Frevo Day.

Fotos: Paulo Maia

ELE É DE FATO UM BOM PERNAMBUCANO, ESPERA O ANO E SE METE NA BRINCADEIRA Janine Primo C. de Meneses

“É de fazer chorar, Quando o dia amanhece e eu vejo o frevo acabar, Oh quarta-feira ingrata chega tão depressa, Só pra contrariar” “It makes me cry, When the daylight comes up and I watch the frevo phase out; Oh, ungrateful Wednesday, it comes so fast, just to disappoint

36

37


Quando jovem, seus carnavais eram na Estância, “um Carnaval com meus irmãos, primos, amigos, simples, de mela mela, brincadeira escrachada ali na rua, do molhar. Eu tinha um pinico de ágata da minha avó, então eu enchia e molhava, e ficava um coisa meio que pra gerar medo e um certo repúdio”. Por volta dos dezessete anos passou a ir ao Carnaval do bairro de Boa viagem, constituído de trios elétricos, onde pouco ou nenhum frevo se tocava. Isso mudou quando conheceu seu amigo, Rinaldo Almeida, lhe apresentou o Carnaval de Olinda, e logo se apaixonou pelo Clube de Boneco Homem da Meia Noite, pela Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos, pelo Clube Carnavalesco Misto Elefante de Olinda, “além do meu mundinho de Boa Viagem [...] aí que comecei a me apaixonar por blocos que nem existem mais, como o Dez de Charque e uma Latinha [...] e a partir de noventa e cinco eu comecei a fazer fantasias para ir pro Galo, de banhista, e aí tomei gosto por brincar de fantasia, daí em diante festa de Carnaval tem que brincar de fantasia”. Nesse movimento crescente de paixão pelo Carnaval, conheceu mais dois amigos “de carne, unha e Carnaval”, e formaram um grupo, são eles Cássio Duarte e Maurício Claudino, em todas as histórias carnavalescas contadas por Luciano, eles estão presentes, tornando-se próprios personagens do Carnaval. O primeiro bloco lírico que participou foi o Bloco das Flores, Rinaldo o levou pra lá, e ficaram de 2000 a 2004. “Entramos num outro bloco e inventamos de pular num frevo de bloco, aí alguém falou: ‘frevo de bloco não se pula!’, imediatamente a gente sentiu que o negócio não era por ali”. Foi quando em 2005, Cássio o levou para uma festa do O Bonde Bloco Carnavalesco Lírico, e foram calorosamente acolhidos por Cid Cavalcanti, que lhes falou “‘brinque , dance, vai!”’ e daí decidiram brincar no Bonde, “é aqui, (risos), o lugar é aqui”, e nele estão até hoje. Se Luciano fizer uma festa de aniversário, o ritmo será frevo, “boto outra coisa também, mas tem frevo”. Os seus quarenta anos foi uma homenagem ao frevo e à

38

mela-mela, a real revelry in the street, watering everyone. I had my grandma’s agate chamber pot, filled it with water and throw the water on everyone; the idea was to generate a sort of fear and disgust.” By the age of seventeen, he went to play Carnival in Boa Viagem, made up of floats, where little or no frevo was played. That changed when he met his friend Rinaldo Almeida who introduced him to the Carnival of Olinda and soon fell in love with the Clube de Boneco Homem da Meia Noite (Midnight Man Puppet Club), the Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos (Mixed Carnival Group), and the Clube Carnavalesco Misto Elefante de Olinda (Mixed Carnival Club), “Beyond my small world of Boa Viagem […] So I fell in love with clubs that no longer exist, such as Dez de Charque e uma Latinha […] As of 1995, I started to make costumes to play in Galo da Madrugada and Banhistas do Pina and then I took pleasure in playing with costumes, thereof carnival party had to be played in costumes.” In this growing movement of passion for Carnival, he met two more friends joined at the hip “with carnival,” Cássio Duarte and Maurício Claudino. They’re mentioned in all carnival stories told by Luciano, making themselves real Carnival characters. The first lyrical group he participated was Bloco das Flores, Rinaldo brought him, and there they stayed from 2000 to 2004. “We teamed with another group and decided to play like we played street frevo, so someone said, ‘you can’t play frevo de bloco this way!’ we soon noticed we were in the wrong place.” In 2005, Cássio brought him to a party in the O Bonde - Bloco Carnavalesco Lírico (Lyrical Carnival Group) and they were warmly welcomed by Cid Cavalcanti who said “play, dance, go for it!” and then they decided to play with O Bonde, “it’s here, (laughs) here is the place” and there they’ve been till today. If Luciano throws a birthday party, the rhythm will be frevo, “Anything can be played, but frevo is an obligation.” His forty-year-old celebration was a tribute to frevo and joy it has given him through all these years, so he had a cake in the shape of a frevo umbrella, a band of frevo and an exhibition of his photos and costumes. Luciano promises that his fifty-year-old celebration cake will have the shape of a flabelo (fan

alegria que lhe proporcionou durante esses anos, então o bolo foi no formato de uma sombrinha de frevo, teve uma banda tocando frevo e a exposição das fotos e fantasias do aniversariante. Promete Luciano, que o bolo dos seus cinquenta anos será em formato de flabelo! As festas da empresa onde trabalha já são conhecidas, qualquer grupo musical pode ser contratado, seja qual for, só precisa começar com] frevo. “Eu certa vez, numa reunião diante da equipe inteira, eu esbravejando sobre uma coisa, e eu sou muito eloquente, e a menina parte de lá e diz assim: ‘se acalme Seu Luciano, o senhor está muito nervoso!’, aí eu disse: ‘eu não estou nervoso, eu só estou nervoso quando toca o frevo errado!’. E o nascer do ano também precisa começar com frevo, “os meus amigos que passam réveillon comigo já sabem, o meu primeiro grito quando rompe o ano é ‘já é Carnaval!’”. Até setembro ele faz contagem regressiva do Carnaval que passou para o que virá. Dia 07 de setembro é o primeiro ensaio da Troça Pitombeira dos Quatro Cantos, quando a orquestra se lança na rua, estão Luciano e Cássio se abraçando e chorando de emoção, “pronto, começou!”. Depois vem as preparações para o Encontro de Frevo de Blocos11, no um de novembro. Para Luciano, o Carnaval é um compromisso, e um compromisso se faz quando se ama muito uma coisa e passa a respeitá-la. Na quarta-feira de cinzas ele dorme o dia inteiro, acabou a festa, chegou a tristeza, “não liguem pra mim, não me acionem, a paciência esta pouca!”. Na quinta ele viaja que é pra não ver a festa se desmontando. Quer voltar quando tudo tiver “normal”. E se tem uma música que faz lembrá-lo, e com ela findo esse texto o homenageando, É de Fazer Chorar, de Luiz Bandeira “É de fazer chorar, Quando o dia amanhece e eu vejo o frevo acabar, Oh quarta-feira ingrata chega tão depressa, Só pra contrariar”.

as a flag of lyrical carnival groups). Parties in the company where he works are already known; any music band can be hired, but whatever it is, it must start the party with frevo. “Once during a meeting with the entire team, I was ranting about something and I’m quite eloquent on that; a team-mate comes from nowhere and says, ‘calm down Mr. Luciano. You’re very nervous!’ and I replied, ‘I’m not nervous; I only get nervous when they play the wrong frevo!’” And the new year also must begin with frevo, “My friends that celebrate réveillon with me already know that my first cry of the year is ‘it’s Carnival already!’” Up to September, he counts down from the previous Carnival to the following one. September 7th is the first rehearsal of the Troça Pitombeira dos Quatro Cantos. When its orchestra goes to the streets, Luciano and Cássio hug each other and cry together with emotion, “It has begun!” Then, the preparations for the Encontro de Frevo de Blocos11 come, it’s November 1st. For Luciano, Carnival is a commitment, and a commitment is made when one loves something very much and comes to respect it. On Ash Wednesday, he sleeps all day, the party is over, sadness has come, “Do not call me, do not disturb, patience is short!” On Thursday, he travels to not see the city being dismantled. He will only come back when everything is “normal.” There is a song that reminds him of everything, and with it I finish this text in his honor, “É de Fazer Chorar” (It Makes me Cry), by Luiz Bandeira: “É de fazer chorar, Quando o dia amanhece e eu vejo o frevo acabar, Oh quarta-feira ingrata chega tão depressa, Só pra contrariar.” (It makes me cry, When the daylight comes up and I watch the frevo phase out; Oh, ungrateful Wednesday, it comes so fast, just to disappoint) – (free translation).

11 O Dia do Frevo de Bloco foi instituído por meio da Lei municipal n17. 026/2004, em homenagem ao centenário de nascimento do compositor pernambucano Edgar Moraes. O encontro acontece há quinze anos, no dia um de novembro, nas ruas do Recife.

11 Meeting of groups before carnival.

39


DANCING AND ROCKING: I LIKE IT, I LOVE IT! (DONA NAIR, 98 YEARS OF JOY!) By Janine Primo C de Meneses

ESTAMOS FALANDO DE UMA PERNAMBUCANA sertaneja, nascida em Afogados da Ingazeira, em 19 de março de 1919! Filha de pai marceneiro e mãe costureira, Nair Cosme da Silva, a Dona Nair, mudou-se com a família para Triunfo, município vizinho, onde conheceu o Carnaval, do qual leva consigo lembranças que viraram seu xodó: “Ah minha filha, era bom demais! Tinha o Cariri, Zé Pereira, ‘Lá vem Cariri ali! Zé Pereira! Pega do pinico e arranca a beira!’ ... Eu tenho um espírito, desde pequena, de me lordar, de me enfeitar, de me pentear, toda vida tive”. Com trinta anos começou a namorar, passou quatro anos noiva, naquela época que pegar na mão era motivo de término de noivado! E casou com ele, Otacílio Laurindo da Silva, cujo irmão lhe conseguiu um emprego na loja Casas José Araújo, no Recife, foi quando se mudaram pra capital. Viveram muitos anos no bairro da Mangueira e tiveram quatro filhos. “Nunca briguei com ele, nunca! Quando ele viu que ia morrer ele disse: volte a ser o que era”, e foi nesse momento que Dona Nair começou uma nova história de amor, agora com o Carnaval do Recife, pois passou 25 anos de casada sem brincar Carnaval. Tudo começou numa tarde, no Shopping Center Recife, em frente às Lojas Americanas, Dona Nair foi convidada para participar de um baile que estava acontecendo no local: “Aí quando tocaram que eu comecei a dançar, aí não prestou não ... veio todo mundo em cima

WE ARE TALKING ABOUT A PERNAMBUCAN countrywoman, born in Afogados da Ingazeira, on March 19, 1919! Daughter of a carpenter and a seamstress, Nair Cosme da Silva, Dona Nair, moved with her family to Triunfo, a neighboring town, where she met Carnival and from which she brings her favorite memories, “Ah, my daughter, it was so good! There was Cariri, Zé Pereira, ‘Lá vem Cariri ali! Zé Pereira! Pega do pinico e arranca a beira!’ (free translation of the verse: Here comes Cariri! Zé Pereira! Fetch the chamber pot and break its handle!) [...] I’ve had the behavior of lording it over, adorning myself, combing my hair since I was a child; I’ve had it all my life.” She started to date at the age of 30 and got engaged for 4 years – in a time when they couldn’t even hold their hands. She married to Otacílio Laurindo da Silva, whose brother found a job for him at Casas José Araújo store in Recife. This is when they moved to the Capital city. They lived many years in Mangueira and had four children. “I’ve never argued with him, ever! When he was about to die, he said: be again who you used to be,” and it was at that moment that Dona Nair began a new love story, this time with the Carnival of Recife. She hadn’t played Carnival for 25 years. It all started in one afternoon at Recife Shopping Mall, in front of the Americanas Store. Dona Nair was invited to participate in a dance that was happening, “When they played, and I started dancing, it was amazing… everyone was bewildered and ran to me. I was terrified.” After this success, Dona Nair began to attend dances in some clubs in Recife:

Fotos: Paulo Maia

DANÇAR E PULAR, EU GOSTO, ADORO! (DONA NAIR, 98 ANOS DE ALEGRIA!) Janine Primo C. de Meneses

“A coisa mais linda do mundo! É Carnaval né? Eu me sinto feliz! Frevo é comigo! Eu não tenho esse negócio comigo não... tocou qualquer coisinha [risos] eu estou me balançando. Minha vida é essa”

40

41


de mim, aí eu fiquei apavorada né”. Depois desse sucesso, Dona Nair começou a frequentar bailes em alguns clubes em Recife: Clube Militar, Clube Português, a AABB12. “Aí quando foi uma vez, Dulce Queiroga13, ela me deu duas castanholas - ‘você vai tocar e vai dançar! Mandei buscar pra você’ - eu não sabia o que era aquilo que tava na mão. Hoje eu não vou sem elas, porque todo mundo pede, até as crianças pedem ... Aí eu achei de ir pro Recife Antigo no Carnaval e fui fazendo fantasia ... Eu num digo a você que foi um espirito! Eu digo!”. A partir de então o Carnaval passou a ter uma importância indispensável em sua vida, pois a cada ano é ele que a revigora, a preenchendo de alegria e energia, segundo sua filha Icléa (Icléa Maria da Silva, 56 anos), é o que a renova. “A coisa mais linda do mundo! É Carnaval é? Eu me sinto feliz! Frevo é comigo! Eu não tenho esse negócio comigo não... tocou qualquer coisinha [risos] eu estou me balançando. Minha vida é essa. Eu só não gosto de choro, de gemido não, mas tocou coisa de Carnaval, eu tô em cima. Adoro brincar Carnaval!”. Os carnavais de Dona Nair costumam ser assim: “Vou pro Recife Antigo de 16h às 19h ... Eu gosto de passear, ver o maracatu, ver os clubes, ver tudo. Eu só vejo aqueles que chega até 20h. Queriam botar uma cadeira (de rodas) pra eu ficar rodando..., vou não! Não sou besta não! O segurança do Banco do Brasil disse: ‘eu tenho a senhora como minha mãe’. Ele vai atrás de mim! Ele diz: ‘tá na hora, Dona Nair’. E eu obedeço, vambora! Ele é quem pega o táxi pra mim”. E tem mais, é ela quem faz suas próprias fantasias, e para cada dia de Carnaval uma fantasia diferente, todas são feitas na mão, nada de máquina, senta no sofá e vai até à meia noite, costurando, bordando, enfeitando. Inicia a produção uma semana antes do Carnaval, as filhas compram o material que ela pede e ela faz, e é surpresa, ninguém sabe o que ela vai criar. “Elas nem sabem o que eu vou fazer... boto bico, boto lantejoula, boto missanga ... Gosto muito de jóia, de anel, de pulseira, de volta, de brinco, pra enfeite?! É comigo mesmo!... Bordo toda a minha roupa!” Já fez fantasia de Minie, bruxa, cigana, mas a dela é diferente, é especial. Já

42

12 Associação Atlética Banco do Brasil.. 13 Uma amiga de Dona Nair.

Military Club, Portuguese Club, AABB12. “Once, Dulce Queiroga13 gave me two castanets – ‘you’ll play them and dance with them! I brought them for you’ – I didn’t know what I had on my hands. Today I can’t go anywhere without them because everyone asks me to play them, including the children… I decided to go to Recife Antigo during carnival wearing costumes … I tell you for sure it was a spirit! You name it!” Since then, Carnival has had an indispensable importance in her life, each year it enlivens her, filling her with joy and energy, according to her daughter Icléa (Icléa Maria da Silva, 56) carnival revives her. “It’s the most beautiful thing in the world. It’s the carnival, right? I feel happy! Frevo is with me! Any time is good time for me … when they play any note [laughs] I’m rocking. This is my life. I just don’t like to cry or groan, but if they play any carnival sound, I’m on top. I love to play Carnival!” The carnival parties of Dona Nair used to be like that, “I go to Recife Antigo from 4:00 to 7:00 P.M. I like to walk around, see Maracatu, the clubs, everything. I only see those that parade up to 8:00 P.M. They wanted to bring me in a wheelchair to roll around… I didn’t want it. I’m not a fool. The Brasil Bank security guard said, ‘You’re like a mother to me’. He comes by my side like my bodyguard. He says: ‘it’s time, Dona Nair’, and I say OK, let’s go! He calls a cab to me.” There is more, she makes her own costumes and it is a different one for each day of carnival; all of them are handmade, no machine. She sits in the sofa and works up to midnight, sewing, knitting, and embroidering. Production starts a week before the carnival. Her daughters buy the materials she asks for and she works on them. It’s a surprise; nobody knows in advance what she’ll create. “They don’t even know what I’ll do… I use lace, sequin, beads … I love jewelry, rings, bracelets, earrings. If it’s to adorn, I’m on! I knit my entire clothes!” She has already made costumes of Minnie, witches, and gypsies; but, hers is different, it’s special. She has already been interviewed by Rede Globo that invited her to stay in the cabin of Galo da Madrugada. When Carnival comes, she does not even go to bed, she sorts out the costumes for the next day; everything is on a bed, separated: bracelets, earrings, shoes, costumes. 12 Banco do Brasil Athletic Association. 13 A friend of Dona Nair.

It’s the most beautiful thing in the world. It’s the carnival, right? I feel happy! Frevo is with me! Any time is good time for me … when they play any note [laughs] I’m rocking. This is my life”

foi entrevistada pela Rede Globo de Televisão e convidada pra ficar no camarote do Galo da Madrugada. Chega do Carnaval, nem se deita, já vai arrumando a fantasia pro outro dia, fica tudo em cima de uma cama, separadinho: pulseira, brinco, sapato, fantasia. Ah! E tem que estar em cima de um salto alto, porque precisa manter a elegância, sapato rasteiro lhe causa câimbras! E ai de quem a fotografar sem as pernas, ela é capaz de não aceitar a foto. Atualmente coleciona quatrocentas e oitenta e cinco fotos dela, somente dos carnavais. Em 2015, em uma noite que ela chegou às 23h, aceitou o convite de uma amiga e continuou a farra na Lagoa do Araçá, foi ver O Bonde Bloco Carnavalesco Lírico. Chegou às 03h da manhã, dançando continuamente, eita animação! Sua filha Icléia nos conta: “Quando ela está dançando o pessoal vão abrindo uma roda, e ela no meio. Onde ela está dançando, se eu perder, eu acho. O povo abre uma roda pra ela dançar, pronto, mamãe tá ali! ... porque aonde ela chega o pessoal vai tudo atrás dela, é impressionante”. 98 anos e 36 kg. E qual a receita? Nunca brigar e sempre dançar!

Ah! She must be on high-heels because she needs to keep up the elegance. Sandals cause her cramps. And woe to any earthlings who take a photo of her without her legs; she may not accept the photos. She currently collects 485 photos of hers, only from the carnival parties. In 2015, on a night when she came home at 11:00 P.M., she accepted a friend’s invitation and continued the party in Lagoa do Araçá and went to see O Bonde - Bloco Carnavalesco Lírico. She came back home at 3 o’clock in the morning, dancing continuously. What happiness! His daughter Icléia tells us, “When she is dancing, people open a circle and she goes to the middle. If I don’t see her around, I can find her where she’s dancing. People open a circle for her to dance. All right, mom’s there! ... Wherever she goes, everyone tries to keep up with her, it’s amazing.” 98 years old and 36kg. And what’s the recipe? Never fight and always dance!

