Relatório Violações de Direitos Humanos na siderurgia:o caso TKCSA

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Violações de Direitos Humanos na Siderurgia: o caso TKCSA Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) Justiça Global



Relatório de violações de direitos humanos na siderurgia nacional: caso TKCSA Instituto Politicas Alternativas para o Cone Sul (PACS) Justiça Global

Rio de Janeiro 2017


Ficha Técnica Pacs - Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul Av. Henrique Valadares, 23 - 504 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, 20231-030 Telefone: +55 21 22102124 www.pacs.org.br Justiça Global Av. Beira Mar, 406 - Sala 1207 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, 20021-060 Telefone: +55 21 2544-2320 www.global.org.br Coordenação: Instituto Pacs e Justiça Global Texto: Janaína Pinto Pesquisa: Janaína Pinto, Melisandra Trentin e Gabriel Strautman Fotos: Arquivo PACS e André Mantelli Capa: Montagem sobre foto de André Mantelli Revisão de texto: Equipe Pacs Projeto gráfico e infográficos: Yuri Leonardo e Rafael Viana Apoio: Médico Internacional, Fundação Rosa Luxemburgo e Fastenopfer ISBN: 978-85-89366-37-3


Sumário Apresentação

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Resumo executivo

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1. Introdução

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2. Cenário do conflito socioambiental 2.1 Parque siderúrgico brasileiro 2.2 O território de Santa Cruz 2.3 Legislação e licenciamento ambientais 2.3.1 Aspectos básicos do corpo jurídico ambiental brasileiro 2.3.2 As estruturas estaduais de controle e fiscalização 2.3.3 Irregularidades no licenciamento ambiental da TKCSA 2.3.3.1 O TAC

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3. Cenário das violações de direitos 3.1 Pesca artesanal 3.2 Saúde coletiva e território 3.3 Participação política

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4. Considerações finais

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5. Recomendações

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Referências

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Thomas Lohnes / Brot fuer die Welt

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Apresentação

Apresentação

Resumo executivo Introdução

Sede de justiça para moradores/as da região da Avenida João XXIII em Santa Cruz e para pescadores/as artesanais da Baía de Sepetiba. Esse é o sentimento que move a produção deste relatório. As páginas seguintes oferecem uma análise sobre o legado negativo deixado para a sociedade brasileira a partir da instalação da Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) no bairro de Santa Cruz, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. O enfraquecimento das leis brasileiras, sobretudo no que diz respeito à legislação ambiental, é um exemplo desse legado. Também o compõem as violações do direito à saúde, dos direitos trabalhistas de pescadores/as; o desrespeito à cultura da participação democrática de comunidades na tomada de decisões sobre a instalação de grandes empreendimentos; e a criminalização da resistência. Essa herança maldita se relaciona com a existência de outros conflitos ambientais que ocorrem no Brasil em decorrência do modelo de desenvolvimento extrativista dominante – indústria de petróleo, mineração, agronegócio, hidrelétricas e outros projetos de infraestrutura. Em torno deles, são inúmeras as tentativas de destruição dos direitos historicamente conquistados, acompanhadas agora pelo aprofundamento do conservadorismo de um governo ilegal e ilegítimo. Para as populações diretamente atingidas no território, esse espólio representa um conjunto de violações de direitos produzidas ao longo do tempo e ainda não reparadas, aprofundando o sentimento de injustiça e desigualdade. A produção deste documento é o resultado da parceria entre o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e a Justiça Global. Desde 2007, o Pacs realiza

Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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o trabalho de acompanhamento, denúncia e documentação do conflito entre a TKCSA e grupos sociais impactados. A principal contribuição do Pacs ao longo do processo foi a problematização da instalação da siderúrgica sob a ótica da crítica ao modelo de desenvolvimento. A Justiça Global é uma organização que trabalha para a proteção e promoção dos direitos humanos e para o fortalecimento da sociedade civil e da democracia. Em anos recentes, Pacs e Justiça Global realizam juntos iniciativas com o objetivo de chamar a atenção para a responsabilidade de empresas transnacionais sobre violações de direitos humanos cometidas em contextos de grandes projetos de desenvolvimento econômico e atuaram juntos em espaços como a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale e a Campanha Global pelo Desmantelamento do Poder Corporativo. Já a produção deste trabalho conjunto aconteceu entre novembro de 2016 e março de 2017 e adotou como parâmetro a metodologia utilizada pelas Relatorias Nacionais em Direitos Humanos da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA). O projeto Relatorias foi implantado em 2002 e se institui como instrumento de exigibilidade dos direitos humanos no Brasil. Seu objetivo é contribuir na efetivação dos direitos humanos, tendo como referência a Constituição Federal e os instrumentos e mecanismos formais, domésticos e internacionais, de proteção a esses direitos. A vasta documentação já existente sobre o conflito envolvendo a TKCSA e os grupos sociais impactados foi produzida por entidades que integram a campanha Pare TKCSA!, e instituições públicas como

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a Fiocruz. Além delas, inúmeras pesquisas acadêmicas serviram como ponto de partida para este texto. Também foram realizadas uma série de entrevistas com representantes de diferentes órgãos públicos, tais como a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Rio de Janeiro e o Ministério Público Federal. Outra importante etapa para a produção deste relatório foi a realização de uma oficina sobre direitos humanos em dezembro de 2016, onde moradores/as e pescadores/as relataram os problemas vivenciados no território desde a instalação da siderúrgica. As empresas transnacionais são o núcleo do sistema capitalista mundial e são responsáveis por violações de direitos humanos, degradação ambiental, além de repressão e criminalização de lutas sociais e de resistência no mundo todo. Enquanto as normas de direitos humanos que protegem os povos e os bens comuns não são regidas por um sistema que obrigue seu cumprimento, aquelas que protegem o direito dos investidores – em especial as grandes empresas transnacionais – têm caráter obrigatório e vinculante. Essa diferença cria uma assimetria, a chamada “arquitetura da impunidade”, em que as transnacionais são as principais beneficiadas, e os Estados e organismos internacionais, seus cúmplices. Em fevereiro de 2017, a Thyssenkrupp aceitou vender a Companhia Siderúrgica do Atlântico para o grupo argentino Ternium. O conglomerado passará a ser também responsável pelos passivos socioambientais deixados pela Thyssenkrupp. A negociação acordou um valor de € 1,5 bilhões, o que equivale a apenas 28% do valor investido ao longo de doze anos. A TKCSA deixou de ser


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autoridades públicas para a necessidade de reparação às comunidades impactadas pela TKCSA. É necessário priorizar processos econômicos que gerem legados positivos e não negativos para a sociedade brasileira de uma maneira geral. O início dessa mudança é justiça para as famílias vítimas das violações de direitos. Ainda há tempo.

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

tratada com ares de orgulho, como o maior investimento privado alemão no exterior, para ser considerada pelos meios especializados como um dos piores investimentos na história da indústria alemã. Diante disso, perguntamos: Qual a contribuição de uma siderúrgica para uma sociedade? Por que será que em sociedades na Europa e na América do Norte a siderurgia foi severamente reduzida e hoje se concentra em países periféricos como o Brasil? Essas sociedades já entenderam que a produção de aço está associada a custos sociais e ambientais suficientemente elevados, a ponto de serem considerados inviáveis. Ao mesmo tempo, podem transferir esses custos sociais, financeiros e ambientais para países que flexibilizam as legislações ambientais, trabalhistas e de direitos humanos para viabilizar tais empreendimentos. Países onde esses custos não são cobrados do empreendimento, negando o direito da sociedade de escolher outros caminhos. O Estado brasileiro parece não medir esforços para oferecer vantagens às empresas privadas. As regalias vão desde a total flexibilização de leis até o financiamento público dos empreendimentos, passando pela cumplicidade na violação de direitos. Com efeito, os empregos gerados pela siderúrgica na Zona Oeste do Rio de Janeiro são um legado insuficiente se contrapostos ao extenso conjunto violações – em última instância, financiadas com recurso público, através de isenções fiscais e investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Portanto, este documento, e outras ações que já realizamos, quer sensibilizar a opinião pública, os/as operadores/as de justiça e as

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Acervo PACS

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Apresentação

Resumo executivo

Resumo executivo Introdução

Este relatório tem como objeto a investigação de denúncias de violações de direitos decorrentes da atuação da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) nos arredores da avenida João XXIII, bairro carioca de Santa Cruz. Ele foi realizado entre os meses de novembro de 2016 e março de 2017, pelo Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) em parceria com a Justiça Global. Foram investigadas as seguintes queixas:

Cenário do conflito

• Descumprimento de legislação ambiental e de leis e mecanismos infraconstitucionais que se relacionam direta e

Cenário das violações

indiretamente com a legislação ambiental. • Violações de direitos individuais e coletivos de pescadores/ as artesanais que vivem no entorno da avenida João XXIII, no bairro carioca de Santa Cruz.

Considerações finais

• Violações dos direitos individuais e coletivos de moradores/ as que vivem no entorno da avenida João XXIII, no bairro de Santa Cruz.

Recomendações

• Violações de direitos civis e políticos de pessoas e coletivos resistentes ao empreendimento.

Referências

O caso da TKCSA revela sistemáticas violações de direitos humanos que não se restringem à escala local. Está em jogo também a violação de direitos difusos da população do estado do Rio de Janeiro. Ela se expressa em impactos sobre a rede de agricultura e pesca, a qual passa pela Baía de Sepetiba, e sobre o volume de emissões de gás carbônico em todo o estado, cujo crescimento foi

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observado desde o início das atividades da siderúrgica. Entretanto, o foco deste documento manteve recorte local. Coletivos e iniciativas individuais de pessoas atingidas pelas ações da TKCSA realizaram as denúncias investigadas. Elas foram mapeadas e ampliadas pelo próprio Pacs ao longo dos 11 anos que já se passaram desde o início da instalação do empreendimento. De 2005 até os dias atuais, boa parte das denúncias foi referendada também por apurações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A companhia foi responsabilizada e multada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) devido a ações pontuais que são aqui apresentadas como parte de um contexto de violação muito mais amplo e profundo. O acúmulo de denúncias e a análise conjunta delas, no entanto, ainda não haviam figurado em um único documento. É buscando suprir essa lacuna que apresentamos esta relatoria. Além da coleta e do aprofundamento de investigações, a equipe responsável dialogou com organizações sociais, comunidades, autoridades e órgãos públicos. Também foram realizadas pesquisas em fontes primárias e secundárias. Algumas das principais irregularidades identificadas na atuação da TKCSA foram: seis anos de produção industrial em descumprimento dos padrões mínimos de licenciamento ambiental brasileiro; poluição ambiental e pressão sobre ecossistemas e biodiversidade; comprometimento da ati-

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vidade laboral de pescadores e pescadoras artesanais; apoderamento de territórios e comprometimento do bem estar comunitário; cooptação, desqualificação, criminalização e constrangimento de lideranças locais; e omissão, conivência e participação do Estado em boa parte dessas violações. Atualmente, o parque siderúrgico nacional é composto por 29 usinas, administradas por 11 grupos empresariais. Elas fazem do Brasil o 5º exportador líquido de aço do mundo. Graças à resistência de localidades como a Reta João XXIII – via do bairro carioca de Santa Cruz onde estão as duas portarias da TKCSA – é possível denunciar que essa produção de riqueza em grande escala é realizada às custas da qualidade de vida de populações empobrecidas, cujos direitos coletivos historicamente foram, e ainda são, desconsiderados pelo Estado brasileiro nas instâncias municipal, estadual e federal. Seguem abaixo, de maneira introdutória, algumas informações acerca dos problemas averiguados por esta relatoria no que se refere à TKCSA: 1. Violações às leis brasileiras de regulamentação do licenciamento ambiental

Desde as primeiras etapas do licenciamento ambiental, inúmeras irregularidades foram identificadas, debatidas, tornadas públicas e questionadas não apenas pelos órgãos de controle, mas também pela sociedade civil, inclusive por grupos locais. Entre os principais problemas é possível destacar, já nas primeiras etapas do licenciamento, por exemplo, inconsistências relacionadas à exploração das alternativas técnicas e loca-


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não foram corrigidas nos estágios iniciais de construção do contrário, seu número apenas se multiplicou. Desde os primeiros problemas identificados Forno #1, ficava claro que os questionamentos anteriormente eram verdadeiros, mas também produziriam consequências ainda mais negativas do que

Cenário das violações

se imaginava

Cenário do conflito

levantados não apenas

Introdução

com a partida do Alto-

Resumo executivo

empreendimento, pelo

Apresentação

As violações à legislação

cionais para execução do empreendimento, à fragmentação do próprio procedimento de licenciamento, cuja principal consequência é a limitação da capacidade de identificação de impactos cumulativos e sinérgicos, à realização de intervenções irregulares em áreas de preservação permanente, modificações no zoneamento industrial metropolitano etc. Ocorre que tais violações à legislação não foram corrigidas nos estágios iniciais de construção do empreendimento, pelo contrário, seu número apenas se multiplicou. Desde os primeiros problemas identificados com a partida do Alto-Forno #1, ficava claro que os questionamentos anteriormente levantados não apenas eram verdadeiros, mas também produziriam consequências ainda mais negativas do que se imaginava. Nesse sentido, era evidente também a inviabilidade técnica de se conceder qualquer ato autorizativo a fim de permitir a operação regular da companhia. Assim, foi assinado um acordo que, durante quatro anos, pretendeu legitimar as atividades da TKCSA no território. Aditado três vezes ao longo de sua vida útil, dezenas de obrigações foram incluídas, modificadas, suprimidas em um intenso e conturbado processo de disputa em que os/as principais atingidos/as nunca puderam interagir formal e previamente. Em uma comunicação essencialmente limitada por consultores/as – intermediadores/as – dos interesses da companhia, as demandas locais foram essencialmente traduzidas em questionários e relatórios que transformavam vidas, histórias e anseios em um cálculo de viabilidade econômica do empreendimento. Apesar de inúmeras críticas ao processo de licenciamento remanescerem sem um esclarecimento definitivo, haja vista a existência de inúmeras ações judiciais – inclusive de natureza penal –, o posicionamento final do órgão licenciador, em 2016, foi de finalmente conceder a licença de operação à TKCSA. Entretanto, importante ressaltar que sua obtenção não encerra a disputa, não pacifica o conflito, tampouco soluciona transtornos, impactos e violações de direitos gerados à população local. A presunção de legalidade conferida pela licença não isenta a companhia de fiscalização e controle por parte do poder público e da sociedade civil, tampouco a afasta da obrigação de responder judicial-

Considerações finais Recomendações Referências

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mente por todas as demandas coletivas e individuais pendentes de julgamento.

A despeito da imposição legal de

2.Cerceamento de atividade pesqueira artesanal em área da Baía de Sepetiba

Entre os principais impactos causados à comunidade local desde as primeiras obras de dragagem, é possível destacar o cerceamento da pesca artesanal. Já na instalação da TKCSA, foram inúmeros os momentos em que as atividades de pesca na região foram limitadas. Entretanto, a despeito da imposição legal de realizar compensações ambientais suficientes para resolver as alterações negativas verificadas em decorrência da instalação e operação empreendimento, a companhia despendeu mais com consultorias do que em iniciativas palpáveis para soluções dos danos gerados. O último episódio experimentado por pescadores/ as da região pode ser descrito como a construção de uma barragem no canal de São Francisco que inviabilizou a pesca no corpo hídrico. Ainda que a Aedin – entidade privada responsável pela construção – insista em afirmar que a estrutura instalada se trata de uma soleira submersa, não é preciso qualquer conhecimento técnico para observar que, apesar de parte da sua estrutura estar sob as águas, a barreira que emerge do canal é mais do que suficiente para impedir os tradicionais usos do referido curso hídrico. A barragem não apenas inviabiliza a pesca, mas também expõe ao risco a vida daquelas pessoas que tentam atravessar o pequeno trecho aberto para passagem. Como alternativa oferecida pela Aedin – que desde o início afirmava que a estrutura não traria impactos à atividade pesqueira –, foi instalada uma espécie de guincho para fazer o traslado das embarcações nesse trecho. Assim, qualquer pescador/a que quisesse ultrapassar a barragem precisaria interagir com representantes da referida associação – da qual a TKCSA é um dos principais membros – que, por sua vez, passou a controlar o fluxo de embarcações na região. Todo esse transtorno foi justificado tendo como fundamento a crise hídrica experimentada no Sudeste do país durante o ano de 2015. Os grupos industriais envolvidos argu-

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realizar compensações ambientais suficientes para resolver as alterações negativas verificadas em decorrência da instalação e operação do empreendimento, a companhia despendeu mais com consultorias do que em iniciativas palpáveis para soluções dos danos gerados

Para além do impacto visual observado nas camadas de pó cinza que se acumulam sobre as construções, não são poucos os relatos de moradores/as a respeito da piora na qualidade do ar e do súbito aumento de doenças de pele e problemas respiratórios a partir da entrada em operação da siderúrgica


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Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

O histórico de violações ao ordenamento jurídico vigente por parte da TKCSA extravasa os danos causados à pesca artesanal. Em diversos momentos a companhia foi objeto de intervenções realizadas pelos órgãos públicos de controle, como, por exemplo, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado do Rio de Janeiro, em razão do descumprimento de determinadas normas relacionadas à segurança e medicina do trabalho, e do Ministério Público do Trabalho que, entre outros, investigou o emprego de mão de obra chinesa não especializada atuando sem contrato de trabalho. A partir de 2010, quando a partida do primeiro Alto-Forno foi autorizada pelo

Resumo executivo

3. “Chuva de prata” nos arredores da Reta João XXIII

poder público e sua atividade operacional foi iniciada, as violações novamente se intensificaram. Um mês após o início da pré-operação da TKCSA, Santa Cruz foi surpreendida por emissões de grandes quantidades de material particulado, popularmente denominada chuva de prata. Tais lançamentos se repetiram em reiterados momentos do processo de pré-operação, causando muito mais do que incômodos à população local. Pelo contrário, para além do impacto visual observado nas camadas de pó cinza que se acumulam sobre as construções, não são poucos os relatos de moradores/as a respeito da piora na qualidade do ar e do súbito aumento de doenças de pele e problemas respiratórios a partir da entrada em operação da siderúrgica. Apesar de diversas multas lavradas contra a TKCSA pelo Inea, intervenções judiciais do Ministério Público, e algumas manifestações da comunidade local, o desrespeito aos padrões de qualidade do ar persistiu. Essa afirmação encontra fundamento na medida em que tais problemas operacionais foram um dos principais argumentos para justificar a assinatura do TAC que acabou por prorrogar a pré-operação – sem licença – da companhia por quatro anos. O acordo incluiu inúmeras medidas compensatórias, e, ao final de sua vigência, o Inea entendeu – a partir essencialmente de relatórios produzidos por auditoria externa – que a compensação dos impactos gerados teria sido suficiente para permitir a emissão da licença de operação da companhia. Entretanto, para além das reparações individuais não indenizadas pela TKCSA – que permanecem sendo discutidas judicialmente em mais de 200 ações patrocinadas pela Defensoria Pública

Apresentação

mentaram que a diminuição do fluxo hídrico teria implicado em um aumento da salinização da água utilizada em seus processos produtivos. Nesse sentido, a água captada seria prejudicial aos equipamentos das indústrias, resultando em prejuízos operacionais. Para resolver o eventual aumento no custo de produção, o poder público autorizou a construção da referida barragem pleiteada pela Aedin, ignorando por completo a legislação em vigor. Para além das consequências diretamente causadas ao ecossistema local – e não identificadas nos diagnósticos apresentados – o impacto sobre a pesca na região foi brutal e, atualmente, a Aedin é obrigada judicialmente a fornecer mensalmente cestas básicas e uma remuneração mínima a atingidos/as por conta da instalação da barragem, reforçando uma vez mais que sua instalação foi um equívoco.

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–, é necessário reforçar que ainda remanescem presentes os diversos relatos locais sobre a multiplicação de problemas de saúde, reforçando uma vez mais que as deficiências apontadas pelo Ministério Público e Defensoria precisam ser apuradas e, caso necessário, corrigidas. 4. Cooptação, criminalização e constrangimento de coletivos e indivíduos resistentes

Desde o início das tratativas para a implantação da TKCSA em Santa Cruz, as companhias Vale S.A. e Thyssenkrupp investiram no desenvolvimento de diagnósticos, estudos, canais de comunicação e estratégias de atuação para lidar não apenas com os obstáculos legais e burocráticos, mas também com as populações locais atingidas. O conhecimento apurado acerca dos grupos políticos locais (e.g., lideranças, associações etc.) sempre foi um elemento fundamental para o desenvolvimento de estratégias de atuação junto aos atores impactados. Ainda que a consequência imediata dessa atuação tenha estimulado movimentos na direção da construção de novos arranjos políticos, essa multiplicidade de novos grupos e associações sem uma tradição associativa consolidada produziu uma diversidade de consequências. Dentre elas é possível destacar um aumento de complexidade na disputa sobre a tentativa de unificar posicionamentos em direções minimamente convergentes capazes de minimizar um posterior enfraquecimento dos grupos impactados. A incipiente organização local não representou grande obstáculo capaz de dificultar ou impedir a implantação da siderúrgica. Pelo contrário, houve uma seleção dos atores locais para intermediar a elaboração e execução das medidas compensatórias. Em outras palavras, houve uma livre atuação da TKCSA para definir com quem construiria canais de comunicação e as demais pessoas e coletivos com quem evitaria dialogar, isto é, os que apresentavam maiores riscos à viabilização do empreendimento. Essa estratégia foi reproduzida ao longo do procedimento de licenciamento e é evidente atualmente nas questões judiciais relacionadas à definição dos atores impactados pela construção da barra-

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Houve uma livre atuação da TKCSA para definir com quem construiria canais de comunicação e as demais pessoas e coletivos com quem evitaria dialogar, isto é, os que apresentavam maiores riscos à viabilização do empreendimento. Essa estratégia foi reproduzida ao longo do procedimento de licenciamento e é evidente atualmente nas questões judiciais relacionadas à definição dos atores impactados pela construção da barragem pela Aedin


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do a atuação de um grupo produz perturbações negativas nas práticas de outros grupos, por exemplo, através da água, do solo ou do ar. Tais perturbações são chamadas de impactos socioambientais, elas vitimam grupos sociais que passam a ser chamados, portanto, de pessoas impactadas ou grupos sociais impactados. As circunstâncias investigadas apontam para a urgência de uma atuação mais incisiva do Estado no enfrentamento às violações de direitos e aos impactos socioambientais praticados pela siderurgia na Reta João XXIII e adjacências. As recomendações desta relatoria incluem:

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito

1. O atendimento imediato por parte do poder público e da TKCSA das requisições apresentadas pelo Ministério Público no âmbito da ação civil pública n. 024378819.2016.8.19.0001;

Cenário das violações

2. A suspensão imediata por tempo indeterminado da Licença de Operação concedida à TKCSA até o atendimento integral às demandas requisitadas pelo Ministério Público

Considerações finais

no âmbito da ação civil pública n. 024378819.2016.8.19.0001; 3. A vedação integral de emissão de qualquer documento autorizativo, seja ele

Recomendações

licença, autorização ou ato administrativo impróprio à TCKSA para qualquer atividade realizada no Estado do Rio de Janeiro até o cumprimento integral de todos os passivos socioambientais pendentes de regulariza-

Referências

gem pela Aedin. Esse cenário baixo de associativismo contribuiu para o surgimento de agentes intermediadores/as de direitos que, a partir das dificuldades locais de comunicação, transporte e articulação política se apresentam como possíveis solucionadores/as de questões triviais ou até mesmo de alta complexidade. Entretanto, o que se verifica na prática é um aumento da precariedade do acesso à justiça. Por fim, é necessário lembrar que os processos de resistência arduamente construídos ao longo dos últimos anos também foram – e continuam sendo – alvo de tentativas de intimidação e criminalização, reforçando a necessidade de garantias suficientes para permitir o exercício de uma livre organização e representação política local. Militantes, ativistas, professores/as e pesquisadores/as foram processados/as, inclusive criminalmente por atores privados envolvidos, constrangidos pelas forças policiais e ameaçados/as por representantes de órgãos estaduais de meio ambiente. Com a finalidade de deixar evidente o caráter estrutural do perfil de problemas enfrentados pela comunidade do entorno da avenida João XXIII diante do megaempreendimento TKCSA, esse relatório faz uso de terminologias dos movimentos por justiça ambiental, e dialoga com a literatura que denuncia outros casos semelhantes em outras regiões do país. Em poucas palavras, uma situação de iminente conflito socioambiental dá-se quando dois ou mais grupos sociais convivem em um território e possuem modos de apropriação, uso e significação do espaço diferentes entre si. No entanto, o conflito de fato só ocorre quan-

ção, conforme apontam Ministério Público e Defensoria Pública; 4. A suspensão imediata dos incentivos

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fiscais concedidos à operação da TKCSA no

9. A indenização integral de pescadores/as

estado do Rio de Janeiro sob o fundamento

artesanais impactados/as pela instalação da

de reiterado descumprimento da legislação

barragem por parte de agentes públicos e

brasileira em vigor, como apontam diver-

privados responsáveis, em especial a Aedin,

sos laudos, estudos, pareceres técnicos do

incluindo nesse montante indenizatório não

Ministério Público, Defensoria, movimentos

apenas valores referentes ao tempo em que

sociais e entidades civis organizadas;

a pesca foi inviabilizada na região, mas também ao risco criado à vida de pescadores/as

5. A rescisão imediata dos contratos de

com a instalação da estrutura;

financiamento para o complexo siderúrgico negociados junto ao BNDES sob o funda-

10. Com relação aos impactos causados

mento não apenas da violação da legislação

pela chuva de prata, o ressarcimento

em vigor, mas, em especial, por haver ope-

integral a moradores/as por prejuízos

rado de 2012 a 2016 sem a devida Licença

causados aos seus bens materiais e a sua

de Operação – i. e., apenas insuficientemen-

qualidade de vida;

te lastreada por Termo de Ajustamento de Conduta – em discordância aos critérios

11. Em adição, a indenização por parte

definidos nos respectivos contratos;

da TKCSA à comunidade local, coletiva e individualmente – conforme assumido

6. A célere e definitiva manifestação do Judi-

por escrito no âmbito do procedimento

ciário no âmbito das ações penais ajuizadas

de licenciamento ambiental –, por todos

pelo Ministério Público em 2010/2011 contra

os prejuízos causados em virtude de sua

agentes públicos e privados, no que diz res-

instalação e operação, como, por exemplo,

peito a violações à legislação ambiental;

as restrições às atividades pesqueiras, as enchentes observadas após as alterações

7. A remoção integral da barragem do

hídricas conduzidas na região – em especial,

Rio São Francisco, incluindo a reparação

as acontecidas no conjunto habitacional São

completa de todos os danos causados

Fernando, cujas famílias ficaram desajola-

por sua retirada, haja vista que sequer o

das por dias e perderam mobílias e bens em

argumento emergencial empregado – i.e.,

geral –, os impactos causados pela opera-

crise hídrica – é possível de ser sustentado

ção de linha de trem nas proximidades de

no cenário atual;

área residencial etc.; e

8. O cumprimento da legislação em vigor

12. No que se refere à participação política,

que protege a pesca e a pessoa pescadora

a apuração da atuação da iniciativa privada

artesanal, em especial para garantir a par-

no território a fim de esclarecer a condução

ticipação prévia, efetiva e material desses

de atividades voltadas para a cooptação de

atores em futuras potenciais intervenções

lideranças, bem como o desenvolvimento de

no território;

estratégias de fragmentação e dissociação da comunidade local.