43


A DEEPER PLACE OF FREVO, VALERIA VICENTE By Janine Primo C. Meneses

ATRAVÉS DE UMA RICA TRAJETÓRIA DE EXperiências, formações e criações, Ana Valéria Ramos Vicente, (29 anos), mais conhecida como “Valéria Vicente”14, tornou-se dançarina, pesquisadora e professora15, influenciando artistas, acadêmicos, passistas e músicos do frevo. No ano de 2005, a participação no projeto “Atelier de Coreógrafos16”, provocou em Valéria o reconhecimento da influência de elementos regionais na sua corporalidade, “[...] elementos marcantes na minha forma de andar, de mover, e isso acendeu a faísca de estudar em mim essa memória cultural e foi assim que eu voltei pro frevo”, e logo criou o espetáculo “Fervo”17. Durante o mestrado em dança, pesquisou coreógrafos do Recife que usaram o frevo em seus espetáculos e, em conjunto a leituras inspiradoras18, voltou-se a investigar a violência no frevo, “e aí eu me perguntei se estudando o frevo a gente poderia observar essa cultura da violência”. Concluída a pesquisa, Valéria voltou-se para a análise da sensação de alegria incrível que o frevo pro-

THROUGH A RICH TRACK RECORD OF EXPErience, training and creations, Ana Valeria Ramos Vicente (29 years old), better known as “Valéria Vicente”14, became a dancer, researcher and teacher15, influencing artists, scholars, passistas and frevo musicians. In 2005, her participation in the project “Atelier de Coreógrafos”16 led the recognition of the influence of regional elements in her corporeality, “[...] Striking elements in my way of walking and moving; this lit the spark in me to study this cultural memory. That’s how I went back to frevo.” Soon she created the show “Fervo.”17 During the master’s degree in dance, she researched choreographers of Recife who used the frevo in their shows and, together the inspirational readings18, turned to investigate violence in frevo, “And then I wondered if studying the frevo we could observe this culture of violence.” After completing the survey, Valeria turned to the analysis of the feeling of the incredible joy that frevo expresses. “So, I proposed a solo to continue investigating this, and it was named Pequena Subversão19; [...] from my personal back-

14 Desde a infância vem experimentando diversos tipos de dança, como Jazz, danças populares, dança contemporânea, participou do Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife e do Grupo Experimental de Dança. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e durante esta graduação passou a pesquisar academicamente a dança do Frevo, o que a levou ao mestrado e ao doutorado no curso de Dança da Universidade Federal da Bahia – UFBA, pesquisando sobre o Frevo. 15 Atualmente é professora do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. 16 IV Atelier de Coreógrafos, realizado em 2005, em Salvador, pela EP Produções Culturais, com apoio do Governo do Estado da Bahia. 17 Apresentado em 2006, no Recife, Fervo contemplou movimentos que compõem os passos do frevo, abordando sobre sua origem e a violência na relação com o corpo do recifense. 18 Destacando ARRAIS, R. P. Recife, culturas e confrontos. Recife: EDUFRN. 1998, 239 p.

14 From childhood, she has experienced various types of dance, such as jazz, folk and contemporary dances; she joined in the Maracatu Nação Estrela Brilhante of Recife and the Grupo Experimental de Dança. She graduated in Journalism from the Federal University of Pernambuco - UFPE and during this graduation she began to research academically the Frevo dance, which led her to a master’s and doctorate in Dance at the Federal University of Bahia (UFBA), researching Frevo. 15 Currently, she teaches Dance at the Federal University of Paraíba - UFPB. 16 The IV Atelier de Coreógrafos was held in 2005 in Salvador city by EP Produções Culturais and sponsored by the Government of Bahia State. 17 Fervo was performed in 2006 in Recife and showed movements that compose the steps of frevo, presenting its origin and violence in the relation with the body of the native of Recife. 18 Highlighting ARRAIS, R. P. Recife, culturas e confrontos. Recife: EDUFRN. 1998, 239 p.

Fotos: Paulo Maia

UM LUGAR MAIS PROFUNDO DO FREVO, VALÉRIA VICENTE Janine Primo C. Meneses

“Elementos marcantes na minha forma de andar, de mover, e isso acendeu a faísca de estudar em mim essa memória cultural e foi assim que eu voltei pro frevo”

44

45


move, “aí eu propus um solo pra continuar investigando isso, e se chamou de Pequena Subversão19, [...] a partir da minha história pessoal, entendi que um dos elementos da alegria está no jogo do desequilíbrio, que a alegria do frevo apesar de estar de uma certa forma cristalizada, num estereótipo de uma alegria só eufórica, ela tem muitas nuances, e isso estava relacionado com os meus estudos sobre micropolítica”. A demanda de ensinar a dança do frevo no curso de Teatro e Dança da UFPB a fez se dedicar ao estudo de uma metodologia pedagógica voltada para a saúde do corpo na dança do frevo e, junto a Kiran20, discutiram sobre os diferentes tipos de corpos e iniciaram a pesquisa “Trançados Musculares – saúde corporal e o ensino do frevo”. De acordo com Valéria a pesquisa trata de “uma análise da exigência muscular pra pensar o que se precisa fisiologicamente preparar pra ensinar frevo”. A pesquisa frutificou em curso e vídeo21. “[...] eu fui botar o projeto em prova com os meus alunos da UFPB, fui botando esse trabalho em contato com a vida, com a minha dança, com os meus ensaios”, o que resultou no livro “Frevo Para Aprender e Ensinar”22. O curso “Trançados Musculares” aproximou Flaira23 e Valéria, e juntas desenvolveram a pesquisa “O Espaço do Passo”, “a gente tinha essas discussões: qual o espaço do passista hoje, como ele se apresenta, quais são as condições de apresentação e, qual o espaço interno do Frevo?” e partiram para observar passistas em Olinda e no Recife Antigo, e verificaram uma lacuna entre o passista e o músico, gerando o trabalho “Frevo de Casa”24 junto ao maestro Spok e ao percussionista Lucas dos Prazeres, “é bem surpreendente o que chega a cada vez que a gente dança o Frevo de Casa [...] a gente consegue perceber que muitos

ground, I realized that one of the elements of joy stands in the imbalance game, that the joy of frevo is a sort of crystallized form in a stereotype of a euphoric joy, and it has many nuances; somehow it was related to my studies on micropolitics.” Demands for teaching frevo dance in Theater and Dance course at UFPB made her devote herself to the study of a teaching methodology focused on the body’s health for frevo dance and, together with Kiran20, discussed the different types of bodies and started the research called “Trançados Musculares – saúde corporal e o ensino do frevo” (Twisted Muscle – the body health and the teaching of frevo). According to Valeria, the research is “An analysis of muscular demand in order to think about what’s physiologically needed to teach frevo.” A course and video21 were created from this research. “[...] I put the project into effect with my students of UFPB; I put this work in contact with life, with my dance, with my practice.” From it, the book Frevo Para Aprender e Ensinar (Frevo To Learn and Teach) was written22. The course “Trançados Musculares” brought Flaira23 and Valeria closer, and together they carried out the research “O Espaço do Passo”. “We used to have a sort of discussion like: what has been the passista’s space nowadays? How has he/she performed? What are their performance’s conditions? And what is the inner space of frevo?” And off they went to watch the passistas attentively in Olinda and Recife Antigo neighborhood. They found out there was a gap between the passista and the musician, generating then the project “Frevo de Casa”24 along with Maestro Spok and the percussionist Lucas dos Prazeres. “It’s amazing to see what comes up every time we dance the Frevo de Casa [..] we can see that many passistas break free and improvise based on the musician-dancer relationship.”

19 Projeto aprovado pelo programa Rumos – Dança do Instituto Itaú Cultural, trabalho solo. 20 Kiran - Giorrdani de Souza é dançarino, pesquisador, professor e fisioterapeuta. 21 SOUZA, G. G. Q.;VICENTE, A. V. R. . Trançados Musculares: saúde corporal e ensino do frevo (DVD). 1. ed. Olinda: Associação Reviva, 2011. v. 01. 22 VICENTE, A. V. R.; SOUZA, G. G. Q. Frevo Para Aprender e Ensinar. 1. ed. Recife/ Olinda: Editora da UFPE/Editora Associação Reviva, 2015. v. 1. 156p. 23 Flaira Fernanda Cardoso Ferro, artisticamente “Flaria Ferro”, passista e cantora, também contemplada nesta publicação. 24 FERRO, F. C. ; VICENTE, V. ; SPOK, I. C. ; FELIX, R. . Frevo de Casa. 2016. Coreografia.

19 Project approved by the program Rumos - Dança do Instituto Itaú Cultural, solo work. 20 Kiran - Giorrdani de Souza is dancer, researcher, teacher and physiotherapist. 21 SOUZA, G. G. Q ; VICENTE, A. V. R. . Trançados Musculares: saúde corporal e ensino do frevo (DVD). 1. ed. Olinda: Associação Reviva, 2011. v. 01. 22 VICENTE, A. V. R.; SOUZA, G. G. Q. Frevo Para Aprender e Ensinar. 1. ed. Recife/ Olinda: Editora da UFPE/Editora Associação Reviva, 2015. v. 1. 156p 23 Flaira Fernanda Cardoso Ferro, artistically known as “Flaria Ferro”, passista and singer, also mentioned in this publicaion. 24 FERRO, F. C. ; VICENTE, V. ; SPOK, I. C. ; FELIX, R. . Frevo de Casa. 2016. Coreografia.

46

“Striking elements in my way of walking and moving; this lit the spark in me to study this cultural memory. That’s how I went back to frevo.”

passistas se soltaram na improvisação, com base na relação musico-dançarino”. Atualmente está pesquisando no doutorado variações no fluxo de energia e tônus muscular, tendo como metodologia a imersão do Carnaval do Recife e Olinda. Neste processo estão sendo gestados os trabalhos “Re-flexão”, “Saia da Toca” e “Tremor”. Dessa forma, Valéria vem incitando pessoas a pensarem, refletirem, sentirem e experimentarem o frevo de uma forma renovadora, proporcionando, antes de tudo, uma maneira de entender e preparar o corpo para a enérgica dança do frevo, transgredindo os limites tradicionais deste bem, com respeito e sabedoria.

She is currently taking a doctorate in variations of energy flow and muscle tonus, using as method the immersion in the Carnival of Recife and Olinda. In this process, the projects “Re-flexão,” “Saia da Toca” and “Tremor” have been incubated. Thus, Valeria has encouraged people to think, reflect, feel and experience frevo in a refreshing way, providing, first, a way to understand and prepare the body for this energetic dancing, breaking the traditional boundaries of this asset with respect and wisdom.

47


THE STRUGGLE TO R E S I S T

A L U TA PA R A R I T S I S E R


MOVEMENTS OF WARRIORS: THE SQUARE PARK AND THE FREVO By Jacira França

RESISTÊNCIA, SUOR, LUTAS E IRREVERÊNCIA são algumas das palavras características do Guerreiros do Passo. O grupo tem como data de fundação o dia 1o de Setembro de 2005. Mas, a trajetória dos seus integrantes começou anos antes, no final da década de 1990, nas salas de aula e bastidores da Escola Municipal de Frevo Maestro Fernando Borges25. Naquela época, vários eram os alunos do Mestre Nascimento do Passo – mestre e passista falecido em 2009 que deixou um legado de divulgação e incentivo do frevo, além da elaboração do chamado “Método Nascimento do Passo.”26 Por volta de 2003, alguns alunos/discípulos do Mestre não encontraram mais espaço para exercer suas atividades dentro da Escola de Frevo. Desta forma, um grupo de amigos formado por Eduardo Araújo, Gil Silva, Lucélia Albuquerque e Valdemiro Neto resolveram levar o frevo para a Praça Tertuliano Feitosa, conhecida popularmente como Praça do Hipódromo, localizada no bairro do Hipódromo, no Recife/PE. Eduardo Araújo, o atual coordenador geral do Guerreiros do Passo, rememora, “A gente resolveu ocupar a praça culturalmente, mas não tinha a intenção que a gente tem hoje de divulgar o frevo. Era mais pra encontrar os amigos, manter aquela amizade

RESISTANCE, SWEAT, FIGHT AND IRREVERENCE are some distinguishing words of Guerreiros do Passo. The group was founded on September 1st, 2005. Its members’ trajectory, however, started long before, at the end of the 1990s in the classrooms and behind the stages of the Municipal School of Frevo Maestro Fernando Borges25. That time, many of them were Nascimento do Passo’s apprentices – Master and passista (frevo dancer) deceased in 2009, who left a legacy of frevo dissemination and inducement, besides the creation of the so called “Nascimento do Passo Method.”26 At about 2003, some of the master’s apprentices had no longer space to carry out their activities at the School of Frevo. Thus, a group of friends composed by Eduardo Araújo, Gil Silva, Lucélia Albuquerque and Valdomiro Neto made up their mind to bring frevo to Tertuliano Feitosa Park, popularly known as Hipódromo’s Park, located in Hipódromo neighborhood in Recife. Eduardo Araújo, current Guerreiros do Passo’s general coordinator, recollects, “We decided to take over the park culturally, but we didn’t have the intent we have today of promoting frevo. It used to be a way of meeting friends, keeping up the friendship that I had at the School [Municipal School of Frevo], and, in a certain way, keeping up with the news.” Little by little, the activities in the park and the course of that group of friends were gaining new shapes and

25 Escola fundada em 1996 e mantida pela Prefeitura Municipal do Recife, destinada ao ensino do frevo. 26 O “Método Nascimento do Passo”, de forma resumida, começou a ser elaborado pelo Mestre Nascimento do Passo a partir dos anos de 1970. Ele está baseado numa média de 40 (quarenta) passos, caracterizados pelo próprio Nascimento do Passo, que consiste em fazer com que os alunos passem por um processo de repetição de movimentos, para que o aluno internalize os passos, mas, sem desconsiderar a individualidade e criatividade do passista.

25 School founded in 1996 and provided by the City of Recife for the teaching of frevo. 26 The “Nascimento do Passo Method”, in a brief, began to be created by Master Nascimento do Passo as of 1970s. it is based on the average of 40 ‘passos’ (movements) featured by Nascimento do Passo himself, and consists on making the apprentices live a repetition process of the movements, in order to make the apprentices internalize the ‘passos’ but also consider their individuality and creativity..

Fotos: Paulo Maia

PASSOS DE GUERREIROS: A PRAÇA E O FREVO Jacira França

“A gente atua também de forma política, estimulando que o passista seja um ser pensante”

50

51


“We also act in a political way encouraging passistas to be thinking beings”

que eu tinha na Escola [Municipal de Frevo] e, de certa forma, manter o papo em dia.” Aos poucos, as atividades na praça e os caminhos daquele grupo de amigos foram ganhando novos contornos e elementos. A ideia, então, segundo Eduardo Araújo, passou a ser “Tornar a praça um ambiente propagador de um ritmo, de uma dança, de uma cultura que tem vitalidade, que tem força para existir durante muitos e muitos anos.” Deste modo, o grupo foi estabelecendo sua atuação a partir de quatro pilares: a Troça Carnavalesca Mista O Indecente; o Projeto Frevo na Praça; o Grupo de Dança Guerreiros do Passo; e o Laboratório do Passo. A Troça O Indecente começou a ser pensada por volta do ano 2000 e não fazia referência a nenhum personagem específico, de acordo com Eduardo Araújo, o nome foi dado pelo seguinte motivo: “lá em casa tinha um caldinho, um boteco antigamente – hoje não existe mais não – e lá tinha um banheiro que não tinha telhado, não tinha porta e as pessoas iam lá (quem ia tomar suas cachaças) e um senhor, Gilberto Nascimento, que ia lá e disse ‘rapaz, esse banheiro é muito indecente’, aí ficou ´O Indecente´”, tendo sua primeira saída apenas em 2003. Em relação ao Projeto Frevo na Praça, este foi se ampliando à medida que o grupo Guerreiros do Passo se conso-

52

elements. The idea, hereafter, according to Eduardo Araújo, started to take shape when they decided “To turn the park into a disseminating environment of a rhythm, a dance, a culture which has vitality and power to exist for many and many years.” This way, the group has since then set its operation in four pillars: the Troça Carnavalesca Mista O Indecente (Mixed Carnival Group - The Indecent); The Project Frevo in the Park; The Dance Group Guerreiros do Passo; and The Laboratory of Passo. The Group O Indecente began to come alight at about the year 2000 and had no reference to any character. According to Eduardo Araújo, its name came from the following reason, “There was a ‘caldinho bar’ (bar specialized in broths) in my house – it no longer exists – and in it, there was a toilet with no roof or door. Drunkards used to stop by to drink cachaça. Gilberto Nascimento, an attendee of the bar, once said ‘man, this toilet is quite indecent,’ the name ‘O Indecente’ caught on,” its first parade, however, in the streets came to happen only in 2003. Regard the Project Frevo in the Park, it developed insofar as the group Guerreiros do Passo got consolidated. The guiding perspective is to teach and disseminate frevo based on the “Nascimento do Passo Method”, respecting the individuality and creativity of each student and each passista in a constructive process of the frevo dance. The project takes

lidava. A perspectiva norteadora é ensinar e divulgar o frevo com base na “Metodologia de Nascimento do Passo”, respeitando a individualidade e criatividade de cada aluno, de cada passista num processo de construção do dançar frevo. O projeto acontece aos sábados a tarde e às quartas à noite e agrega tanto passistas profissionais, foliões, quanto pessoas que não tem conhecimentos prévios sobre a dança do frevo. Segundo Eduardo Araújo: “a gente atua também de forma política, estimulando que o passista seja um ser pensante [criticamente em relação ao frevo, à cultura], não seja só um ser dançante, mas um ser que raciocina, que pensa a sua atuação de forma bastante significativa. [A ideia é que o] passista saia mexido com o corpo e com a mente”. Lucélia Albuquerque é a coordenadora pedagógica e os professores são Ricardo Napoleão, Valdemiro Neto e Laécio Olímpio. Já o Grupo de Dança Guerreiros do Passo começou a se apresentar em 2006 quando a passista Valéria Vicente fez o convite para que participassem do espetáculo Fervo. Deste convite surgiu a ideia de montar o espetáculo “O Frevo” contando a história desta manifestação, com trajes antigos típicos dos anos de 1930, 1940, e com movimentos mais ligados ao frevo dançado em meio à multidão, de forma espontânea, eis aqui, possivelmente uma das inovações marcantes do grupo, pois, nas palavras de Eduardo Araújo: “até então e ainda hoje também, todo mundo era coloridozinho, de cetim, camisa amarrada. Hoje não, hoje você já vê muitos grupos desconstruindo essa visão, essa coisa do Frevo colorido, aquela roupa de rumba, aquela coisa de turismo”. Das pesquisas para as apresentações do grupo, surgiu o Laboratório do Passo e o objetivo “não é pra criar passo, e sim pra trazer movimentos que estavam esquecidos ou eram pouco praticados na dança do frevo, fazendo com que eles voltassem a ser vistos, mas não só ser vistos ou não só pesquisados pra colocar numa foto, num vídeo, num museu, num local de contemplação, mas sim pra ser praticado, voltado para o passista executar”. E são com estes elementos, a forte atuação nas redes sociais27 e o surgimento de novos “guerreiros” que o grupo vem consolidando passo a passo a sua atuação num universo chamado FREVO!

place on Saturday afternoons and Wednesdays at night and brings together professional passistas, revelers, and people who have no prior knowledge of frevo dance. According to Eduardo Araújo, “We also act in a political way encouraging passistas to be thinking beings [critically in relation to frevo and culture], not only to be dancing beings, but beings who reason, who think of their performance in a quite meaningful way. [The idea is that] passistas be shaken with the body and the mind.” Lucélia Albuquerque is the educational coordinator and Ricardo Napoleão, Valdemiro Neto and Laécio Olímpio are the instructors. The dancing group Guerreiros do Passo starred on the stages in 2006 when passista Valéria Vicente invited the group to take part in the show Fervo. From this invitation, an idea came up to set up the show “The Frevo” telling the story of this manifestation, with typical old costumes from the 1930s and 1940s and movements more resembling that frevo danced spontaneously in the middle of the crowds; possibly, one of the group’s outstanding innovations in the words of Eduardo Araújo, “Until now and still today, everyone is used to wearing colorful, satin, tied shirt. Not today, today you see many groups reinventing this vision, this colorful Frevo thing, that rumba clothes, that touristy thing.” From some research to the presentations of the group, the Laboratory of Passo was created and the objective “is not to create ‘passo’ but to bring movements that were once forgotten or were little practiced in the frevo dance, making them seen again, but not only seen or researched to be shown in a picture, in a video, at the museum, at a place of contemplation but rather to be practiced, aimed at the passistas perform.” And with these elements, the strong presence on the social media, and the surge of new “warriors,” the group has consolidated, step by step, its presence in a universe called FREVO!