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Apresentação

Resumo executivo Introdução

Cenário do conflito

Cenário das violações

Considerações finais

Recomendações

Referências

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Apresentação

Introdução

Resumo executivo Introdução

Negócios especializados em todas as fases da cadeia produtiva siderúrgica operam dentro do território brasileiro. Existem no país empreendimentos que extraem da terra minério de ferro e carvão mineral, que semeiam e depois queimam extensas plantações de eucalipto para dar origem ao carvão vegetal, que transformam ferro em aço bruto, que produzem mercadorias semiacabadas de aço, que produzem mercadorias acabadas de aço, que reciclam parte do entulho gerado pela indústria etc. No entanto, as empresas voltadas para as etapas de produção mais poluentes e predatórias – como, por exemplo, mineração, plantações de eucalipto e transformação de ferro em aço bruto –, em regra, são as maiores e mais politicamente influentes no país. Os impactos socioambientais dessas atividades e a consequente possibilidade de esgotamento dos recursos naturais necessários a elas são amplamente conhecidos e debatidos tanto pelo meio acadêmico quanto entre as próprias corporações. No entanto, são principalmente as pessoas diretamente impactadas negativamente pela siderurgia e as instituições de luta e debate social voltadas para o pleito dessas pessoas que trazem nos relatos do dia a dia a urgência de mudanças estruturais no setor e na maneira de fazer negócios como um todo. A ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) transforma ferro em aço bruto e depois em placa de aço, um produto siderúrgico semiacabado e considerado de baixo valor agregado. Além de ser atualmente o maior complexo da siderurgia latino-americana, a empresa é a responsável pela maioria da exportação brasileira de produtos siderúrgicos semiacabados (IAB, 2016). Essa condição dá a ela alto poder de barganha junto ao Estado, uma vez que es-

Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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sas mercadorias são uma importante aposta de inserção do setor brasileiro no mercado internacional desde o início dos anos 2000. As placas de aço do maior complexo siderúrgico da América Latina são produzidas na periferia da cidade do Rio de Janeiro, a partir do minério de ferro extraído pela Vale S.A. no interior de Minas Gerais. Eles colaboram para um superávit brasileiro do aço, que, em 2016, foi da ordem de US$ 3,5 bilhões (IAB, 2016). Embora sejam as informações sobre o desempenho econômico do empreendimento as que mais são difundidas aos stakeholders, a usina também se sobressai em todo o setor siderúrgico pelo impressionante acúmulo de denúncias de violações de direitos da população vizinha nas quais ela está implicada. Essa realidade chegou ao conhecimento de entidades de luta e debate socioambiental, há mais de dez anos, por meio de moradoras e moradores de Santa Cruz, cujas vozes alcançaram jornais e a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) tão logo as obras de instalação da empresa começaram. Ao longo desse tempo, o Instituto Pacs acolheu, sistematizou e difundiu variadas queixas, entre elas: alergias e problemas respiratórios da população próxima à usina, enchentes em conjunto habitacional vizinho a aquífero alterado pela empresa, rachaduras severas em casas no entorno da planta industrial, desocupação autoritária de terreno público, poluição sonora próximo à linha do trem, intensificação do trânsito corriqueiro da região, mais poluição em rios e mares, cooptação de lideranças populares e proibição da pesca em locais de abundante presença de peixes e crustáceos

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da Baía de Sepetiba. A tarefa de disseminar e investigar as denúncias é um esforço constante e coletivo. O número de movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil sensibilizadas com a resistência à TKCSA no decorrer dos anos foi e continua alto. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), rede Jubileu Sul, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Rio de Janeiro, Brigadas Populares, Central dos Movimentos Populares, Articulação Internacional de Atingidos e Atingidas pela Vale, Artigo 19 Brasil, Associação Comunitária dos Moradores de Pequiá, Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), Comissão de Direitos Humanos da OAB Rio de Janeiro, Comitê Popular de Mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Federação e Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Instituto de Formação Humana e Educação Popular (Ifhep), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, Rede Justiça nos Trilhos e Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe/RJ) são algumas delas. As irregularidades da usina também chamaram a atenção no judiciário. Por exemplo, só a Defensoria Pública do Rio de Janeiro é responsável pelo ajuizamento de mais de 200 ações judiciais de natureza individual e/ou coletiva relacionadas, entre outras, a denúncias de problemas de saúde acarretados por poluição, e ao


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de 200 ações judiciais relacionadas, entre outras, a denúncias de problemas de saúde e a impactos sobre a pesca artesanal. O Ministério Público do tem hoje em curso ações penais e civis contra a TKCSA, seus representantes, além públicos. Possui, ainda, inquéritos que não apenas investigam a instalação também o licenciamento ambiental da siderúrgica e a concessão de incentivos fiscais. O empreendimento rol de investigados pelo Ministério Público Federal

Referências

também faz parte do

Recomendações

da barragem, mas

Considerações finais

de órgãos e gestores

Cenário das violações

Estado do Rio de Janeiro

Cenário do conflito

acarretados por poluição,

Introdução

responsável por mais

Resumo executivo

do Rio de Janeiro é

Apresentação

A Defensoria Pública

impacto das alterações no território provocadas sobre a pesca artesanal. Nesse sentido, o mais recente abalo à atividade pesqueira foi a construção de uma barragem que, desde 2015, bloqueia a passagem de embarcações pequenas para a Baía de Sepetiba. Em atuação complementar à realizada pela Defensoria, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro tem hoje em curso ações penais e civis contra a TKCSA, seus representantes, além de órgãos e gestores públicos. Possui, ainda, inquéritos que não apenas investigam a instalação da barragem, mas também o licenciamento ambiental da siderúrgica e a concessão de incentivos fiscais que vigoram desde a época de sua instalação. O empreendimento também faz parte do rol de investigados pelo Ministério Público Federal, que acompanha o caso desde 2006, quando o complexo ainda estava em instalação. Tendo em vista a expressividade da situação, as violações de direitos decorrentes da atuação da TKCSA nos arredores da avenida João XXIII, bairro carioca de Santa Cruz, são o tema deste relatório, realizado entre novembro de 2016 e março de 2017. Este documento emprega a metodologia definida no âmbito da Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil) e considera os princípios da universalidade, integralidade e indivisibilidade dos direitos humanos. Portanto, compreende o direito à vida e a um ambiente saudável como basilares para a realização dos demais direitos. Será a partir dessa ótica que as violações observadas pela relatoria serão apresentadas. Os 10 quilômetros quadrados escolhidos para sediar a planta industrial da TKCSA estão localizados em Santa Cruz, onde o então governador do estado da Guanabara Carlos Lacerda criou um distrito industrial na década de 1960. Também estão instalados na região outros empreendimentos de significativo impacto ambiental, tais como a Casa da Moeda, a Fábrica Carioca de Catalisadores, Furnas, Gerdau etc. Entretanto, o bairro carioca é também um dos territórios da Baía de Sepetiba, casa de importantes ecossistemas marinhos e remanescentes de

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Mata Atlântica já fragilizados por um histórico de degradação. O território acolhe populações tradicionais caracterizadas por preservar hábitos e técnicas artesanais de baixa escala e impacto como lavoura, pesca, apanha de mariscos e turismo ecológico. Por essa razão, Santa Cruz é, ao mesmo tempo, distrito industrial e área de relevante interesse ecológico. Ademais, é onde mora quase 6% da população carioca e está coberta por conjuntos habitacionais. Como observam as organizações da sociedade civil comprometidas com a luta pela justiça ambiental, embora sejam conhecidas as consequências ambientais e sociais negativas verificadas em decorrência da instalação e operação de atividades e empreendimentos de significativo impacto, os discursos, processos e condutas atualmente observados são insuficientes e tendem sistematicamente a não priorizar os direitos humanos das pessoas afetadas. Enquanto a população local de Santa Cruz sofre os impactos acumulados das dezenas de empreendimentos industriais instalados, as fábricas continuam a ser acolhidas pelo poder executivo, e recebem benefícios fiscais dos governos estadual e municipal há mais de cinco décadas. A instalação de empreendimentos causadores de significativa degradação ambiental em localidades de baixo índice de desenvolvimento social, cuja população dispõe de baixa renda e escasso poder político, mascara a manutenção da conduta empresarial predatória, autoritária e violadora dos direitos humanos característica do atual modelo político-econômico hegemônico, além de reforçar desigualdades estruturais brasileiras calcadas no racismo

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e na atitude ainda colonizadora de segmentos sociais privilegiados. Entre a instalação da siderúrgica e os dias de hoje, um ciclo envolvendo empresa, Estado e pessoas impactadas repetiu-se mais de uma vez: a TKCSA fez uso do próprio poder de barganha e pleiteou benefícios, o executivo concedeu, a TKCSA incorreu em irregularidade, as pessoas impactadas sofreram as consequências e demandaram reparações, o judiciário foi provocado, a TKCSA alegou inocência mas se dispôs à conduta “filantropa” em relação às pessoas impactadas, o executivo ora multou ora fez acordo com a TKCSA, as pessoas impactadas continuaram prejudicadas e, a cada novo ciclo, menos dispostas a levantar a voz, uma vez que tanto a conduta estatal quanto a corporativa é a de subvalorizar os impactos sofridos. Esse ciclo perverso, no qual a correlação de forças entre empresa, Estado e populações atingidas é totalmente assimétrica, cada um desses atores desempenha seu papel dentro de uma lógica que se mostra violadora de direitos. Assim, na medida em que a empresa escapa à regulação legal para funcionar, ou se o Estado, de diferentes formas, autoriza sua operação, consolida-se uma dinâmica em que as pessoas impactadas têm cada vez menos recursos para exigir direitos. A mobilização social torna-se, nessa lógica, fundamental para romper o ciclo e provocar o salto de significado. O poder corporativo precisa ser contido, e o Estado tem o dever de promover, proteger e garantir direitos humanos para todos e todas. A siderúrgica chegou à Santa Cruz após endosso do governo federal, doação


Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

empreendimentos causadores de significativa degradação de baixo índice de desenvolvimento social, cuja população dispõe de baixa renda e mascara a manutenção da conduta empresarial predatória, autoritária e violadora dos direitos do atual modelo político-econômico hegemônico, além de estruturais brasileiras calcadas no racismo e na atitude ainda colonizadora de privilegiados

Considerações finais

segmentos sociais

Cenário das violações

reforçar desigualdades

Cenário do conflito

humanos característica

Introdução

escasso poder político,

Resumo executivo

ambiental em localidades

Apresentação

A instalação de

de terra pública estadual e aprovação de isenções fiscais municipais e estaduais, ainda em 2005. Apenas tiveram início as obras de dragagem para a construção do porto, em outubro de 2006, os primeiros impactos socioambientais passaram a ser observados no território, bem como o início da resistência de grupos sociais impactados e a conduta ameaçadora corporativa em relação a lideranças populares. Também no início da instalação, as casas ao longo da Chatuba, uma das regiões do bairro mais próxima à TKCSA, tremiam com a força do maquinário da obra e não demoraram a apresentar rachaduras. Muitas delas foram condenadas pela Defesa Civil, mas continuam servindo de moradia, uma vez que as pessoas, jamais indenizadas pelo prejuízo, não possuem renda suficiente para arcar com uma nova habitação. Enquanto os impactos socioambientais eram reiteradamente denunciados, novas concessões eram conferidas à iniciativa privada. Nessa direção, o Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES) aprovou empréstimo de R$ 1,48 bilhão para a construção do complexo industrial, embora a política socioambiental da instituição financeira preveja as dimensões social e ambiental como estratégicas na análise de concessão de crédito. A despeito das recentes tentativas de contato com o banco, não foi proferida manifestação formal sobre as irregularidades denunciadas ao longo do tempo. Outro impacto representativo no território foi o alagamento verificado no conjunto habitacional São Fernando, em 2010 e 2011. Moradores/as e Defensoria Pública alegam que os episódios teriam ocorrido na intensidade verificada em decorrência de o curso do canal de mesmo nome haver sido alterado pela TKCSA. Apesar de a empresa negar responsabilidade pelo ocorrido e haver apresentado laudo favorável a essa versão, as disputas judiciais sobre o tema ainda não foram encerradas e encontram-se em fase de elaboração de prova pericial. A despeito disso, em negociação realizada com o órgão ambiental licenciador do empreendimento, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a TKCSA teria voluntariamente concordado em financiar,

Recomendações Referências

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entre outros, a construção de estação de tratamento de água para o conjunto de casas, o fornecimento de colchões e outros mantimentos etc. E assim sucessivamente, como será abordado nas próximas partes deste relatório. O impacto socioambiental de maior repercussão nesta trajetória talvez seja a “chuva de prata”, como ficaram conhecidos os vários episódios de poluição do ar provocados pela emissão irregular e ilegal vista a olho nu de material particulado quando dos dois primeiros anos do processo produtivo. Os problemas respiratórios e dermatológicos sofridos pelas pessoas de Santa Cruz foram tema de matéria jornalística diversas vezes. No entanto, até o

presente momento, parte significativa das ações ajuizadas pela Defensoria Pública ainda não foi julgada, e a empresa jamais assumiu publicamente os perigos à saúde que a manutenção da sua atividades representa para a localidade. Por um lado, o discurso corporativo afirma que a alta tecnologia de que dispõe a indústria garante que os impactos à saúde e ao ambiente sejam mínimos. Por outro, em diversos momentos a TKCSA foi levada pelos órgãos públicos de controle, entre eles o Inea, a financiar a política pública de saúde coletiva nos arredores da planta, para além das medidas compensatórias definidas nos procedimentos de licenciamento. Essa dubiedade estimula um sentimento de

“Normalmente, a atuação dos órgãos ambientais com relação a empreendimentos de grande porte, que vêm a ser grandes poluidores, tem um modus operandi muito semelhante ao observado no caso da TKCSA. Digo isso porque o Gaema tem essa característica, ele foi criado para cuidar de casos vultosos, então o que a gente percebe com base em algumas experiências é que, nesses casos, a equipe técnica dos órgãos já se manifesta sinalizando que o parecer técnico não será o decisivo. No caso da TKCSA, a gente teve a oportunidade de se reunir com a presidência do Inea e a Secretaria do Estado, quando foi manifestado que não havia interesse em interromper a operação. A partir do momento que o empreendimento sabe que nunca vai sofrer uma sanção que configure a interdição, ele, em vez de entrar em uma condição submissa durante as negociações, entra dando as cartas”. Promotora Vanessa Martins, responsável pelos inquéritos civis que investigam a TKCSA no Grupo Especializado em Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público Estadual (MPE) do Rio de Janeiro até janeiro de 2017, em entrevista concedida à equipe.

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Apresentação

deslegitimação do discurso das pessoas impactadas e resistentes à TKCSA. As reparações não resolvem o problema, que, ainda mais, continua a ser negado pela instituição que o causa, com a anuência de parte do Estado. Foram muitas as apurações e as investigações realizadas pelos órgãos públicos de controle, por instituições civis e pela própria população; algumas delas contribuíram para alterações na conduta da TKCSA, mas os impactos negativos seguiram prejudicando a população e o ambiente local. Apesar de todas as denúncias, a empresa atuou produzindo e exportando aço sem licença de operação por seis anos. Este relatório foi realizado pela combinação de quatro esforços: a revisão de documentos referentes à TKCSA, as entrevistas com partes envolvidas, a leitura de conjunturas relacionadas ao conflito socioambiental em questão e o levantamento da literatura em justiça ambiental, impacto e conflito socioambiental. O histórico de acompanhamento do caso pelo Pacs foi importante fonte de documentos e entrevistas, mas a maior parte das que integram este texto foi realizada entre novembro de 2016 e março de 2017. O relatório está dividido em cinco capítulos. Esta introdução e outros quatro. A próxima parte apresenta o contexto do conflito socioambiental entre TKCSA e parte da população de Santa Cruz. O cenário apresentado dá ênfase às relações empresa-Estado através de informações a respeito das conjunturas: parque siderúrgico nacional, território de Santa Cruz e legislação e licenciamento ambientais. O terceiro capítulo apresenta o contexto das denúncias de violações de direitos apuradas pela relatoria, bem como a resposta do Estado a elas. Ela trata dos impactos socioambientais bem como das violações a direitos socioambientais e políticos realizadas pelo empreendimento. Após apresentados os cenários do conflito e das violações, são feitas algumas considerações finais no capítulo quatro e, por fim, a quinta seção traz recomendações desta relatoria ao poder público, com vistas à garantia do direito à vida e ao ambiente saudável para a população de Santa Cruz.

Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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André Mantelli

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Apresentação

Cenário do conflito socioambiental

Resumo executivo Introdução

Pode-se dizer que o conflito socioambiental surge do embate entre práticas diferentes de apropriação do mundo material. Quando uma concepção de mundo é aplicada a um território através de uma atividade econômica ou cultural, ela modifica o ambiente a partir do interesse de um determinado grupo social. Por exemplo, quando uma comunidade pesqueira se aloja à beira de um aquífero, a disposição das casas, a manufatura das ferramentas, o cotidiano de vida daquela localidade se volta à atividade da pesca. Quando um outro grupo social chega à margem daquele mesmo rio e procura instalar ali outra atividade econômica, baseada em outra concepção de mundo, cria-se a iminência de um conflito socioambiental. No entanto, esse conflito só se concretiza quando o segundo grupo efetivamente aplica ao território em disputa a sua concepção de mundo e impacta a atividade das outras pessoas – que, nesse exemplo, haviam chegado antes. Os impactos se dão por meio do ar, da água e do solo, que configuram, pela legislação ambiental brasileira, bens de todos e todas. São muitas as motivações e as justificativas que fazem um grupo social aplicar a um território já ocupado a própria concepção de mundo sem atentar para a magnitude dos impactos nas atividades de outros grupos sociais ali residentes. A partir da observação militante dos movimentos de justiça ambiental, é possível afirmar que várias localidades do Brasil e do mundo apresentam variações desse cenário, cujas características habituais são: (i) o grupo empreendedor que submete os outros grupos sociais aos impactos o faz com a anuência do Estado; (ii) os grupos impactados possuem renda, escolaridade e poder político abaixo da média; e (iii) os impactos são justificados

Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

por uma suposta melhoria aportada pelo empreendimento, geralmente relacionada a emprego e renda. Quando algum desses fatores falta à equação, os riscos são maiores, e o empreendimento por detrás dos impactos tende a não se concretizar. É o caso de São Luís, no Maranhão, onde se tentou instalar a CSA, mas a comunidade local fez uso da articulação política para impedir a chegada da siderúrgica. Há 11 anos, Santa Cruz vive um conflito socioambiental crônico. Em um polo desse embate, está a TKCSA, que contou com o apoio e anuência dos governos federal, estadual e municipal para operar por seis anos em zona residencial sem as devidas licenças exigidas pela legislação. Em outro polo, estão moradores/as do entorno da avenida João XXIII e pescadores/as artesanais da Baía de Sepetiba, cujos pleitos levaram a centenas de ações judiciais. Regiões onde se observa uma superposição de empreendimentos e instalações responsáveis por danos e riscos ambientais são chamadas pela literatura de zonas de sacrifício: áreas cuja renda da população residente é baixa e onde se instalam atividades de maior impacto socioambiental. Às pessoas residentes nessas localidades é imposta uma série do que se convencionou chamar de alternativas infernais: situações que parecem não deixar outra escolha além da resignação ou da denúncia impotente ante uma guerra econômica incontornável. Na atualidade, observa-se um mundo onde as fronteiras não interrompem o fluxo de grandes quantidades de capital, o que leva a que Estados e companhias atuem de maneira conjunta na busca por oportunidades de investimento. Na procura pela redução de custos de produção, os empreen-

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dimentos se alastram transnacionalmente de modo a que as cadeias produtivas sejam intercontinentais. Fases da cadeia intensivas de mão de obra são instaladas em localidades onde a expectativa salarial seja baixa; etapas intensivas de recursos naturais e potencialmente poluidoras precisam de jurisdições em que a legislação, ou sua aplicação, sejam menos rigorosas. Dessa maneira, quando um empreendimento se aloja em determinado território, recorrentemente ele o faz depois de escolher aquele lugar, com a ajuda de um Estado. Na cidade do Rio de Janeiro, quando se fala em zona de sacrifício também se está falando de racismo ambiental. A estratificação social carioca é também, grosso modo, uma estratificação racial. O histórico de episódios recorrentes de gentrificação das zonas centrais da cidade aliado a uma abolição da escravatura que jamais reparou as pessoas negras escravizadas com qualquer subsídio estatal além das cotas raciais, criou periferias, morros e subúrbios mormente pretos, onde as políticas públicas chegam principalmente por meio da polícia, mas também por meio dos incentivos a instalação de indústrias poluentes. Localidades com transporte de pessoas, esgotamento, abastecimento de água e energia precários, esses lugares recebem com frequência grandes empreendimentos nocivos à saúde coletiva, os quais ainda são vistos como novas oportunidades de melhoria de vida. A promessa de renda e emprego a custo da saúde coletiva de um território é uma alternativa infernal, a que uma comunidade demasiado necessitada de renda e emprego está suscetível. Nesse contexto, a terminologia zona de sacrifício é precisa. O Estado sa-