27 O grupo tem um site onde divulga seus trabalhos: http://www.guerreirosdopasso.com.br/

27 The group has a webpage where its work is promoted: http://www.guerreirosdopasso.com.br/

53


Fotos: Paulo Maia Para o C. B. Seu Malaquias, o Carnaval é o ápice da expressão do frevo, mas durante o ano inteiro trabalham para o Clube e para o frevo

EXPERIÊNCIAS, CAMINHOS E SONHOS O FREVO PARA O CLUBE DE BONECO SEU MALAQUIAS Janine Primo C. de Meneses

EXPERIENCES, PATHS AND DREAMS – FREVO ACCORDING TO CLUBE DE BONECO SEU MALAQUIAS By Janine Primo C de Menezes

O CLUBE DE BONECO SEU MALAQUIAS (C. B. SEU Malaquias) foi criado em 1940, mas somente a partir da Primeira Reunião de Avaliação de Salvaguarda de Bens Registrados, em São Luiz do Maranhão, no ano de 2010, sentiu na pele a riqueza oriunda de diálogo intercultural. Com sua simpatia e perspicácia, Claudio Brandão - o Xôxo - herdeiro e presidente do Clube, foi aprendendo os caminhos para fortalecer e difundir sua agremiação, buscando participar de formações sobre políticas culturais, conquistando lugares e representações politicamente importantes, como a do segmento do Patrimônio Imaterial no Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural e a do Segmento de Clube de Boneco no Comitê de Salvaguarda do Frevo. Um dos primeiros frutos desse empenho foi proporcionar o diálogo entre o frevo pernambucano e o samba carioca, em 2013, no Centro Cultural Cartola, que como tema do Carnaval no ano seguinte, homenageou o precioso sambista, Cartola. Posteriormente, Malaquias visitou o Museu do Samba mais três vezes e circulou por outros estados nos anos de 2010, 2013, 2014 e 2016. Para exemplificar a riqueza da difusão do frevo pelo Clube em outros lugares do Brasil, Xôxo nos conta o que aconteceu no interior de Tocantins, na cidade de Rio Negro, “Quando a gente chegou na cidade estava um deserto total, não tinha ninguém, ninguém, ninguém na praça, quando a gente chegou todo mundo desceu do ônibus, músicos, passistas, todo mundo normal, quando a gente montou o boneco, que o boneco apareceu na praça, a praça encheu,

CLUBE DE BONECO SEU MALAQUIAS (PUPPET Club Mr. Malaquias) was founded in 1940, but only in 2010 after the First Assessment Meeting of Safeguard of Registered Heritage in São Luiz do Maranhão, its members deeply understood the richness arising from its inter-cultural dialog. With his sympathy and shrewdness, Cláudio Brandão – also known as Xôxo – successor and president of the Club, smartly learned the ways to strengthen and disseminate his association, taking part in qualifications on cultural policies as well as winning politically important representations and chairs in segments like the Intangible Heritage in the State Council for Cultural Heritage Preservation and the Puppet Club in the Frevo Safeguard Committee. An outcome from this endeavor was the dialog between Pernambucan frevo and Carioca samba. In 2013, Members of Seu Malaquias undertook a visit to Centro Cultural Cartola28 and, in the following year, decided to honor the cherished samba singer as theme of its Carnival parade. Since then, Clube de Boneco Seu Malaquias has been invited to undertake visits to the Museum of Samba and move around other states, taking frevo to different parts of the country. To illustrate the richness of the spread of frevo by the Club in other places of the country, Xôxo tells us a story that happened in the countryside of the state of Tocantins, in the city of Rio Negro, “When we arrived in town, it seemed completed deserted; there was nobody around, not a living soul in the square. We got there and off the bus came all the crew – musicians, passistas (fre28 “Centro Cultural Cartola” recently became “Museum of Samba”

54

55


o povo abriu as portas, a praça encheu, isso foi o que tocou, [...] quando os passistas trocaram de roupa e chegaram na praça foi aquela correria, as meninas e os meninos a querer tirar foto, tudinho tirando foto com o boneco, tirando foto com os passistas, as menininhas pequenininhas tudo pedindo a sombrinha e querendo dançar, ali foi um show, ali foi o que mais nos tocou. E quando a orquestra tocou, aí pronto! [...] pra gente sair foi sufoco e pra entrar no ônibus, parecia jogador de futebol, os meninos segurando, as meninas agarrando, pra gente ficar, não queria que a gente fosse embora”. Como de lá foram ao Rio de Janeiro, não puderam deixar as sombrinhas que eles tanto queriam. Mas pretende com o projeto de sua autoria: Frevo da Humanidade, continuar a circulação percorrendo todos os estados brasileiros, “de norte a sul, de leste a oeste, e depois ir em busca da Europa, mas primeiramente vamos conhecer a nossa casa, difundir na nossa casa, transmitir o que sabemos na nossa casa, pra depois partirmos pra Europa”. Para o C. B. Seu Malaquias, o Carnaval é o ápice da expressão do frevo, mas durante o ano inteiro trabalham para o Clube e para o frevo. Xôxo acredita no valor e alcance social da transmissão de saberes relacionados ao frevo, deseja que os gestores municipais e estaduais incorporem o frevo nas escolas, “eu acho que em todas as escolas se tivéssemos passistas de frevo, nós teríamos mais multiplicadores da dança, muito mais formadores, a transmissão seria maior. Quantos músicos não tem aí pra ensinar com qualidade?! Quantos passistas não tem aí pra ensinar com qualidade?! [...] formar uma verdadeira apoteose só de passistas municipais, talvez não iria nem caber de tanta gente”. E assim chama a atenção dos gestores públicos para a potencialidade cultural das agremiações de bairros e comunidades em relação aos problemas sociais, “cuidem das crianças, foco nas agremiações carnavalescas, criem centros culturais nas agremiações [...] você vai estar fomentando um maestro, um artista plástico, um serralheiro, um marceneiro, [...], isso também é uma forma de tirar a malandragem da rua e trazer pra dentro do clube, e isso é o que precisa, é tão simples”. E é nesse intuito que sonha com a construção do Centro Cultural e Arte Seu Malaquias, um espaço onde sejam realizadas as aulas de dança e música, sala de informática de

56

vo dancers), everybody as ordinary as possible. When we put up the puppet and it stood in the square, the square got filled up with people; the houses’ doors were opened, and everybody came to the square; that touched us, […]. When the passistas dressed up and went down to the square, everyone caught up with them in a mad rush; boys and girls taking photos with the puppets and passistas; the little kids asking for the umbrellas to dance with them. It was amazing! That’s what touched us the most! And when the orchestra started to play, gee whiz […] it was really, really hard to get on the bus. We were like soccer stars, boys and girls holding our arms asking us to stay. They didn’t want us to leave.” As we had to go to Rio de Janeiro from there, we couldn’t leave behind the umbrellas they craved for. However, with a project of his own, “Frevo of Humankind,” Xôxo intends to keep visiting all the Brazilian states “from North to South, East to West and then to pursue Europe; firstly, however, we’ll get to know our own homeland, disseminate frevo at home, convey what we know at home and then depart to Europe.” To Seu Malaquias, carnival is the acme of the frevo expression; but, during the whole year, its members work for the Club and for frevo. Xôxo believes in the social value and extent of the transmission of the knowledge related to frevo and wishes the local and state leaders to include frevo in schools as a regular discipline, “I think that if there were frevo passistas in all schools, we could have more dance multipliers, much more instructors, the transmission would be broader. How many musicians out there are capable to teach with quality?! How many passistas out there are capable to teach with quality?! […]imagine a real apotheosis with only local passistas, it would be crowded with so many people,” and so, call attention of the public leaders for the cultural strength of the community associations in relation to the social problems, “take care of the children, focus on the carnival associations, build cultural centers in the associations […] and you’ll be empowering a maestro, a visual artist, a blacksmith, a cabinet maker, […] this is also a way to take the rogues out of the streets and bring them to the club [to be transformed], that’s what we need. It’s so simple.” It’s with this purpose that he has dreamed with the construction of “Seu Malaquias Cultural and Art Center,” a space where music and dance classes may be taken, a computing lab for a digital support may be built, and workshops of

To Seu Malaquias, carnival is the acme of the frevo expression; but, during the whole year, its members work for the Club and for frevo

apoio digital, oficinas de artes plásticas, adereços, corte e costura, tv e rádio comunitárias, onde possa dispor de um museu para expor e alimentar o acervo das suas memórias, como fantasias da época de seu pai. “Temos a planta mas o que nos falta é o capital pra gente dá o pontapé que falta [...] porque se a gente forma multiplicadores de agentes culturais, a gente forma um país mais social culturalmente, tem menos violência, porque quando a gente mora numa área de vulnerabilidade muito grande, quando você traz pra dentro de um Centro de Educação: artes plásticas, dança, música, você tira um indivíduo da violência, das drogas, você consegue sim, muito mais felicidade pro povo da comunidade e adjacências. O projeto desperta aquele artista que às vezes está preso, ele quer se soltar mas não tem espaço”. E Cláudio dá seu recado “Cabe a cada agremiação buscar fazer seu centro cultural, buscar recursos e conseguir se manter, consegue, nós conseguimos!” É dessa maneira que o Clube vem lutando por cada passo de seu sonho, participando e concorrendo em editais de importantes instituições. Em 2017, por exemplo, foi eleito Patrimônio Vivo de Pernambuco pela FUNDARPE. Segundo Xôxo, o que ainda falta – e esse elemento não se insere em editais –, é o reconhecimento da importância das agremiações que representam o frevo e o Carnaval de Pernambuco, destinando-lhes estrutura, pagamento em dia e atenção devidos, “para que todo mundo possa se apropriar e haja essa transmissão, mas os gestores só pensam nos ‘artistas de peso’ como eles chamam, peso pra mim é pedra”.

visual arts, props, sewing, community TV and radio may be carried out; a place where we could have a museum to exhibit and boast the collection of its memories, as the costumes from his father’s time. “We have the blueprint for our center, but no capital for its kickoff [...] Because if we form multipliers of cultural agents, we form a more culturally social country with less violence; because when we live in a highly vulnerable zone and bring visual arts, dance and music to an Educational Center, we take an individual out of the violence, out of the drugs and thus we bring much more joy for the people of this community and surroundings. The project awakes artists that are sometimes asleep, they want to be free but there’s no space for them.” And Cláudio gives us a message “Each association must fight for its own cultural center, raise funds and provide itself; it’s possible, we can do it!” The way the Club has struggled for each step of its dream is applying for public notices of important institutions. In 2017, for instance, it was elected Living Heritage of Pernambuco by FUDARPE. According to Xôxo, the recognition of the importance of the associations that represent frevo and the carnival of Pernambuco, offering them structures, payment on time and due attention is what it is still missing - and this element is not included in public notices.

28 Como os do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), FUNARTE (Fundação Nacional de Artes), MINC (Ministério da Cultura), FCP (Fundação Cultural Palmares), Caixa Cultural, BNB (Banco do Nordeste), Itaú Rumos Culturais (Itaú Cultural) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).

29 Such as IPHAN (National Historic and Artistic Heritage Institute), FUNARTE (National Foundation of the Arts), MINC (Ministry of Culture), FCP (Palmares Cultural Foundation), Caixa Cultural, BNB (Northeast Bank), Itaú Cultural Courses (Itaú Cultural) and Historic and Artistic Heritage Foundation of Pernambuco (FUNDARPE).

57


Fotos: Paulo Maia Apesar do bloco se definir desde a sua origem como anárquico e apartidário, a manifestação da adesão à esquerda brasileira foi um dos motes para sua fundação e as suas festas e atividades, por isto, parecem ter um forte teor político de contestação

58

RESISTÊNCIA, DEDICAÇÃO, ALEGRIA E LUTA NO EXTRAVASO, PORQUE EU ACHO É POUCO! Janine Primo C. Meneses

STRENGTH, DEDICATION, JOY AND FIGHTS ABOVE AND BEYOND ANYTHING BECAUSE EU ACHO É POUCO! By Janine Primo C. Meneses

O GRÊMIO LÍTERO RECREATIVO CULTURAL EU Acho É Pouco, agrega sentidos e práticas tradicionais partindo de diferentes valores e propósitos. O bloco “Eu Acho É Pouco”, como é conhecido e chamado pelos fundadores e seguidores, nasceu durante a ditadura militar na década de 1970, e para realização dos desfiles realizava venda de camisas e tecidos, bailes, além de contar com a contribuição de amigos, e para realização dos desfiles realiza venda de camisas e tecidos, bailes, além de contar com a contribuição de amigos. Apesar do bloco se definir desde a sua origem como anárquico e apartidário, a manifestação da adesão à esquerda brasileira foi um dos motes para sua fundação e as suas festas e atividades, por isto, parecem ter um forte teor político de contestação. O bloco foi criado para “poder ir às ruas e ironizar a situação, poder, de uma certa forma, questionar”29. Ao longo de sua trajetória, o Eu acho é pouco passou por algumas dificuldades. No ano de 2001, por exemplo, o bloco saiu nas ruas, mas deixou uma dívida árdua, que foi quitada apenas em razão do empenho pessoal de integrantes como Ivaldevan de Araújo Calheiros, um dos fundadores da agremiação. Preocupada com a situação do bloco e buscando ressarcir os prejuízos deixados aos seus dirigentes a segunda geração30 de integrantes se reuniu no pós-carnaval do mesmo ano e decidiu assumir a direção para torná-lo autossustentável, “[...] e fizemos a primeira festa,

THE GRÊMIO LÍTERO RECREATIVO CULTURAL Eu Acho É Pouco adds senses and traditional practices from different values and purposes. The bloco “Eu Acho É Pouco,” as it is known and called by its founders and followers, was born during the military dictatorship in the 1970s and, in order for its parades to take place, besides counting on the contribution of friends, it used to sell shirts and fabric, as well as to promote dances. Although the bloco considers itself to be anarchic and nonpartisan from its beginning, the demonstration in favor of the Brazilian Left was one of the reasons for its foundation and for its parties and activities; that’s why, it seems to have a strong political content of argument. The bloco is designed for “Being able to go to the streets and mock the situation; being able to protest in any way.”30 During its path, Eu Acho É Pouco experienced some difficulties. In 2001, for example, the bloco came out to the streets, but left an arduous debt, which was repaid only because of the personal commitment of members as Ivaldevan de Araújo Calheiros, one of the association’s founders. Concerned about the bloco’s situation and seeking reparation for the damage left to its leaders, the second generation31 of members met in the same year after the carnival season and decided to take the office to make it self-sustaining, “[...] And we made the first party - it was preceding St. John’s celebration. From 2001 to 2013, we started to party four times a year: St. John’s party, one of free theme, a Sambão and a Ball,” says Guilherme.

29 Entrevista realizada com Guilherme Coutinho Calheiros, 39 anos, no dia 29 de outubro de 2016, no Museu Paço do Frevo. 30 O Eu Acho é Pouco é composto atualmente de três gerações: a dos fundadores, a dos filhos dos fundadores a dos netos dos fundadores. Guilherme, por exemplo, faz parte da segunda geração.

30 Interview with Guilherme Coutinho Calheiros, 39, on October 29, 2016, at Paço do Frevo Museum. 31 The Eu Acho É Pouco is currently composed of three generations: the founders, the children of the founders and the grandchildren of the founders. Guilherme, for example, is part of the second generation.

59


foi uma prévia de São João, e passamos a fazer festa quatro vezes por ano, festa de São João, uma de tema livre, um Sambão e o Baile, de 2001 a 2013”, afirma Guilherme. Nestas festas há trocas de funções por turno para que todos se divirtam, os cerca de oitenta voluntários e as quarenta pessoas que formam o grupo central. No entanto, essas festas tomaram uma proporção inesperada, passando a gerar um público significativo, que paradoxalmente se tornou um problema. Atualmente seus integrantes realizam apenas o Baile, com um total de no máximo mil e quinhentas pessoas, mais do que isso “já não dá para organizar, teria que terceirizar uma produtora profissional e aí perde um pouco a identidade”. No mesmo momento em que disponibilizam a venda dos ingressos, eles já se esgotam. Assim, buscando abraçar aos que não participam do Baile, uma outra alternativa encontrada pelo bloco é realizar um ensaio aberto todo segundo domingo antes do Carnaval, “uma saída prazerosa, porque o Eu Acho É Pouco não pode passar a ser uma obrigação, trinta a quarenta pessoas que estão voltadas na ativa para a produção, nenhuma delas vive do bloco ou é profissional da área de produção, são pessoas que têm suas vidas, suas dinâmicas e o bloco é um momento de lazer, então até hoje nós temos a preocupação de nós mesmos trabalharmos na festa, de montar o bar, vender cerveja, atender ao caixa, então não terceiriza esse atendimento direto, a gente faz uma festa que a gente gostaria que fosse pra gente, enquanto a gente quiser se divertir nas saídas do bloco, se divertir na produção nas festas”. Guilherme salienta ainda que recebe diversas propostas de circular no país, como realizar festas de casamento, fazer Carnaval fora de época, “esse ano a gente recebeu uma proposta de outra capital do Nordeste para fazer o Carnaval lá, (risos), não! A gente faz o Carnaval aqui!”. Ao mesmo tempo que declara sua dedicação pelo Carnaval Olindense, reconhece que a cidade necessita investir no controle urbano durante a festa pois “nos últimos anos foi bem preocupante pra gente porque há falta de ordenamento no Carnaval, barracas, carros, o número de casas camarote, gera o acúmulo de pessoas paradas na frente de uma casa e isso complica”.

60

During these parties, all the participants, about eighty volunteers and forty members, work in shifts so that they can have fun. However, these parties took an unexpected proportion, starting to generate a significant number of followers which paradoxically became a problem. Currently, its members organize only the Ball, with a total of no more than fifteen hundred people, “It is no longer possible to organize anything bigger than that. We would have to outsource a professional producer, but this way, we would lose some of our identities.” As soon as the ticket are made available, they are sold out. Thus, seeking to reach those who do not participate in the Ball, another alternative found by the bloco was to undertake an open practice every second Sunday before Carnival, “a delightful option, because the Eu Acho É Pouco cannot become an obligation. Thirty to forty people are focused on active duty for production and none of them makes a living from the bloco or is a professional artistic producer; they are people who have their own lives and routines and the bloco is for them a moment of leisure; So, today, we work on the party by ourselves, setting the bar, selling beer and collecting payments; we do not outsource this direct service, we do a party as though it were only for us - we want to have fun in the bloco’s parades, and during the production of the parties.” Guilherme also says that he receives various proposals to move around the country to undertake wedding parties and carnival out of season, “This year, we received a proposal from another capital city of the Northeast to make carnival there (laughs), no! We only make carnival here!” At the same time that he declares his commitment to the carnival of Olinda, he recognizes that the city needs to invest in urban control during the party because “In recent years, it has been very disturbing for us to party in peace due to the lack of planning in the carnival - stalls, cars and the high number of cabin homes generate the accumulation of people standing in front of these places and this lack of organization makes things very difficult.” The sale of products such as T-shirts, cups, UV protection T-shirts and fabric annually updated with specific themes are also a way to keep the identity of the bloco. The shirts and parties of this year have embraced the theme “Fora Temer,” a rally cry from those who do not admit the changes

Although the bloco considers itself to be anarchic and nonpartisan from its beginning, the demonstration in favor of the Brazilian Left was one of the reasons for its foundation and for its parties and activities; that’s why, it seems to have a strong political content of argument.

A venda de produtos como camisas, copos, camisa de proteção UV e tecidos são também uma forma de manter a identidade do bloco, atualizada com temas específicos anualmente. A camisa e as festas do presente ano abraçaram o “Fora Temer”, grito de manifestação daqueles que não admitem as mudanças que ocorrem oriundas do denominado “Golpe”31, “Nós fomos à rua todas as vezes que a população foi convocada e se fez presente, nos posicionamos nas redes sociais [...] e nós estamos com um trabalho forte contra esse governo, ilegítimo, na nossa visão e que não vem contribuindo com nada para a melhoria do nosso país, pelo contrário, vem destruindo em meses os projetos, os programas que estavam mudando a realidade social do Brasil [...] Estamos utilizando o espaço que o Carnaval tem de mobilizar as pessoas”. No Eu Acho é Pouco as gerações se sucedem e existe o cuidado pela perpetuação do bloco e de seus princípios, a terceira geração brinca o Carnaval com o bloco Eu Acho é Pouquinho, promovendo a preservação da singularidade dessa agremiação, porporcionando um espaço para extravasar e afirmar tanto a alegria e os elementos culturais que compõem o frevo e o Carnaval pernambucano, quanto a contestação política através da ironia e da brincadeira, desde a infância.

resulting from the so-called “coup d’état,”32 “We went to the street every time the population was summoned and was present, we stand on social networks [...] and we have a strong work against this illegitimate government, in our view, and that it is not contributing anything to the improvement of our country; on the contrary, it destroyed, in few months, projects and programs that were changing the social reality of Brazil [...] We’re using the space that carnival has to mobilize people.” In Eu Acho É Pouco, generations succeed and care for the perpetuation of the bloco and its principles. The third generation plays carnival with the bloco Eu Acho É Pouquinho, promoting from childhood the preservation and singularity of this association, providing a space to vent and affirm both the joy and the cultural elements that make up the frevo and the Pernambucan Carnival, and the political challenges through mockery and playfulness.

31 Em agosto de 2016, a então Presidenta Dilma Rousseff sofreu um controverso processo de impeachment após a acusação de ter cometido possíveis irregularidades no financiamento de programas sociais, utilizando créditos públicos suplementares sem a prévia autorização do Congresso entre 2014 e 2015. Em razão dos entendimentos jurídicos distintos acerca do processo de julgamento e dos motivos alegados para aprovar a cassação do mandato da Presidenta, diversos setores da sociedade brasileira e um considerável número de observadores internacionais passaram a considerar o episódio como uma espécie de golpe de Estado parlamentar.

32 In August 2016, Dilma Rousseff, president at the time, underwent a controversial impeachment process after being accused of having committed possible irregularities in the funding of social programs, using supplementary public credits without the prior authorization of the Congress within the years 2014 and 2015. Because of the different legal understandings about the trial process and the reasons given for approving the cassation of the President’s mandate, several sectors of the Brazilian society and many international observers came to regard the episode as a kind of parliamentary coup.

61


JÚNIOR VIÉGAS: “DANCE IS MY WAY” By Jacira França

SORRISO LARGO NO ROSTO, DESTREZA QUE move a sombrinha, leve e colorida, transgressão de um corpo que pula, vibra e, por vezes, ignora a gravidade, eis o passista criando o seu caminho. Os caminhos na dança de Jorge Luiz Viégas Júnior, conhecido como Júnior Viégas, começaram aos 13 (treze) anos de idade, por influencia dos amigos e, na época, nem imaginava ser bailarino. Ele recorda: “Eu comecei em 2001, na Escola de Frevo32. Logo em 2003, eu entrei pra companhia de dança da Escola que era dirigida por Alexandre Macedo. Ali foi meu caminho para dança”. Ele também foi aluno do Mestre Nascimento do Passo. Atualmente, Júnior Viégas é passista, professor, e coreógrafo, ministra aulas na referida Escola e no Paço do Frevo. Através da companhia de dança da Escola de Frevo, ele teve a oportunidade de viajar para outros estados brasileiros e para países como os Estados Unidos da América. Dentre os vários momentos importantes de sua vida, destacam-se a participação no Festfolk, VIII Festival Nacional de Dança de Blumenau; nas oficinas de dança com a coreógrafa e bailarina Deborah Colker, no Rio de Janeiro; e, no Festival Youth America Grand Prix, em Nova Iorque (no qual a Companhia recebeu o título de segunda melhor companhia de dança do mundo). Fez parte do Comitê de Salvaguarda do Frevo que viajou para Paris, em 2012, ano que o frevo recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO; e, representou

A BROAD SMILE ON HIS FACE, DEXTERITY THAT moves the light and colorful umbrella, transgression of a body that jumps, vibrates and sometimes ignores gravity, here is the passista creating his way. The paths in the dance of Jorge Luiz Viégas Júnior, known as Júnior Viégas, began at the age of thirteen, with the influence of his friends and, at that time, he didn’t even imagine being a dancer. He recalls, “I started in 2001 at the School of Frevo. Soon in 2003, I joined the dance company of the School that was directed by Alexandre Macedo. That was my way to dance.” He was also a pupil of Master Nascimento do Passo. Currently, Júnior Viégas is a passista, teacher, choreographer, and teaches classes of frevo at the School of Frevo and Paço do Frevo museum. Through the dance company of the School of Frevo, he had the opportunity to travel to other Brazilian states and to countries like the United States of America. Among several important moments of his life, we highlight the participation in the Festfolk, VIII Festival Nacional de Dança de Blumenau (VIII National Dance Festival of Blumenau); in dance workshops with the choreographer and dancer Deborah Colker, in Rio de Janeiro; and in the Youth America Grand Prix Festival in New York (in which the Company received the award for second best dance company in the world). He was member of the Frevo Safeguard Committee that traveled to Paris in 2012, the year Frevo was awarded the title of World Cultural Heritage by UNESCO; and, represented the frevo in the School of Samba Mangueira (2008), choreogra-

32 Escola Municipal de Frevo Maestro Fernando Borges, escola fundada em 1996 e mantida pela Prefeitura Municipal do Recife, destinada ao ensino do frevo.

33 Municipal School of Frevo Maestro Fernando Borges, a school founded in 1996 and maintained by the City of Recife for the teaching of frevo.

Fotos: Paulo Maia

JÚNIOR VIÉGAS: “A DANÇA É O MEU CAMINHO” Jacira França

“O frevo é como se fosse a nossa digital, cada um tem a sua”

62

63


o frevo na Escola de Samba Mangueira (2008), coreografada por Carlinhos de Jesus. Além disso, participou de programas televisivos como Faustão, Xuxa, Hebe Camargo e Marcos Mion e fez turnê com o grupo de dança Timbalada, durante um ano. Júnior Viégas também frequentou o Balé Popular do Recife e a CRIART Companhia de Dança. Da experiência com a CRIART, ele ressalta: “ali eu tenho um crescimento muito grande porque era um estilo diferenciado. Ela [a CRIART] me traz uma postura porque eu venho do Balé Popular do Recife, que é uma grande referência da dança popular, e, da Escola de Frevo, então, meu corpo era muito do popular e quando eu venho pra CRIART que trabalha um popular meio que contemporâneo e com a base do Ballet Clássico, eu começo a ganhar postura. E, junto com os cursos e oficinas de dança que eu na época comecei a fazer, meu corpo fica um pouco mais ereto, ganha um pouco mais de postura e envolvo as duas artes”. Outro marco em sua trajetória foi ter participado do espetáculo “Procissão dos Farrapos”, dirigido por Alexandre Macedo – “[Neste espetáculo] eu descubro que a dança era a minha vida, era o meu caminho e é por onde eu vou seguir”. Em relação ao ensino da dança, uma das principais características de seu trabalho é agregar o frevo e outras danças populares, nas aulas que ministra no Paço do Frevo e em oficinas de dança. Mas, independente do lugar onde ensine o frevo, Júnior Viégas tem a seguinte filosofia: “O frevo é como se fosse a nossa digital, cada um tem a sua, então, cada um faz seu frevo e pode considerar certo. E, nas aulas, há um momento de criação, de como trazer novos passos, já que a cada dia surgem novos. Geralmente na aula eu levo alguns objetos (bola, tesoura, um copo descartável, qualquer que seja o objeto) e daí você vai estudando os movimentos que este objeto traz para seu corpo. É uma forma de trazer outros movimentos para o frevo. E, outra forma de criação também, é quando eu peço aos meus alunos que escolham um movimento que já existe e através daquele movimento, eles tenham tempo para desconstruir ou reconstruir aquele movi-

64

phed by Carlinhos de Jesus. In addition, he has participated in television programs such as Faustão, Xuxa, Hebe Camargo and Marcos Mion and toured with Timbalada group for a year. Junior Viégas also attended the Popular Ballet of Recife and Criart Dance Company. From his experience with CRIART, he points out, “I had a very strong growth there because it had a different style. It [CRIART] gave me posture. I came from the Popular Ballet of Recife which is a great reference of folk dance, and from the School of Frevo. My body was very much for folk dance and when I came to CRIART which worked folk dance with a kind of contemporary style and with the base of classical ballet, I was able to improve my posture. Along with the dance courses and workshops at the time I started taking, my body gets a bit straighter with a better posture and I wrap both arts.” Another milestone in his career was having participated in the show “Procissão dos Farrapos,” directed by Alexandre Macedo “[In this show] I found out that dancing was my life, my way and where I should go.” Regarding the teaching of dance, one of the main features of his work is to add frevo and other folk dances in the classes he teaches at Paço do Frevo and in dance workshops. But regardless of where he teaches frevo, Júnior Viégas has the following philosophy, “Frevo is like fingerprints, they are unique; this way, everyone can make their frevo and take it as right. In class, there’s a moment of creation to build new movements, considering that everyday new ones are brought up. I usually bring some objects to class (balls, scissors, disposable cups, and others) and from them, we study the movements we could bring to our bodies. It’s a way of bringing new movements to frevo. Another way of creation is when I ask my students to pick a known movement, unbuild it and build it over, try it in a new way, and if it gets different from the original one, we give it a name.” From his work with frevo, an idea came up in 2014 to create a dance company – Studio Viégas de Dança, and a clothing brand called Viégas. The dance company has a traveling project called “Entre Passos e Sombrinhas”, with performances and free workshops in the cities of Serra Talhada, Gravatá, Moreno, Recife and Olinda (there are eight

mento, fazer aquele movimento de outra forma e, se for bem diferente do que já existe, a gente dá nome”. Do seu trabalho com o frevo também surgiu a ideia de criar, em 2014, uma companhia de dança, a Studio Viégas de Dança, e uma marca de roupas, chamada Viégas. A companhia de dança tem um projeto itinerante denominado “Entre Passos e Sombrinhas”, com apresentações e oficinas gratuitas para as cidades de Serra Talhada, Gravatá, Moreno, Recife e Olinda (são oito apresentações ao todo). Júnior Viégas é o diretor do grupo e o coreógrafo é Bhrunno Henryque, e conta com a participação de mais dez bailarinos. A ideia é levar o frevo para ambientes variados e fora do período do Carnaval. Já a marca de roupas é uma forma de difusão estética do frevo, com estampas sobre o tema. E, desta forma, Júnior Viégas segue trilhando seus passos no frevo e pelo frevo e, de acordo com sua visão: “as pessoas precisam estar abertas para o novo. O frevo é transformador, ele pode mudar vidas. Inclusive, acho que hoje eu tenho essa missão de mudar vidas através da dança, assim como o frevo me mudou, mudou minha visão de ver a arte, de viver a arte. Eu danço de domingo a domingo e o frevo é hoje como se fosse a extensão da minha vida”.

performances in all). Junior Viégas is the director of the group and Bhrunno Henryque is the choreographer, and it counts on the participation of ten more dancers. The idea is to take frevo to varied environments and out of the carnival period. The clothing brand, however, is a form of aesthetic diffusion of frevo, with prints on the theme. And, in this way, Júnior Viégas continues to follow his steps in frevo and for frevo. According to his vision, “People need to be open to the new. Frevo is changing, it can transform lives. In fact, I think today I have this mission of changing lives through dance, just as frevo changed mine, changed my vision of seeing art and living art. I dance from Sunday to Sunday and frevo is today as if it were the extent of my life.”

“Frevo is like fingerprints, they are unique”

65


STUDYING AND WRITING ABOUT FREVO, “NOW INSIDE THE ACADEMY” By Janine Primo C. Meneses

NATURAL DE NAZARÉ DA MATA E FILHO DE saxofonista militar, Nilson Amarante da Silva Junior, artisticamente, Nilsinho Amarante, aprendeu a tocar em diversas cidades que morou na Zona da Mata Norte de Pernambuco, com sete anos se inseriu na Sociedade Musical Curica33, com dez anos, na Filarmônica Vinte e Oito de Junho (Condado-PE), “foi quando eu peguei o meu primeiro instrumento. Depois, peguei trompete, peguei sax-horn, mas o trombone foi que me conquistou, o trombone de Vara”. Em 1992, já morando no Recife, ingressou no Conservatório Pernambucano de Música, e então iniciou sua vida profissional. A década de noventa marcou a prosperidade em sua carreira, em 1994 passou no concurso da Banda Sinfônica do Recife, junto com Spok, maestro que ele reverencia como músico e pelas realizações em benefício do frevo. Em seu caminho teve a grata felicidade de tocar com o maestro Duda (a grande realização de seu pai), com o maestro Ademir Araújo, e com os cantores e grupos como André Rio, Antônio Carlos Nóbrega, Spok Frevo Orquestra, Elba Ramalho, Fagner, Nação Zumbi, Alceu Valença, entre outros destaques. No mesmo ano chegou a iniciar seus estudos na França, mas logo retornou. Sua paixão pelo trombone o fez criar um grupo que descortinasse a sutileza e beleza do instrumento, eis que em 2007, cria o grupo musical A Trombonada. Na ocasião, Nilsinho coordenou um projeto no Recife, que lhe proporcionou conhecer e tocar com centenas

BORN IN NAZARÉ DA MATA AND SON OF A MIlitary saxophonist, Nilson Amarante da Silva Junior, artistically known as Nilsinho Amarante, learned to play music in several cities in the North Coastal Area of Pernambuco where he lived. At the age of seven, he joined in with the Curica Musical Society34; and at ten, with the Philharmonic Vinte e Oito de Junho both in the City of Condado. “That’s when I played my first musical instrument. Later I played the trumpet and the saxhorn. The Tenor trombone was the one that eventually won me over.” In 1992, living in Recife, he joined the Music School of Pernambuco, and then his professional life began. The nineties marked the prosperity in his career; in 1994, he succeeded in a test for the Symphonic Band of Recife along with Spok, maestro he looks up to as a musician and for his achievements in favor of frevo. On his way, he had the pleasure of playing with maestro Duda (his father’s great realization), maestro Ademir Araújo, and singers and bands such as André Rio, Antônio Carlos Nóbrega, Spok Frevo Orchestra, Elba Ramalho, Fagner, Nação Zumbi, Alceu Valença, among other great names. In the same year, he went to France to study, but soon returned. His passion for trombone made him form a band that unveiled the subtlety and beauty of this instrument. In 2007, he formed the musical band A Trombonada. That year, Nilsinho coordinated a project in Recife that allowed him to meet and play with hundreds of instrumentalists and dozens of orchestras; He realized “that many of those musicians played the notes in a wrong way, even traditional frevo son-

33 Patrimônio Vivo de Pernambuco (Goiana-PE)..

34 Living Heritage of Pernambuco (Goiana-PE).

Fotos: Paulo Maia

ESTUDAR E ESCREVER SOBRE FREVO, “AGORA DENTRO DA ACADEMIA” Janine Primo C. Meneses

“Então se fala muito em Beethoven, em Bach, mas não se fala de Duda, de Nunes, a gente tem que mudar isso”

66

67


de instrumentistas e dezenas de orquestras, e percebeu “que muitos que estavam ali tocavam notas erradas, inclusive dos frevos tradicionais, como Vassourinhas, Cabelo de Fogo, então comecei a ficar preocupado, [...] eu queria ajudar esses músicos e o próprio frevo, ensinar a tocar o frevo, então pra isso eu queria ser professor ‘eu tenho que fazer alguma coisa pelo frevo’ tocar bem, certo, articulado; virou uma paixão, então a única coisa que eu poderia fazer pra ajudar era entrar na universidade [...]”. Contudo, só ingressou no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2010. “Aí quando foi fechar a cadeira do primeiro período, o professor das artes plásticas, dividiu a sala em grupos para tocarem o que quisessem, aí eu chamei os meninos que gostavam de frevo” e assim concluiu a disciplina. Nilsinho teve a idéia de montar uma orquestra e fez um cartaz convidando quem tinha interesse. “Então se fala muito em Beethoven, em Bach, mas não se fala de Duda, de Nunes, a gente tem que mudar isso. Tem professores que gostam de frevo, que compõem frevo, que dançam frevo, tem que ter essa orquestra. Pronto, é aí que eu vou ajudar o frevo”. Pediu aos professores um lugar pra ensaiar e montou a Orquestra Experimental de Frevo da UFPE. O sucesso do trabalho atraiu professores e professoras de alto nível de conhecimento do Brasil e de outros países, como Leonardo Pellegrim, Jailson Raulino, Pedro Huff, Maria Aida Barroso, atual coordenadora do curso e com quem formou o Duo Frevando, apresentando o show chamado Trombofrevo – O Frevo Classudo, piano e trombone, pois enquanto muitos executam música clássica de alta complexidade e beleza, eles também o fazem, mas tocando frevo. Nilsinho destaca a produção de frevos dodecafô34 nicos , “totalmente de academia, você não aprende ele em outro lugar”. Salientando o envolvimento de estudantes e professores de outros lugares, com níveis de conhecimento diferentes, ressalta a riqueza da interação que frutifica na renovação do próprio frevo. “Renovar o frevo é trazer pessoas que nunca tiveram contato com o frevo, a

gs, such as Vassourinhas and Cabelo de Fogo. I started to get worried, [...] I wanted to help these musicians and frevo itself and teach them how to play frevo correctly. Because of this, I wanted to become a teacher. ‘I have to do something for frevo’ to play it well, correctly, articulated. It became a passion, and the only thing I could do to help was to enter university.” However, he only enrolled in the Music Course at the Federal University of Pernambuco - UFPE in 2010. “When the Music class of the first term was coming to its completion, the Visual Arts professor divided the class into groups to play whatever they wanted, then I called the boys who liked frevo” and so we completed the discipline. Nilsinho had the idea to form an orchestra and made a poster inviting anyone who would like to be into it. “Much is said about Beethoven and Bach, but nothing about Duda and Nunes; we have to change that. There are professors who like frevo, who make frevo, dance frevo; we must have this orchestra. That’s it, that’s how I’m going to help frevo.” He asked the professors for a place to practice and form the Frevo Experimental Orchestra of UFPE. The success of the work attracted other professors like Leonardo Pellegrim, Jailson Raulino, Pedro Huff, Maria Aida Barroso the coordinator of the course at that time and with whom formed the Duo Frevando, introducing the show called Trombofrevo - O Frevo Classudo, piano and trombone; while many perform classical music of high complexity and beauty, they also do it, but playing frevo. Nilsinho highlights the production of dodecaphonic frevo songs35, “Totally Academic, you can’t learn it anywhere else.” Underlining the involvement of students and professors from other places with different levels of knowledge, he emphasizes the richness of interaction that bears fruit in the renewal of frevo itself. “Renewing frevo is bringing people who had never had contact with frevo and from this point, creating a place where they could listen to frevo, be curious about it, and study the techniques to enable them to make their first frevo. As we live here and have influences of so many other things, frevo too was influenced, in this case by dobrado, maxixe, modinha and polka. I think this is extremely important.”

partir dai, ter um local onde eles vão escutar, ter curiosidade, estudar as técnicas pra poder fazer o seu primeiro frevo. Porque você mora aqui mas tem influências de tantas outras coisas, inclusive o frevo, até ele chegar aqui ele sofreu influência do dobrado, do maxixe, da modinha, da polca. Eu acho isso super importante”. “O frevo na UFPE é o tradicional, parte A e parte B, pode até ter a parte C, mas é um solo coletivo, não tem improviso”. A maioria dos frevos tocados pela orquestra é inédita, de autoria de seus próprios componentes e participantes, “a gente quer tocar os frevos da gente”. Incentivados com a produção autoral, criaram o Projeto Andanças, “a gente faz a composição do frevo, mas coloca o nome ou do seu bairro, ou da sua cidade, por isso que é andanças”, o dele é Simplesmente Condado, e surgiram o Frevárzea, o Abreu e Lima no Passo, Caruaru, “e nessas andanças eu conto uma história, uma menina chamada Gabriela, que por falar e gostar tanto de frevo veio estudar na Federal, que sabia que lá tinha uma orquestra de frevo”. Bem como realizam os projetos Turnê no Campus: tocando nos Centros Acadêmicos do próprio Campus; e o Projeto Convida: convidando outros grupos, a orquestra toca e depois o convidado. O resultado do empenho de Nilsinho Amarante com o frevo na UFPE é tê-lo já compondo disciplina optativa do curso, é ouvir provas sendo feitas com o frevo, bem como a realização de seminários e simpósios sobre o mesmo. Entretanto, defende ainda a inserção de uma disciplina obrigatória sobre o frevo na universidade e a produção de material didático para o mesmo, como o método de técnicas para trombone usando o frevo que ele está desenvolvendo. Esse é o objetivo de Nilsinho, possibilitar e estimular o conhecimento e a realização cada vez mais aperfeiçoada e frequente do frevo, fortalecendo-o no âmbito acadêmico, para que ele voe o mais distante que puder.

In this regard, Nilsinho says, “Frevo in the UFPE is classical - part A and part B, you may even have part C; but it is a collective solo, there is no improvisation.” Most of frevo songs played by the orchestra are unpublished, written by its own members and participants, “we want to play frevo songs of our own.” Encouraged with the authorial production, they conceived the Andanças Project, “We make the composition of frevo, and name it with either our neighborhoods’ or cities’ names, that’s why it’s Andanças;” his is Simply Condado; Frevárzea, Abreu e Lima no Passo and Caruaru. “In these wanderings, I tell the story of a girl named Gabriela who, by speaking and loving frevo so much, came to study at the Federal University, because she knew that there was a frevo orchestra there.” They also carry out the Project Tour in the Campus - playing in the Academic Centers of the Campus; and the Project Convida - other bands are invited to play after the orchestra plays its part. The result of Nilsinho Amarante’s commitment to frevo at UFPE is so impressive that even having already completed the elective course, he goes for auditions when frevo music is played, as well as seminars and symposiums about it. However, he still advocates the introduction of a compulsory discipline on frevo in the university and the production of didactic material for it, as the method of techniques for trombone using frevo that he is developing. This is the goal of Nilsinho, to enable and stimulate the knowledge and achievement of the increasingly improved and frequent frevo, strengthening it in the academic field, so that it can soars as high as possible.