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2.1. Parque siderúrgico brasileiro

Apresentação

A TKCSA é uma entidade privada beneficiária por incentivos estatais à implantação de siderúrgicas no território nacional. As vantagens dessa condição são financeiras, mas também dizem respeito a consequências políticas de uma estreita relação entre governantes e empresa. O credor brasileiro do empreendimento é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o qual financiou 18% do investimento inicial necessário à instalação da usina com porto privativo. A venda da TKCSA à Ternium, que se desenrola desde 2016 e deve se concluir em setembro de 2017, acontece sem que o montante tenha sido totalmente pago à instituição financeira. A dívida deve ser transferida ao conglomerado comprador. Já as relações estreitas com governos se desenrolam desde a esfera federal até a municipal. Em discurso público, o então presidente da República Lula da Silva chegou a destacar a “boa vontade” do então governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral em dar rapidez ao processo de licenciamento ambiental do complexo siderúrgico. Quem acompanha o caso de perto lê “boa vontade” como flexibilização irresponsável da lei ambiental nacional em favor de um empreendimento evidentemente poluente. Isenções fiscais municipais e estaduais foram aprovadas pelos respectivos poderes executivos com o necessário aval das casas legislativas, e o próprio terreno onde a usina e o porto privativo se alojaram foi uma doação pública estadual. Os documentos oficiais referentes a incentivos fiscais foram extensamente avaliados e denunciados pelas organizações civis críticas ao empreendimento no decorrer dos

Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

crifica a qualidade de vida de uma parcela da população, em troca de investimentos industriais que supostamente trarão prosperidade ao país. Quando foi inaugurada a TKCSA, em 2010, o então presidente da República Luís Inácio Lula fez um discurso emocionado que foi arrematado com a seguinte frase: “o Brasil saberá agradecer o que vocês fizeram acontecer neste país hoje”. A trajetória de Lula dispensa grandes apresentações. Com raiz no movimento sindical do ABC paulista, o ex-presidente manteve ao longo da carreira política uma coerência: segundo ele, a população de baixa renda não tem tempo a perder e precisa de melhoria de vida imediata – seja pelo aumento do salário mínimo ou pelo Bolsa Família ou pela conquista de um posto empregatício em linha de fábrica. O que se discute quando se parte da ideia de conflito socioambiental é distinto do imediatismo dessa percepção e significa um avanço no debate das esquerdas internacionais em direção a uma unificação e a um aprofundamento de causas sociais em torno da construção de uma sociedade mais justa e democrática. Em Santa Cruz, os conflitos socioambientais são episódios recorrentes. A chegada de mais uma companhia pode até ser que retire algumas centenas de pessoas da linha da pobreza, mas não modifica as desigualdades estruturais e o racismo ambiental a que o território está submetido. Nesse sentido, a luta com foco sobre os conflitos socioambientais, embora tenha pautas imediatas – como as reparações financeiras aos impactos sofridos pelas populações afetadas –, é sobretudo um esforço de reposicionar o debate e avançar na construção de alternativas populares à acumulação indiscriminada e predatória de riqueza e poder.

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dez anos desde o início da instalação. Análises e levantamentos cronológicos das concessões podem ser encontrados em publicações do Pacs, acessíveis no site do Instituto (www.pacs.org.br). A partir desse histórico de trabalho, é possível afirmar a importância da relação empresa-Estado para o caso em questão. Neste tópico, portanto, serão discutidos alguns marcadores históricos para compreender o papel da TKCSA no parque siderúrgico brasileiro. Uma usina capaz de modificar minério de ferro e carvão mineral e vegetal em aço é uma moeda de troca valiosa no mercado global. Isso era especialmente verdadeiro em meados do século passado, quando um conflito armado envolvendo grandes potências se desenrolava no cenário interna-

cional, e o boom de iniciativas siderúrgicas nacionais era realizado principalmente a partir de financiamento estatal. No entanto, segue verdadeiro agora, quando a competição interestatal se dá, na generalidade, em torno de aspectos político-econômicos menos beligerantes. Isso porque, depois de alcançar os maiores mercados internacionais de maneira inconteste após o grande uso militar, o setor do aço fornece insumo a diversas cadeias produtivas de grande porte, como por exemplo a automobilística, a da construção civil e a de máquinas, equipamentos e bens de capital. A maneira de lidar com o caráter estratégico dessa indústria alterou-se ao longo dos anos. Aproximadamente 70% da produção mundial siderúrgica estava sob con-

TKCSA

O QUE É? Empreendimento siderúrgico de usina integrada, cuja planta industrial dispõe de dois alto-fornos, uma usina hidrelétrica e um porto privativo com duas plataformas para escoamento da produção. Trata-se da maior usina de aço da América Latina, são 10 km².

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O QUE PRODUZ? Placas de aço. A capacidade produtiva anual é de 5 milhões de toneladas.

QUANTO CUSTOU? R$16,64 bilhões, dos quais R$2,3 bilhões foram um financiamento do BNDES.

PARA QUEM PRODUZ? Especialmente para empresas do grupo da Thyssenkrupp nos Estados Unidos e no continente europeu.

O QUE SIGNIFICA PARA A BALANÇA COMERCIAL? Foi a maior produtora de placas de aço e a quinta maior de aço bruto em geral do Brasil em 2015. Foram 4,235 milhões de toneladas, 12,73% da produção total nacional.

QUEM SÃO AS EMPRESAS PROPRIETÁRIAS? Até 2016, as ações majoritárias da usina integrada pertenciam à Vale S.A. (26,87%) e à ThyssenKrupp (73,13%). No início de abril, foi anunciada a venda dos papéis da mineradora para o conglomerado alemão. No final de fevereiro de 2017, a Ternium anunciou a compra integral dos papéis por €1,56 bilhão. Estipula-se que a transação se consolide definitivamente no terceiro semestre desse ano.


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das dívidas externas. A conjuntura que culminou no afluxo privatizador da década de 1990 começou ainda nos anos 1970, quando o mercado internacional viveu uma crise de superacumulação e superprodução gestada nos Estados Unidos, e a desvalorização do dólar começou a diminuir perigosamente a capacidade de endividamento externo daquele país. Como operador da moeda mais utilizada em circulação, medida e reserva de

Apresentação Resumo executivo

trole do Estado no início dos anos 1990. Já em 1998, essa parcela havia caído para 20%. A mudança de paradigma não foi fruto de debates e consensos, mas decorreu de uma brusca transformação de cenário, acarretada pela coação econômica. Deu-se quando países em situação financeira precária venderam indústrias nacionais em áreas estratégicas da economia para reduzir gastos públicos e aumentar as reservas monetárias com o objetivo de usá-las no pagamento

Introdução

O papel do BNDES

Recomendações Referências

Evidentemente, isso não se dá apenas pelo banco em si, mas por uma conjuntura na qual ainda as esferas de poder executivo do país nutrem uma concepção de desenvolvimento que não prioriza a justiça social e insistem em operar de acordo com leis de mercado que negligenciam o bem-estar das camadas sociais de menor renda e historicamente sacrificadas.

Algumas questões observadas por pesquisadores e pesquisadores do tema são: (i) o banco não é criterioso o suficiente nos cadastros solicitados aos empreendimentos, uma vez que não se verifica a proximidade entre a atividade a ser desempenhada pela instituição candidata ao financiamento e terras indígenas ou territórios de comunidades tradicionais como quilombolas ou extrativistas; (ii) o banco não exige qualquer análise sobre impactos cumulativos e sinérgicos nas zonas de sacrifício; e (iii) o banco não adota instrumentos para facilitar o controle social e depende quase exclusivamente de informações fornecidas pelo próprio empreendimento para monitorar impactos.

Considerações finais

À TKCSA, a instituição ofereceu

Diferente do caráter antigo e numericamente expressivo da relação entre BNDES e siderurgia nacional, o compromisso socioambiental da instituição é recente e carece de mais evidências empíricas. A Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA) do banco vigente hoje data de 2014 e não tem se demonstrado suficiente para conter as parcerias do órgão com empreendimentos poluidores e predatórios.

De toda forma, o BNDES participa recorrentemente da viabilização de projetos questionados judicialmente por violações dos direitos humanos e da legislação ambiental, o que denota uma ineficiência da PRSA em efetivamente avaliar os riscos socioambientais e acompanhar a gestão deles pelos empreendimentos.

Cenário das violações

De lá para cá, a participação da entidade no financiamento de novos empreendimentos siderúrgicos foi reduzida, mas segue grande. Entre 1952 e 2001, o Sistema BNDES desembolsou 30,6% do valor investido em siderurgia no território brasileiro. Até 1974, o banco chegou mesmo a ter participação acionária em alguns empreendimentos, quais sejam: Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), na Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. (Usiminas) e na falida Companhia Ferro e Aço em Vitória (Cofavi).

crédito de R$ 1,48 bilhões para aquisição de máquinas e equipamentos nacionais, obras civis, instalações e montagens associadas. Além disso, R$ 10,5 milhões de financiamento também foram concedidos para o apoio de investimentos sociais.

Cenário do conflito

A relação do BNDES com o parque siderúrgico nacional vem desde a criação da instituição em 1952. O banco é um agente financeiro da estratégia governamental, portanto impulsiona o desenvolvimento de setores considerados relevantes pelo executivo federal. Para se ter uma ideia, segundo documento de 1955 do Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República, a participação financeira da entidade na meta de investimento siderúrgico prevista para os anos posteriores era da ordem de 60%.

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valor do mundo, o Banco Central estadunidense (Fed) elevou abruptamente a taxa de juros básica do país, o que atraiu enormes fluxos de capitais para o mercado doméstico dos EUA e valorizou o dólar americano. A medida devolveu a capacidade de crescimento à economia ianque, mas multiplicou as dívidas externas de países periféricos, como os latino-americanos, mergulhando o subcontinente no que a historiografia hoje nomeia a década perdida, os 1980. Nos anos 1990, após uma série de reuniões realizadas em Washington pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Departamento do Tesouro do Estados Unidos, a América Latina foi levada a acatar recomendações de políticas econômicas dessas instituições financeiras sob pena de secarem suas tão necessárias vias de financiamento externo. O receituário foi aplicado a outros países considerados pela cooperação internacional como “em desenvolvimento” e esteve no epicentro das privatizações daquela década. No setor siderúrgico, fusões e aquisições reagruparam empreendimentos e levaram à verticalização deles. Nesse momento, toda a siderurgia da América Latina foi privatizada. A alteração mercadológica amenizou – e, em alguns casos, eliminou – a dependência associada à necessidade de aquisição de matérias-primas pelas usinas integradas, especialmente o minério de ferro, ao mesmo tempo em que a mineração do solo saiu das mãos estatais e passou para a iniciativa privada. Uma mesma firma passou a controlar várias etapas da produção, até mesmo em nível transnacional, e a situação aumentou consideravelmente

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o poder de barganha dessas organizações, agora privadas, no que se refere a negociações com Estados. Essa contextualização é crucial para compreender como o Estado brasileiro hoje exerce controle reduzido, embora não nulo, sobre a velocidade de exploração/degradação mineral do solo nacional. O parque do aço brasileiro é o maior da América Latina e tem sido assim há quase meio século. Desde os anos 1990, ele é também completamente privado. Entre a fundação da primeira usina integrada brasileira, em 1941, e a década de 1970, o setor esteve voltado para o mercado doméstico, enquanto a atuação internacional deu-se preferencialmente por meio da exportação de minério de ferro. Depois, iniciou-se um processo de maior integração ao mercado global, e, entre 1988 e 1993, as usinas estatais foram vendidas. A partir disso, a maneira de o Estado influenciar os rumos dessa indústria passou a ser exclusivamente através de políticas públicas – programas de investimento do BNDES, . Desde os anos 2000, essas políticas focam no aumento da participação das exportações nas vendas de produtos siderúrgicos, especialmente os semiacabados – sobretudo as placas de aço. Assim como o minério de ferro, o semiacabado é uma commodity de baixo valor agregado e intensiva em recursos naturais. É utilizado basicamente como matéria-prima para a laminação de produtos planos. No ano de 2015, 45,7% de todas as exportações de produtos siderúrgicos brasileiras foram de semiacabados, e 88,7% de todos os semiacabados produzidos em território nacional foram exportados.Portanto, trata-se de um nicho siderúrgico que, no Brasil, volta-se


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modificar minério de ferro e carvão mineral e vegetal em aço é uma no mercado global

siderúrgica estava sob início dos anos 1990

siderúrgica estava sob controle do Estado

Referências

da produção mundial

Recomendações

aproximadamente 20%

Considerações finais

Em 1998,

Cenário das violações

controle do Estado no

Cenário do conflito

da produção mundial

Introdução

Aproximadamente 70%

Resumo executivo

moeda de troca valiosa

Apresentação

Uma usina capaz de

para fora e coaduna-se com a aposta estatal de manter uma balança comercial favorável a partir da venda de commodities. É nesse contexto que projetos siderúrgicos iniciados nos anos 2000 estão localizados junto a zonas portuárias, como os casos do Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, e do Pecém, no Ceará. Próxima a cada um deles está uma usina integrada de placas de aço – respectivamente a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) e a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP). A indústria do aço é grande consumidora de energia e recursos naturais e, portanto, responsável por gerar significativo impacto socioambiental nas localidades em que é instalada. Usinas integradas de aço são plantas industriais de grande porte cujo procedimento básico é a transformação de ferro em aço a partir de minério de ferro, carvão mineral e carvão vegetal, já as semi-integradas (apenas 14,5% do parque siderúrgico brasileiro) transformam em aço sucata, ferro-gusa ou ferro-esponja. Dado o alto potencial de impacto sobre a saúde coletiva de um território, hoje em dia, países com condições históricas mais favoráveis evitam hospedar complexos siderúrgicos com usinas integradas. Em 2015, os Brics forneceram 76% da produção mundial de aço bruto, enquanto os Estados Unidos, a Alemanha e os 27 países da União Europeia juntos produziram menos de 20%. Isso não significa dizer que essas nações não estejam tão inseridas na cadeia produtiva do aço quanto o Brasil (2,1%), a Rússia (4,4%), a Índia (5,5%), a China (49,6%) e a África do Sul (0.4%). Significa apenas que, no mundo siderúrgico, a especialização desses países é importar produtos intensivos em recursos naturais e fornecer produtos de maior valor agregado, perpetuando relações comerciais internacionais desiguais e importando junto com o aço bruto a vitalidade do solo, da água e do ar de nações como o Brasil e de localidades como a Baía de Sepetiba. Há quase quarenta anos, houve uma aceleração na metalurgia do aço em nações “em desenvolvimento”. Ela resultou em um deslocamento geográfico na divisão de trabalho internacional siderúrgica. Essas mudanças – resultantes de políticas públicas coadunadas com a iniciativa privada – levaram países com excesso de oferta de aço a desativar uni-

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dades de redução e focar em produtos de maior valor agregado. A produção desses países foca hoje na “parte fria” da cadeia produtiva siderúrgica, importando boa parte do aço bruto que utiliza de outras localidades; enquanto o outro grupo de países também desempenha etapas da “parte fria” da produção, mas arca com o ônus socioambiental de suprir o mercado internacional com matéria-prima e semiacabados. A TKCSA exporta as placas produzidas em Santa Cruz especialmente para laminadoras do Grupo ThyssenKrupp na Europa e na América do Norte. A propósito, a Ternium se comprometeu a seguir exportando 2 milhões de toneladas de placa de aço por ano para a Calvert, o negócio da TK no Alabama, até 2019. Do ponto de vista ambiental, existe uma outra consequência relevante da verticalização e do maior poder de barganha das empresas após as privatizações em massa. A extração mineral é uma atividade econômica predatória por excelência. O minério de ferro e o carvão mineral são finitos. O carvão vegetal exige a carburação de toneladas de árvores, plantadas em extensas faixas de terra no interior do país. Quando uma empresa privada detém o domínio sobre o solo no território nacional, isso tende a provocar um conflito ambiental em si: entre as presentes e futuras gerações do país e a companhia extratora de recursos naturais. O Brasil, além de oitavo maior produtor de aço bruto do mundo, é também o segundo país que mais explora minério de ferro no planeta, atrás apenas da China. As jazidas dessa matéria-prima, embora abundantes, são concentradas: só cinco territórios nacionais detêm 77% das ocorrências. O solo brasileiro está em quinto no ranking e abriga 8,3% de todo o minério de ferro do mundo, o equivalente a 17 bilhões de toneladas. Além de farta, a matéria-prima encontrada no país possui o maior teor de ferro contido, o que faz dela uma mercadoria da mais alta qualidade. O fato de o Brasil ser o segundo maior produtor global desse recurso natural – embora seja a quinta maior reserva – denota uma estratégia agressiva de exploração, tendo à frente a Vale S.A. como maior exploradora e como maior consumidora a China. Aproximadamente 85% de toda a produção nacional de minério de ferro é

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O parque do aço brasileiro é o maior da América Latina e tem sido assim há quase meio século. Desde os anos 1990, ele é também completamente privado

O semiacabado é uma commodity de baixo valor agregado e intensiva em recursos naturais

Em 2015, os Brics forneceram 76% da produção mundial de aço bruto, enquanto os Estados Unidos, a Alemanha e os 27 países da União Europeia juntos produziram menos de 20%


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consistente mesmo quando a alternância democrática permite a ascensão de grupos políticos considerados progressistas à presidência da República: o de privilegiar as parcerias com grandes empresas, ainda que ao arrepio da legislação brasileira. No Rio de Janeiro, a situação das isenções fiscais se agrava ainda mais diante da enorme dívida pública que hoje tem levado a atrasos de três meses nas folhas de pagamento de funcionárias e funcionários do governo do estado. Entre 2008 e 2013, o estado fluminense deixou de apurar R$ 138 bilhões graças aos benefícios fiscais oferecidos a pessoas jurídicas. Essas medidas têm sido alvo de escrutínio em operações da Polícia Federal como a Calicute, e escândalos de corrupção têm sido desmascarados. Evidentemente que as denúncias têm focado em empreiteiras nacionais, uma continuidade do esforço feito nesse sentido desde 2014 com a Lava Jato. Entretanto, se por um lado essas investigações conseguem comprovar as atitudes corruptas apenas das grandes empreiteiras, por outro elas também chamam atenção para um fato das isenções em geral que é igualmente preocupante: com os impostos não arrecadados de pessoas jurídicas entre 2008 e 2013 o estado fluminense pagaria a atual dívida pública vinte vezes. Mesmo assim, os espólios do estado em crise são salários atrasados, não a revogação de benefícios fiscais dados à classe empresarial. Nos seis anos em questão, a TKCSA foi a quarta maior beneficiada. Ela deixou de contribuir com R$ 638 milhões. O que acontece nas povoações periféricas dos dez estados federados onde opera cada uma das 29 usinas que atuam em território vernáculo é uma responsabilidade

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

atribuída à mineradora privada de origem brasileira. O aço exportado pela TKCSA, através do porto privativo do empreendimento, é produzido a partir de minério de ferro proveniente de Minas Gerais, que é explorado pela Vale S.A. Até 2016, a companhia de mineração era acionista da siderúrgica, mas vendeu a parcela que lhe cabia ao grupo alemão ThyssenKrupp. Em carta escrita durante o 27º Congresso Brasileiro do Aço, acontecido em junho de 2016, a indústria siderúrgica brasileira, sob o pretexto “da pior crise da sua história”, reforçou a necessidade de seguir priorizando a exportação e demandou do Estado um aumento na alíquota do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra). O Reintegra é um programa que devolve a empresários/as uma parte do valor exportado em produtos industrializados por meio de créditos do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Em 2015, o montante de impostos pago pelo parque do aço nacional foi o mais baixo dos últimos seis anos. Enquanto o governo federal em exercício custeia propagandas oficiais estimulando a população brasileira a apoiar a proposta de reforma na previdência que aumenta o tempo de serviço necessário para a aposentadoria das pessoas físicas no país, as pessoas jurídicas siderúrgicas pleiteiam uma contribuição menor delas à previdência social. A justificativa do aumento do tempo de serviço é a crise, a da diminuição de impostos pagos por empresas siderúrgicas, também. O desencontro dos discursos é apenas aparente. Ele se baseia em um modus operandi

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compartilhada pelo Estado brasileiro e pelo empreendimento capitalista em questão. Em outras palavras, os impactos causados pela indústria siderúrgica operante no Brasil são consequências de uma postura empresarial cuja procura pelo lucro se sobrepõe à responsabilidade socioambiental, mas também, e principalmente, por planejamentos estatais que, com a finalidade de produzir riqueza, parecem considerar o próprio contingente populacional impactado como colateral menor.

Os impactos causados pela indústria siderúrgica operante no Brasil são consequências de uma postura empresarial cuja procura pelo lucro se sobrepõe à responsabilidade socioambiental,

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2.2. O território de Santa Cruz

mas também, e

O bairro de Santa Cruz está a quase duas horas de trem da Central do Brasil e é vizinho do município de Itaguaí. Muitas das quase 390 mil pessoas que o habitam se deslocam para a região central da cidade carioca em função da concentração de postos de trabalho. Isso significa um apreciável contingente de trabalhadoras/es que levam, em média, quatro horas para ir e voltar do emprego. Da plataforma ferroviária local, vê-se o Hospital Municipal Dom Pedro II, um dos mais altos prédios dos arredores. No entorno da estação, está o centro do bairro: uma profusão de transeuntes, comércios e órgãos públicos. Irradiados a partir dela, há conjuntos habitacionais, pequenas lavouras e grandes plantas industriais. O trânsito no centro é agitado; carros, motos, bicicletas, ônibus e vans disputam os corredores rodoviários. Nas regiões mais periféricas, os galos cantam várias vezes ao dia, e há cadeiras e castanholeiras em algumas calçadas. Do ponto de vista da infraestrutura urbana, o bairro deixa muito a desejar. O acesso da população local a políticas públicas voltadas para direitos básicos está entre os mais precários do município do Rio de Janeiro. Em noticiários televisivos locais, a aparição de moradoras/es de Santa Cruz vem acompanhada de pleitos por esgotamento sanitário, água tratada, asfalto, ar limpo, medicamentos, merenda e material escolar em aparelhos públicos. Provavelmente, as queixas também incluiriam os medos de viver em uma região dominada pelo poder paralelo, se as pessoas, como todas aquelas submetidas ao jugo da milí-

principalmente, por planejamentos estatais que, com a finalidade de produzir riqueza, parecem considerar o próprio contingente populacional impactado como colateral menor


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via brasileira, atravessa 12 estados e é conhecida como avenida Brasil no trecho carioca. Ao passar pelo bairro, ela também o conecta a duas outras grandes estradas federais: a BR116 e a BR-040. O Arco Metropolitano, ainda em obra, também serve ao bairro. Ele foi planejado para contornar a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e assim evitar a sobrecarga de vias urbanas com o trânsito de caminhões de carregamento. O nordeste fluminense e as Baías de Sepetiba e Guanabara concentram os maiores empreendimentos industriais planejados por empresas e governos para o estado do Rio de Janeiro, e o Arco conecta essas regiões. No que diz respeito a conexões ferroviárias, a malha de carga atualmente sob gestão da MRS Logística passa próxima ao bairro e o conecta a regiões produtoras, grandes centros de consumo e cinco dos maiores portos brasileiros. São 1.643 quilômetros de ferrovia que transportam um terço de toda a produção nacional. Já o Ramal Santa Cruz, hoje controlado pela Supervia, faz o transporte de pessoas entre o bairro e a Central do Brasil desde a segunda metade do século XIX. Finalmente, o Porto de Itaguaí, vizinho do bairro, é um dos maiores e mais modernos da América Latina. Como se pode observar, Santa Cruz está conectada aos grandes centros da economia nacional. A relevância do território para a logística industrial brasileira, no entanto, não se converte em qualidade de vida para a população local. Antes o contrário: a água, o ar e o solo do bairro sofrem com os passivos ambientais acumulados ao longo da história de ocupação da área, enquanto os índices sociais continuam extremamen-

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

cia, não temessem pelas próprias vidas. Em 2008, o bairro estava em 147o lugar na lista com 158 bairros cariocas que tiveram o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) calculado pelo Instituto Pereira Passos (IPP). Para a análise, foram levados em consideração indicadores de saneamento, qualidade habitacional, grau de escolaridade e disponibilidade de renda. A atualidade questionável dos dados providos pelo IPP é sintoma de uma problemática recorrente no exercício da cidadania carioca. Passaram-se mais de oito anos desde a pesquisa, e ainda a Prefeitura não deu continuidade ao esforço de produzir estatísticas de IDS com detalhamento por bairro acessível à população. Quando se trata da região do bairro mais próxima à siderúrgica, existem informações mais atualizadas, do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. É uma iniciativa nacional desenvolvida com base em dados dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. Ele traz dados específicos Miécimo da Silva, Novo Mundo e João XXIII. De acordo com o documento, a renda per capta média da localidade era R$447,04 em 2010. Na mesma época, a do município do Rio de Janeiro era de R$1492,63 e a do centro do próprio bairro de Santa Cruz era de R$1528,09. Enquanto a infraestrutura urbana do bairro e a renda da população próxima ao empreendimento são visivelmente precárias, a logística industrial avança a olhos vistos. Há anos vem sendo fomentada uma conformação do território à conexão com mercados nacionais e internacionais. Ao redor de Santa Cruz, são múltiplas as vias de abastecimento. Desde a década de 1950, a BR-101 recorta o litoral atlântico do país do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Ela é a mais extensa rodo-

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te baixos quando comparados a bairros da Zona Sul carioca. Mesmo o transporte, tão amplamente desenvolvido para as indústrias, não tem servido a pessoas físicas moradoras da localidade: os ônibus não chegam a todos os conjuntos habitacionais, os quais são atendidos pelas vans, sabidamente capitaneadas pelo poder paralelo. A função social do bairro e seu entorno, embora esteja historicamente relacionada à produção de riqueza do país, não atende a moradores/as. Reiteradas políticas públicas olharam Santa Cruz mais como um lugar onde empreitadas econômicas de impacto socioambiental evidente poderiam ser instaladas sem desagradar segmentos sociais politicamente influentes da cidade do que como um bairro residencial onde vivem sujeitas e sujeitos de direitos. O conceito de zona de sacrifício se adequa a este caso desde, pelo menos, a segunda metade do século XIX. O Matadouro de Santa Cruz foi instalado no bairro em 1881. Ele sucedeu o de São Cristóvão que, por sua vez, substituiu o do Centro. O primeiro relatório da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro (1874-1876) justificou assim a alocação do aparelho municipal em Santa Cruz: “na medida em que são ampliados os limites da cidade, os chamados ‘usos sujos’ vão sendo deslocados do seu centro”. Hoje, no prédio onde a unidade industrial para abastecimento de carne do município do Rio de Janeiro funcionava, está a Escola Técnica Estadual Santa Cruz. Efetivamente, antes do matadouro, a região não foi utilizada para qualquer “uso sujo”, mas era considerada um vazio populacional e por isso foi cedida a missionários pela coroa portuguesa, quando na verda-

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de era ocupada por povos originais. Até meados do século XVII, aldeias indígenas conviviam entre si na região. Ao longo do centenário seguinte, ela foi apropriada pela Companhia de Jesus que construiu um latifúndio chamado Fazenda de Santa Cruz, onde criava-se gado e cultivava-se cana-de-açúcar. Após a expulsão dos jesuítas do território brasileiro, a localidade passou a uso do Rei e viveu um período de decadência econômica. A chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro transformou o local em fazenda de veraneio da monarquia, que passou a chamá-la Real Fazenda de Santa Cruz. Já a partir de meados do século XIX, o planejamento da cidade, então casa da corte lusa, voltou os olhos à modernização de seu centro urbano, e a área central do Rio de Janeiro começou a ser beneficiada por arruamento, calçamento e saneamento ao mesmo tempo em que a construção de ferrovias induziu a expansão da cidade e a maior ocupação dos subúrbios. Antigas zonas rurais se tornaram residenciais, e Santa Cruz foi uma delas. Após a inauguração das estações do Ramal de Santa Cruz da Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1878, a ocupação do solo do bairro modificou-se drasticamente, sem que, no entanto, ele perdesse as características de território à margem do centro, cuja qualidade de vida está muito aquém da produção de riquezas que propicia. No início do século XX, iniciou-se um intenso parcelamento do solo das regiões majoritariamente rurais, como a Zona Oeste do Rio de Janeiro; e, em paralelo aos grandes investimentos públicos em infraestrutura urbana na Zona Sul carioca, acon-


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Apresentação

Vizinhança da TKCSA

Porto de Itaguai

5

Resumo executivo

4 2

3

Introdução

1

Oceano Atlântico LEGENDA: Estradas

Rios

Área urbana

1

Companhia Docas do Rio de Janeiro

Usina Gerdau Cosigua

5

Casa da Moeda

Porto de Itaguaí

4

Terminal de contêiners da Companhia Siderúrgica Nacional

Cenário das violações

ra e as concessões a indústrias vieram em um crescendo, não obstante períodos de menor intensidade de investimentos. O próprio tipo de morada comum na região é uma consequência desse planejamento estatal que procurou determinar o destino industrial do bairro; na década de 1980, a Companhia Estadual de Habitação (CEHAB) construiu diversos conjuntos habitacionais ao longo da avenida João XXIII, onde estão instaladas boa parte das indústrias do bairro, inclusive, desde 2010, a Companhia Siderúrgica do Atlântico. A finalidade dos conjuntos era criar condições de moradia para a mão-de-obra necessária aos empreendimentos. O tipo de morada comum à região é mais uma consequência do planejamento estatal que procurou determinar o des-

Considerações finais Recomendações Referências

teceu uma intensificação da ocupação dos subúrbios, a qual contou com pouca presença de planejamento estatal. O Estado só passou a planear a Zona Oeste da cidade no intuito da localização industrial, a partir dos anos 1930, quando foi criada a primeira zona industrial da cidade. Santa Cruz ficou de fora por não dispor de comunicação ferroviária com Minas Gerais e São Paulo. A situação modificou-se na década de 1960, quando o governo da Guanabara fez uma aposta e zoneou também Santa Cruz como distrito industrial. No início, o território não chamou a atenção da iniciativa empresarial, apenas em 1973 foi inaugurado o primeiro complexo industrial do distrito: a antiga Companhia Siderúrgica do Estado da Guanabara (Cosigua). A partir de então, os investimentos em infraestrutu-

2

Cenário do conflito

3

Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA)

Oceano

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tino industrial do bairro. Na década de 1980, a Companhia Estadual de Habitação (CEHAB) construiu diversos conjuntos habitacionais ao longo da avenida João XXIII. A finalidade era criar condições de moradia para a mão-de-obra necessária aos empreendimentos. Hoje em dia, a presença da siderúrgica nos arredores da avenida e dos conjuntos é notória. Outdoors anunciam o programa de responsabilidade social Usina Solidária, que oferece aulas de balé, curso pré-vestibular, escolinha de futebol, entre outras atividades voltadas para a juventude. Um tablóide chamado Alô, Comunidade é distribuído pelas ruas e anunciado em carros de som. Graças a sanções e negociações posteriores a episódios emblemáticos de impacto socioambiental, a empresa financiou reforma no posto de saúde e no hospital, no colégio estadual e na estação de tratamento de água. Tais financiamentos são propagandeados pela companhia, não como medidas apaziguadoras dos grandes danos causados pela atividade siderúrgica e das irregularidades observadas em sua trajetória, mas como uma espécie de filantropia. Não há nenhuma garantia de continuidade dos programas da Usina Solidária, e nos discursos das Relações Públicas da empresa, é recorrente o seguinte argumento: a TKCSA faz mais por Santa Cruz do que o município e o estado do Rio de Janeiro. 2.3. Legislação e Licenciamento Ambientais

Ao longo das últimas décadas, a legislação ambiental se complexificou e incluiu melhorias nas estruturas de gestão dos re-

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cursos ambientais. No entanto, esse não é um processo linear. Pelo contrário, é permeado de avanços e retrocessos: tanto no âmbito federal quanto nos estaduais, em especial no estado do Rio de Janeiro, as contradições entre as normas e as práticas se manifestam de modo muito impactante. Em geral, as questões de cunho ambiental brasileiras não se dão por consequência de uma deficiência normativa, mas sim de uma reiterada dificuldade em se aplicar a lei. Tanto o executor da lei quanto o próprio Poder Judiciário estão expostos a pressões exercidas por agentes econômicos e políticos. Essas influências, muitas das vezes, vão na contramão dos acordos legais e perpetuam irregularidades. 2.3.1 Aspectos básicos do corpo jurídico ambiental brasileiro

Tendo em vista o desenvolvimento de um conceito contemporâneo de meio ambiente a partir da segunda metade do século XX, cumpre observar – consoante à maior parte dos estudiosos do tema – que a edição, em 1981, da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) é considerada o principal marco normativo da proteção ambiental no país. Em sintonia com a hipótese de que a elevada produção normativa de natureza ambiental no Brasil a partir da década de 1980 estaria associada à intensificação do movimento ambientalista internacional, nesse período a legislação ambiental brasileira foi sendo ampliada e, sobretudo, ganhou elevada complexidade técnica. Nessa direção, o Brasil não apenas participou das conferências da ONU sobre o meio ambiente em 1972, em Estocolmo, como também sediou os eventos em 1992 e


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ambiental brasileiras não se dão por consequência de uma deficiência uma reiterada dificuldade em se aplicar a lei. Tanto o executor da lei quanto o próprio Poder a pressões exercidas por agentes econômicos e políticos

ecologicamente equilibrado, bem de e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

Referências

o dever de defendê-lo

Recomendações

uso comum do povo

Considerações finais

direito ao meio ambiente

Cenário das violações

art. 225 que “todos têm

Cenário do conflito

A Constituição define no

Introdução

Judiciário estão expostos

Resumo executivo

normativa, mas sim de

Apresentação

As questões de cunho

2002 e ratificou seus resultados, reforçando o compromisso institucional para com o cumprimento da legislação internacional e nacional sobre questões ambientais. Desde então, o país ratificou e incorporou ao seu ordenamento jurídico diversos tratados e resultados de convenções. Na mesma década da edição da PNMA, foram produzidas outras normas de elevada importância para a proteção ambiental. Entre elas, é possível citar a Lei n. 7.347/1985, que disciplinou a Ação Civil Pública, principal instrumento judicial empregado pelo Ministério Público e Defensoria Pública na defesa, dentre outros, dos direitos difusos e coletivos; a Resolução Conama n. 01/1986, que regulou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima); e a própria Constituição Federal de 1988 que, pela primeira vez na história do ordenamento jurídico brasileiro, dedicou um capítulo integral às questões de natureza socioambiental. O constituinte definiu no art. 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A partir desse texto é possível extrair que a proteção ambiental a nível constitucional possui natureza difusa, ou seja, trata-se de um direito que pertence à coletividade e não apenas a um indivíduo ou grupo específico. Esse direito, por sua vez, trata de um bem que é público, mas sua administração tem impacto direto na conformação do direito fundamental da pessoa humana. Sua proteção deve ser exercida por todos e todas, sendo um poder-dever da administração pública e um direito da população, usualmente manifestado por meio de mecanismos de participação, transparência e publicidade. Por fim, todas essas ações devem estar orientadas para garantir a manutenção equilibrada desse meio ambiente não apenas para as pessoas que estão vivas, mas também para as que virão. Em 1997, é publicada a Resolução Conama n. 237/97, que definiu o rito ordinário de licenciamento ambiental em esfera federal. Nesta resolução foi deter-

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minado que o procedimento deveria seguir obrigatoriamente três etapas, quais sejam, a de Licença Prévia (LP), principal etapa do licenciamento, cujo fundamento é a avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento, a de Licença de Instalação (LI), que visa autorizar a construção ou implantação da atividade pretendida, e, por fim, a de Licença de Operação (LO), cuja finalidade seria de permitir o início das atividades, uma vez integralmente cumpridos os requisitos da fase anterior. Apesar da previsão de três fases, a legislação prevê que o procedimento de licenciamento se estenda indefinidamente, ou seja, enquanto perdurar a operação autorizada. Isso porque, como as licenças possuem prazo de validade, é sempre necessário requerer sua renovação e, nesse sentido, reavaliação do licenciamento. Em 1998, é editado outro

pilar da legislação ambiental brasileira contemporânea, a Lei n. 9.605/1998, também conhecida como Lei de Crimes Ambientais que, para além de disciplinar as condutas puníveis penalmente, abriu caminho para a regulamentação das sanções administrativas de natureza ambiental – atualmente regulado na esfera federal pelo Decreto n. 6.514/2008. 2.3.2. As estruturas estaduais de controle e fiscalização

Em termos institucionais, os estados do Rio de Janeiro e São Paulo foram os primeiros, ainda na década de 1970, a criarem estruturas de controle e fiscalização do meio ambiente. No Rio de Janeiro, esse processo foi iniciado com a edição do Decreto-lei n. 134/1975, que previu a criação da Comissão Estadual de Controle Am-

Estrutura do Inea Conselho Diretor Interesses políticos do executivo

Presidente

Informa parecer técnico para decisoes

Corpo técnico

Vice-presidente Diretores Licenciamento Ambiental

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Informação, Monitoramento e Fiscalização

Gestão das Águas e do Território

Recuperação Ambiental

Biodiversidade e Áreas Protegidas

Administração e Finanças


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Apresentação

Áreas de atuação do Inea O órgão dispõe de uma sede [Av.Venezuela, 110 - Saúde] e nove agências regionais: Baía da Ilha Grande, Médio Paraíba do Sul, Baía de Sepetiba, Piabanha, Baía de Guanabara, Lagos São João, Dois Rios, Macaé e das Ostras e Baixo Paraíba do Sul.

ES

Baixo Paraíba do Sul

O órgão também é responsável por controle e fiscalização de 36 unidades de conservação, o equivalente a uma área total de 462.541,52 hectares. MG

Introdução

Rio Dois Rios

Piabanha

Macaé e das Ostras

Médio Paraíba do Sul

Cenário do conflito

SP

Resumo executivo

O escopo de atuação do Instituto é definido a partir das bacias hidrográficas do estado.

Lagos São João

Baía de Sepetiba

Baía de Guanabara

Oceano Atlântico

Considerações finais

Essa composição, que vigorou por mais de 30 anos, foi alterada em outubro de 2007 com a edição da Lei Estadual n. 5.101/2007, que criou o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e regulamentou o processo de transição, integração e extinção da Feema, Serla e IEF. Nesse sentido, a proposta do Inea seria de unificar a atuação da administração indireta em matéria ambiental, sob o pretexto de conferir maior eficiência à proteção ambiental. A unificação ocorreu em 2009, e o Inea passou a centralizar a execução das políticas estaduais sobre o meio ambiente que, em

Recomendações Referências

biental (Ceca), e da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). Nessa estrutura inicial, competiria à Ceca a execução do poder de polícia ambiental e à Feema a atividade de fiscalização e apoio técnico no desenvolvimento de pesquisas, normas e padrões de qualidade. Enquanto vigorou, essa estrutura chegou também a contar com a atuação de outros órgãos, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) que, respectivamente, possuíam competências ligadas à gestão florestal e hídrica no estado do Rio de Janeiro.

Cenário das violações

Baía da Ilha Grande

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regra, passavam a ser formuladas pela Secretaria Estadual do Ambiente (SEA). Ou seja, o Inea, como órgão técnico, passava a ser responsável pela condução dos processos de licenciamento ambiental, bem como de todas as atividades técnicas relacionadas à gestão ambiental no Estado. A concentração de tamanha responsabilidade, isto é, fiscalizar e conceder as licenças ambientais, aos empreendimentos e atividades a serem instalados no estado do Rio de Janeiro, acaba por expor o Inea às pressões políticas e econômicas de ordens diversas. O exemplo mais recente que corrobora essa afirmação é a edição da Lei Estadual 7.511/2017, que alterou a estrutura do Instituto, permitindo a extinção das Agências Regionais em caso de baixa demanda administrativa ou quando da necessidade de contenção de despesas. Ou seja, sob o pretexto da crise financeira vivenciada no estado do Rio de Janeiro, permitiu-se uma redução da precária estrutura de controle e fiscalização ambiental existente, contribuindo ainda mais para as constantes violações da legislação em vigor. Se por um lado o controle e fiscalização das políticas ambientais se dá no exercício regular do licenciamento ambiental, a responsabilização administrativa é atualmente regulada no estado do Rio de Janeiro pela Lei Estadual n. 3.467/2000. Esse dispositivo normativo define as sanções administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente, ou seja, dispõe sobre as situações em que o Inea deverá aplicar punições como, por exemplo, advertência, multas, embargos etc. Em paralelo à legislação federal, os valores máximos das multas aplicadas atualmente podem chegar a até R$ 50

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milhões. Atualmente também há projeto de lei (PL 2293/2016) em curso na Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro que visa reformar a Lei n. 3.467/2000. 2.3.3. Irregularidades no licenciamento ambiental da TKCSA

Antes de iniciar breves comentários sobre as irregularidades verificadas no procedimento de licenciamento ambiental do complexo siderúrgico operado pela TKCSA, é necessário observar que nunca antes na história dos órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro havia sido licenciado integralmente um complexo siderúrgico em momento prévio à instalação. Apesar de a Usina Presidente Vargas, operada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), atualmente ser objeto de procedimentos de controle ambiental previstos na legislação em vigor, sua instalação se deu em momento anterior à constituição do arcabouço normativo hoje existente. Assim, ainda que não se duvide da competência do corpo técnico que compõe os quadros do Inea, institucionalmente não havia uma expertise acumulada no órgão para lidar com problemas e obstáculos associados às fases pré-operatórias de um complexo siderúrgico, inclusive no que se refere às pressões políticas associadas a um projeto industrial de interesse nacional. O procedimento de licenciamento ambiental (E-07/200.751/2005, referente à usina siderúrgica; E-07/202.952/2006, sobre o terminal portuário e a realização de dragagem na Baía de Sepetiba) do complexo siderúrgico instalado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, composto por uma usina siderúrgica e um terminal portuário de


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siderúrgica. No curso das análises técnicas, esses processos ainda foram desdobrados em vários outros, segundo informações constantes no EIA/Rima da siderúrgica. Tal solicitação de desmembramento teria sido feita pelo próprio órgão ambiental, apesar de não haver evidência documental sobre essa questão (Guimarães, 2011). A análise fragmentada dificulta o dimensionado integral dos impactos e das necessárias medidas de mitigação e compensação. Durante a fase de análise do requerimento de Licença Prévia, outros tantos pontos foram igualmente debatidos, como, por exemplo, o atendimento da exigência legal de apresentação de alternativas locacionais no licenciamento, a justificativa apresentada para intervenção em áreas de preservação permanente, a alteração do zoneamento industrial metropolitano pelo estado do Rio de Janeiro para possibilitar a instalação da TKCSA, os valores pagos a título de compensação ambiental e a participação da sociedade e do Ministério Público no procedimento de licenciamento. O pedido de Licença Prévia feito ao Inea para o complexo siderúrgico, protocolizado em março de 2005, foi deferido em julho de 2006, mesmo momento no qual foi solicitada a Licença de Instalação do empreendimento. Essa, por sua vez, foi concedida em tempo recorde, isto é, apenas dois meses após o requerimento. Ressalte-se que o tempo definido como padrão pela legislação ambiental em vigor (art. 14, Resolução Conama n. 237/97) é de seis meses para concessão desse tipo de licença. A partir do momento de sua obtenção foi, então, autorizado o começo das obras de implantação do complexo siderúrgico. Essa primeira Li-

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

uso privativo para exportação da produção resultante, teve início em março de 2005 a partir da apresentação do requerimento de Licença Prévia. Tal procedimento foi conduzido pelo Inea, a autarquia responsável, no estado do Rio de Janeiro, pela execução da política pública ambiental. Segundo o parecer técnico emitido pelo referido órgão que instruiu a emissão da primeira licença concedida à TKCSA, as principais etapas do processo produtivo incluiriam: (i) pátios de estocagem (que incluiria o armazenamento de, por exemplo, carvão, coque, minério de ferro etc.; (ii) coqueria; (iii) dessulfuração; (iV) sinterização; (V) injeção de finos de carvão (em inglês, PCI); (Vi) alto-forno; (Vii) aciaria; (Viii) usina termelétrica; (iX) pátio de preparação de escórias; (X) fábrica de cimento; (Xi) sistema de captação, tratamento e distribuição de água. Segundo a própria TKCSA, a siderúrgica possuiria capacidade para produção anual de até cinco milhões de toneladas de placas de aço, direcionadas para exportação, em sua maior parte para os Estados Unidos. No projeto licenciado, o empreendimento ocupa uma área aproximada de 10 milhões de metros quadrados, e, apesar de haver sido instalado em um terreno em que cerca de 85% da área encontrava-se antropicamente alterada, 15% (144,2 ha) do território era composto de vegetação de manguezal. Desde seu início, o processo de licenciamento ambiental da TKCSA vem enfrentando uma série de complicações. A primeira delas é a fragmentação da sua análise em processos autônomos. Em 2005 e 2006, a companhia solicitou ao Inea, em processos administrativos distintos, licença para o terminal portuário e outra para a usina

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cença de Instalação (LI FE011733) conferida à TKCSA possuía validade de três anos e autorizava a companhia a “implantar usina siderúrgica para fabricação de placas de aço e as unidades de apoio – fábrica de cimento, fábrica de oxigênio e usina termelétrica”. Logo no início do processo de instalação houve, ainda, uma discussão sobre competência para o licenciamento da atividade. Segundo o Ministério Público Federal (Inquérito Civil n. 30/2008), a competência para conduzir o procedimento seria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sob o argumento de que o empreendimento afetaria a zona costeira, alterando-a ou produzindo efeitos sobre o mar territorial na área da Baía de Sepetiba. Outro debate de fundamental importância levantado nessas primeiras etapas do procedimento trata da abrangência dos estudos ambientais apresentados. Conforme afirma Guimarães (2011), teriam ocorrido equívocos na elaboração das análises em relação a pontos específicos, mas também no que tange à própria concepção do projeto e às respectivas consequências ambientais decorrentes de sua instalação e operação. Entre os pontos deficitários é possível destacar, por exemplo, a limitada abrangência do EIA em relação aos aspectos sociais, o superdimensionamento dos impactos socioeconômicos de natureza positiva, previsão incompleta dos impactos na população gerados pela operação ou por possíveis acidentes, deficiência na previsão dos impactos gerados à atividade pesqueira etc. Decorrido o prazo originalmente concedido para implantação do complexo na primeira Licença de Instalação, este mostrou-se insuficiente. Sendo assim, foi necessário emitir uma nova licença (LI IN 000771) cujo prazo, também de três anos, encerrou em setembro de 2012. Cumpre observar que, com a emissão da segunda licença, o prazo máximo de seis anos para essa fase do licenciamento ambiental – tal como definido no art. 18, II, da Resolução Conama n. 237/97 – foi atingido e qualquer nova extensão implicaria em uma discussão jurídica acerca da sua viabilidade. Entretanto, diversos problemas apontados como falhas nos estudos apresentados foram sendo verificados

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O EIA dimensionou os aspectos sociais dos impactos de maneira limitada, além disso superdimensionou socioeconômicas de natureza positiva, fez uma previsão incompleta dos impactos na população vizinha gerados pela operação e foi deficiente na previsão dos impactos gerados à atividade pesqueira

À revelia do posicionamento técnico do Inea, o então governador Sérgio Cabral autorizou o início da operação do Alto-Forno #2 em dezembro de 2010, sob o fundamento de que todos os problemas que teriam ocasionado a primeira chuva de prata haviam sido solucionados, mas um novo episódio de chuva de prata foi verificado em seguida


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Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

A repetição do episódio de chuva de prata tornou clara a impossibilidade de concessão de uma Licença de Operação para o

Resumo executivo

2.3.3.1. O TAC

complexo siderúrgico da TKCSA naquele momento, apesar das intervenções políticas diretamente exercidas no curso do procedimento de licenciamento. Sendo assim, diversas adequações ao processo produtivo foram requisitadas pelo Inea, entre elas a condução de auditoria da planta siderúrgica por agente externo a fim de detectar todas as inconformidades até então existentes. Entretanto, considerando que a completa execução de todas as medidas determinadas não seria possível até o encerramento do prazo da Licença de Instalação, iniciou-se processo de negociação de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), entre o poder público estadual e a TKCSA. Assim, em março de 2012 foi assinada a primeira versão do acordo que perdurou em suas diversas versões até 2016. Importante lembrar que, durante todo esse período, a despeito de não possuir Licença de Operação, a TKCSA produziu e exportou quantidades significativas de aço, tendo até mesmo se posicionado pública e internacionalmente como uma companhia integralmente operacional. Cumpre observar, inclusive, que nesse período foi criada a Comissão Especial na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para apurar possíveis irregularidades e imprevidências do governo estadual e do Inea no processo de licenciamento ambiental da TKCSA. Ela foi responsável pela produção de um relatório que resultou em dezenas de recomendações aos órgãos públicos envolvidos. No âmbito do próprio governo estadual também foi criado um Grupo de Trabalho, por meio da Resolução SEA n. 195, a fim de avaliar os danos à saúde causados em virtude da emissão de fuligem na atmosfera pela TKCSA. Na

Apresentação

antes mesmo do início da fase operacional do empreendimento, como, por exemplo, alterações na qualidade do ar, restrições de mobilidade no território, impossibilidade de realização de atividades tradicionais como a pesca etc. Finalizada parte substancial do processo de instalação do procedimento, a TKCSA solicitou ao Inea a possibilidade de iniciar procedimento pré-operacional em seu Alto-Forno #1 em meados de 2010. Essa autorização foi concedida e, logo após o início das atividades, foi verificado o primeiro episódio de chuva de prata, descrito em maiores detalhes adiante neste relatório. Se, por um lado, essa ocorrência reforçou a existência de inúmeras falhas no procedimento de licenciamento ambiental, por outro, corroborou as críticas que já vinham sendo feitas à proposta de implantação do referido complexo siderúrgico. Como se essa situação de flagrante violação ao procedimento de licenciamento não fosse suficiente, em dezembro de 2010, contrariando o posicionamento técnico dos servidores do Inea, o então governador Sérgio Cabral autorizou o início da operação do Alto-Forno #2, ainda sob o fundamento de que todos os problemas que teriam ocasionado a primeira chuva de prata haviam sido solucionados. Entretanto, um novo episódio de chuva de prata foi verificado em seguida, resultando em novos danos à população e ao meio ambiente local.