“Much is said about Beethoven and Bach, but nothing about Duda and Nunes; we have to change that”

68

34 Dodecafonia é uma técnica de composição musical criada pelo compositor austríaco Arnold Schonberg (1874-1951), que caracteriza a composição por meio de doze sons relacionados somente estre si. Nilsinho Amarante, utilizando da dodecafonia, compôs o frevo Doda no Frevo, usando doze notas que ele escolheu.

35 Dodecaphony is a technique of musical composition created by the Austrian composer Arnold Schonberg (1874-1951), which characterizes the composition by means of twelve closely related sounds. Nilsinho Amarante, using dodecaphony, composed Frevo Doda no Frevo, using twelve notes that he chose.

69


THE GAROTO DE GUADALUPE: THE FASCINATION OF THE GIANT PUPPETS By Jacira França

PELAS RUAS E LADEIRAS DE OLINDA, SAUDANdo o Sábado de Zé Pereira, em meio à efervescência de foliões, ao som das orquestras de frevo, sob o calor do sol pernambucano, surge um boneco gigante e com ele uma agremiação: a Troça Carnavalesca Mista o Garoto de Guadalupe, fundada em 02 de fevereiro de 1999. As troças carnavalescas se caracterizam pela irreverência, jocosidade, improviso e extroversão, presentes no nome e/ou na forma como saem nas ruas. É neste sentido que está inserida a Troça o Garoto de Guadalupe, criada por Gustavo Alex da Silva Camelo, conhecido artisticamente por Gustavo Alex. Ele recorda: “A gente começou entre 1998 e 1999. Um grupo de criança, todos amigos, aqui da cidade de Olinda e a gente teve a ideia de fundar uma agremiação”. Juntamente com este grupo de amigos, a família do fundador também foi crucial, especialmente, o apoio da sua mãe, primeira presidente da troça, e da sua avó materna. Em 1998, Gustavo Alex, na época com 12 (doze) anos de idade, fez seu primeiro boneco de papel machê, algo que surpreendeu a todos devido à habilidade apresentada pelo jovem. Por um incidente envolvendo seus pais, o boneco quebrou e foi preciso confeccionar um segundo boneco, em 1999. Neste processo, um senhor chamado Luiz Carlos notou o potencial de Gustavo Alex com desenho e a escultura e o incentivou a desenvolver esta arte, surgia então o sonho de fazer bonecos gigantes. E, de acordo com Gustavo Alex, ele não recebeu ensinamentos de ninguém

FROM THE STREETS AND SLOPES OF OLINDA, greeting the Saturday of Zé Pereira, amid the effervescence of revelers, to the sound of frevo orchestras under the heat of the sun of Pernambuco, turns up a giant puppet and with it, a group - the Troça Carnavalesca Mista o Garoto de Guadalupe, founded on February 2, 1999. These carnival groups are characterized by their irreverence, playfulness, improvisation and extroversion present in the name and/ or the way they go out on the streets. It is in this sense that is initiated the Troça O Garoto de Guadalupe, created by Gustavo Alex da Silva Camelo, artistically known as Gustavo Alex. He recalls: “We started out between 1998 and 1999. A group of children, all friends here in the city of Olinda, had the idea of founding an association”. Together with this group of friends, Alex’s family played a crucial role, especially his mother, the first director of the association, and his maternal grandmother. In 1998, Gustavo Alex, at the age of twelve, made his first papier-mâché puppet, bewildering everyone with the talent unveiled. In 1999, due to an incident with his parents, the puppet was damaged and a second one had to be made. During this process, a man named Luiz Carlos noticed Gustavo Alex’s potential with drawing and sculpture and encouraged him to develop his skills; the dream of making giant puppets came forth. According to Gustavo Alex, no one taught him how to make the giant puppets – “I had no instructor. It was a gift from God,”

Fotos: Paulo Maia

O GAROTO DE GUADALUPE: O FASCÍNIO DOS BONECOS GIGANTES Jacira França

Fazer Carnaval pra mim é tudo! Envolve muito amor, muita paixão porque é um sonho, né? E um sonho que você consegue realizar não tem palavras que descreva isso”

70

71


“Carnival is for me everything! It involves a lot of love, a lot of passion; it’s a dream, right? And there is no word to describe a dream that you accomplish.”

para começar a fazer os bonecos gigantes – “Eu não tive professor. Eu tive o dom mesmo de Deus”. Do boneco inicial, que na época não tinha as proporções de um boneco gigante de fato, surgiu a ideia de criar uma agremiação carnavalesca como o nome “o Garoto de Guadalupe”, em homenagem ao bairro de onde surgiu, Guadalupe, localizado em Olinda, e, por ter sido criado por um garoto. A troça aos poucos foi crescendo e o boneco, representando o Garoto de Guadalupe, foi se aperfeiçoando: Atualmente, há dez pessoas na organização da agremiação, incluindo Gustavo Alex, na função de presidente. No período carnavalesco, a Troça sai no sábado de Zé Pereira, acompanhada do boneco gigante, de uma orquestra, de passistas e por uma média de 1.500 (mil e quinhentos) foliões. O desfile acontece pelas ruas dos bairros de Guadalupe, Amparo e Quatro Cantos e dura, aproximadamente, 4 (quatro) horas. Há também a pessoa que carrega ou manipula o boneco, Gustavo Alex explica: “tem uma diferença entre manipulador e carregador. O carregador ele anda, mas o manipulador dá vida ao boneco: ele dança, ele pula, ele manipula o boneco”. A troça também conta com o apoio dos familiares de Gustavo Alex e de voluntários. Com a venda dos bonecos gigantes e a realização de rifas, bingos e festas, o grupo se mantém e procura manter independência financeira em relação ao poder público (subvenções da prefeitura). A agremiação não tem uma sede própria, o espaço da casa de Gustavo Alex e de seus familiares é utilizado como galpão para os bonecos e também como sede improvisada.

72

From his first puppet, which at the time did not have the proportions of a giant one, came up the idea to create a carnival association with the name “Garoto de Guadalupe,” in honor of the neighborhood where it arose, Guadalupe, in Olinda, and for being envisioned by a boy. The association gradually grew up and the puppet, representing O Garoto de Guadalupe, has been improved: There are currently ten people in the organization of the group, including Gustavo Alex, as director. In the carnival period, the association goes out on the streets during the Saturday of Zé Pereira, accompanied by the giant puppet, an orchestra, passistas and an average of 1,500 revelers. The parade goes through the streets of the neighborhoods of Guadalupe, Amparo and Quatro Cantos, and lasts about four hours. There is also the person who carries or manipulates the puppet, Gustavo Alex explains, “There is a difference between the manipulator and the carrier. The latter simply walks the puppet and the former gives it life: he dances, jumps and controls the puppet.” The association also counts on the support of Gustavo Alex’s family members and volunteers. With the sale of giant puppets, raffles, bingos and realization of parties, the group has provided itself and sought to achieve financial independence in relation to the local powers (subsidies of the local offices). The association does not have its own headquarters; the house of Gustavo Alex and his relatives is used as shed for the puppets and as improvised headquarters. In relation to working with giant puppets, Gustavo Alex is now considered as the heir of this tradition - famous in Olinda by renowned artists such as Sílvio Botelho. Gustavo highlights the changes in the way of making the puppets,

Em relação ao trabalho com bonecos gigantes, Gustavo Alex é considerado hoje o herdeiro desta tradição – famosa em Olinda por artistas de renome como Sílvio Botelho. Gustavo destaca as mudanças ocorridas no modo de fazer dos bonecos: “O boneco, lá no passado, a gente trabalhava com argila e papel machê, aí depois veio o isopor e a fibra de vidro. E [hoje] voltamos ao passado: começo a trabalhar na argila, mas agora em junção com a fibra de vidro, não mais com o papel, nem isopor. Aí, a gente faz a peça na argila e, da argila, a gente tira uma réplica de fibra e hoje o boneco é todo feito de fibra de vidro: um material super-resistente e com durabilidade de mais de cem anos. Antes, com duas horas de chuva ele se derretia todinho”. Um boneco gigante para ficar pronto leva, em média, 15 (quinze) a 20 (vinte) dias; tem por volta de 2 (dois) a 5 (cinco) metros de altura; e, pesam em torno de 27 kg. Uma das peculiaridades do seu trabalho é fazer bonecos gigantes com temáticas sociais como bonecos representando pessoas com síndrome de down, câncer; bonecos negros, transexuais, entre outros temas – “hoje o boneco é uma marca forte. É lindo o fascínio que tem o boneco gigante na vida de uma pessoa”. Além disso, o artista plástico recebe muitas encomendas para fazer bonecos gigantes de pessoas falecidas – “eu consigo eternizar elas num boneco gigante”. Este trabalho já foi repassado para, aproximadamente, 400 (quatrocentos) jovens da comunidade através de oficinas ministradas pelo próprio Gustavo Alex. E seu trabalho já foi exportado para estados como Bahia, Paraíba, Minas Gerais e São Paulo, além de países como Inglaterra. Dentre os projetos futuros, está a ideia de “resgatar a figura das almas que antigamente que saia com saco de pano na cabeça” e o desfile com os chamados “cabeçudos” – bonecos com cabeça desproporcional ao corpo. Outro objetivo é repassar para mais jovens o ofício de fazer bonecos gigantes e dar continuidade à tradição da troça carnavalesca, pois, segundo o artista plástico: “Fazer Carnaval pra mim é tudo! Envolve muito amor, muita paixão porque é um sonho, né? E um sonho que você consegue realizar não tem palavras que descreva isso”.

“The puppet, in the past, used to be made of clay and papier-mâché; later, Styrofoam and fiberglass became usual. Today, we are back to the past, I use clay together with fiberglass, no longer with papier-mâché or Styrofoam. We make a piece with clay and from the clay we form a model with fiberglass; nowadays, the puppet is entirely made of fiberglass: a super-resistant material with durability of more than one hundred years. In the past, after two hours of rain, the puppet would melt all over.” A giant puppet takes, on average, fifteen to twenty days to get ready; it is from two to five meters tall; and weighs around 27kg. One of the peculiarities of his work is to create giant puppets featuring social themes such as people with Down’s syndrome and cancer; black puppets, transsexuals and others, “Today, the puppet has a strong brand. It’s beautiful the fascination that the giant puppet brings to a person’s life.” In addition, the artist receives many orders to make giant puppets of deceased people, “I can immortalize these characters in a giant puppet.” This work has already been passed on to approximately four hundred young people of the community through workshops hosted by Gustavo Alex himself. And his work has already been exported to states such as Bahia, Paraíba, Minas Gerais and São Paulo, as well as countries like England. Within the future projects, it is the idea of “recovering the figure of the souls that in the past used to come out with a fabric bag on their heads” and the parade with the so-called “cabeçudos” - puppets with a disproportionate head to the body. Another goal is to pass on to the youngsters the job of making giant puppets and to continue the tradition of the carnival, because, to the artist - “carnival is for me everything! It involves a lot of love, a lot of passion; it’s a dream, right? And there is no word to describe a dream that you accomplish.”

73


BETWEEN RITE N O I S S E R G S N AND TRA

ENTRE O R I TO O Ã S S E R G S N A R EAT


HENRIQUE ALBINO: “I WANT TO BE FREE INSIDE THE MUSIC” By Jacira França

“TODAS AS MINHAS MÚSICAS SÃO MEU JEITO de ser. Se você ouvir meus frevos você vai ver, mais ou menos, como minha cabeça funciona, em momentos. Cada frevo meu é uma foto minha”, estas são palavras de Luiz Henrique Albino de Lima, conhecido por Henrique Albino, natural da cidade do Recife, atualmente, morador de Olinda e, em 2017, completou 25 anos de idade. A sua carreira artística foi influenciada, principalmente, por seu irmão, Emanuel Albino, embora destaque também a importância de seus pais na sua trajetória artística, pois eles o incentivaram a seguir na carreira. Henrique Albino recorda que na sua infância não gostava de música: “Eu era aquela criança que não falava com ninguém, extremamente tímido e queria fazer física. Eu achava que música era sempre tudo muito igual e eu sempre tinha essa crítica desde muito cedo. Então, um belo dia, meu irmão mais velho, que se chama Emanuel Albino, começou a fazer faculdade de música e, dentro das aulas dele, com Flávio Medeiros, ele me utilizou de ‘cobaia’ pra os estudos de técnicas de metodologia de ensino da música.” Seu irmão fez com que ele tivesse contato com artistas ligados ao jazz como Bobby McFerrin e Herbie Hancock, a cena do rock progressivo, entre outros estilos que mudaram o conceito de Henrique Albino, “Eu pensei: existe coisa diferente.” Experiência marcante também foi ouvir Hermeto Pascoal, com a composição “Quebrando Tudo,” no Festival de Montreux, “Quando

“ALL OF MY SONGS SHOW MY WAY OF BEING. If you hear my frevo songs, you’ll see the way my mind works. Each frevo song of mine is a picture of myself.” These are words of Luiz Henrique Albino de Lima, natural of Recife, currently living in Olinda that in 2017 celebrated his 25 years of age. His artistic career was mainly influenced by his brother, Emanuel Albino, although it should also be highlighted the importance of his parents in his artistic life, for they encouraged him to keep up with his career. Henrique Albino, that’s the way he’s known, recalls that in his childhood he didn’t like music - “I was that kind of child who didn’t talk to anyone, extremely shy and wishing to take up Physics. I thought music was always the same and I had this critic since the very beginning. Then, one fine day, my older brother, called Emanuel Albino, started to take up Music at the university and for his classes with Flávio Medeiros he used me as a guinea pig in his studies of music teaching methodology techniques.” His brother gave him the chance to be in touch with jazz artists such as Bobby McFerrin and Herbie Hancock, the progressive rock scenery and other styles that changed his point of view – “I thought, there is different stuff.” Another remarkable experience was to listen to Hermeto Pascoal with his composition “Quebrando Tudo” (Breaking Everything), during Montreux Festival – “When I heard that thing, I got shocked. I said, that’s what I want for my life. I want to compose as if I were speaking, as if I were completely free to create. And my

Fotos: Paulo Maia

HENRIQUE ALBINO: “EU QUERO SER LIVRE DENTRO DA MÚSICA” Jacira França

“Todas as minhas músicas são meu jeito de ser. Se você ouvir meus frevos você vai ver, mais ou menos, como minha cabeça funciona, em momentos. Cada frevo meu é uma foto minha”

76

77


eu vi aquilo ali, eu fiquei chocado. Eu disse: é isso que eu quero fazer da minha vida. Eu quero fazer música como se tivesse falando, como se eu tivesse totalmente livre na hora de criar. E meu início na música já foi querendo ser compositor, querendo ser multi-instrumentista, querendo trabalhar com arranjo.” Aos 13 (treze) anos, passou a fazer aulas de flauta doce e piano na Escola Municipal de Arte João Pernambuco, localizada no bairro da Várzea, no Recife. Aos 14 (catorze) anos, entrou para o Conservatório Pernambucano de Música, localizado no Centro do Recife e frequentou a Orquestra do Grêmio Henrique Dias, convivendo com maestros e músicos como Ivan do Espírito Santo, Oséas e Mamão do Pandeiro, além de estudar muito sobre teoria da música. Ainda com esta idade veio a participar de orquestras de pau e corda. Aos 16 (dezesseis) anos, começou a tocar frevo de rua e comprou seu primeiro sax, como qual toca até hoje. Ainda com 16 (dezesseis) anos de idade, no ano de 2009, criou, juntamente com Emma Arnold, – cantora inglesa, ligada ao jazz – a banda Olinda Fusion. Em 2013, aos 20 (vinte) anos de idade, participou do I Festival do Frevo da Humanidade, promovido pela Prefeitura do Recife, no qual ganhou o prêmio de melhor arranjo e o terceiro lugar na categoria frevo de rua, ambos prêmios relacionados à música de sua própria autoria: “Atravessando a Rua.” Em 2014, cursou Licenciatura em Flauta, no município de Belo Jardim. No momento, está estruturando a sua própria orquestra, a Orquestra da Luz, junto com outros amigos e também o “Henrique Albino Trio,” trabalho desenvolvido juntamente com Gilú Amaral e Alex Santana. Em relação ao frevo e as músicas e arranjos de sua autoria, Henrique Albino faz as seguintes considerações, “Eu imagino o frevo como um pinheiro. Eu prefiro deixar ele crescer os galhos pra qualquer direção, não podo ele. Toda árvore, todo pinheiro ele vai querer tomar uma forma, nem sempre perfeitinha, daquele jeito da árvore de natal. Uma coisa que eu descobri como compositor é que quando eu queria escolher ‘ah, eu quero uma música as-

78

kickoff at music was wishing to be a composer, wishing to be multi-instrumentalist, wishing to work on arrangements.” At the age of thirteen, he took up sweet flute and piano lessons at the Municipal School of Arts João Pernambucano, in Várzea, Recife. At 14, he entered the Music School of Pernambuco, in Recife and there joined the Grêmio Henrique Dias Orchestra living with maestros and musicians such as Ivan do Espírito Santo, Oséas and Mamão do Pandeiro, besides studying hard about music theory. Still at this age, he began to play with Pau e Corda (wood and strings) Orchestras. At 16, he began to play street frevo and bought his first saxophone with which he plays till today. Still in his sixteen, in 2009, he created along with Emma Arnold, an English jazz singer – the band Olinda Fusion, in which he started playing jazz. In 2013, at the age of 20, he participated in the I Festival do Frevo da Humanidade (First Frevo of Humanity Festival), sponsored by the city of Recife, when he won the prize for best arrangement and the third place in the street frevo category, both awards related to music of his own authorship: “Atravessando a Rua” (Crossing the Street). In 2014, he began to study Flute in the city of Belo Jardim. Now, he is forming his own orchestra, Orquestra da Luz, with other friends and “Henrique Albino Trio,” work developed jointly with Gilú Amaral and Alex Santana. Regarding the frevo, the songs and arrangements of his own, Henrique Albino makes the following considerations, “I imagine frevo as a pine tree. I prefer to let the branches grow in any directions; I can’t prune them. Every tree, every pine tree wants to take a form, not always quite perfect, like that of the Christmas tree. One thing I found out as a composer is that when I want to choose ‘oh, I want a song like that,’ I couldn’t write it or eventually I could even do it, but then I wasn’t satisfied. The way I was really happy as a composer was when I sat down and composed the music with no strings attached. I let the radio that is playing in my head flow and I only transcribe what is playing on it. Another starting point that it’s really strong on me is to think like that: What’s missing? What has already been done? Then I make a list in my head of everything that had been done: frevo with accordion, this kind of arrangement, that kind of note; then I get something

“All of my songs show my way of being. If you hear my frevo songs, you’ll see the way my mind works. Each frevo song of mine is a picture of myself.”

sim’, eu não conseguia escrever ou até conseguia, mas depois não ficava satisfeito. A forma que eu fiquei mais feliz como compositor foi quando eu sentei e compus a música sem amarras. Eu deixo a rádio que tá tocando dentro da minha cabeça fluir e eu só faço transcrever o que está tocando dentro desta rádio. Outro ponto de partida que eu tenho muito forte é pensar assim: o que é que tá faltando? o que é que já foi feito? Aí eu faço uma lista na minha cabeça de todas as coisas que já fizeram: frevo com sanfona, esse tipo de arranjo, esse tipo de nota, então, eu pego uma coisa que já existe só que nunca foi feita no frevo”. Albino também se destaca por fazer arranjos e composições que modificam o tradicional padrão binário do frevo. E acrescenta, “O frevo, as pessoas vivem como uma entidade hoje em dia. O Frevo é uma entidade que se você não fizer certas coisas, ele não está mais com você e eu acredito que isso acontece mesmo, mas não desse jeito, sabe? O frevo é um universo de linguagens, de influências, de história, de tudo aquilo e a gente se entrega dentro dele, só que a gente tem que ser a gente mesmo dentro dele. E isso pra mim é religião. As pessoas às vezes têm medo de que o frevo desapareça ou que o frevo não seja mais frevo, mas, no fundo no fundo, as grandes mudanças [históricas] do frevo vieram pra melhorar e o fizeram engrandecer tanto. O frevo pode se adaptar as mais variadas culturas, fazer ‘frevo inglês,’ ‘frevo americano,’ ‘frevo japonês’ e ainda ser frevo.”

that already exists but had never been done in frevo.” Albino also stands out for making arrangements and compositions that modify the traditional frevo binary pattern. And he adds, “Frevo, people live as an entity today. Frevo is an entity and if you don’t do certain things, it will no longer be with you. I really believe in that, but not this way, you know? Frevo is a universe of languages, of influences, of history, of everything and we give in ourselves to it. And this is religion for me. People sometimes fear the vanishing of frevo or it will no longer be frevo, but deep down, frevo’s great [historical] changes came to improve it and they made it greater. Frevo can adapt to the most different cultures, one can make ‘English frevo,’ ‘American frevo,’ ‘Japanese frevo’ and, even so, it will be frevo.”