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proposta inicial, o grupo seria composto pela Secretaria de Estado do Ambiente, Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, Secretaria Municipal de Saúde do Município do Rio de Janeiro, Fiocruz, UFRJ e UERJ. O GT chegou a produzir um relatório que, apesar de sustentar que a TKCSA havia cumprido a maior parte dos itens acordados no TAC, apontou ainda para a necessidade de complementações, como, por exemplo, no que diz respeito ao monitoramento biológico, realização de estudo de longo prazo sobre material particulado e da qualidade, bem como a criação de um observatório de saúde na região. Cumpre observar que o documento não foi assinado pela Fiocruz, uma vez que os/as pesquisadores/as da referida instituição sustentavam que o relatório produzido traria omissões e incorreções. O TAC assinado tinha como objetivo a prorrogação do prazo de pré-operação, mediante a adoção de adequações necessárias, definidas no próprio documento. Composto por mais de 130 itens, o acordo foi aditado pela primeira vez em março de 2013 a fim de alterar diversas das obrigações anteriormente assumidas e, principalmente, para prorrogar por mais um ano o processo de adequação da siderúrgica. Uma segunda modificação no texto foi conduzida em abril de 2014. Dessa vez, não só foi conferida uma maior prorrogação – de dois anos – da fase de pré-operação, mas também um novo plano de ação, prevendo um rol diferente de medidas de adequação. A partir da leitura do acordo, é possível observar a previsão de obrigações relacionadas à fase que antecede a emissão da Licença Prévia, no início do procedimento de licenciamento. Por fim, em 2016, o acordo foi novamente aditado para, mais uma vez, modificar o escopo das obrigações anteriormente assumidas, e prever a emissão de uma Autorização Ambiental de Funcionamento como etapa de transição final até a emissão da Licença de Operação. Assim, é possível sustentar que a celebração do TAC teria tido a equivocada e ilegal pretensão de operar como instrumento substitutivo à obrigação de se submeter a um regular procedimento de licenciamento ambiental. Tanto o é que, em 2016, o Ministério Público do Estado

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A licença de Operação com que conta hoje a TKCSA não pode ser lida como um salvo conduto. A companhia ainda necessita esclarecer uma série de inconformidades questionadas pelos órgãos públicos de controle, além das reiteradas reclamações da comunidade local


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Apresentação

do Rio de Janeiro ajuizou Ação Civil Pública (024378819.2016.8.19.0001) se posicionando contrariamente à emissão de Licença de Operação para a TKCSA, sob o principal fundamento de que seriam necessários outros estudos técnicos mais detalhados a fim de apurar se as medidas empregadas foram suficientes para atender à legislação em vigor. Apesar da recente ação ajuizada questionando o licenciamento, decorrido o prazo de vigência da Autorização Ambiental de Funcionamento conferida à TKCSA logo após a extinção do TAC, o Inea – lastreado por deliberação da Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) – decidiu emitir a Licença de Operação para o complexo siderúrgico. Cumpre observar que algumas obrigações que constavam do TAC acabaram sendo reinseridas nas condicionantes da licença emitida, como, por exemplo, a análise de risco ecológico, a necessidade de regularizar a captação de água e o lançamento de efluentes, que possui relação direta com a instalação da barragem pela Associação de Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz (Aedin). Se, por um lado, algumas obrigações foram modificadas e transpostas do TAC para a Licença de Operação, outras – definidas em um primeiro momento pelo próprio INEA – simplesmente se perderam. Como é o caso das obrigações relacionadas às questões de saúde. Em meio a um embate a respeito de que órgão seria juridicamente competente para exercer as funções públicas de controle desse tipo de matéria, o INEA se imiscuiu de analisar e fiscalizar os impactos relacionados a questões de saúde, ainda que a legislação em vigor não faça esse tipo de diferenciação de análise. Possuir uma Licença de Operação, entretanto, não significa um salvo conduto para a TKCSA. Ainda que a companhia tenha ao seu lado a presunção jurídica de que sua atividade está sendo realizada nos limites legalmente definidos, é preciso esclarecer uma série de elementos, tais como as inconformidades judicialmente questionadas por meio dos órgãos públicos de controle e as reiteradas reclamações da comunidade local sobre os impactos que, desde o período da instalação, permanecem causando prejuízos diretos às suas vidas.

Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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André Mantelli

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Apresentação

Cenário das violações de direitos

Resumo executivo Introdução

O meio ambiente pode ser definido como “o conjunto de todo o patrimônio natural ou físico (água, ar, solo, energia, fauna, flora), artificial (edificações, equipamentos e alterações produzidas pelo homem) e cultural (costumes, leis, religião, criação artística, linguagem, conhecimentos) que possibilite o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (Dhesca Brasil, 2008, p. 12). Como direito humano coletivo, a ninguém deve ser dada a regalia de praticar atos agressivos ao meio ambiente, uma vez que esses atos violam o direito de outras pessoas. Todos e todas são titulares do direito ao meio ambiente ao mesmo tempo, por isso trata-se de um direito difuso, espalhado por toda a sociedade. A Baía de Sepetiba é uma área muito diversificada tanto do ponto de vista socioeconômico quanto ambiental. No entorno estão ecossistemas ainda preservados de florestas, restingas e manguezais. Áreas remanescentes de Mata Atlântica se encontram nas proximidades, assim como habitam aves costeiras e espécies nativas endêmicas ameaçadas de extinção. Em geral, as baías são casas de estuários, locais onde acontecem os encontros da água doce com a salgada e, por isso, reservam imensa riqueza biológica. Não por acaso, a de Sepetiba é uma Área de Proteção Ambiental (APA) desde março de 1988. Ao longo dos anos, a riqueza ambiental da região foi preservada graças à existência de grupos sociais cuja dependência de recursos naturais é cotidiana, sendo, portanto, as plantações de fundo de quintal, o uso doméstico da água dos rios e especialmente a pesca artesanal fenômenos sociais recorrentes em seu território. O aumento da ocupação do solo para fins industriais das últimas décadas na região da Baía de Sepetiba vem

Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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causando impactos negativos diretos a essas práticas tradicionais. Por se tratar, em sua maioria, de atividades cujo impacto ambiental é significativo, a concentração fabril nessa região – percebida como sensível sob o ponto de vista ambiental – produz efeitos negativos irreversíveis sobre fauna e flora, modificando os ecossistemas locais, alterando a paisagem e influenciando os regimes hídricos da região. Ao se considerar os princípios da universalidade, integralidade e indivisibilidade dos direitos humanos, as violações do direito humano ao meio ambiente desdobram-se em outras. No caso do embate entre as atividades siderúrgicas da TKCSA e a população do entorno da avenida João XXIII, são observadas violações do direito humano ao meio ambiente, mas também à segurança alimentar, ao trabalho, à moradia e à saúde. Uma vez desencadeados os conflitos socioambientais, também se observam violações do direito à participação política, com relatos de cooptação e ameaça de lideranças. Os próximos três tópicos tratam dessas violações em detalhes. Para além dos dispositivos normativos nacionais, os referidos direitos são protegidos ainda pelo o arcabouço normativo internacional, no qual o Brasil se inclui especificamente nos casos em que o país ratificou e incorporou internamente tais preceitos. Nesse sentido, instrumentos como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, incorporado pelo Decreto n. 591/1992, o Protocolo de São Salvador, promulgado pelo Decreto n. 3.321/1999, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Convenção de Estocolmo sobre Poluen-

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tes Orgânicos Persistentes, incorporada pelo Decreto n. 5.472/2005, a Convenção OIT n. 169, dentre outros, também devem ser cumpridos pelo Estado brasileiro, que deverá envidar esforços para que todos esses direitos sejam garantidos. 3.1. Pesca artesanal

Quaisquer alterações em aspectos naturais da Baía de Sepetiba representam transformações proporcionais em comportamentos sociais, econômicos e culturais tradicionalmente verificados no território. A depender da profundidade das mudanças, elas podem mesmo levar à extinção de modos de vida. A pesca artesanal é um comportamento laboral e cultural bastante corrente em Santa Cruz. Há mais de meio século, a atividade vive sob ameaça graças à atuação poluente e predatória das plantas industriais locais. Na última década, entretanto, as práticas da Companhia Siderúrgica do Atlântico têm desempenhado papel protagonista para a intensificação do cerco em torno desse modo de vida, levando até mesmo a embates diretos entre pescadores/as e empresa. Em linhas gerais, a atividade artesanal de pesca é afetada por toda redução, migração ou modificação da fauna e flora existentes na região, ou pelo aumento do risco de navegação verificado em virtude do intenso tráfego de grandes embarcações, ou ainda pela ampliação das áreas restritas/proibidas para pesca pelas autoridades competentes. O último episódio observado de alteração por parte das empresas em aspectos naturais importantes para a pesca artesanal, em especial a TKCSA, disse respeito a


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para boa parte daquelas sustento da pesca artesanal

Referências

pessoas que retiram

Recomendações

fonte de subsistência

Considerações finais

Sepetiba e a principal

Cenário das violações

via de acesso à Baía de

Cenário do conflito

local uma importante

Introdução

comunidade pesqueira

Resumo executivo

representa para a

Apresentação

O canal de São Francisco

restrições ao direito de circulação e pesca por habitantes da região. Foi a instalação, em 2015, de uma barragem no canal de São Francisco. A construção foi autorizada e publicamente justificada tendo como principal fundamento a necessidade de garantir a qualidade e o abastecimento de água para os processos produtivos industriais na região. Segundo apontam o poder público estadual e as empresas envolvidas, a diminuição do volume de água nos corpos hídricos que alimentam a bacia do Rio Guandu teria sido observada em virtude da intensificação da crise hídrica que afetou o estado do Rio de Janeiro naquele ano. Uma das consequências dessa situação seria a ocorrência de um processo de intrusão salina que, por sua vez, tornaria a água do canal de São Francisco imprópria para ser utilizada pelas indústrias localizadas na região. Além de ser considerado um recurso estratégico para as indústrias instaladas na região, o canal de São Francisco representa para a comunidade pesqueira local uma importante via de acesso à Baía de Sepetiba. Para além disso, o canal é também a principal fonte de subsistência para boa parte daquelas pessoas que, a despeito de inúmeros impactos sofridos com a instalação da TKCSA na região, procuram manter seus tradicionais modos de vida e retiram sustento da pesca artesanal. A instalação da barragem foi requerida pela Associação das Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz (Aedin), organização representativa da qual a TKCSA é integrante na área do canal de São Francisco. Além da TKCSA, o grupo congrega diversas outras indústrias, como, por exemplo, a Casa da Moeda, a Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), Furnas, Gerdau, Michelin etc. No requerimento apresentado ao Inea pela Associação, alega-se que o projeto de instalação da barragem visa atender o problema de captação de água não só da TKCSA, mas também de Gerdau, Furnas e FCC. Como será explorado mais adiante, apesar da indicação de diversos outros atores, é possível observar que as questões relativas ao abastecimento de água no canal de São Francisco estão em larga medida associadas à operação da TKCSA. O projeto inicial apresentado ao Inea tratava da instalação do que foi chamado pela Aedin de “soleira submersa”.

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Isso é, uma estrutura a ser construída a partir de estacas do tipo prancha que permaneceria integralmente debaixo d’água com o objetivo de criar uma barreira física capaz de impedir o avanço da intrusão da cunha salina. A obra foi considerada emergencial e provisória pelos proponentes da solução, que reconheciam desde aquele momento a necessidade da implantação de uma adutora no canal de São Francisco. Tendo em vista que alterações no sistema de captação de água da região demandariam um prazo maior de implantação, a construção da referida barragem foi aceita e autorizada pelo poder público por meio da emissão da Autorização Ambiental n. IN030406, em 15 de abril de 2015 (no procedimento administrativo E-07/002.3173/2015). A proposta apresentada pela Aedin, segundo o memorial descritivo apresentado para o projeto, tinha como uma de suas premissas a “não interferência com as condições de navegabilidade e de pesca no canal de São Francisco, de modo a permitir o livre escoamento do canal a montante e à jusante”. Sob o pretexto da natureza emergencial da obra, os únicos estudos apresentados antes da emissão da autorização tratam quase que exclusivamente de elementos de engenharia e análises hidrodinâmicas, não avaliando de forma adequada os impactos socioeconômicos, tampouco os sobre fauna e flora. Para além de não haver qualquer análise técnica a respeito dos impactos sobre os elementos de meio ambiente natural no parecer elaborado pela Diretoria de Licenciamento a respeito do projeto apresentado, foram ignorados por completo os possíveis impactos socioeconômicos decorrentes da instalação da barragem. Conforme consta

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no procedimento administrativo de autorização ambiental, os únicos elementos de flora considerados na análise do Inea referem-se à vegetação suprimida às margens do canal de São Francisco para realização das obras. A ausência de análises prévias qualificadas a respeito dos impactos para as atividades de pessoas pescadoras e moradoras da região é reforçada ainda pela completa inexistência de interação da comunidade local com o procedimento de licenciamento prévio da barragem. Como consta da Autorização Ambiental concedida, seria obrigação da Aedin não só monitorar os possíveis impactos sobre a atividade pesqueira, mas também comunicar à colônia de pescadores/as a instalação da barragem em questão, nos moldes apresentados pelo empreendedor e aprovados pelo Inea. As precárias interações – realizadas por consultoria contratada pela Aedin – com parte da comunidade local impactada foram realizadas apenas após a concessão de autorização por parte do poder público, novamente, fundada essencialmente nos argumentos de que a intervenção teria um caráter emergencial e temporário, para além do suposto baixo impacto ambiental. Importante observar que a própria consultoria contratada pelos empreendimentos identificou não só a necessidade de uma avaliação da fauna local, mas também, a partir de pescadores ouvidos, que a instalação da barragem causaria impactos diretos no exercício de suas atividades, eis que seria construída em um dos principais pontos onde as redes de pesca são posicionadas. A mesma consultoria considerou como ameaças a reivindicação de medidas compensatórias pela intervenção no canal de São


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Apresentação Resumo executivo

“Em conflitos dessa natureza [envolvendo grandes corporações], parece que as agências punitivas são acionadas pelas corporações e pelo próprio poder público para silenciar um grupo minimamente mobilizado contra o empreendimento. A gente percebe claramente a cooptação de agência punitivas pelos interesses corporativos, pela propriedade privada e, algumas vezes, por interesses de corrupção. No caso da manifestação dos pescadores contrários à obra da Aedin – que representa um obstáculo para a subsistência deles, porque existe uma série de direitos em jogo –, o que fica claro é que, quando a polícia chegou ao local do conflito, já chegou com uma posição muito bem definida de proteger uma das partes, que é sempre o lado das corporações”.

Introdução

Desde abril de 2015, a Aedin possuía informações produzidas pela consultoria contratada para a realização do Plano de Comunicação de que a construção da barragem dificultaria o exercício da pesca artesanal no canal. No “Resumo executivo do diagnóstico” produzido pela Tao Sustentabilidade, é possível verificar a seguinte afirmação: “O trânsito de embarcações no canal possivelmente será dificultado nesse trecho, aumentando o congestionamento de embarcações e dificultando a passagem para embarcações sem motor ou com motores menos potentes”. Ou seja, muito antes do encerramento das obras de instalação da barragem, a Aedin já possuía informações suficientes para concluir que a premissa original do projeto, qual seja, de “não interferência das condições de navegabilidade” não seria cumprida. Para além das mencionadas barreiras

Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

Francisco e o exercício do livre direito de manifestação por parte dos grupos afetados. Em julho de 2015, um mês após a conclusão das obras, a própria Aedin, em comunicação enviada ao Inea, afirmou que a instalação da barragem, somada a continuadas reduções de vazão do Rio Guandu, teria gerado dificuldades na navegação de alguns tipos de barcos no canal de São Francisco. Nesse sentido, a referida Associação apresentou um projeto ao Inea para a instalação de dois embarcadouros necessários para transportar as embarcações que precisassem atravessar a barragem, já prevendo os transtornos da obra à rotina de trabalho da comunidade pesqueira. No entanto, em julho de 2015, durante uma das várias manifestações contrárias à barragem, um grupo de pescadores chegou a ser levado à delegacia por protestar contra os impactos evidentes.

Cenário do conflito

Defensora Pública Lívia Casseres, coordenadora do Núcleo de Combate à Desigualdade Racial (Nucora) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em entrevista à equipe.

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criadas, solução proposta e aprovada pelo Inea de construção de embarcadouros para trasladar as embarcações guinchando-as por cima da barragem não só vem produzindo transtornos e, em larga medida, inviabilizando a pesca no canal, mas também conferiu à Aedin domínio sobre a livre circulação de embarcações de pequeno porte no canal. Isso é, a passagem de forma segura pela barragem ficou condicionada à operação de traslado realizada pela Aedin que, por meio dessa etapa, pode monitorar individualmente a atividade realizada por pescadores/as da região. Importante observar, ainda, que há uma tentativa da consultoria contratada de desqualificar a importância da atividade de pesca artesanal realizada pela comunidade local afirmando que a subsistência dos/as pescadores/as impactados/as é complementada por outras atividades como, por exemplo, auxiliar de pedreiro, soldador e profissional do turismo. Ocorre que o diagnóstico elaborado não contextualiza o cenário verificado a partir de uma perspectiva histórica. Ou seja, desconsidera que, em larga medida, a busca por uma complementação de renda por meio da realização de atividades distintas da pesca artesanal foi motivada em parte significativa pela intensificação dos impactos causados aos ecossistemas locais em virtude da instalação de novas indústrias na região. Em paralelo à comunicação feita ao Inea pela Aedin acerca das dificuldades de navegação, a Associação solicitou uma alteração do projeto da barragem sob a justificativa de que a vazão praticada no Rio Guandu teria continuado a ser reduzida, diminuindo o tempo de captação das indústrias localizadas na região. A partir do novo projeto, seria instalado um sistema de comportas na barragem a fim de impedir a passagem de fluxos da maré enchente sobre a estrutura instalada, que implicaria em trazer ainda mais dificuldades de navegação para as pequenas embarcações onde a pesca artesanal é realizada. Mais uma vez, as únicas análises apresentadas e realizadas, respectivamente, por Aedin e Inea referem-se essencialmente às questões técnicas relativas aos impactos hidrodinâmicos da obra em questão. Essa observa-

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Acervo PACS

Apresentação

Resumo executivo Introdução

Cenário do conflito

Cenário das violações

Considerações finais

Recomendações

Referências

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ção é reforçada na medida em que se optou por incluir na Autorização Ambiental concedida apenas obrigações relacionadas ao monitoramento do nível da água e de sua condutividade em dois pontos do canal de São Francisco. Assim, após aprovação da averbação pelo Conselho Diretor do Inea em sua 307ª reunião ordinária, foi emitido, em 17 de dezembro de 2015, o Documento de Averbação (AVB002894) que autorizou à Aedin a modificação no projeto original para elevação da soleira e instalação das comportas. Cumpre ressaltar que a captação de água por parte da TKCSA na região já era um problema mesmo antes de a crise hídrica ser empregada como argumento para justificar mais uma intervenção no território. Desde pelo menos 2014, quando foi assinado o Segundo Aditivo ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), o Anexo I do acordo previa a necessidade de regularização a captação de água pela companhia. Isso porque, conforme constatado pelo próprio Inea, foram identificadas duas elevatórias ao longo do canal de descarga da água de resfriamento da Termelétrica (interligação entre o canal de São Francisco e Rio Guandu Mirim), duas elevatórias dedicadas à captação de água para usos não contemplados na portaria detida pela companhia. Essa obrigação, não cumprida pela TKCSA, foi alterada no Terceiro Aditivo ao TAC para prever que, ao invés da regularização da captação, a companhia deveria apenas atualizar suas informações junto ao Cadastro Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e apresentar ao Inea apenas uma atualização do requerimento

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de Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos. Ou seja, mais uma vez, abriu-se mão da adequação do empreendimento às normas ambientais previstas pela legislação brasileira. Em vez disso, pediu-se da companhia apenas uma tramitação burocrática que registrasse a anuência dos órgãos responsáveis frente à situação anteriormente considerada irregular. Por fim, quando da emissão da Licença de Operação da TKCSA, foi deliberado e aprovado pela Comissão Estadual de Controle Ambiental que caberia à companhia “desmobilizar as captações de água para a Usina nos atuais pontos de outorga e, como membro da Aedin, promover a remoção da soleira no canal de São Francisco, após a conclusão das obras de implantação da adutora que transportará a água a ser captada no rio Guandu, no prazo máximo de dezoito meses (março de 2018). Essa situação demonstra que, a despeito de outras empresas que compõem a Aedin captarem água na mesma região, há um interesse maior e direto por parte da TKCSA no controle da qualidade da água no canal de São Francisco e, portanto, na construção da barragem em questão. Tendo como principais argumentos a ausência de diálogo e comunicação prévios com a comunidade pesqueira, a não realização de estudo prévio de impacto ambiental, a constatação da inviabilização da navegação por barcos de pesca de pequeno e médio portes no canal, a exposição de risco à vida de pescadores/as, e o descumprimento das condições mínimas impostas pelo Inea para autorização da barragem, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, representando o interesse coleti-


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cional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, dos artigos 5º, LIV, 6º, 215 e 216 da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, do devido processo legal, garantem o direito ao trabalho e à proteção do patrimônio cultural brasileiro, e das Resoluções Conama n. 01/1986 e 237/1997, que tratam da elaboração de estudos prévio de impacto e do licenciamento ambiental. Em consonância com o posicionamento adotado pela Defensoria Pública, o Ministério Público Estadual, por meio de seus Grupos de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) e de Apoio Técnico Especializado (Gate), já apresentou diversas manifestações e pareceres técnicos nos autos da ação que corroboram e fortalecem as alegações defendidas pela

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito

vo da comunidade pesqueira, ingressou com uma Ação Civil Pública (042751952.2015.8.19.0001) contra a Aedin objetivando o desfazimento da barragem construída no canal de São Francisco, o pagamento de pensão alimentícia provisória a pescadores/as – enquanto a barragem não for retirada –, e o pagamento de indenização também a pescadores/as por força de danos morais sofridos, além dos danos materiais a serem comprovados em liquidação individual. Sob o ponto de vista jurídico, a argumentação da Defensoria Pública é sustentada com base na violação do Decreto n. 5.051/2004, que internalizou a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Decreto n. 5.051/2004, que instituiu a Política Na-

Cenário das violações

Ganhos da Ação Civil Pública Além da confirmação por parte da justiça de que a barragem trouxe danos materiais à comunidade pesqueira, as vitórias da ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em outubro de 2015 e respondida pelo juiz em dezembro de 2016 foram: 2. Antecipação de reparos financeiros pagos pela Aedin a 60 pescadores. Foi estabelecida uma pensão provisória em favor dos elencados na ação civil pública, além daqueles já contemplados com cestas básicas. O valor determinado foi de um salário mínimo mensal, abarcando prestações referentes aos três anteriores à decisão e aquelas que se vencerem a partir da decisão até a comprovação do fim dos efeitos nocivos provocados pela baragem sobre a atividade pesqueira na localidade.

Recomendações Referências

A finalidade da foi esclarecer os seguintes pontos controvertidos: “(1) a (in)validade da autorização ambiental concedida à primeira ré [Aedin], por (in)observância do devido processo legal ambiental; (2) a (in) observância pela primeira ré das condições impostas pelo INEA para a instalação e operação da “soleira submersa”; (3) a (in) viabilidade/dificuldade de navegação por barcos de pesca de pequeno e médio portes e, assim, a (im)possibilidade/dificuldade de desempenho da atividade pesqueira pela comunidade local, acarretando danos materiais; e (4) a (in)ocorrência de dano moral passível de reparação pecuniária”;

Considerações finais

1. A exigência de uma prova pericial referente à barragem, a ser elaborada por perita indicada pelo juiz e paga pela Aedin e pelo Estado do Rio de Janeiro.

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Defensoria Pública. Especialmente no que se refere aos impactos socioeconômicos gerados à comunidade pesqueira local, os laudos apresentados pelo Ministério Público afirmam que a instalação da barragem provocou a interrupção da normal atividade de pesca, que foram verificados prejuízos materiais e morais, que esses prejuízos não foram devidamente compensados, que existem falhas nos diagnósticos elaborados e que algumas das medidas de mitigação e compensação dos impactos não possuem efetividade. Apesar de a ação ainda não haver sido julgada em primeira instância, foi proferida decisão liminar pelo juiz competente que determinou o pagamento de pensão alimentícia provisória e distribuição de cestas básicas a pescadores/as artesanais da região. Mesmo que tal decisão possa ser considerada uma vitória para a comunidade local que, desde o início do processo de instalação da TKCSA, vem sofrendo com os impactos negativos gerados, a partir de conversas com lideranças locais é possível observar que existem problemas logísticos e operacionais importantes no que se refere à distribuição dos benefícios obtidos com a decisão judicial. Isto é, em primeiro lugar, a listagem de pescadores/as empregada para definir quem seriam os beneficiários é a mesma elaborada pela consultoria contratada pela Aedin no âmbito do procedimento administrativo de autorização ambiental que, por sua vez, é considerada incompleta pela Defensoria e Ministério Público. Em segundo, a distribuição dos benefícios é realizada por uma das associações de pescadores (Associação de Pescadores do Rio São Francisco), que enfrenta sérios proble-

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mas de legitimidade frente ao conjunto da comunidade pesqueira. Como será explorado mais adiante, há na região uma imensa dificuldade de criação e manutenção de agremiações locais com significativa legitimidade, capazes de exercer de forma efetiva atividades de representação de interesses. Essa carência de uma articulação comunitária forte inclusive foi explorada pela Aedin no âmbito da construção da barragem ao promover tentativas de acordos individuais para quitação de danos materiais e, assim, minorar os custos decorrentes das devidas reparações pleiteadas pela comunidade pesqueira. Para além das violações aos dispositivos jurídicos anteriormente mencionados, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro possui um capítulo específico sobre a política pesqueira (Capítulo VII, arts. 257 a 260) que visa proteger, garantir e incentivar, dentre outros, a pesca artesanal no estado, cabendo ao Estado do Rio de Janeiro a obrigação de criar mecanismos de proteção e preservação das áreas ocupadas por comunidades de pescadores/as (art. 257, §3º). Com o objetivo de regulamentar essa obrigação, foi editada a Lei Estadual n. 3.192/1999 que, no Parágrafo Único de seu art. 2º determina que “É garantido aos pescadores artesanais o acesso exclusivo aos recursos naturais, e à participação direta nos planos e decisões que afetem de alguma forma o seu modo de vida”. Isto é, em consonância com as disposições da Convenção da OIT n. 169 não só o direito de participação no processo de tomada de decisão, mas também o acesso aos recursos naturais que, neste caso, pode ser entendido como o direito de ir e vir de forma segura no canal de São Francisco.


Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

membros, tampouco o Inea poderiam se furtar de cumprir a especialmente tendo em vista que o estado do Rio de Janeiro possui normas específicas que em áreas em que a pesca artesanal é realizada. Em outras palavras, comunidade pesqueira local em momento anterior à instalação da barragem por si só violação à legislação em vigor

Referências

já representaria uma

Recomendações

a não participação da

Considerações finais

regulam intervenções

Cenário das violações

legislação em vigor,

Cenário do conflito

qualquer de seus

Introdução

da obra, nem a Aedin,

Resumo executivo

natureza emergencial

Apresentação

Mesmo considerando a

Como bem afirmam pesquisadores/as do Instituto Marés em laudo utilizado pela Defensoria para instruir a petição inicial da ação ajuizada, a obra da barragem não só afetou a navegabilidade do canal, mas também traz riscos à integridade das embarcações utilizadas e até mesmo à vida de pescadores/as, em cristalina violação ao art. 5º da Constituição Federal. No que se refere às reparações individuais, coletivas e difusas, importante ressaltar que, com base no conteúdo do art. 225, §3º da Constituição Federal de 1988, art. 927 do Código Civil Brasileiro, e art. 14, §1º da Política Nacional de Meio Ambiente, há clara obrigação da Aedin de recuperar integralmente todos os prejuízos causados ao meio ambiente e, ainda, à comunidade local impactada. Como se a orientação legislativa não fosse suficientemente clara, o Superior Tribunal de Justiça definiu que “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem” (Recurso Especial 650.728/ SC) deve ser considerado responsável pela reparação decorrente de impactos causados ao meio ambiente. Isso significa que não só a Aedin pode ser considerada responsável por todas as violações constatadas pelos entes legitimados, mas também todas as empresas que compõem a associação. Mesmo considerando a natureza emergencial da obra, nem a Aedin, qualquer de seus membros, tampouco o Inea poderiam se furtar de cumprir a legislação em vigor, especialmente tendo em vista que o estado do Rio de Janeiro possui normas específicas que regulam intervenções em áreas em que a pesca artesanal é realizada. Em outras palavras, a não participação da comunidade pesqueira local em momento anterior à instalação da barragem por si só já representaria uma violação à legislação em vigor. Como se essa situação não fosse suficiente para caracterizar a ilegalidade da construção, a instalação da barragem alterou a navegabilidade do canal de São Francisco ao ponto de inviabilizar o exercício da pesca no referido corpo hídrico, expondo a vida e a segurança de pescadores/as que tentem atravessá-la com embarcações pequenas ou de baixa potência em frontal violação à Constituição Federal.

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

Tampouco pode-se dizer que a alternativa de locomoção segura proposta e aprovada foi suficiente para resolver o problema. Isso porque, os embarcadouros não só continuam a expor pescadores/as a um risco antes não enfrentado, mas, ainda, a utilização das estruturas de traslado instaladas pela Aedin limita seu direito de ir e vir, o exercício regular de seu trabalho e, em última análise, o seu principal meio de subsistência. Para além da óbvia limitação física descrita, a passagem pela barragem mostra-se verdadeiro ponto de controle operado por um ente privado sob um corpo hídrico estratégico para a comunidade local. Ou seja, a partir do uso necessário dos embarcadouros a Aedin passa a ser capaz de exercer o monitoramento direto de pescadores/as que praticam suas atividades naquela região. Todos esses elementos, somados aos pontos levantados pela Defensoria e Ministério Público, apontam para o fato que a suposta natureza emergencial da obra foi fundamento e justificativa para a não realização de análises de impacto adequadas sobre os desdobramentos positivos e negativos decorrentes de sua implantação. A consequência direta verificada, sem prejuízo de análises específicas a respeito dos aspectos técnico-científicos associados, é uma lesão material e extrapatrimonial expressiva experimentada coletiva e individualmente pela comunidade pesqueira local que, diante da barragem, viu-se praticamente inviabilizada de buscar sua subsistência por meio do exercício de suas práticas tradicionais. Cumpre observar que é exatamente para lidar com situações como essa que normas protetivas, tal como a Lei Estadual n. 3.192/1999, encontram

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justificativa. Isto é, o exercício da pesca artesanal, por se tratar de prática marginal aos contemporâneos modelos que guiam as atividades econômicas, tende a ser extinto. Entretanto, o ordenamento jurídico nacional e internacional busca garantir a partir de instrumentos próprios que todas as pessoas que praticam tais atividades tenham o direito de fazê-lo de forma segura e adequada. No caso em questão, o poder público estadual chancelou as mencionadas violações aos dispositivos normativos nacionais e internacionais ao conferir autorização para instalação da barragem e de sua posterior alteração. Sendo certo que, a partir das análises técnicas elaboradas pelo Ministério Público e pela decisão proferida no âmbito da Ação Civil Pública, há um inegável prejuízo que deve ser integralmente reparado, haja vista o que dispõe a legislação em vigor. Mesmo considerando a natureza coletiva do instrumento judicial empregado pela Defensoria Pública para tratar a presente questão, faz-se necessário observar que, ainda que o Poder Judiciário seja sensível às demandas pleiteadas e decida de forma definitiva pela sua procedência, reparações individualizadas devem ser conferidas a pescadores/as impactados/as. A obrigação do cumprimento adequado dessas e outras obrigações é integralmente da Aedin e de seus associados. A transferência do ônus de distribuição das medidas de reparação para entidades locais – tendo em vista os problemas relacionados às práticas associativas na região – deve ser permitida apenas nas situações em que esta não se configurar um obstáculo para a garantia do direito individual.


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Resumo executivo Introdução

Os impactos a moradores/as são verificados desde o início da instalação da TKCSA em 2006, quando se iniciaram as obras de dragagem nos recursos hídricos da região. Já naquele momento foram ajuizadas ações civis públicas, abertos inquéritos por parte dos Ministérios Públicos Estadual e Federal e, inclusive, foi possível verificar intervenções do próprio Ibama, que determinou o embargo das obras por conta da supressão de vegetação de mangue em montante superior ao autorizado. Além dos impactos causados direta e indiretamente à fauna e flora locais, é no processo de instalação do com-

plexo siderúrgico que a segurança e a vida da comunidade local passa a ser ameaçada. Nesse sentido, é possível destacar que, muito antes das discussões associadas à construção da barragem pela Aedin, pescadores do Canal de São Francisco já haviam sido atropelados por embarcação a serviço da TKCSA, resultando na morte de um deles. Corroborando com o histórico de reiteradas violações ao ordenamento jurídico vigente, em 2008, ainda durante o período de instalação, a TKCSA foi objeto de intervenções da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado do Rio de Janeiro e do Ministério Público do Traba-

Apresentação

3.2. Saúde coletiva e território

Cenário do conflito

As enchentes do São Fernando

O morador continua: “antes da obra [da estação de tratamento de água], quando o Guandu enchia, a água não tinha para onde ir e voltava para as nossas casas. Alagou várias vezes. Aliás, já alagou até em dia de sol. Basta o rio encher. A gente está nas casas, mas não está seguro. Mesmo com a obra, a gente ainda espera o tempo de chuvas com medo. E eles não admitem responsabilidade por nada”.

Referências

O documento atribuiu toda responsabilidade a problemas originados na própria construção do conjunto, abaixo do nível do mar. Hoje em dia, na parte central do São Fernando, existe a estação de tratamento construída com o dinheiro da medida compensatória cumprida pela empresa e, justo ao lado, a quadra de esportes onde, desde julho de 2015, o projeto Usina

Dentro das casas, moradores/ as continuam a enxergar incongruências nesta história. Um dos que foi ouvido pela equipe afirmou: “Eu moro em São Fernando desde 1982 e eu nunca tinha visto alagar. Quer dizer, só em 1996, mas aconteceu no Rio de Janeiro inteiro. Sabe por quê? Porque antes a água tinha por onde escoar”.

Recomendações

Assim, quando a maior das enchentes aconteceu, e dezenas de pessoas ficaram temporariamente desalojadas, a CSA enviou

Após as denúncias sobre os alagamentos, a empresa assinou um acordo de cooperação com o Inea, construiu uma Estação de Tratamento de Esgotos em São Fernando, mas apresentou um relatório o qual eximia as obras do complexo industrial de qualquer relação com os acontecimentos.

Comunitária, também da TKCSA, oferece aulas de esporte gratuitas.

Considerações finais

A Thyssenkrupp CSA havia desviado a rota do canal do São Fernando, aquífero que dá nome ao grupo de casas com 21 ruas, próximo à reta João XXIII. A empresa precisou realizar a obra no canal, porque ele passava dentro do terreno doado pelo estado. Depois da intervenção humana, ele deixou de desaguar diretamente na baía.

colchonetes e bombas de drenagem ao local. De acordo com a comunicação da empresa, esse foi um gesto de boa fé, mas não implicou em admissão de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.

Cenário das violações

Entre 2006 e 2012, o conjunto habitacional São Fernando foi tomado por uma série de 36 enchentes. Várias casas ficaram alagadas acima da altura dos joelhos mais de uma vez. Moradores/as perderam sofás, camas, estantes, geladeiras, fogões. Precisaram ir dormir na casa de parentes. Quem não tinha para onde ir foi acolhido por igrejas e escolas.

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

lho por descumprimento de determinadas normas relacionadas à segurança e medicina do trabalho que, por sua vez, resultaram em paralisações das obras. Violações à legislação trabalhista se estenderam nesse período e foram investigadas pelo Ministério Público do Trabalho que acabou ajuizando Ação Civil Pública para questionar o emprego de mão de obra chinesa não especializada atuando sem contrato de trabalho em descumprimento à legislação em vigor. A partir de junho de 2010, concedida a autorização para início da pré-operação do Alto-Forno #1, os problemas relacionados à qualidade do ar se intensificaram. Em agosto, por conta de uma falha no projeto, verificou-se uma emissão descontrolada de partículas para a atmosfera. Esse episódio, que gerou ampla repercussão e impactos para a população local, foi objeto de vasta divulgação na mídia, bem como de autuação mais incisiva por parte do próprio órgão licenciador, isto é, o Inea. Dentre as diversas notificações e autos de constatação expedidos, a TKCSA foi multada em R$ 1,8 milhão e sua atividade foi parcialmente suspensa, ainda que, logo em seguida, tal medida tenha sido revogada pelo Conselho Diretor do Instituto. A poeira tomou o ar e entrou nos quintais das pessoas. Os conjuntos habitacionais próximos à avenida João XXIII, como o São Fernando, Alvorada, Miéssimo, foram os mais prejudicados. Alguns hábitos foram adotados nessa época e se perpetuam até os dias de hoje: trocar a água dos animais domésticos e passar o pano em varandas, pátios e alpendres várias vezes ao dia por exemplo. Embora tenham sido pontuais as chuvas de prata vistas a olho nu, é parte do cotidiano atual da população vizinha à si-

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derúrgica o pó prateado sobre os objetos, dentro e fora das casas. Na ocasião da primeira chuva de prata, o ferro-gusa produzido na fase de pré-operação do Alto-Forno #1 foi vertido nos poços de emergência, instalados em área aberta e sem controle, resultando na emissão de material particulado. Diversos relatos de moradores/as, inclusive colhidos pelo Inea, apontam que a emissão vinha ocorrendo diariamente, causando não apenas incômodos, mas também efeitos negativos sobre sua saúde, em especial, no que se refere a problemas respiratórios, oftalmológicos e dermatológicos. Em alguns casos, problemas de saúde anteriores foram acentuados significativamente a partir do início da operação do referido alto-forno em virtude do contato com a poeira emitida pela planta industrial. Em decorrência da mencionada emissão irregular, em novembro de 2010, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia (0019916-33.2010.8.19.0206) em face da TKCSA, seu representante legal e gestor técnico, pela prática do crime de poluição previsto no art. 54 da lei n. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais). O recrudescimento das análises produzidas tanto pelo Inea quanto pelo Ministério Público Estadual sobre a concessão de autorização para a partida e pré-operação do Alto-Forno #2 tornam-se evidentes após o primeiro episódio de emissão de material particulado. A partir da leitura das notificações e pareceres produzidos, é possível verificar que, pelo menos até dezembro de 2010, a própria área técnica do Inea era contrária a autorizar a operação do segundo alto-forno, impondo à TKCSA a realização de medidas emergenciais, mitigadoras, mas também


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As principais queixas de saúde feitas de maneira recorrente pela população atingida pela chuva de prata a diversos atores do Estado e da sociedade civil organizada foram dermatites, irritação de mucosas e problemas respiratórios diversos

BOCA NARIZ

Cenário das violações

PELE

PULMÕES

Considerações finais Recomendações

-Forno #2 com total segurança para a comunidade do entorno e de forma a atender à legislação ambiental vigente. Assim, ficou acordado entre Ministério Público e Inea que a realização de tal auditoria e sua aprovação pelos referidos órgãos passariam a ser etapas essenciais para a continuidade do li-

Referências

condicionando a partida de outro forno apenas após a solução das inconformidades verificadas e à condução de auditoria internacional independente. O relatório produzido deveria, então, apresentar todas as medidas de controle necessárias para garantir a partida do Alto-

SINUS

Cenário do conflito

Em outubro de 2012, houve mais um episódio de material particulado. Os três momentos resultaram em multas ao empreendimento, mas nenhum deles levou à indenização das pessoas atingidas. Antes o contrário, o discurso das pessoas que se queixaram foi desacreditado sistematicamente tanto pela empresa quanto pela Secretaria Estadual de Saúde (SEA), a qual chegou a realizar um grupo de estudo para averiguar as denúncias da comunidade vizinha à usina, confirmou as queixas mas suavizou a relação entre elas e os episódios da chuva de prata.

OLHOS

Introdução

Já em dezembro do mesmo ano, o MPRJ apresentou denúncia à TKCSA por crimes ambientais, anexado a ela estavam alguns agravos à saúde levantados pelo órgão junto a moradoras e moradores: dermatites, irritação de mucosas e problemas respiratórios diversos. No natal do mesmo ano, mais um episódio crítico de chuva de prata ocorreu. Nesse contexto, moradoras e moradores foram atendidas/ os na Fiocruz e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Resumo executivo

Foram três os momentos críticos de episódios da chuva de prata. O primeiro aconteceu logo depois de a usina começou a produzir. Em agosto de 2010, moradoras e moradores dos arredores da avenida João XXIII foram surpreendidas/os pela precipitação de material particulado brilhoso sobre ruas e casas. No mês seguinte, uma missão formada pela Fiocruz e instituições aliadas atestou queixas de dermatites, irritação de mucosas e problemas respiratórios diversos.