79


JEFFERSON FIGUEIREDO: PEDAGOGY OF THE BODY By Jacira França

“DOBRADIÇA”, “PONTILHANDO”, “LOCOMOtiva”, “pernada”, “carpado”: nomes de alguns dos passos de frevos mais conhecidos por seus praticantes. Movimentos que, quando executados pela maestria e destreza de um passista, encantam e fascinam, mas, por vezes, inibem aquela ou aquele que apesar de sentir o pulsar do frevo em suas veias não se acha capaz de dançar como um passista profissional. É na tentativa de desconstruir esta imagem do inalcançável, que se desenvolveu a perspectiva e a pedagogia de ensino do frevo de Jefferson Elias Figueiredo: “A dança tem muito desse lugar de você vê o outro e querer ser igual, querer que seu corpo faça a mesma coisa e não é bem por aí. São corpos diferentes”. Jefferson Figueiredo, natural da cidade do Recife, é passista, formado em dança, professor de pilates e bailarino. Desde a infância, por volta dos nove anos de idade, em 1998, já dançava com sua irmã a dança de salão. Em 2000, aos onze anos de idade, leu uma matéria sobre a Escola Municipal de Frevo e se interessou em fazer aulas na instituição. Seus pais apoiaram a escolha e, aos poucos, foi deixando a dança de salão e passou a se dedicar ao frevo e a outras danças populares. Na Escola de Frevo, teve aulas com Nascimento do Passo, quem Jefferson Figueiredo considera um de seus principais mestres – “sou muito feliz em ter vivido aquele momento em que ele era muito atuante na Escola. Eu aprendi muito com ele e é um legado incrível. Ainda bem que eu tenho ele pra chamar de mestre”.

“DOBRADIÇA,” “PONTILHANDO,” “LOCOMOtive,” “pernada,” “carpado” are names of some frevo steps better known by their practitioners. Steps that, when performed with mastery and dexterity by a passista, fascinate and enchant, but sometimes inhibit those that despite feeling the pulse of frevo in their veins do not feel able to dance as a professional passista. By trying to deconstruct this image of unreachable, a perspective and pedagogy of teaching frevo was developed by Jefferson Elias Figueiredo – “dancing places you in a condition to see the other and wish to be equal, want your body to do the same thing; but it is not like that. They are different bodies.” Jefferson Figueiredo, born in Recife, is a passista with a degree in dancing, a teacher of Pilates and a ballet dancer. During his childhood, when he was about 9 years old, in 1998, he used to go ball dancing with his sister. In 2000, at the age of eleven, he read an article about the Municipal School of Frevo and got interested in taking up classes there. He had the support of his parents and little by little left ball dance and dedicated himself to frevo and other popular dances. At the School of Frevo, he had classes with Nascimento do Passo, who Jefferson Figueiredo considers to be one of his most important masters – “I’m very happy to have lived that moment when he was quite influential at the school. I learned a lot with him and his legacy is amazing. Good thing I have him to call master.”

Fotos: Paulo Maia

JEFFERSON FIGUEIREDO: UMA PEDAGOGIA DO CORPO Jacira França

“Como são as diferenças corporais e como o frevo pode estar chegando no corpo de cada um”

80

81


Em 2001, foi convidado por Fátima Freitas para fazer aulas na Companhia de Dança Fátima Freitas, especializada em ballet e dança contemporânea, localizada na cidade do Recife. Com o grupo Fátima Freitas, participou do “Festival de Dança de Joinville”, no qual ganhou o 1º Lugar de 2001 a 2003. De 2004 a 2006, se afastou um pouco do universo do frevo, ao cursar o ensino médio em tempo integral e ter dificuldade de conciliar os estudos com as aulas de dança. Em 2007, voltou para Escola de Frevo e integrou-se à companhia de dança da Escola, participando de espetáculos como o “Recifervendo”, dirigido pelo professor Alexandre Macêdo, e, com a saída deste da Escola de Frevo, o espetáculo recebeu o nome de “Avesso do Passo” e ficou sob direção de Célia Meira. No ano de 2008, integrou a comissão de passistas que se apresentou pela Escola de Samba Mangueira, a qual homenageou o frevo, no Carnaval do Rio de Janeiro. Ainda em 2008, entrou para Companhia de Dança Artefolia, sob a direção de Marília Rameh. Em 2010, começou a cursar Licenciatura em Dança, na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. De sua experiência com o curso, Jefferson Figueiredo aponta: “Aí tem várias disciplinas no curso que me trazem vários questionamentos e me proporcionaram a pensar o corpo de forma diferente. Até então, eu tinha muito a visão de corpo muito unificada e muito limitada, de caixinhas mesmo, de rótulos. A universidade pra mim fez uma diferença incrível”. O curso terminou no segundo semestre de 2013, e o trabalho de conclusão de curso apresentado por ele se intitulou: “A reconstrução do frevo pela dança documental: uma proposta teórico-prática para o fazer e o ensino da história da dança”. Partindo destas reflexões, ele elabora a sua forma de ensinar o frevo: “Quando você vê um passista profissional dançando, você às vezes se assusta e aí quando você diz ‘aula de frevo’ a pessoa se assusta e diz ‘consigo não’. Primeiro dia de aula aqui no Paço do Frevo, as pessoas já chegam dizendo: ‘ah, não vou conseguir não. É muito difícil’ e aí já no primeiro dia de aula eu tento

82

In 2001, he was invited by Fátima Freitas to take lessons on the Fátima Freitas Dance Company, specialized in ballet and contemporary dances, located in Recife. Together with Fátima Freitas troupe, he took part in the “Dance Festival of Joinvile” and won three times the first place from 2001 to 2003. From 2004 and 2006, he left the universe of frevo due to the full time high school and difficulties to conciliate his studies and the dancing lessons. In 2007, he came back to the School of Frevo and joined its dance company, performing in shows like ‘Recifervendo,’ directed by teacher Alexandre Macedo and when Alexandre left the School of Frevo, the show started to be called “Avesso do Passo” and under the direction of Célia Meira. In 2008, he made part of the passista commission that performed for Samba School Mangueira which honored frevo during the carnival of Rio de Janeiro. Still in 2008, he joined the Artefolia Dance Company under the direction of Marília Rameh. In 2010, he entered the Federal University of Pernambuco to study Dance. From his experience in the course, Jefferson Figueiredo highlights - “There were several disciplines in the course that brought me up various questions and made me think about the body in a different way. Till then, I had a very much unified and limited vision of the body, thinking inside the box and giving it labels. The university made an incredible difference for me.” The course was completed in the second term of 2013 and his graduation work was entitle, “Frevo revival through documentary dance: a theoretical-practical approach for the doing and teaching of the history of dance.” Starting from these reflections, he develops his way of teaching frevo, “When you see a professional passista dancing, sometimes you can get scared and then when you say ‘frevo class’, this person gets scared and say, ‘I can’t do it’. On the first day of class here at Paço do Frevo museum, learners start saying, ‘I can’t do it. It’s very hard’. So, in the very beginning, I try to teach them in a way that the steps come out without being noticed and out of the blue they are dancing frevo, you know? If you kick forward you are executing a frevo step – chutando de frente – and if you kick

fazer uma prática que os passos surjam meio sem eles entenderem e quando vê já estão fazendo, sabe? Porque se você chutar perna pra frente já é um passo de frevo – chutando de frente – e se você chuta de lado, já é o ‘chutando de lado’, então já são dois passos de frevo”. Em 2014, ele fez o curso de formação em pilates, o que agregou ainda mais à sua forma de ensinar: “a ideia é pensar o pilates mais como uma técnica corporal que vai auxiliar no ensino do frevo, como um suporte pra entender melhor o corpo pra criar essa consciência, pra criar esse fortalecimento corporal”. Esta perspectiva metodológica e outras reflexões também estão presentes em artigos escritos pelo próprio Jefferson Figueiredo como: “Pontilhando: uma proposta metodológica de ensino do frevo” e “Espalhando brasas: pensando pedagógica e criativamente o frevo a partir de um olhar do presente”. Deste modo, sua contribuição para o frevo – dentre outros aspectos – se refere ao seu empenho em unir este ritmo e o pilates, visando os benefícios para a saúde corporal de passistas e brincantes. Embora a preocupação com a saúde corporal de quem dança frevo não seja algo inédito, pois outros professores e passistas também lidam com a temática, o trabalho de Jefferson Figueiredo é emblemático por pensar o frevo “não muito naquele lugar de cópia e repetição dos movimentos, mas em estar entendendo como são as diferenças corporais e como o frevo pode estar chegando no corpo de cada um a partir do que eles têm”.

aside, it’s ‘chutando de lado.’ These are already two steps of frevo.” In 2014, he took up Pilates, which added even more to his way of teaching, “The idea is to think of Pilates as a corporal technique that may aid to the teaching of frevo as a support to better understand the body to develop this awareness, to develop this corporal strengthening.” This methodological perspective and other reflections are also present in articles written by Jefferson Figueiredo, such as ‘Stitching: a methodological approach of teaching frevo’ and ‘Spreading embers: thinking frevo pedagogically and creatively from a glance of the present.’ His contribution to frevo – among other aspects – refers to his commitment to unify this rhythm and Pilates, aiming their benefits for the health of body of the passistas and merrymakers. Although the concern with the body health of those who dance frevo is not something new, since other teachers and passistas also deal with this subject, the work of Jefferson Figueiredo is emblematic for thinking frevo “Outside the box, not much as a copy or repetition of steps, but understanding how the body differences are and how frevo may be coming into the body of each one from what they have.”

“Understanding how the body differences are and how frevo may be coming into the body of each one”

83


LUCIANO MAGNO: THE FREVO WITH THE ELECTRIC GUITAR By Jacira França

LUCIANO MAGNO É GUITARRISTA, COMPOsitor, cantor, arranjador e produtor musical. Natural de Paulo Afonso, município localizado na Bahia, e filho de pernambucanos, Luciano se interessou pela música desde cedo: “Eu comecei a gostar de música ainda na infância, muito por estímulo de meu pai, Luiz Tenório, que tocava acordeon, cavaquinho. Então, desde muito cedo eu estava inserido nesta coisa de rodas de choro, festejos juninos, carnaval. O primeiro instrumento foi o acordeon que meu pai me presenteou, mas, estava fora de moda, isso aí já por volta de 1985, e o Rock in Rio em plena ebulição, maior festival de rock do mundo, e aí eu fui tomando gosto pela guitarra. Muito, talvez, por conta da mídia, influência dos amigos, o rock nacional também em plena ebulição, então, a guitarra tomou a frente neste período, mas, o que eu já absorvia de referência musical ficou, não me deixei levar exclusivamente pelo rock”. Na adolescência, se mudou para Petrolina, município localizado no sertão de Pernambuco, para estudar o ensino médio. Em Petrolina tocou em algumas bandas e passou pelos mais diversos estilos musicais. Em 1989, veio para o Recife, capital pernambucana, prestar vestibular para engenharia e desde o início começou a se integrar à cena musical da capital, indo para estúdios de gravação e participando dos carnavais recifenses – “Aqui em Recife foi quando eu realmente me decidi [pela música]”. Liderou o Trio Sotaque entre os anos de 2004 a 2010. Lançou os seguintes álbuns: “Liberdade” (2000);

LUCIANO MAGNO IS A GUITARIST, SONGWRITER, singer, arranger and music producer. Born in Paulo Afonso, municipality of Bahia and Pernambucans’ son, Luciano became interested in music from an early age, “I started to like music still in infancy, so much for my father’s encouragement, Luiz Tenório, who played the accordion and cavaquinho (a small chordophone with four strings). From a very early age, I was involved in ‘rodas de choro’ (choro gatherings in residences and pubs), the June festivities and Carnival. The first instrument that my father gave me was the accordion, but as it went out of fashion, around 1985, and Rock in Rio was going full steam ahead - the world’s largest rock festival, I acquired a taste for the electric guitar. Much, perhaps because of the media, the influence of friends, the national rock that was also going full steam ahead; so, the electric guitar took forward in this period. However, the musical reference I was used to consume remained and I didn’t get carried away by the rock.” As a teenager, he moved to Petrolina, a municipality in the backlands of Pernambuco, to do high school. In Petrolina, he played in some bands and passed through the most diverse musical styles. In 1998, he came to Recife, capital of Pernambuco, to take the Vestibular exam (college application) to study engineering; from the very beginning, he entered the music scene of the capital, going to record studios and taking part in the carnivals of Recife, “Here, in Recife, was the place where I made up my mind [for music]”. He led the Trio Sotaque from 2004 to 2010; launched the following albums: “Liberdade” (2000); “Sotaque” (2003); “Engasga Gato” (2005);

Fotos: Paulo Maia

LUCIANO MAGNO: A GUITARRA NO FREVO Jacira França

“Eu diria que a minha guitarra tem um referencial mais próximo daqui do sopro. Eu também toco uma guitarra no frevo com uma pitada de rock, uma pitada de jazz, mas quando eu componho e executo no dia-a-dia, minha guitarra lembra a orquestra”

84

85


“I could say that my guitar has a closer reference to the winds. I also play frevo with the guitar with a dash of rock, a tinge of jazz, but when I compose and perform on a daily basis, my guitar resembles an orchestra”

“Sotaque” (2003); “Engasga Gato” (2005); “DVD Trio Sotaque” (2006); “Viva Dominguinhos” (2009); “Trajetória Instrumental” (2012, pelo qual recebeu o Troféu Acinpe, Prêmio de Música de Pernambuco); “Estrada do Tempo” (2014/2015). Em relação à guitarra e o frevo, Luciano Magno considera: “Eu diria que a minha guitarra tem um referencial mais próximo daqui do sopro. Eu também toco uma guitarra no frevo com uma pitada de rock, uma pitada de jazz, mas quando eu componho e executo no dia-a-dia, minha guitarra lembra a orquestra. Ela não aparece como uma guitarra isolada, ela faz o papel dos saxofones, dos metais que é essa coisa de tocar a melodia principal, né? O frevo de rua, por exemplo, ele é muito dividido em naipes – os metais e os sax – e a minha guitarra ela tenta extrair as duas partes e sintetizar em uma única parte. É o instrumento que fica de frente”. Embora seja notável seu trabalho com a guitarra no frevo, ele deixa claro que não gosta de rótulos – “Eu gosto de música, não tenho a obrigação de escolher um gênero”.

86

“DVD Trio Sotaque” (2006); “Viva Dominguinhos” (2009); “Trajetória Instrumental” (2012, for which he received the Acinpe Trophy, The Music of Pernambuco Award); “Estrada do Tempo” (2014/2015). In relation to the electric guitar and frevo, Luciano Magno says, “I could say that my guitar has a closer reference to the winds. I also play frevo with the guitar with a dash of rock, a tinge of jazz, but when I compose and perform on a daily basis, my guitar resembles an orchestra. It doesn’t appear to be an isolated guitar, it plays the role of the saxophone, the brasses that play the main melody, you know? Street Frevo, for instance, is quite divided into suites – brasses and sax - and my guitar tries to extract both pieces and synthesize them into one. It’s the instrument that outstands.” Although his work on frevo with the guitar is remarkable, he makes it clear that he dislikes labels, “I like music, I don’t have to pick a single style.” He has already performed in countries such as Portugal, Spain, France, Germany, Switzerland, Austria, Holland, Belgium, Denmark, Italy, Macedonia,

Já se apresentou em países como: Portugal, Espanha, França, Alemanha, Suíça, Áustria, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Itália, Macedônia, Inglaterra, Estados Unidos, Japão, Chile e Argentina36. Participou de seis concursos de música em Pernambuco – o “Festival de Música Carnavalesca do Recife” – e foi para final em todas as seis edições. Em 2011, ganhou o prêmio de melhor arranjo do festival e o primeiro lugar na categoria frevo de rua (instrumental), com o seu frevo “Pisando em Brasa”37. Em 2013, lançou o livro instrucional “Guitarra no Frevo”, o primeiro método de guitarra no frevo lançado no país. Esta publicação mostra como o frevo é construído melodicamente a partir de seus sotaques e acentos, relacionando-o com a guitarra, a partir de exemplos de partituras e cifras deste instrumento. Mas, o livro também possibilita ao aluno transitar por outros ritmos como o choro, a bossa nova e o jazz. De acordo com Luciano: “é um livro pra praticar, pro aluno já sair tocando, ter contato com o gênero, a rítmica e a linha melódica que identifica o gênero frevo. Não é um livro praquele que tá iniciando, mas pro cara que já toca, que já lê partitura ou tablatura – também tive o cuidado de inserir a tablatura que é pra quem não lê, ela ajuda a identificar o posicionamento dos dedos no braço do instrumento”. Em relação à sua forma de inserir a guitarra no frevo, destaca: “A guitarra, ela é ligada ao jazz e ao rock, por sua essência, pela sua criação. Se você toca com a guitarra limpa, ela remete ao som do jazz. Claro que você pode tocar de outra forma, que é assim que eu toco. A minha música ela é voltada pra cá, você sente que tem um pé em Pernambuco”. E assim Luciano Magno constrói sua trajetória na música, no frevo, mostrando que apesar deste ritmo ter um sotaque muito característico do Recife, de Pernambuco, ele pode e deve chegar a outros públicos e integrar instrumentos diversos como a guitarra, expandindo-se mais.

England, United States, Japan, Chile and Argentina37. He took part in six music contests in Pernambuco - the “Recife Carnival Music Festival” – and qualified for the finals in all editions. In 2011, he won the prizes for best arrangement of the festival and for the first place in the Street Frevo (instrumental) category with his Frevo song “Pisando em brasa.”38 In 2013, he released the instructional book “Guitarra no Frevo,” the first method of frevo with electric guitar released in the country. This publication shows how frevo is melodically formed from its accents and intonations, relating it to the guitar, with examples of score and tablature of this instrument. This book, however, also allows the student to transit through other rhythms such as choro, bossa nova and jazz. According to Luciano, “it’s a book to practice, for the student to come out playing, to have contact with this genre, the rhythm and the melodic line that identifies the frevo genre. It’s not a book for who’s beginning, but for the guy who already plays, who reads scores or tablatures – I was also careful to include tablatures for those who can’t read scores; it helps identify the position of the fingers on the neck of the instrument.” In relation to his way of inserting frevo with his electric guitar, he emphasizes, “The electric guitar is linked to jazz and rock by its essence, by its creation. If you play with a clean guitar, it refers you to the jazz. You can certainly play differently, that’s how I play. My music is turned to my homeland, you feel that you are rooted to Pernambuco. And this way Luciano Magno paves his way into music, into frevo, showing that although this rhythm has a quite characteristic accent of Recife, Pernambuco, it can and should reach other audiences and blend diverse instruments such as the electric guitar, making it go further and further.”

36 Ele também é patrocinado por marcas como: Tagima Guitars, Santo ngelo, NIG Strings, Oneal Amplificadores, Lost Dog Palhetas, Fire Custom Shop e Power Play. 37 Em março de 2012, Luciano Magno recebeu o título de cidadão pernambucano, pela Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.

37 He has also been sponsored by brands like: Tagima Guitars, Santo ngelo, NIG Strings, Oneal Amplificadores, Lost Dog Palhetas, Fire Custom Shop and Power Play. 38 In March 2012, Luciano Magno was entitled citizen of Pernambuco by the Legislative Assembly of the State of Pernambuco.