Apresentação

Chuva de prata e problemas de saúde

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

cenciamento e operação da TKCSA. A despeito da intensificação das medidas de controle, em 13 dezembro de 2010, a TKCSA protocolou pedido de reconsideração endereçado ao presidente do Inea, a fim de que a partida do Alto-forno #2 fosse autorizada sem a necessidade de realização prévia das medidas anteriormente mencionadas. Esse, que foi o segundo pedido de reconsideração apresentado pela empresa, não só omitia que o primeiro requerimento – endereçado ao Conselho Diretor do Inea – havia sido indeferido, mas também fixava prazo máximo para manifestação final do órgão ambiental sobre o assunto. Isto é, 15 de dezembro de 2010, apenas dois dias após o protocolo do documento. Novamente, impossibilitada de produzir uma análise técnica suficiente tendo em vista a complexidade da questão, a Diretoria de Licenciamento do Inea afirmou que não poderia avaliar a proposta apresentada no prazo e que seria necessário apoio externo para realizar tal tarefa, fundamento esse que justificava a determinação de realização de auditoria externa, conforme anteriormente mencionado. Nesse sentido, o segundo pedido de reconsideração também foi negado, agora pelo presidente do Inea, que alinhado com o posicionamento da área técnica, recusou-se a reconsiderar as condições impostas para a partida do Alto-forno #2. Inconformados com os dois anteriores indeferimentos aos pedidos de reconsideração protocolados, no dia 14 de dezembro de 2010, a TKCSA – em posição contrária ao que havia sido acordado entre Inea e Ministério Público – apresentou um terceiro recurso, dessa vez endereçado a então secretária de estado do ambiente. Ressalte-

66

-se que, a despeito do incidente anterior, e dos próprios técnicos do Inea chegarem a conclusão da necessidade de auditoria – em consonância com o posicionamento do Ministério Público Estadual –, os responsáveis legais pela empresa fundamentaram o novo pedido de reconsideração afirmando, entre outras, “(i) a ausência de riscos à saúde da população; e (ii) a inexistência de potenciais violações dos padrões legais da qualidade do ar”. Tal pedido foi analisado pela Procuradoria do Estado que reiterou a necessidade de um juízo técnico seguro antes da emissão de qualquer posicionamento final por parte da SEA. Contrariamente ao posicionamento de sua procuradoria, a secretária de estado do ambiente autorizou a partida do Alto-Forno #2 e enviou a decisão para ratificação do governador do estado do Rio de Janeiro que assim o fez sob o principal argumento de que o atraso na entrada em operação do forno traria injustificados prejuízos econômicos que extrapolariam o território nacional, uma vez que inexistiria evidência de grave motivo para tal posicionamento. Após 10 dias do deferimento da autorização, em 25 e 26 de dezembro de 2010, a TKCSA lançou ferro-gusa nos poços de emergência, similarmente ao que ocorrera quando da partida do Alto-Forno #1, em agosto de 2010. Exatamente um dos pontos principais que justificavam a determinação do Inea no sentido de que fosse realizada auditoria externa, qual seja, a vedação ao uso dos poços de emergência quando da partida do segundo forno, foram evidenciados de forma empírica. Conforme afirma o Ministério Público Estadual, a TKCSA não teria adotado as medidas necessárias para evitar que,


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posicionamento de sua procuradoria, a Secretária de Estado a partida do AltoForno #2 e enviou a decisão para ratificação do do Rio de Janeiro. O argumento foi de que o atraso na entrada traria injustificados prejuízos econômicos que extrapolariam o território nacional

Cenário do conflito

em operação do forno

Introdução

governador do estado

Resumo executivo

do Ambiente autorizou

Apresentação

Contrariamente ao

quando da partida do Alto-Forno #2, fosse emitido material particulado para a atmosfera, e, deste modo, prevenidos danos à saúde da população e ao meio ambiente. Sustentam os promotores que, tanto a secretária do ambiente, como o governador do estado teriam agido ilegalmente ao afirmar que a empresa havia cumprido todas as exigências do órgão ambiental e da legislação em vigor, justificando a emissão da referida autorização. Em resposta à nova violação, por parte do Inea foi fixada nova multa à TKCSA no valor de R$ 2.8 milhões, para além da assinatura de um compromisso de investimento na localidade no montante de R$ 14 milhões. Para além da referida sanção administrativa e medida de caráter compensatório de natureza coletiva, ficou definido que a TKCSA indenizaria individualmente cada pessoa afetada pelos impactos verificados a partir da operação da siderúrgica. Nesse sentido, a despeito das inúmeras tentativas da TKCSA de desqualificar as reclamações reiteradamente observadas por parte de moradoras e moradores, o próprio Inea realizou vistorias e entrevistas em Santa Cruz que reforçam os danos causados à saúde, em especial, no que se refere a problemas respiratórios e de pele. No que diz respeito à atuação do Ministério Público Estadual, uma nova ação criminal foi ajuizada, desta vez incluindo o responsável técnico do setor de meio ambiente da TKCSA, sob o fundamento de que as medidas de precaução ao acionar o Alto-Forno #2 não foram adotadas, tampouco os réus teriam comunicado os órgãos ambientais competentes sobre os impactos ambientais gerados desde então. Também em resposta aos eventos de emissão de material particulado pela TKCSA, pesquisadores/as e médicos/ as da Fiocruz e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) realizaram visitas e atendimentos na região que culminaram, naquele momento, com a produção de um relatório que atestava os desdobramentos negativos para a saúde da população verificados em decorrência da entrada em operação dos fornos da TKCSA. Importante destacar que, apesar de meses depois a companhia haver desistido, ações judiciais foram ajuizadas contra dois pesquisadores e uma pesquisadora (Hermano Albuquerque de Castro, Alexandre Pessoa Dias Fiocruz e Mônica Cristina Brandão

Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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dos Santos Lima) da Fiocruz e da UERJ em virtude não apenas da produção e publicação do referido relatório, mas também em decorrência de seu posicionamento público em defesa dos resultados verificados a partir de suas análises clínicas e científicas a respeito dos problemas observados a partir da operação da TKCSA. Ocorre que, mesmo com a imposição de sanções administrativas, condução de medidas compensatórias de cunho coletivo, ajuizamento de ações penais, e celebração de termos de ajustamento de conduta, após a partida dos dois alto-fornos, em nenhum outro momento, a operação da TKCSA foi paralisada por violações à legislação em vigor. Mesmo em agosto de 2012, quando foi verificado um terceiro episódio de emissão de material particulado – popularmente denominada de chuva de prata –, em que a TKCSA foi multada pelo Inea em R$ 10,5 milhões, foi insuficiente para sobrestar as atividades da siderúrgica. Importante observar que de 2012 até 2016, quando foi emitida uma controvertida Licença de Operação (IN036830) em favor da companhia, a TKCSA operou sem qualquer licença ambiental, tendo como único amparo legal um termo de ajustamento de conduta que prolongou sua pré-operação enquanto medidas de controle, mitigação e compensação foram sendo implementadas. Ressalte-se que, nas palavras do então Secretário Estadual do Ambiente, André Corrêa, em audiência pública na Alerj que tratou de alteração da legislação ambiental estadual, em 14.03.2017, a emissão da Licença de Operação foi condicionada - em um acordo político - ao pagamento das multas anteriormente mencionadas. Em outras palavras,

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iniciada a atividade principal da siderúrgica, todos os impactos, danos, ineficiências e problemas de toda ordem associados ao mencionado complexo siderúrgico foram incapazes induzir os agentes públicos envolvidos a adotarem medidas no sentido de paralisar suas operações. Mesmo após a implementação de diversas medidas de mitigação dos impactos, moradores e moradoras do entorno da TKCSA continuaram sofrendo desdobramentos negativos do processo produtivo, em especial, no que se refere à poluição do ar na região. Em regra, empreendimentos de significativo impacto ambiental, como no caso da TKCSA, estão sujeitos ao procedimento ordinário de licenciamento, que inclui a obrigatoriedade de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Nesse sentido, em nível federal as duas normas que regulam esses procedimentos são as Resoluções Conama n. 01/86 e 237/97. No estado do Rio de Janeiro, atualmente, o procedimento de licenciamento é regulado pelo Decreto Estadual 44.820/2014, que dispõe sobre o Sistema de Licenciamento Ambiental (SLAM). O licenciamento ordinário, portanto, inclui três momentos distintos que são marcados pela concessão de diferentes licenças. O primeiro estágio, que culminará com a emissão da Licença Prévia, é entendido pelo ponto de vista técnico como sendo o momento de maior importância do procedimento administrativo de análises dos impactos. Isso porque, é nessa fase que a administração pública avaliará a viabilidade ambiental do empreendimento. Ou seja, a partir da elaboração e apresentação do EIA/Rima e demais


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fase do licenciamento ambiental ordinário se inicia com o pedido de Licença de Instalação que, uma vez concedida, permite o início das obras. Entre o pedido e a concessão do mencionado ato administrativo, a principal avaliação a ser realizada pelo órgão ambiental está relacionada aos desdobramentos oriundos dos procedimentos de implantação do empreendimento proposto. Ou seja, são apresentados todos os planos necessários para que as obras sejam conduzidas em consonância com a legislação vigente. Na legislação do estado do Rio de Janeiro, foi criada uma etapa intermediária, no interior da fase de instalação, que se refere à possibilidade de se conceder autorização para início da pré-operação de determinados empreendimentos. Conforme o Decreto Estadual 44.820/2014, a Licença de Instalação poderia autorizar a pré-operação por prazo específico na licença e tem como objetivo obter dados e elementos de desempenho necessários para subsidiar a concessão da Licença de Operação. Nesse sentido, a pré-operação autorizada pelo Decreto como conteúdo da Licença de Instalação é restrita a determinados prazos e com finalidade essencialmente objetiva, voltada para uma melhor instrução do processo, e não para benefício econômico do empreendedor. Ou seja, trata-se de um teste operacional que, para alguns empreendimentos, mostra-se necessário. A pré-operação não pode, portanto, significar o início comercial da atividade proposta, haja vista que essa só será permitida ao final do procedimento de licenciamento. Por último, a terceira fase do licenciamento abrange o momento de requerimento e concessão da Licença de Operação. Ape-

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

documentos julgados necessários, o órgão ambiental competente fará uma avaliação que deverá possuir como diretrizes gerais (i) as análises a respeito de tecnologias e locais alternativos para realização do empreendimento, (ii) a identificação e avaliação sistemática dos impactos ambientais gerados nas fases de instalação e operação, (iii) a definição das áreas direta e indiretamente impactadas pelo projeto; e deverá considerar, ainda, (iV) os planos e programas governamentais existentes, propostos e implantação na área de influência do projeto. Em termos de conteúdo técnico produzido, o EIA apresentado deverá – obrigatoriamente – conter (i) um diagnóstico técnico que inclua o meio físico, biológico e o socioeconômico; (ii) análises dos impactos causados, discriminando-os em positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais; (iii) a definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos; e (iV) a elaboração de programas de acompanhamento e monitoramento do empreendimento. Definido um posicionamento final a respeito da viabilidade ambiental do empreendimento, o órgão ambiental competente deverá emitir a Licença Prévia para o empreendimento. Ressalte-se que, até esse momento, nenhuma intervenção material no território é possível. Isso porque, o mencionado ato administrativo apenas atesta publicamente que o empreendimento proposto naqueles termos é viável do ponto de vista ambiental. Nesse sentido, a segunda

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nas com a obtenção desse documento a atividade ou empreendimento é autorizado a iniciar sua operação. Para que esse seja concedido, é necessário que seja comprovado o cumprimento de todas medidas e exigências assim definidas na Licença de Instalação, bem como fixadas as medidas de controle ambiental e condicionantes operacionais. Atenta leitura da Resolução Conama n. 01/86 permite observar que os estudos técnicos elaborados devem levar em consideração todos os impactos – negativos e positivos – observados na implantação e operação do projeto. Isso implica em afirmar que o EIA/Rima deverá incluir análises relacionadas aos eventuais desdobramentos para a saúde da população atingida pelo empreendimento ou atividade - inclusive no que se refere à exigência de realização de estudo epidemiológico, que até hoje não foi realizado. Portanto, uma vez identificados todos os impactos negativos devem ser escrutinados pelo órgão ambiental que, avaliará a viabilidade de sua existência, mitigação ou eventual compensação. Ou seja, nenhum ônus pode ser transferido para a sociedade sem que esta seja, de alguma forma, objeto de reparação. Essa perspectiva inclui não só reparações de natureza coletiva, mas, principalmente, individual. Para além da legislação nacional específica que trata do tema, no plano internacional, o direito à saúde é protegido pelo art. 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil, incorporado no ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 591/1992. O Pacto determina que os Estados Partes reconhecem direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde

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física e mental e se comprometem a adotar as medidas necessárias com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito. Em âmbito regional, esse direito também é garantido pelo art. 10 do Protocolo de São Salvador, também ratificado pelo Brasil. A questão passa a ser objeto de controvérsia quando, no caso da TKCSA, os impactos não diagnosticados, analisados e compensados no curso do licenciamento ambiental, surgem em momentos diversos e permanecem causando prejuízos à vida, à saúde e aos demais direitos fundamentais de moradores/as, para além dos impactos socioambientais. Nessas situações, que são tecnicamente traduzidas em problemas no regular exercício da atividade de licenciamento ambiental, a revisão, ainda que tardia, não pode deixar de acontecer. Esses momentos de constantes rearranjos, em verdade, mostraram-se uma das marcas do licenciamento ambiental da TKCSA. Após um processo de Licença Prévia rápido, precoce e superficial, o início das obras e da pré-operação revelaram e continuam a apontar até hoje a necessidade de sucessivos ajustes ao projeto originalmente submetido à análise do Inea. Essa afirmação encontra amparo no próprio trajeto histórico do Termo de Ajustamento de Conduta assinado pela TKCSA. O documento foi submetido a três aditivos que ampliaram prazos, modificaram e incluíram obrigações no texto original. Por fim, apesar de o Inea atestar seu integral cumprimento, hoje, o acordo continua a ser objeto de disputa judicial em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual (0243788-19.2016.8.19.0001). Mesmo que se admita a remota possibilidade de que todas as medidas compensa-


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Iara Moura / PACS

Apresentação

Resumo executivo Introdução

Cenário do conflito

Cenário das violações

Considerações finais

Recomendações

Referências

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tórias de natureza coletiva e difusa tenham sido integralmente cumpridas, satisfazendo todas as necessidades de mitigação, compensação ou reparação de danos, o mesmo não pode ser dito sobre as demandas reparatórias individuais. Como já mencionado, desde o início das atividades de instalação, foram observados outros impactos, para além do aumento de poluição atmosférica. Nesse sentido, para além das respostas coletivas socialmente perquiridas, diversas ações individuais reparatórias foram ajuizadas – principalmente entre os anos de 2011 e 2012 – em sua maioria patrocinadas pela Defensoria Pública, e o restante por meio de advogados particulares. Ainda que um percentual reduzido dessas ações tenha sido julgado improcedente, a maior parte ainda aguarda elaboração de análise técnica e pericial sobre os pontos controvertidos. Isso significa dizer que, a despeito de a TKCSA haver expressamente se comprometido no curso do licenciamento ambiental, em especial após a primeira emissão de material particulado em agosto de 2010, a realizar todas as reparações individuais devidas, foi necessário interpelar o Poder Judiciário a fim de tentar garantir tais direitos. Nesse sentido, apesar da eventual necessidade de produzir cálculos específicos a fim de singularizar as reparações, inúmeros documentos produzidos pelo próprio Inea ao longo do licenciamento atestam a existência de danos individuais, para além dos impactos não previstos, não compensados, mas verificados após o início da instalação e operação da siderúrgica. Ou seja, desde pelo menos 2010, a comunidade local, que possui direito à reparação oriunda da atividade da TKCSA é obrigada a disputar, em um ce-

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nário de significativa disparidade de forças, por algo que é seu de direito, já comprovado pelo próprio estado do Rio de Janeiro. Nessa direção, a Defensoria Pública, em alguns momentos em atuação parceira com o Ministério Público Estadual, e conforme anteriormente mencionado, ajuizou mais de 200 ações reparatórias individuais a fim de garantir que esses direitos individuais sejam efetivamente cumpridos pela TKCSA. As referidas ações se somam a um montante ainda mais expressivo de demandas individuais patrocinadas por advogados particulares. Ainda que parte desses litígios já tenha transitado em julgado, um número expressivo ainda encontra-se em curso, mais precisamente na fase de elaboração de prova pericial. Ressalta-se que tais ações têm como pontos controversos centrais elementos de natureza técnica de alta complexidade. Nesses casos, o argumento jurídico – apesar de fundamental para o desenvolvimento do processo judicial – fica substancialmente prejudicado em virtude da necessidade de se dirimir questões técnicas. Isso implica dizer que, para além da sua equipe jurídica altamente qualificada, seria necessário, ainda, um corpo técnico em número capaz de avaliar de forma adequada esses elementos. Tendo em vista que nem o próprio Ministério Público do Estado dispõe de equipe em número suficiente para analisar todas as demandas dos promotores em exercício, a Defensoria Pública que, sequer dispõe desse tipo de equipe, passa a disputar juridicamente em um cenário adverso, haja vista a importância dos resultados da prova pericial produzida no âmbito das disputas judiciais em curso. Tampouco pode-se sustentar que os


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dicialmente a realizar todas essas reparações pleiteadas judicialmente.

Apresentação

3.3. Participação política

Os indicadores de desenvolvimento humano traduzem o bairro de Santa Cruz como um território precário, desprovido de infraestrutura urbana, cuja população, em sua maior parte, tende a buscar alternativas de educação, cultura e trabalho fora dos seus limites geográficos. A renda média baixa, a localização periférica e os aproveitamentos marginais do espaço somam-se a esse contexto no sentido de caracterizar também as dispersas articulações políticas locais. De todo modo, cumpre ressaltar que esses não são os únicos elementos que explicam a reduzida densidade associativa na região. Nesse sentido, outros fatores – como a instalação do complexo siderúrgico na região – são fundamentais para compreender as atuais limitações de atuação comunitária no território. Desde antes mesmo do início formal do processo de licenciamento ambiental, a Vale S.A., e a TKCSA investiram – por meio da contratação de consultorias – no desenvolvimento de diagnósticos, estudos, canais de comunicação e estratégias de atuação (dentro e fora do licenciamento ambiental) para lidar não apenas com os obstáculos legais e burocráticos, mas também com as populações locais atingidas. Ou seja, a aproximação e identificação de associações, lideranças, grupos políticos, potenciais protagonistas foram objeto de análise por parte da iniciativa privada, sendo percebida como um elemento basilar para o desenvolvimento de suas estratégias de atuação junto aos atores impactados. Nessa direção, após os primeiros con-

Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

elementos processuais hoje existentes no ordenamento jurídico brasileiro são capazes de mitigar de forma suficiente o elevado grau de disparidade de forças que é observado em situações como essas descritas neste relatório. Assim, ainda que instrumentos tal como a inversão do ônus da prova sejam fundamentais para a dinâmica processual, as análises técnicas e a formação de juízos de convicção a respeito destas vão muito além dos custos econômicos de produção do laudo. Por exemplo, é necessário dispor de expertise suficiente para elaborar e questionar os quesitos apresentados, para questionar eventuais análises do laudo, para contrapor outros documentos técnicos produzidos no processo etc. A disparidade econômica e financeira verificada entre comunidade local e empreendedor é exacerbado no processo judicial, haja vista que, em regra, o ente privado é quem domina o saber técnico altamente especializado mobilizado e posto em cheque em eventuais questionamentos judiciais. Tendo em vista que parte das ações judiciais individuais de natureza reparatória ajuizadas foi julgada improcedente exatamente em função de a prova técnica se apresentar como um obstáculo à reparação, é possível sustentar que há um elevado risco de que essa situação se repita para os demais casos. Assim, apesar da via judicial demonstrar um caminho de fundamental importância no processo de reafirmação desses direitos violados, a complexidade envolvida nessas demandas gera a necessidade de que tais disputas sejam devidamente geridas sob pena de que o acesso à justiça dessas pessoas não seja efetivamente resguardado. Lembrando que a TKCSA já havia se comprometido extraju-

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tatos realizados por intermediários contratados pela Vale S.A. e TKCSA, foi possível verificar um aumento da constituição de grupos associados – em especial ligados à pesca artesanal – que passaram a consolidar em suas figuras os mais diversos posicionamentos sobre a instalação do complexo siderúrgico. Em outras palavras, houve em um primeiro momento uma reação preliminar por parte dos então futuros atingidos de criar estratégias de articulação para seus múltiplos interesses a fim de garantir meios para dialogar com um novo agente privado de proporções colossais que viria a se instalar no território. Entretanto, não são poucos os relatos que apontam para problemas formais na constituição dos grupos, questões associadas à qualificação desses atores como pertencedores dos segmentos que buscavam se agrupar etc. Essa multiplicidade de agentes associados teve como uma de suas consequências – quando da fase de identificação de sujeitos impactados/ as e, logo em seguida, no momento da execução das medidas compensatórias – um aumento de complexidade na disputa sobre a tentativa de unificar posicionamentos em direções minimamente convergentes capazes de minimizar um posterior enfraquecimento dos grupos impactados. Isso porque, o atendimento aos interesses de algumas associações apenas poderia reduzir de forma expressiva a capacidade de interlocução política de demais atingidos/ as pelos impactos da TKCSA. A despeito da incipiente resistência local verificada – que buscava articular seus múltiplos, diversos e complexos interesses em disputas que ocorriam com outros agentes privados que se instalavam na região em período similar – não é possível comparar a capacidade de produção de estratégias de uma transnacional com grupos locais pulverizados caracterizados por uma baixa tradição associativa. Nesse sentido, o que se observou ao longo do processo de licenciamento ambiental – em especial quando da fase de instalação – foi que parte significativa de atores locais considerados legítimos para intermediar a elaboração e execução das medidas compensatórias foram identificados e eleitos à referida condição a partir, essencialmente, dos estudos técnicos elaborados pela própria TKCSA. Tendo

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Não é possível comparar a capacidade de produção de estratégias de uma transnacional com grupos locais pulverizados caracterizados por uma baixa tradição associativa


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Apresentação

Três episódios de interação entre TKCSA e movimentos de resistência

Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais

ao bairro. No início era contrária ao empreendimento e usava da própria influência para organizar segmentos de oposição aos impactos socioambientais da planta industrial. O setor de comunicação da companhia, no entanto, iniciou uma negociação que culminou em um apoio financeiro mensal à iniciativa da liderança, a qual hoje cede entrevistas em favor da siderúrgica sem omitir essa trajetória. Em setembro de 2015, um membro da equipe desta relatoria esteve na sede do reforço escolar em ques-

Recomendações Referências

conhecimento prévio do que vinha sendo observado na região, a companhia atuou com liberdade para selecionar os interlocutores locais com os quais construiria canais de diálogo, em outras palavras, os que ofereciam menos obstáculos, e os demais com quem evitaria dialogar, isto é, os que apresentavam maiores riscos à viabilização do empreendimento. Uma liderança local da avenida João XXIII, por exemplo, capitaneia um reforço escolar desde antes da chegada da TKCSA

CRIMINALIZAÇÃO Em novembro de 2011, após o lançamento do relatório elaborado pela Fiocruz de avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da TKCSA, a siderúrgica processou por danos morais dois pesquisadores da Fundação e uma pesquisadora da Uerj. O pneumologista do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Hermano Castro, o engenheiro sanitarista Alexandre Pessoa Dias, do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde, e a bióloga Mônica Lima, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, foram acusados de denunciar publicamente a empresa sem comprovação.

Introdução

COOPTAÇÃO Através do apoio financeiro a iniciativas educacionais do bairro, a empresa converteu lideranças contrárias ao empreendimento em aliadas. É o caso de um Centro de Estudos no Parque Florestal, apoiado pela siderúrgica há mais de dez anos. A liderança local mobilizava pessoas da vizinhança para fiscalizar e denunciar a conduta da usina. Depois de iniciado o financiamento, a pessoa reitera o discurso das relações públicas da siderúrgica: a chegada da companhia é uma benesse diante da precarização da vida no bairro, que é responsabilidade exclusiva do Estado.

Resumo executivo

INTIMIDAÇÃO No dia 27 de março de 2014, a Secretaria de Ambiente do estado do Rio de Janeiro (SEA) promoveu uma audiência pública no bairro de Santa Cruz com o objetivo de apresentar à população os resultados da auditoria contratada para acompanhar o TAC firmado entre a própria SEA e a TKCSA. O auditório estava repleto de funcionários/as uniformizados/ as da siderúrgica (e não de moradores/as de Santa Cruz) que gritavam e assediavam aqueles que buscavam denunciar as violações cometidas pela empresa e pelos órgãos ambientais.