87


OTÁVIO BASTOS: THE BODY POETICS By Jacira França

A DANÇA É UMA DAS FORMAS DO CORPO SE expressar criativamente, interagir e encontrar a si e aos outros através desta arte dos movimentos. O modo como se dá este encontro, por vezes, quebra os padrões, desafia o óbvio. Neste sentido, está a trajetória de Otávio Henrique Bastos Nascimento, passista e professor de dança: “A forma como eu encontrei o frevo, eu já não seguia padrões porque como eu tinha 1,93 metros de altura e todos os passistas eram baixinhos, superfortes e ágeis e eu era gigantesco e tinha que adaptar tudo que eu fazia, então, o frevo já surge pra mim como uma forma de adaptação. Eu comecei no frevo com 17 anos, mais ou menos, e, antes de entrar no frevo, eu tive um problema sério de saúde, eu tive um enfisema pulmonar. E, perto da minha casa, estava Nascimento do Passo.38 Aí um dia eu fui assistir uma aula e entrei. Desde então nunca mais saí”. Neste período, por volta de 1995, Otávio Bastos entrou no universo acadêmico. Primeiramente, passou no vestibular para administração, mas não concluiu; em seguida, iniciou no curso de economia, que ficou inconcluso também. Por fim, decidiu pela graduação em artes cênicas na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, curso no qual se formou. Em 2002, foi convidado para trabalhar em São Paulo, com Antônio Carlos Nóbrega. Na cidade de São Paulo, onde residiu por dez anos, Otávio Bastos se aprofundou na dança contemporânea, na educação somática39 e deu

DANCE IS ONE OF THE WAYS THE BODY CREATIvely expresses, interacts and finds itself with the others. The way this meeting happens breaks the patterns and challenges the obvious. In this sense, it is the path of Otávio Bastos Henrique Nascimento, passista and dance teacher, “The way I found out frevo, I could not follow standards; as I was 1.93 meters tall and all the passistas were usually short, super strong and agile [and I was gigantic], I had to adapt everything I did; so, frevo already appears to me as a form of adaptation. I started in frevo at about the age of 17, and, before taking it up, I had a serious health problem - I had a pulmonary emphysema. Near my home, lived Nascimento do Passo. One day, I went to see a lesson and I started at once. Since then I’ve never left it.” In this period, around 1995, Otávio Bastos entered the academic world. First, he passed the entrance exam for business management, but he did not finish it; then, he initiated the course of economy, which was also incomplete. Finally, he decided by the degree in performing arts at the Federal University of Pernambuco - UFPE, course in which he graduated. In 2002, he was invited to work in São Paulo with Antonio Carlos Nóbrega. In São Paulo, where lived for ten years, Otávio Bastos deepened in contemporary dance, somatic education39 and taught in Brincantes Institute. He also performed some shows. Still in São Paulo, in 2008, he won a scholarship from the Ministry of Culture to study Improvisation at

38 Nascimento do Passo é considerado um mestre no universo do frevo pernambucano. Nesta época, Nascimento do Passo era professor da Escola Municipal de Frevo Maestro Fernando Borges, escola fundada em 1996 e mantida pela Prefeitura Municipal do Recife até os dias atuais. 39 A educação somática é um vasto campo teórico e prático que tem como um de seus principais objetivos o movimento do corpo pensado a partir de seus desequilíbrios, manutenção e recuperação de sua saúde.

39 Somatic education is a vast theoretical and practical course that has as one of its main objectives the body movement thought from its imbalances, maintenance and recovery of its health.

Fotos: Paulo Maia

OTÁVIO BASTOS: A POÉTICA DO CORPO Jacira França

“Na minha aula, a busca é por uma poética do corpo, uma poética pessoal, então, como eu vou fazer com que o corpo do aluno consiga dançar respeitando as suas estruturas e o seu jeito”

88

89


aulas no Instituto Brincantes, além de participar de alguns espetáculos. Ainda em São Paulo, no ano de 2008, ele ganhou uma bolsa do Ministério da Cultura para estudar improvisação no centro de dança Movement Research, em Nova York, início de seu processo de circulação internacional com a dança – “Era um lugar incrível. Era um corredor enorme, com gente de culturas muito diferentes e era um salão que você tinha que atravessar de um lado ao outro improvisando a partir de determinadas partes do corpo – aí era a aula em si. Mas, ali você via corpos totalmente diferentes, com estruturas completamente diferentes e como a cultura interferia em qualquer movimento que a gente tava fazendo, como o frevo interferia no meu movimento, mesmo não sendo puramente frevo e aí é muito legal pra percepção de si”. Tempos depois, recebeu outra bolsa de estudos para a universidade de dança Palucca Hochschule For Tanz Dresden, localizada na Alemanha. Alguns dos seus principais trabalhos são: a parceria com a chinesa Abby Chan, com quem montou o espetáculo “Quando o Sr. Bastos encontra a Sra. Chan”. O espetáculo “Nos Quatro Cantos da Redondeza”; o espetáculo solo “O Fio das Miçangas”; “O Alfaiate de Livros”; e o trabalho com a finlandesa Hanna Vilander chamado It’s a woman’s world, com turnê pelo Brasil e pela Europa. Otávio Bastos também já se apresentou em países como: Suíça, França, Chile, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Alemanha, Suécia, Finlândia, Inglaterra, China. Em alguns destes lugares teve a oportunidade de ministrar aulas de frevo, em inglês, e destas experiências, ele destaca: “O passo, quando ele acontece no meio da rua, não tem muito o certo e o errado. As pessoas tentando realizar algum movimento e elas vão fazer isso de acordo com o corpo que elas têm. Quando você chega em uma outra cultura, você chega muito menos na forma como se deve realizar e muito mais como aquela cultura vai conseguir se adaptar pra realizar aquilo, então você inclui a diferença. É como que o corpo, dentro de dada realidade cultural, consegue realizar o movimento naquele instante”.

90

the Movement Research Dance Center in New York, beginning his international path with dance, “It was an amazing place. It was a huge hall with people from very different cultures and a room that you had to cross it from one side to the other making improvisations with certain parts of your body - this was the class itself. But there, you could see completely different bodies, with completely different structures. It was amazing the way culture interfered in [all] the movements that we were doing, the way frevo interfered in my movement, although it was not plainly frevo; and that’s really cool for you to notice yourself.” Sometime later, he received another scholarship to the University of Dance Palucca Hochschule For Tanz Dresden, in Germany. Some of his main works are the partnership with the Chinese Abby Chan, with whom he set up the show “Quando o Sr. Bastos encontra a Sra. Chan,” “Nos Quatro Cantos da Redondeza,” the solo shows “O Fio das Miçangas,” “O Alfaiate de Livros;” and the work with the Finnish Hanna Vilander called It’s a woman’s world, with a tour of Brazil and Europe. Otávio Bastos has also performed in countries such as Switzerland, France, Chile, United States, Portugal, Spain, Germany, Sweden, Finland, England, and China. In some of these places, he had the opportunity to minister frevo lessons in English, and from these experiences, he points out, “The steps, when they happen on the street, don’t have very much this thing of right or wrong. People try to execute some movements and they do them in accordance with the body they have. When you’re introduced to a new culture, the form of how something should be accomplished is much less observed than the way that culture will be able to adapt to accomplish that, then you add the difference. It’s as if the body, given certain cultural reality, could perform the movement at that moment.” And, in his classes, both at Paço do Frevo museum - where he teaches the course “Frevo and improvisation” and in other states or abroad, Otávio Bastos is based on the following precept, “I use a lot of improvisation; this is a factor that I think it’s important. And I also work hard from the backbone. These are two elements that I work quite a lot on this quest. Because,

“In my class, the search is for body poetics, personal poetics; so, how I’m going to make sure that the student’s body can dance respecting its structures and its way”

E, nas suas aulas, seja no Paço do Frevo – onde ele ministra o curso “frevo e improvisação”-, seja em outro estado ou no exterior, Otávio Bastos se baseia no seguinte preceito: “Eu utilizo muito da improvisação, isso é um fator que eu acho importante. E trabalho muito a partir da coluna, então, são dois elementos que eu trabalho bastante nesta busca. Porque, na minha aula, a busca é por uma poética do corpo, uma poética pessoal, então, como eu vou fazer com que o corpo do aluno consiga dançar respeitando as suas estruturas e o seu jeito. Como a gente encontra o seu jeito de se movimentar e não o meu. É um tipo de educação que eu não sou o padrão e aí é como você faz o outro se descobrir, se aceitar pra conseguir se movimentar”. Deste modo, a sua contribuição no frevo se destaca por levar este ritmo para outros lugares e como ele pode estar concatenado com as demandas contemporâneas: “Pra mim a grande questão com o frevo é: como a gente consegue alfabetizar o frevo de forma atual? Como a gente cria uma educação corporal que tenha essa relação com o cotidiano?”.

in my class, the search is for body poetics, personal poetics; so, how I’m going to make sure that the student’s body can dance respecting its structures and its way. The way we find his/her way of moving and not mine. It is a type of education that I am not the standard, but it’s how you make the others discover themselves and be accepted to get moving.” Thus, his contribution to frevo stands out for bringing this rhythm to other places and how it can be integrated with the contemporary demands - “To me, the big question with frevo is: how can we alphabetize frevo in a modern way? How can we create a body education putting together this relationship with everyday life?”

91


TRADITION, INNOVATION AND PRESERVATION: “IT’S THE BONDE?!IT’S VERY GOOD!!!!!” By Janine C. Meneses

NA DÉCADA DE 1980, TOCADOS COM A FRAGIlidade em que se encontravam importantes agremiações carnavalescas, um grupo de amigos oriundo da Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos40, se fantasiou e decidiu fortalecer algumas agremiações, participando dos seus desfiles. Passados alguns anos, o grupo sentiu a necessidade de se tornar independente e, imbuído da ideia de circular por Olinda e Recife, inspirado na música do mestre Capiba: “Quem vai pra Farol é o bonde de Olinda”, como também nos antigos bondes das cidades irmãs - pois os bondes sempre estiveram ligados à história dos blocos e do próprio carnaval - decidiu fundar O Bonde Bloco Carnavalesco Lírico, tendo o seu primeiro desfile com orquestra própria em 1991. Desde o seu surgimento, a teatralização e o ineditismo vieram a ser características singulares que distinguem este bloco, acompanhado da forma peculiar de se dançar nesta agremiação - o bailado. O Bonde é o único bloco lírico que desfila com carro alegórico - uma réplica de um bonde antigo -, além disto, traz a inovação de iluminar suas fantasias, adereços e seu flabelo com lâmpadas de LED, distinguindo-se ainda por ser o único bloco a ser contemplado no edital dos Pontos de Cultura no estado até então41. O Bonde aboliu a prática de todos os anos ter que produzir

IN THE 1980S, TOUCHED BY THE FRAGILITY OF some important carnival associations, a group of friends coming from the Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos, dressed up their costumes and decided to strengthen some of those groups by participating in their parades. After a few years, the group felt the need to become independent and, taken by the idea of pervading streets of Olinda and Recife and inspired by the music of master Capiba, “Quem vai pra Farol é o bonde de Olinda” (Who goes to the lighthouse is the tram of Olinda – free translation), as well as the old trams of the sister cities - because the trams were always linked to the history of the blocos and the carnival itself - decided to found O Bonde - Bloco Carnavalesco Lírico to parade for the first time with its own orchestra in 1991. From its inception, the theatricality and originality became, together with its peculiar way of dancing the ballet, the single characteristics that distinguish this bloco from the others. O Bonde is the only bloco lírico parading with a float - a replica of an old tram - in addition, it brings the innovation of illuminating its costumes, props and flabel with LED. To make it even more distinguishable, it has been so far the only bloco to be granted by the notice of the state’s Pontos de Cultura41. O Bonde abolished the practice of having to produce new costumes for their members every year,

40 O grupo era formado, entre outros, por Gilberto Beduschi, Hilton Leão, Ivone Lopes, Hayana Leão, Manuel Araújo, Lenice Mutran, Cristiane Mutran, Ceça, Eliane, e Cid Cavalcanti. Entrevista com Alcides Campelo Cavalcanti (Cid Cavalcanti, 54 anos), realizada no Museu Paço do Frevo, no dia 17 de novembro de 2016. 41 Conforme o Ministério da Cultura, Pontos de Cultura são grupos, coletivos e entidades de natureza cultural que desenvolvem e articulam atividades culturais em suas comunidades e em redes, reconhecidos e certificados pelo Ministério da Cultura por meio dos instrumentos da Política Nacional de Cultura Viva. Os Pontos de Cultura são certificados pelo Ministério da Cultura, através de edital público, de extrema concorrência.

40 The group was formed by, among others, Gilberto Beduschi, Hilton Lion, Ivone Lopes, Hayana Leão, Manuel Araújo, Lenice Mutran, Cristiane Mutran, Ceça, Eliane, and Cid Cavalcanti. Interview with Alcides Campelo Cavalcanti (Cid Cavalcanti, 54), held at the Paço do Frevo Museum, on November 17, 2016. 41 According to the Ministry of Culture, Pontos de Cultura are groups, collectives and cultural entities that develop and articulate cultural activities in their communities and networks, recognized and certified by the Ministry of Culture through the instruments of the National Policy of Living Culture. The Pontos de Cultura are certified by the Ministry of Culture through a public notice of extreme competition.

Fotos: Paulo Maia

TRADIÇÃO, INOVAÇÃO E PRESERVAÇÃO: “É O BONDE?! É BOM DEMAIS!!!!!” Janine Primo C. Meneses

“A gente só ama o que conhece, e para você amar o frevo você precisa conhecer, e de preferência, desde criança [...] e é exatamente isso que a gente quer, que as crianças de hoje, quando estiverem adultas, mantenham viva a tradição do Bonde”

92

93


“We only love that you know, and for you to love frevo you need to know it, and preferably, as a child [...] and that’s exactly what we want, that the children of today, when grown-up, keep alive the tradition of O Bonde”

fantasia nova para os seus integrantes, “Porque, nós, agremiações, blocos, damos a impressão que a cada ano é um grupo diferente ”, e ,movido pela auto sustentabilidade, optou por manter a mesma fantasia todos os anos, criando uma identidade visual, entretanto, com temas diferentes. O multiartista Cid Cavalcanti é o fundador e presidente do Bonde. A sede da agremiação está localizada no bairro da Imbiribeira, onde podemos encontrar suas fantasias, materiais, fotografias, prêmios, medalhas e a Grife do Bonde, que dispõe de produtos e serviços relacionados ao ciclo do Carnaval. Cid revela que O Bonde busca manter um diálogo permanente entre a tradição e a contemporaneidade em suas ações, ou seja, expressar elementos carnavalescos tradicionais, atendendo às demandas contemporâneas. Assim, o bloco procura fortalecer saberes

94

“Why do we, associations and blocos, have to be every year under the impression that we are a different group?” And moved by self-sustainability, it chose to keep the same costume every year, creating a visual identity but with different themes. The multi-artist Cid Cavalcanti is the founder and president of O Bonde. The association’s head office is in Imbiribeira, where are displayed costumes, materials, photographs, awards medals and the Bonde brand, which offers products and services related to the carnival season. Cid reveals that O Bonde seeks to maintain ongoing dialog between tradition and contemporaneity in its actions, and express traditional carnival elements, meeting the contemporary demands. The bloco tries to strengthen traditional knowledge through workshops, such as headdress, masks, millinery and carnival wigs - Louis XV42 style, inviting master artisans

tradicionais, através da realização de oficinas, como: confecção de adereços, máscaras, chapelaria, perucas carnavalescas estilo Luiz XV42, convidando mestres desses saberes para realizar formações na sede e os aproximando, sempre que possível, das crianças para formar as novas gerações de carnavalescos e foliões. “Na verdade, a gente vem ao longo dos anos, estruturando e oferecendo vários produtos e serviços, que o Bonde desenvolve e esses produtos vão desde oficinas culturais, tanto realizadas gratuitamente para a comunidade, dentro do plano de trabalho do Ponto de Cultura, como também de forma particular para outras instituições e públicos, neste caso, o recurso adquirido é revertido para manter o bloco [...] porque nós acreditamos que enquanto as agremiações estiverem nessa total dependência (do poder público), as coisas não caminham muito não”. Dessa forma, adotou o empreendedorismo cultural, buscando fortalecer a autonomia e independência financeira, bem como salvaguardando saberes relacionados ao frevo. Intrinsecamente espiritualizado, suas cores vermelho, branco e o dourado sintonizam seus orixás guias, Xangô e Ibêji. O Bonde é avesso a qualquer tipo de discriminação, declarando-se contra a homofobia, a discriminação racial e religiosa, abraçando a todos que coadunem com os princípios da agremiação, “nós somos uma grande equipe por aceitar a diferença”. Atendendo ao pedido de Ibêji e buscando eternizar o frevo, foi criado o bloco O Bondinho, incitando os componentes do bloco a envolverem suas crianças, “não só por uma questão religiosa, mas principalmente para garantir o futuro do frevo de bloco e do Bonde [...] a gente só ama o que conhece, e para você amar o frevo você precisa conhecer, e de preferência, desde criança [...] e é exatamente isso que a gente quer, que as crianças de hoje, quando estiverem adultas, mantenham viva a tradição do Bonde [...] mas isso só é possível se começarmos hoje a projetar o futuro, se não começar hoje, não haverá futuro”. E são nesses trilhos que o Bonde segue rompendo barreiras e fronteiras, viajando na tradição, preservando o passado, repaginando o presente, distribuindo inovação e vislumbrando o futuro.

to conduct these workshops in its office, and bringing them, whenever possible, closer together the children to form new generations of carnival makers, merrymakers and revelers. “O Bonde has been over the years structuring and offering various products and services, such as the cultural workshops that are both carried out free of charge to the community because of the work plan of the Ponto de Cultura and privately for other institutions and audiences. The fund raised is used to supply the Bloco [...] because we believe that while the associations are in this total dependence (on the government offices), things won’t work out well.” This way, it implemented the cultural entrepreneurship to strengthen its autonomy and financial independence as well as safeguard the knowledge related to frevo. Intrinsically spiritualized, its colors red, white and gold harmonize its orixa guides, Xangô and Ibeji. O Bonde is contrary to any kind of discrimination, declaring itself against homophobia, racial and religious discrimination, embracing everyone that fits with the principles of the association, “We are a great team for accepting the difference.” At the request of Ibeji and seeking to perpetuate the frevo, the Bloco O Bondinho was created, urging the Bloco components to involve their children, “Not only for a religious issue, but mainly to ensure the future of the frevo-de-bloco and O Bonde itself [...] we only love that you know, and for you to love frevo you need to know it, and preferably, as a child [...] and that’s exactly what we want, that the children of today, when grown-up, keep alive the tradition of O Bonde [...] but this is only possible if we begin at once to plan the future; if we do not start this today, there will be no future.” And these are the tracks where O Bonde lays on, breaking barriers and borders, traveling on tradition, preserving the past, building the present, distributing innovation and spotting the future.

42 A peça principal para a feitura de perucas e chapéus está em “extinção” e o grupo a importou de Portugal, promovendo não só o conhecimento do contexto material e imaterial desse saber, como a própria produção e manutenção do mesmo.

42 The main piece for the making of wigs and hats is in “extinction” and the group imported it from Portugal, promoting not only the knowledge of the material and immaterial context of this knowledge, but also the production and maintenance of the same.

95


FLAIRA FERRO, BETWEEN TRADITION AND CONTEMPORANEITY By Janine Primo C. Meneses

FLAIRA FERNANDA CARDOSO FERRO, MAIS conhecida como “Flaira Ferro”, é recifense, do bairro do Cordeiro, nascida em 1990. Aos seis anos pediu pra sua mãe a levar para o Clube de Máscaras Galo da Madrugada, lá, ao ganhar uma sombrinha de frevo de uma amiga de sua mãe foi fotografada dançando pelo Jornal Diário de Pernambuco, resultando na matéria de capa do dia seguinte: “Flaira Ferro, Seis Anos, Musa Mirim do Carnaval”. Sua mãe, comovida com a alegria que o frevo despertara em Flaira, e de acordo com sua vontade, a inscreveu na Escola Municipal de Frevo, onde o mestre passista Nascimento do Passo ministrava aulas. Nascimento do Passo tornou-se uma das maiores referências para Flaira, e encontra-se presente na maioria das suas narrativas como artista. Rapidamente Flaira aprendeu a dançar o frevo e com três meses de aula fez sua primeira apresentação. Dos sete aos dez anos de idade foram três anos de formação, “três anos de entender o frevo, de compreender a musicalidade, de muita apresentação na rua, dia de domingo na Praça do Arsenal, na feirinha, era sempre aquela coisa para o turista, o frevo naquela época estava muito voltado pro mercado turístico, só vim entrar num teatro muito tempo depois”43. Experimentou Jazz, Sapateado, Balé Clássico e formou-se

FLAIRA FERNANDA CARDOSO FERRO, BETTER known as “Flaira Ferro,” was born in 1990 in Recife. At the age of six, she asked her mother to take her to the Mask Club Galo da Madrugada. There, her mother’s friend gave her a frevo umbrella and she was photographed dancing by the newspaper Diário de Pernambuco, resulting on its front page in the following day, “Flaira Ferro, Six Years Old, Little Muse of Carnival.” Her mother, moved by the joy that frevo awakened in her, took her to the Municipal School of Frevo, where the master passista Nascimento do Passo ministered classes. Nascimento do Passo became Flaira’s major reference and has been present in most of her narrative as an artist. Flaira quickly learned how to dance frevo and after three months of class made her first performance. From the age of seven to ten, three years of practice had passed, “Three years to understand frevo, understand its musicality, a lot of performances in the street, Sundays at the Arsenal square and at the craft fair. It had always been touristy; frevo at that time was very much geared for the tourist market. I only came into a theater long after.”43 She experienced jazz, tap dance, classical ballet; she also graduated in journalism at the Catholic University of Pernambuco - UNICAP.

43 Ao longo de sua carreira, Flaira ganhou bolsas de estudo de diferentes modalidades de dança, participou de diversos festivais e ganhou inúmeros prêmios como o do “Bal Masqué Infantil”, “Festival Meia Ponta de Joinville” (com Fátima Freitas). Participou de programas televisivos infantis como o Xuxa, Eliana, Gugu, Silvio Santos, e no Recife os programas de auditório. Dançou em grandes hotéis e junto ao mestre Nascimento do Passo desfilou com a Escola de Samba Império Serrano, do Rio de Janeiro, com o tema Canhões dos Guararapes, no Carnaval de 2000.

43 Throughout her career, Flaira won scholarships for different types of dance, participated in several festivals, and won numerous awards, such as “Bal Masqué Infantil” and “Festival Meia Ponta de Joinville” (with Fatima Freitas). She participated in children’s television programs such as Xuxa, Eliana, Gugu, Silvio Santos, and in Recife, in talk shows. She danced in big hotels and, together with master Nascimento do Passo, paraded with the Escola de Samba Império Serrano, in Rio de Janeiro, with the theme Canhões dos Guararapes, in the carnival of 2000.

Fotos: Paulo Maia

FLAIRA FERRO, ENTRE A TRADIÇÃO E A CONTEMPORANEIDADE Janine Primo C. Meneses

“É um equívoco achar que a tradição é algo estático, ela é um processo vivo”

96

97


“It is a mistake to think that tradition is stationary; it is a living process”

também em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. O frevo, até então, não tinha lhe proporcionado uma consciência do cuidado corporal44, não alongava ou desaquecia. Aos quatorze anos sofreu distensão no joelho e aos dezenove, uma ruptura no menisco, “fiz cirurgia e passei um ano sem dançar, foi aí que nasceu outra mulher em mim [...] foi se tornando falso essa ideia de eu ser a passista de frevo colorida, ‘poxa, ninguém vive sempre sorrindo, não está fazendo mais sentido se for pra dançar pra turista, eu já não quero mais botar essa roupinha coloridinha pra animar mais ninguém, tô afim de encontrar um lugar mais profundo com isso, mas a minha dança é essa, como fazer?’”. E passou a se interessar pela dança contemporânea, “por ter outra relação com o corpo”. Come-

Frevo, until then, hadn’t given her awareness of body care44; she didn’t used to stretch before or after the performances. At fourteen, she had a knee sprained and at nineteen, she tore the meniscus, “I had surgery and spent a year out of dance. That’s when another woman was born in me [...]; that idea of being a colored dressed frevo passista wasn’t genuine to me, ‘hey, nobody is always smiling; it doesn’t make any sense to dance only for tourists. I no longer want to don that colorful outfit to cheer the others; I really want to go deeper with that, but my dance is this; how to do it?’” She then got interested in contemporary dance, “for it has another relationship with the body.” She began to have classes with Grupo Experimental, and together with her friend Bella Maia (Maia Isabella Pereira) conducted research and created the solo “O frevo é teu?” (Is the

44 “Nascimento dizia: se machucou é porque o osso está fraco, tem que comer espinha de peixe. Ou quando o dedo de um torcia durante uma aula, ele começava a fazer uma massagem, ia distraindo e pá, puxava o dedo e voltava pra o lugar e era um grito só e a gente voltava a dançar, era um negócio muito bruto (risos), muito ‘primitivo’. Minha formação foi essa e dançando na rua.”

44 “Nascimento used to say that if you hurt yourself, it’s because the bone is weak, you have to eat fishbone. When a pupil’s finger twisted during a class, he would start a massage, distract us, and suddenly pull the finger back. What a pain! Then, we would dance again. It was a very stupid thing (laughs), very ‘primitive’. My background was just like that and dancing in the street.”

98

çou a ter aulas no Grupo Experimental e com a amiga Bella Maia (Isabella Maia Pereira ) realizou pesquisas e criou o solo “O frevo é teu?”, dedicado a Nascimento do Passo, que havia falecido poucos anos antes. De acordo com Flaira, “Quarenta minutos de apresentação, não vestida de roupa colorida. Foi a primeira vez que eu vi o frevo de um jeito sóbrio”45. Conhecer Valéria Vicente (dançarina, pesquisadora e professora do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal da Paraíba - UFPB) foi outro marco na sua vida. Participando de seu curso “Trançados Musculares”, firmou com Valéria uma parceria que gerou importantes projetos como o “Espaço do Passo”46 e o “Frevo de Casa47. “Eu virei uma chave, eu pensei o que era que eu iria fazer com o frevo, a dança que dancei a vida toda. Eu vi que era possível incorporar ele nas minhas questões e é assim que eu continuo atuando [...] É um equívoco achar que a tradição é algo estático, ela é um processo vivo [...] eu entendo que tem quem mantenha a forma e tem quem renove a forma, para que ela continue precisa ser mudada, transformada [...] E o frevo pra não morrer, pra não virar essa coisa de bibelô do Carnaval alegre e colorido precisa ter esse caldeirão de estímulos pra que outras coisas surjam”. Flaira deseja que o frevo encontre outros lugares, que transcenda o Carnaval, que ele seja tocado também por bandas de rock e pop, que surjam compositoras de frevo e que a sua contemporaneidade seja alimentada cotidianamente. “Eu entendo que a dança que eu faço não é contemporânea pelo o que eu faço, mas pelo o que eu estou procurando ver, pela lente que estou querendo enxergar a dança, o que de frevo tem no ritmo do meu dia a dia? Quando eu olho para o centro da cidade eu me pergunto: ‘qual o frevo que tem ali?’”. Assim segue Flaira, permitindo a renovação da tradição a partir de sua própria arte ao mostrar que o frevo é uma expressão cultural que está constante processo de renovação.

frevo yours?), dedicated to Nascimento do Passo, who had died a few years earlier. According to Flaira, “Forty minutes of performance, not dressed in colorful clothes: it was the first time I saw frevo soberly.”45 Meeting Valéria Vicente (dancer, researcher and professor of Dance at the Federal University of Paraíba - UFPB) was another milestone in her life. Participating in Valéria’s course “Trançados Musculares” (Twined Muscle), she began a partnership with her that generated major projects, such as “Espaço do Passo”46 and “Frevo de Casa.”47 “I turned a key. I wondered what I was going to do with frevo, a dance that I danced all my life. I saw that it was possible to incorporate it in my questions and that’s how I keep acting [...]. It is a mistake to think that tradition is stationary; it is a living process [...]. I understand that there are some people that keep the structure and some that refurbish it; but to keep it going, it has to be changed, transformed [...]. And for frevo not to die or not to turn into this cheerful and colorful carnival trinket, it needs to have this stimulus cauldron for other things arise.” Flaira wants frevo to find other places, transcend the carnival, be also played by rock and pop bands, new frevo songwriters emerge, and be its contemporaneity daily fed. “I understand that the dance I do is not contemporary for what I do, but for what I’m seeking to see. Through the lens I’m trying to see dance, how much frevo is there in the rhythm of my everyday dance? When I look at the city center, I wonder, ‘What kind of frevo is being played or danced there?’” So Flaira keeps going, enabling the renewal of the tradition from her own art to show that frevo is a cultural expression that is in constant process of renewal.

45 Com este solo ganhou o Prêmio de Melhor Bailarina no “Festival Janeiro de Grandes Espetáculos -Festival Internacional de Artes Cênicas de Pernambuco”, em 2011. Foi convidada para apresentá-lo no “Festival do Instituto Brincantes”, passando a compor o grupo Antônio Carlos Nóbrega Cia de Dança. 46 O conhecimento gerado por essa pesquisa foi continuamente alimentando o blog https:// oespacodopasso.wordpress.com/ 47 Frevo de Casa tornou-se a apresentação da pesquisa do Espaço do Passo, junto ao Maestro Spok e ao percussionista Lucas dos Prazeres.

45 With this solo, she won the Best Dancer Award at the “Festival Janeiro de Grandes Espetáculos” - Pernambuco International Festival of Performing Arts, in 2011. She was invited to present it at the “Festival do Instituto Brincantes”, when she was invited to be part of the group Antônio Carlos Nóbrega Cia. de Dança. 46 The knowledge from this research has continuously been feeding the following blog: https://oespacodopasso.wordpress.com/ 47 Frevo de Casa became the performance of the research Espaço do Passo together with Maestro Spok and the percussionist Lucas dos Prazeres.

99


QUEM JÁ OUVIU FREVO TOCADO NA RABECA?! Janine Primo C. de Meneses Fotos: Paulo Maia

“Quem é que pode me dizer que no futuro, um bloco lírico, tradicional, não vai ser composto por pífano, rabeca e fole de oito baixos?”

100

WHO HAS EVER HEARD FREVO PLAYED WITH THE FIDDLE?! By Janine Primo C. de Meneses

“DESDE QUE A GENTE NASCE E CRESCE, ASSIM como Luiz Gonzaga e o forró, o frevo está dentro da nossa criação, goste ou não goste, tem frevo na sua criação no Nordeste. Eu tô falando como potiguar, imagine o pernambucano. [...] E eu quis introduzir a rabeca nesse universo, que é uma das minhas preocupações desde que eu me entendo por rabequeiro, eu me incomodo um pouco com quem diz que a rabeca tem limitações”. O músico, cantor, rabequeiro e construtor artesanal de rabecas, inseriu o frevo em seu instrumento desde 2005, quando compôs um frevo de bloco, Trovão Azul no Frevo, em homenagem à percussão do Maracatu em que tocava, o Estrela Brilhante do Recife. Cláudio nasceu em Natal - RN, no ano de 1974. Seu gosto por músicas tradicionais surgiu de suas vivências no Sertão potiguar, no município de Santana do Matos, cidade natal de sua mãe, onde metia o pé na lama, caçava, pescava, andava solto na caatinga junto a seus familiares e amigos. Segundo Cláudio, “a música mais tradicional remete a gente até à natureza, ao contato com os bichos, com as árvores, com a terra. Quando a gente encontra um instrumento como a rabeca que tem o som áspero, que tem um negócio rude nele, é como a gente encontrasse uma coisa que já conhecesse sem conhecer, entendeu?”. Iniciou-se na música com treze anos de idade e de forma totalmente intuitiva, a partir de um violão de seu pai, sem cordas e esquecido no guarda-roupa, botou linha de pescar, apertou e começou a tocar, daí em diante foi apren-

“SINCE WHEN WE ARE BORN AND GROW UP, frevo is in our upbringing, just like it was Luiz Gonzaga and forró, like it or not, in the northeast, there’s frevo in our upbringing. I’m speaking as someone who was born in Rio Grande do Norte, imagine those who were born in Pernambuco. […] I wanted to introduce the fiddle in this universe which has been a concern of mine as fiddle player for as long as I can remember. I get upset with those who say the fiddle has limitations.” The musician, singer, fiddle player and handmade fiddle maker has played frevo with his instrument since 2005 when he composed the frevo de bloco – Trovão Azul no Frevo, in honor of the Maracatu percussion band where he used to play, Estrela Brilhante do Recife. His taste for traditional music came from his experiences in the backlands of Rio Grande do Norte, in the city of Santana Matos, his mother’s hometown, “The most traditional music refers to nature, animal, trees, and land. When we find an instrument like the fiddle with rough sound, kind of primitive, it’s like we have found something we already know but it was unknown, did you get it?” He started in music at the age of thirteen and in a totally intuitive way. From his father’s acoustic guitar, without strings and forgotten in the closet, he put fishing line, pressed them and began to play it. He learned the acoustic guitar, the guitar and the viola. He decided to make a living on music at the age of 25 and came to Recife, “Reference of traditional music in the country.” Learning how to play the fiddle was a dream and Master Salustiano was his first instructor. He immersed himself

101


dendo a tocar violão, guitarra e viola. Decidiu viver de música aos vinte e cinco anos e foi morar no Recife, “lugar de referência da música tradicional do país”. Aprender a tocar rabeca era um sonho, e o Mestre Salustiano foi seu primeiro professor. Daí em diante mergulhou em alguns brinquedos tradicionais, como o Cavalo Marinho Estrela de Ouro, de Mestre Biu Alexandre. Foi no eixo Recife – Olinda, onde está há quatorze anos, que se consolidou enquanto renomado rabequeiro. Entre as “canjas” que dava em alguns forrós, nasceu o Quarteto Olinda, grupo de forró que surgiu na sede da Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos - parece até que o frevo já o aguardava. Inspirado nos frevos gravados por Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, lançou seu primeiro CD, Luz do Baião, em 2009, com arranjo de uma das maiores referências de cordas do Frevo, Bozó 7 cordas48. O disco é composto por forró, baião, música instrumental, cavalo marinho, maracatu e frevo, – o Trovão Azul no Frevo. “O frevo entra na minha vida com essa música que eu gravei, inclusive já gravei ela de forma não tradicional, com os instrumentos do forró, zabumba, triângulo, o disco é de forró com um frevo”. Foi em um show do Quarteto Olinda durante um Carnaval que ele tocou a primeira vez Cabelo de Fogo, do Maestro Nunes, “um frevo mais quente, um pouco mais difícil de tocar”. Em 2015, Cláudio Rabeca foi provocado pelo Paço do Frevo a incluir o frevo em seu repertório, para uma participação no projeto de música instrumental “Hora do Frevo”, o que o incitou a envolver-se mais nesse universo, “achei o projeto massa, mas fiquei com medo, frevo no Paço do Frevo! Mas como eu gosto de desafio, topei”. Esse convite o levou a desenvolver um jeito próprio de tocar frevo, “eu escuto loucamente a música, boto no meu celular, antes de botar no instrumento, eu escuto desesperadamente essa música, a ponto de repetir vinte vezes. Todo dia ouvia muito o frevo e quando eu peguei na rabeca, ele saiu, meio que vomitado, lógico. Tem música mesmo

in some “traditional plaything,” such as Cavalo Marinho Estrela de Ouro by Master Biu Alexandre. It was in Recife and Olinda, where he has been living for fourteen years, that became a renowned fiddle player. It was from the “jam sessions” he played in some forró shows that Olinda Quartet was formed. This band of forró was created in the headquarters of the Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos – and it even seems that frevo had been waiting for him. Inspired by Jackson do Pandeiro and Luiz Gonzaga records, he launched his first CD, Luz do Baião (Light of Baião) in 2009, with arrangements of one of frevo’s greatest string references, Bozó 7 Cordas (Bozó 7 Strings)48. His CD consists of forró, baião, instrumental music, cavalo marinho, maracatu and frevo, - the Trovão Azul no Frevo. “Frevo comes into my life with this song I recorded. I’ve already recorded it in a non-traditional way with instruments of forró, bass drum, triangle; it’s a forró record with a frevo song.” It was during a concert of the Olinda Quartet that he played for the first time Cabelo de Fogo by Master Nunes, “a faster frevo song, harder to play.” In 2005, Cláudio Rabeca was encouraged by Paço do Frevo to include frevo songs in his repertoire for a performance in the instrumental music project “Hora do Frevo” [Time for Frevo], which made him get more and more involved in this universe, “I found the project cool, but I was scared – frevo at Paço do Frevo! But as I like challenges, I was in.” This invitation led him to develop his own way of playing frevo, “I listen to this music madly, download to my cell phone before transferring to my instrument; I listen to this song desperately to the point of repeating it twenty times. I was listening to frevo every day and when I grabbed my fiddle… this music came out, in a logical way, kind of vomited. There’s music that I pray before playing – God forbid! God brings me luck to play them with no mistakes! (laughs) […] Because of this experience, playing frevo made me feel more confident and now I face frevo as I face baião, xote, choro, with respect, a lot of respect; musically speaking, it requires quite a lot, but it’s good.” For a fiddle player, if a mu-

48 Ewerton Brandão Sarmeno é regente, arranjador, compositor, produtor, multi-instrumentista e professor do Conservatório Pernambucano de Músico. Sua maestria com o violão de 7 cordas lhe rendeu a desígnia artística de Bozó 7 Cordas, tornando-se uma das principais referências deste instrumento no Brasil. É regente e arranjador da Orquestra do Bloco da Saudade, bem como compõe a banda Lampiões e Maria Bonita e a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco. Bozó já tocou com Getúlio Cavalcanti, Paulinho da Viola, Moreira da Silva e Bezerra da Silva, Canhoto da Paraíba, Flávio José, Cauby Peixoto, entre outros.

48 “Ewerton Brandão Sarmeno is regent, arranger, composer, producer, multi-instrumentalist and teacher of the Pernambuco School of Music. His mastery of the 7-string guitar earned him the artistic design of Bozó. 7 Cordas, becoming one of the main references of this instrument in Brazil. He is regent and arranger of the Bloco da Saudade’s Orchestra, as well as member of the band Lampiões e Maria Bonita and the Pernambuco’s Cordas Dedilhadas Orchestra. Bozó has played with Getúlio Cavalcanti, Paulinho da Viola, Moreira da Silva and Bezerra da Silva, Canhoto da Paraíba, Flávio José, Cauby Peixoto, among others.

102

que eu me benzo antes de tocar, valha me deus! Deus dê sorte de tocar ela sem errar! (risos) [...] por causa dessa experiência, tocar frevo me fez perder o medo dele e agora eu o encaro como encaro o baião, o xote, o choro, com respeito, muito respeito, porque musicalmente ele exige bastante, mas é bom”. Para o rabequeiro, se um músico toca frevo, ele sobe o degrau de qualificação, usando uma expressão bem nordestina, afirma que tocar frevo é “atingir um status de ser mais metido a besta, (risos), ah, se eu toco frevo, agora, me respeite viu!”. Para ele, os shows inusitados realizados no Paço do Frevo revigora o próprio bem cultural, nestes podemos encontrar artistas que estejam reinventando o frevo, e defende que o poder público deveria investir em seus trabalhos, “o carnaval do Recife deveria incluir esses artistas em seus palcos”. A experiência dos shows no Paço do Frevo fez seu aluno Rodrigo Fernandes lhe solicitar uma oficina de frevo na rabeca. Esse pedido levou Cláudio a criar seu próprio método para ensinar frevo. Sua última oficina se propôs ao ensino de oito frevos, “eles aprenderam, um pouco mais lento, mas conseguem tocar”. Em sua avaliação, os que fizeram esta oficina de frevo evoluíram mais rápido do que aqueles que não fizeram. Seu próximo desafio será tocar frevo em instrumentos tradicionais do São João, “quem é que pode me dizer que no futuro, um bloco lírico, tradicional, não vai ser composto por pífano, rabeca e fole de oito baixos?” Construir uma novidade dentro da tradição, mesclar o frevo com os instrumentos tradicionais do forró tocando frevo, é um trabalho que está por vir.

sician plays frevo, he deserves a higher qualification; using a rather northeastern expression, to say that you play frevo is “to reach a status of being too smart by half (laughs); ah, as long as I play frevo, you have to respect me!” For him, the unusual shows performed at Paço do Frevo invigorate the culture itself; in these shows, we can find artists who are reinventing frevo, and he claims that the public power should invest in their projects, “The Carnival of Recife should have these artists on its stages.” The experience of the shows at Paço do Frevo made his student Rodrigo Fernandes ask him for a frevo workshop with the fiddle. This request led Cláudio to create his own method of teaching frevo. His last workshop was to teach eight frevo songs, “They’ve learned a little bit slower, but they can play them.” In his assessment, those who took this frevo workshop evolved faster than those who did not. His next challenge will be to play frevo with traditional musical instruments used during the June Festivals, “Who can tell me if in the future a traditional lyrical group cannot be composed of fife, fiddle and eight-bass accordion?” To build something new in the tradition and mingle frevo with traditional instruments of forró playing frevo is the kind of work that it is still to come.

“Who can tell me if in the future a traditional lyrical group cannot be composed of fife, fiddle and eight-bass accordion?”

103


104


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.