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

tão acompanhada de representantes da empresa e da própria liderança, de quem ouviu esse relato. Essa estratégia de atuação, observada desde as primeiras etapas do licenciamento ambiental, é reproduzida até o presente momento, por exemplo, no âmbito da mencionada ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública a respeito dos impactos causados pela instalação da barragem no canal de São Francisco. Um dos dilemas operacionais verificados como potenciais gargalos ao acesso à justiça está ligado à execução das obrigações definidas pelas decisões judiciais proferidas. Apesar de a TKCSA ser juridicamente responsável pelo cumprimento das medidas deferidas judicialmente, a companhia o faz por meio de agentes locais (e.g., associações de pesca) eleitos por ela como representantes dos/as demais pescadores/as impactados/ as. Ainda que sejam inegáveis os limites institucionais associados à atuação da Defensoria Pública para questionar esse tipo de medida, esse ponto é fundamental para questionar, inclusive, como são identificados e categorizados os atores impactados, sujeitos às medidas compensatórias. Não resta dúvida que os/as pescadores/as artesanais são diretamente impactados/as, mas outros importantes grupos sociais também objetos dessas intervenções negativas sobre o território dispõem de ainda menos expressividade política – inclusive associativa – para disputar seus interesses, como, por exemplo, mulheres, jovens, idosos etc., que são incorporados genericamente a dinâmica compensatória do procedimento de licenciamento. Os fatores anteriormente mencionados, combinados com uma limitada capacidade de interação dos atores locais nas arenas assim definidas como legítimas – e.g., o judiciário, e o próprio licenciamento ambiental – fazem surgir, ainda, o que a Defensoria Pública vem identificando como intermediadores de direitos. Isto é, grupos de indivíduos, especializados ou não, que se dizem capazes de representar moradores/as ou pescadores/as da comunidade local nas instâncias públicas ou privadas em troca de uma remuneração extraída a partir dos benefícios econômicos auferidos, teoricamente, em virtude de sua intervenção. Esse tipo de situação identificada pela Defensoria Pú-

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Não resta dúvida que os/as pescadores/ as artesanais são diretamente impactados/ as, mas outros importantes grupos sociais também objetos dessas intervenções negativas sobre o território dispõem de ainda menos expressividade política – inclusive associativa – para disputar seus interesses, como, por exemplo, mulheres, jovens, idosos etc., que são incorporados genericamente a dinâmica compensatória do procedimento de licenciamento


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instalação da TKCSA é marcado por uma tentativa de intimidação dos movimentos sociais que,vem se intensificando nos últimos anos, vide, por ilegais e violentas empregadas pelo poder público para administrar protestos nos últimos anos

Cenário do conflito

manifestações e

Introdução

exemplo, as estratégias

Resumo executivo

e criminalização

Apresentação

O procedimento de

blica e ilustrada por dezenas de ações judiciais de natureza cível ajuizadas por advogados particulares pode ser tomada como uma das prováveis consequências relacionadas à baixa articulação política local. Nessas situações, grupos, associações, entidades etc. tendem, em regra, a aglutinar seus múltiplos interesses, estratégias, obstáculos e limitações produzindo pautas mais ou menos coesas que, por sua vez, são encaminhados a partir de táticas desenvolvidas no âmbito desses conjuntos. Ou seja, sob o aspecto analisado, funcionam como uma espécie de filtro para evitar o surgimento e o desenvolvimento de soluções individualizadas que enfraquecem as demandas coletivas, limitam a capacidade de negociação e expõem ainda mais esses atores às potenciais tentativas de cooptação pelo ente privado. Não resta dúvida que a presença desse tipo de intermediador/a não é condição obrigatória para que situações como, por exemplo, a cooptação de grupos de atores impactados/as ocorra. Tampouco é possível dizer que essa situação de baixa articulação local se deu exclusivamente em virtude das ações da TKCSA, entretanto, não é possível desconsiderar a interferência sensível observada nas ações da companhia para a perpetuação desse cenário. Faz-se necessário observar outro elemento sensível relacionado à limitação no desenvolvimento de associações políticas locais, qual seja, a ascensão da milícia na região. Ressalva-se que este relatório não tem por objetivo tratar do tema em questão em profundidade e, nesse sentido, não foram conduzidas investigações ou exames mais detalhados a respeito do grau de influência exercido por esses grupos sobre a comunidade local. Contudo, tomando por referência outras análises já realizadas a respeito de temas similares envolvendo a atuação de grupos milicianos é possível sustentar que sua presença em determinadas partes do território tende a produzir efeitos diretos na capacidade organizativa dos grupos locais. Nesse sentido, sustenta-se que essa variável também deve ser levada em conta, inclusive no que se refere às estratégias empregadas pela TKCSA, para fins de avaliar o tema ora tratado. Para além das dificuldades anteriormente identificadas, o procedimento de instalação da TKCSA é também

Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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marcado por uma tentativa de intimidação e criminalização dos movimentos sociais que vem se intensificando nos últimos anos, vide, por exemplo, as estratégias ilegais e violentas empregadas pelo poder público para administrar manifestações e protestos nos últimos anos. No presente caso, a tentativa de intimidação se deu diretamente pela iniciativa privada, por meio de ajuizamento de ações criminais contra pesquisadores/ as e professores/as que produziram estudos técnicos que apontavam para conclusões dissonantes do que havia sido identificado, avaliado e aprovado no curso do licenciamento ambiental do complexo siderúrgico. Tal caráter intimidador é reforçado pelo fato de que, após exercício de uma intensa pressão pública, a TKCSA decidiu por não dar continuidade às ações judiciais, desistindo de seus pleitos. Práticas agressivas de ocupação das arenas públicas também foram reiteradamente verificadas no curso do licenciamento ambiental e produziram impactos diretos na organização e participação popular. Um exemplo foi o comportamento da TKCSA durante as audiências públicas realizadas. Com maior ou menor grau de intensidade, os eventos foram marcados por uma presença massiva de funcionários/as da companhia que hostilizavam e assediavam quem se posicionava contrariamente ao empreendimento, inclusive no que se refere às tentativas de apresentação de denúncias sobre as violações de direitos perpetradas pela TKCSA. Existem registros de audiências públicas em que, para além dos assédios e intimidações, chegou-se a observar embates físicos entre as pessoas presentes, retirando qualquer possibilidade de que o

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exercício da livre expressão fosse garantido. Essas tentativas de ocupação agressiva das arenas públicas também foram verificadas nas audiências públicas realizadas fora do procedimento de licenciamento, por exemplo, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Ressalte-se que existem diversos indícios de que estratégias de espionagem vêm sendo empregadas no que diz respeito a atuação de movimentos sociais, inclusive no âmbito do caso TKCSA. Essas estratégias apontam indícios para violações à Declaração sobre os Defensores de Direitos Humanos da ONU, em especial no que se refere ao art. 1º, que garante o direito de se organizar a lutar pela proteção dos direitos humanos e o art. 14, que determina que o Estado brasileiro deve adotar as medidas necessárias para garantir o livre exercício desse direito. Mais recentemente dois outros episódios reforçam que as tentativas de construção de uma resistência local continuam sendo monitoradas, limitadas, intimidadas e, eventualmente, criminalizadas até hoje, mesmo após a emissão da licença de operação. O primeiro ocorreu em julho de 2015, quando pescadores de Santa Cruz paralisaram as obras da barragem do Canal de São Francisco. Cerca de 50 pescadores atracaram embarcações às margens da barragem como forma de protesto após descumprimento de acordo pelas empresas responsáveis pela construção. A resposta à intervenção foi o acionamento da Polícia Militar que os conduziu em viaturas e micro-ônibus até a delegacia para que prestassem esclarecimentos. O segundo episódio se deu quando dos momentos que antecederam à votação da


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tada para evitar a germinação de grupos associativos mais sólidos amplia ainda mais as possibilidades de controle do território, limitando – quando não impedindo – a produção de estratégias para reivindicação de direitos. Nesse sentido, garantir a existência de meios para que seja possível o exercício de uma organização e representação política local é fundamental para que outros direitos fundamentais também sejam acessados pela comunidade local.

Apresentação Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

licença de operação da TKCSA. Buscando orientar e conscientizar os componentes da Ceca – comissão responsável por votar a referida licença –, o PACS, em conjunto com diversas outras organizações listadas neste relatório, enviou carta alertando os/ as julgadores para os diversos pontos ainda controversos do licenciamento, inclusive judicialmente questionados pelo Ministério Público, e que mereceriam especial atenção antes de uma deliberação definitiva sobre o assunto. A resposta imediata de parte de componentes da comissão foi de tratar a comunicação enviada como uma espécie de ameaça individualizada e que o referido documento seria enviado à Procuradoria do Estado para fins de avaliação e adoção das medidas judiciais cabíveis contra os grupos envolvidos. Novamente, a mínima demonstração de uma tentativa de articulação política resistente à instalação do empreendimento nos moldes em que foi concebido é imediatamente combatida e intimidada. Historicamente, a produção de resistências locais à instalação da TKCSA – em regra quando desassociadas de agentes de maior protagonismo político ou jurídico – foi e continua sendo reiteradamente tolhida, seja pelo poder público, seja pela iniciativa privada. Esse comportamento convergente reforça ainda mais a relação empresa-Estado constantemente abordada ao longo deste relatório. Os interesses nacionais e regionais associados ao empreendimento em questão foram sistematicamente empregados como justificativa para mitigar, afastar e ultrapassar os obstáculos surgidos durante esse processo, inclusive e, em especial, as eventuais resistências locais. Essa atuação público-privada orien-

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Acervo PACS

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Apresentação

Considerações finais

Resumo executivo Introdução

A partir da confluência entre investigações de natureza jurídica, diálogos com o arcabouço da justiça ambiental e dos direitos humanos, entrevistas e caminhadas em Santa Cruz, bem como continuada pesquisa documental e bibliográfica sobre cenários pertinentes, este relatório objetivou apresentar violações de direitos perpetradas pela TKCSA nos arredores da avenida João XXIII, com a anuência de forças estatais brasileiras. Considerando a extensão temporal do caso, fez-se necessária uma compilação das denúncias, com a eventual supressão de mais detalhes referentes a cada uma. Não obstante isso, o resultado deseja contribuir para o debate e estimular a continuidade dos embates. A apresentação do conflito socioambiental tomando como cenários relevantes parque siderúrgico brasileiro, território de Santa Cruz e legislação e licenciamento ambiental procurou destacar os atores envolvidos neste que também é um embate de visões de mundo. Nesse sentido, a perspectiva do setor industrial se constrói a partir de inquietações geradas pelo cenário de competição internacional, para o qual a realidade do território de Santa Cruz é muito distante e facilmente transformada em estatística. Já para órgãos como a Defensoria Pública Estadual e os Ministérios Públicos Estadual e Federal, esse distanciamento é dificultado pela responsabilidade que essas instituições possuem como representantes do interesse público, ouvidorias da sociedade, e consequentes mediadores do conflito. O equilíbrio entre os três poderes da República muito tem a perder com a sobrevalorização da ação do Executivo, claramente comprometida com a lógica da política internacional brasileira, cujas decisões afetam a vida da população sem a devida participação popular, prevista por lei.

Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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Essa opacidade do processo decisório está relacionada inclusive com a ausência das vozes do Inea, do BNDES e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro nesta relatoria. Embora procuradas pela equipe, as instituições se abstiveram de contestar os questionamentos feitos a partir da pesquisa e das entrevistas em campo. Essa postura, infelizmente, não é incomum. A cada novo ciclo de irregularidades na conduta da TKCSA apontadas pelo Judiciário, o posicionamento de instituições como a Fiocruz foi, de maneira recorrente, preterido pelos órgãos públicos executivos em prol de maior celeridade dos processos burocráticos envolvidos na viabilização da operação do empreendimento. Depois de iniciada a operação, a ausência de diálogo permaneceu. Dissemina-se que a posição de instituições contrárias ao empreendimento é radical, portanto, não condiz com a realidade, e que o diálogo seria perda de tempo. O que esse argumento procura ocultar é a maneira autoritária como as decisões são tomadas, uma vez que as observações realizadas pelas entidades civis são baseadas em redes internacionais de cooperação e em anos de pesquisa documental e campal. O que diferencia a perspectiva dos governos federal e do estado do Rio de Janeiro das perspectivas de Institutos como o Pacs não é a legitimidade do que é defendido, mas o compromisso, de um lado, com os megaempreendimentos e, de outro, com os direitos humanos de grupos sociais habitantes do território. Em última instância, considerar essa dialética como perda de tempo ou relegar a participação popular a espaços evidentemente controlados pela empresa pode ser considerada uma atitude antidemocrática. A eleição de três matrizes de denúncias a violações de direitos – pesca artesanal, saúde coletiva e território e participação política – está distante de dar conta de todas as queixas feitas pela população local em relação ao empreendimento. No entanto, estes itens visaram demonstrar a extensão dos principais danos causados pela siderúrgica, assim como os constantes desacordos da atividade industrial em questão com a legislação ambiental brasileira. Os prejuízos à pesca artesanal e os episódios da chuva de prata são talvez as violações mais conhecidas

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Apresentação

do caso pelo grande público, dada a grande repercussão e a longa trajetória de embates, especialmente no que diz respeito à comunidade da pesca. Entretanto, as violações ao direito de participação política são talvez as mais omitidas e tomadas como naturais. A negociação individual das reparações, em detrimento do trato coletivo, debilita o já bastante frágil poder de barganha dos grupos sociais impactados frente à transnacional. No entanto, a empresa não é passível de ser constrangida a agir diferente nem pela Defensoria Pública nem pelo Ministério Público. A negociação individual de indenizações, o financiamento de atividades empreendidas por lideranças locais e a propaganda da empresa feita às custas de medidas a que ela foi constrangida a tomar pelo órgão fiscalizador responsável não são condutas consideradas ilegais. Assim, perpetua-se a desigualdade entre as partes do conflito socioambiental através de condutas consideradas legítimas, mas extremamente nocivas à organização política popular e violadoras de direitos. Entre as recomendações feitas a seguir, cabe a essa relatoria destacar a importância estrutural de uma mudança da percepção estatal brasileira a respeito da participação popular em decisões referentes à gestão do meio ambiente, a fim de que mudanças efetivamente significativas comecem a se dar nas relações entre governos, órgãos públicos, grandes corporações e sociedade.

Resumo executivo Introdução Cenário do conflito Cenário das violações Considerações finais Recomendações Referências

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É grande o histórico de denúncias à TKCSA Ainda que a fragilidade das associações políticas populares próximas à siderúrgica seja um dado, as medidas judiciais tomadas em resposta a violações de direitos e ilegalidades atribuídas à TKCSA pontuam toda a história do empreendimento. A seguir são listadas algumas delas a partir de compilações feitas pelas instituições civis que acompanham o caso. As medidas foram geralmente tomadas após mobilização local. A cada novo impacto, a população, articulada a instituições apoiadoras, fez chegar as denúncias ao judiciário. Ator: Ministério Público do Trabalho (MPT) Medidas: Em agosto de 2008, o MPT denunciou a TKCSA por problemas trabalhistas referentes a 120 trabalhadores/as chineses/as mobilizados/ as para construção da usina sem contrato de trabalho.

Ator: Ministério Público Federal – Procuradoria da República do Rio de Janeiro (MPF/RJ) Medidas: Em dezembro de 2007, uma operação de fiscalização pelo Ibama foi requisitada pelo Procurador do MPF/RJ, Dr. Maurício Manso, o que resultou no embargo da obra. Em fevereiro de 2008, o MPF/RJ instaurou o Inquérito Civil Público de Nº MPF/PR/RJ – 1.30.012.000035/2006 & 130.014.000069/2007 através da portaria MPF/PR/RJ Nº 30/2008 para apuração dos crimes ambientais praticados pela TKCSA. Em março de 2008, o MPF/RJ apontou irregularidades cometidas pela TKCSA na construção de 3,8 km na baía de Guanabara. A ponte começou a ser construída sem autorização da Secretaria do Patrimônio da União, exigência legal por se tratar de terreno de marinha e localizado no mar territorial. Em junho de 2008, o MPF/RJ advertiu o estado do Rio de Janeiro e o Ibama sobre irregularidades no licenciamento ambiental das obras de implantação da TKCSA e recomendou ao executivo estadual a suspensão da licença concedida pela Feema.

Ator: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) Medidas: Em novembro de 2010, após a primeira chuva de prata, o MPRJ moveu uma ação penal contra a TKCSA por violação à legislação ambiental. Dois executivos da empresa foram indiciados – os então Diretor de Projeto, FriedrichWilhelm Schaefer, e Gerente Ambiental, Álvaro Francisco Barata Boechat. Segundo a ação, o empreendimento e os executivos cometeram quatro crimes ambientais, sendo o mais grave o relacionado ao derramamento do ferro-gusa em poços de emergência, ao ar livre e sem o controle da emissão de material particulado que seriam responsáveis por afetar a saúde da população local. Em junho de 2011, com a reiteração da chuva de prata, o MPRJ entrou com nova ação penal também por violação à legislação ambiental. O documento argumenta que, mesmo já respondendo a uma ação penal anterior, fruto do início do funcionamento do alto forno 1, a TKCSA não adotou nenhuma medida de precaução ao acionar o alto forno 2, o que teria provocado e acentuado os problemas observados anteriormente. O então Diretor de Sustentabilidade da empresa, Luiz Cláudio Ferreira Castro, foi indiciado. Em julho de 2011, o MPRJ ajuizou outra ação penal por violação à legislação ambiental, dessa vez contra a Usiminas, que foi contratada para realizar uma auditoria na TKCSA como condicionante para emissão da Licença de Operação. Foram denunciados quatro funcionários da Usiminas – Bruno Menezes de Melo, Ricardo Salgado e Silva, Marta Russo Blazek, Monica Silveira e Costa Cheng – por terem apresentado um relatório de auditoria ambiental parcialmente falso e enganoso. Em abril de 2016, o MPRJ, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado do Rio de

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Apresentação

Medidas: Principalmente entre 2010 e 2011 uma série de ações civis individuais, buscando a reparação dos danos causados basicamente em função dos seguintes elementos: (i) chuva de prata, (ii) alagamento do conjunto habitacional São Fernando, (iii) operação da linha férrea e (iv) impacto na atividade pesqueira local foram ajuizadas pela Defensoria Pública. Diversas outras ações com o mesmo objeto também foram ajuizadas, mas por meio de advogado particular. Ainda que uma parte desses litígios tenha transitado em julgado, a maior parte deles ainda se encontra em fase de elaboração de perícia, sem previsão de encerramento da ação.

Cenário do conflito

Em outubro de 2015, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, representando o interesse coletivo da comunidade pesqueira, ingressou com uma Ação Civil Pública (042751952.2015.8.19.0001) contra a Aedin objetivando o desfazimento da barragem construída no canal de São Francisco, o pagamento de pensão alimentícia provisória a pescadores/ as – enquanto a barragem não for retirada –, e o pagamento de indenização também a pescadores/as por força de danos morais sofridos, além dos danos materiais a serem comprovados em liquidação individual. Os principais argumentos foram: a ausência de diálogo e comunicação prévios com a comunidade pesqueira, a não realização de estudo prévio de impacto ambiental, a constatação da inviabilização da navegação por barcos de pesca de pequeno e médio portes no canal, a exposição de risco à vida de pescadores/as, e o descumprimento das condições mínimas impostas pelo Inea para autorização da barragem.

Cenário das violações Considerações finais Recomendações

Em dezembro de 2016, o MPE ajuizou uma ação civil pública de improbidade administrativa contra o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, seus então secretários de Estado da Casa Civil e de Meio Ambiente, respectivamente Arthur Bastos e Marilene Ramos, e a TKCSA. O MPRJ pede a condenação de todos os/as réus/rés por atos de improbidade administrativa, com sanções que vão desde a suspensão dos direitos políticos, por até 8 anos, até o pagamento de multa de até duas vezes o valor do dano. O exgovernador é processado por ter ilegalmente autorizado o funcionamento do Alto Forno 2 da TKCSA, em dezembro de 2010, com o propósito de beneficiá-la.

Ator: Defensoria Pública do Rio de Janeiro

Introdução

Em julho 2016, o MPRJ ajuizou uma ação civil pública contra o licenciamento ambiental da TKCSA, tendo em vista a existência de diversas inconsistências verificadas. Apesar de o MPRJ haver conseguido liminarmente a suspensão da emissão da Licença de Operação da empresa, essa decisão foi derrubada em pouco mais de 24h. A ação judicial, que ainda está em curso, não foi julgada.

Resumo executivo

Janeiro e o MPF/RJ, apresentaram à TKCSA e aos demais órgãos públicos envolvidos uma recomendação requisitando a adoção de uma série de condutas a fim de buscar regularizar todas as inconformidades verificadas no âmbito do procedimento de licenciamento. Uma das medidas da Recomendação incluía a não emissão da Licença de Operação da TKCSA até que todos os pontos controversos fossem resolvidos.

Referências

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

Apresentação

Recomendações ao poder público

Resumo executivo

Judiciário

6

A indenização integral de pescadores/as artesanais impactados/as pela instalação da barragem por parte de agentes públicos e privados responsáveis, em especial a Aedin, incluindo nesse montante indenizatório não apenas valores referentes ao tempo em que a pesca foi inviabilizada na região, mas também ao risco criado à vida de pescadores/as com a instalação da estrutura;

4

8

A responsabilização integral da Aedin pelos danos causados ao meio ambiente e insuficientemente avaliados e diagnosticados, como defende o Ministério Público no âmbito da ação civil pública n. 0427519-52.2015.8.19.0001;

Recomendações

Com relação aos impactos causados pela chuva de prata, o ressarcimento integral a moradores/as por prejuízos causados aos seus bens materiais e a sua qualidade de vida;

Referências

A célere e definitiva manifestação do Judiciário no âmbito das ações penais ajuizadas pelo Ministério Público em 2010/2011 contra agentes públicos e privados, no que diz respeito a violações à legislação ambiental;

Considerações finais

7

Cenário das violações

3

A apuração de responsabilidade dos então responsáveis pela concessão da autorização anteriormente mencionada, em especial, considerando os argumentos apresentados pelo Ministério Público no âmbito da ação civil pública n. 0434043-31.2016.8.19.0001;

Cenário do conflito

2

A suspensão imediata por tempo indeterminado da Licença de Operação concedida à TKCSA para o complexo siderúrgico até atendimento integral às demandas requisitadas pelo Ministério Público no âmbito da ação civil pública n. 0243788-19.2016.8.19.0001;

5

Introdução

1

O atendimento imediato por parte do poder público e da TKCSA das requisições apresentadas pelo Ministério Público no âmbito da ação civil pública n. 0243788-19.2016.8.19.0001;

A remoção integral da barragem do Rio São Francisco, incluindo a reparação completa de todos os danos causados por sua retirada;

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9

Em adição, a indenização por parte da TKCSA à comunidade local, coletiva e individualmente – conforme assumido no âmbito do procedimento de licenciamento ambiental –, por todos os prejuízos causados em virtude de sua instalação e operação, como, por exemplo, as restrições às atividades pesqueiras, as enchentes observadas após as alterações hídricas conduzidas na região, os impactos causados pela operação de linha de trem nas proximidades de área residencial etc.;

10

13

A suspensão imediata dos incentivos fiscais concedidos à operação da TKCSA no Estado do Rio de Janeiro sob o fundamento de reiterado descumprimento da legislação brasileira em vigor, como apontam diversos laudos, estudos, pareceres técnicos do Ministério Público, Defensoria, movimentos sociais e entidades civis organizadas;

A vedação integral de emissão de qualquer documento autorizativo, seja ele licença, autorização ou ato administrativo impróprio à TCKSA para qualquer atividade realizada no estado do Rio de Janeiro até o cumprimento integral de todos os passivos socioambientais pendentes de regularização, conforme apontam Ministério Público e Defensoria Pública;

14

Inea

15

11

Maior transparência não só na divulgação do conteúdo das deliberações proferidas no curso dos processos, mas também na garantia do acesso a todo e qualquer procedimento administrativo para fins de exercício do controle social;

12

A fundamentação detalhada de qualquer decisão proferida em posicionamento contrário às análises técnicas produzidas pelos órgãos públicos de controle nos procedimentos administrativos de natureza ambiental

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Governo do Estado do Rio de Janeiro

A anulação retroativa da autorização emitida pela Secretaria Estadual do Ambiente e ratificada pelo então governador do estado do Rio de Janeiro que autorizou a partida do Alto-Forno #2 em contrariedade ao posicionamento adotado pelo corpo técnico do Inea;

BNDES A rescisão imediata dos contratos de financiamento para o complexo siderúrgico negociados junto ao BNDES sob o fundamento não apenas da violação da legislação em vigor, mas também por haver operado de 2012 a 2016 sem a devida Licença de Operação – em discordância aos critérios definidos nos respectivos contratos;

MPRJ

16

A apuração da eventual existência de falhas na condução do licenciamento ambiental da barragem a


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Recomendação Geral

21

O cumprimento da legislação em vigor que protege a pesca e o/a pescador/a artesanal, em especial para garantir a participação prévia, efetiva e material desses atores em futuras potenciais intervenções no território.

Introdução Cenário do conflito

Secretaria Municipal de Saúde

Resumo executivo

17

No que se refere à participação política, a apuração da atuação da iniciativa privada no território a fim de esclarecer a condução de atividades voltadas para a cooptação de lideranças, bem como o desenvolvimento de estratégias de fragmentação e dissociação da comunidade local;

20

A ampliação do repertório de atuação da DPGE a partir do estabelecimento de parcerias com a sociedade civil, da aproximação das/os atingidas/os e da atuação conjunta com outros órgãos públicos de controle.

Apresentação

fim de responsabilizar os agentes públicos e privados envolvidos na concessão da autorização que permitiu a construção da barragem conforme o atual projeto;

18

Cenário das violações

A produção do estudo epidemiológico, a estruturação do sistema sentinela e a prestação de contas do recurso repassado pela siderúrgica ao município por parte da Secretaria Municipal de Saúde.

Considerações finais

Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro

19

Recomendações

A viabilização de uma condução estratégica de longo-prazo para casos que envolvem atividades ou empreendimentos econômicos expressivos no Estado do Rio de Janeiro. Isso porque, a pulverização das demandas e o elevado nível de complexidade envolvido demandam não apenas que a DPGE possua corpo técnico habilitado capaz de auxiliá-la, mas também que o ajuizamento de ações se dê a partir da produção de estratégias elaboradas considerando as especificidades de cada enfrentamento.

Referências

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Relatório de Violações de Direitos Humanos na Siderurgia Nacional: Caso TKCSA

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Apresentação

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