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Balneário Camboriú, 3 de março de 2012
Entrevista
Em breve a bicicleta deve ser o veículo principal não por opção, mas por contingência” Carlos Beppler, presidente da Associação de Ciclismo de BC e Camboriú
n o s s a g e n t e Caroline Cezar
carol@pagina3.com.br
Marlise Schneider lisi@pagina3.com
Caroline Cezar
A
bicicleta definitivamente faz parte da vida do militar reformado Carlos Beppler desde a sua infância. Ele conta que quando recebeu a primeira bicicleta sentiu como uma espécie de ‘grito de liberdade’, porque então podia ir sozinho para a escola. Tornou-se um defensor incondicional dessa ‘liberdade’ que a bicicleta é capaz de proporcionar. Depois que aposentou-se, a dedicação passou a ser mais intempestiva. E conta que os lucros para a vida, para sua saúde, para a família são incontáveis, porque a bicicleta já promoveu muitas mudanças e segue promovendo, já que a família toda é adepta. Ele conheceu
Nome – CARLOS ALBERTO BEPPLER. Idade – 62. Natural – Caçador (SC). Em Balneário – Desde 2001. Formação – Superior em Telecomunicações. Profissão – Militar reformado. É o presidente da Associação de Ciclismo de Balneário Camboriú e Camboriú. Estado civil – Casado com Maria de Lourdes França. Filhos – Carlos, 33, Christian, 31, Tathiana Valentina, 3 e Carla Christina, 1. Lazer – Andar de bicicleta. Comida predileta – Feijão com arroz. Livros – ‘Diário de um Mago’. Filme – ‘Dr. Jivago’. Música – Beatles. Um momento bom – Meu casamento e o nascimento dos filhos. Um momento ruim – A perda do meu pai. Religião – Católica. Planos – Viajar muito. Perfil – Prático, objetivo, persigo os sonhos, gosto da vida simples e estou sempre exercitando mais o ser do que o ter.
a segunda esposa, Malu, andando de bicicleta. Os dois sempre viajam juntos e numa dessas viagens, a Santiago de Compostela, Malu, que tinha extrema dificuldade para engravidar, fez um pedido e foi atendida, hoje o casal leva na carona as duas filhas. Como presidente da Associação, promove passeios para mostrar à comunidade que a cidade é boa para andar de bicicleta e que muitos problemas de trânsito podem ser amenizados, trocando o carro pela bike. Na segunda-feira, na redação do Página3, falou por quase duas horas sobre a importância da bicicleta na vida moderna das cidades e das pessoas. Acompanhe.
Entrevista
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Fotos Arquivo Pessoal
Com a esposa Malu, sempre pedalando juntos.
JP3 - Semana passada tivemos um acidente com vítima fatal, o assunto ciclovias está em alta, como o senhor, como presidente da Associação de Ciclismo, vê essa questão? Carlos - As ciclovias na verdade são uma necessidade, a cidade de Balneário Camboriú hoje não tem mais espaço para automóveis, por mais que se construa e amplie essas vias, a demanda é muito grande. Se construísse outro sistema em cima desse, dentro de poucos anos seria pouco, então é o momento de mudar o jeito de andar na cidade, as pessoas precisam começar a andar a pé, as distâncias são pequenas, a cidade é plana, quando é um pouco mais longe vai de bicicleta. Para isso, precisa ter uma estrutura, que vem sendo construída, bem ou mal, mas pelo menos agora já tem alguma coisa e podemos ajudar a aperfeiçoar.
possam melhorar. Tem um sistema cicloviário bastante ambicioso para ser implantado aí. JP3 - ...agora em março começa na Avenida Atlântica. Carlos - O projeto da Atlântica é bem interessante, porque ele tira os carros da beira mar, todo aquele estacionamento que hoje fica do lado direito passa pro lado esquerdo e um número bem menor de vagas, isso é bastante importante, tem que começar a dificultar a vida do automóvel, foi por aí que as coisas aconteceram nos países onde hoje a bicicleta é um ícone. Na verdade não foi bem assim sempre, tem um exemplo, a Holanda, que passou por um processo de desenvolvimento depois da Segunda Guerra Mundial que levou ela a um patamar que estamos hoje, e antes eles eram um país que usava muito a bicicleta, 90% das pessoas andavam. No desenvolvimento econômico as pessoas começaram a usar carro, carro, carro, como agora no Brasil que as pessoas estão tendo mais acesso- e passaram a derrubar prédios históricos, abrir avenidas, fazer estacionamentos e nada disso adiantou, em pouco tempo eles tinham um caos urbano e não conseguiam mais se movimentar. E já tinham destruído uma boa parte da história para abrir novas avenidas, que era a moda do pós guerra, os americanos colocaram essa idéia. Aí de repente eles lembraram como era e começaram esse retorno, dificultando pro automóvel, e facilitando pra bicicleta. Eu digo que o Brasil é hoje o que a Holanda foi no pós-guerra, só que não tem cidade que resista a isso, pretendemos ser o que a Holanda é hoje, num prazo mais acelerado. JP3 - Esse movimento surgiu do
“É o momento de mudar o jeito de andar na cidade”.
JP3 - A Associação é procurada para opinar, aperfeiçoar o que está sendo feito? Carlos - Na verdade a Associação que procura, já procurou várias vezes, enviamos ofícios, fizemos uma ou duas entrevistas com o engenheiro responsável pelas mudanças na prefeitura... Tudo que é feito para melhorar a vida das pessoas que andam a pé ou bicicleta é bem vindo, às vezes erram, mas não podemos partir para uma crítica simplesmente destrutiva, usando o exemplo da Terceira Avenida, do acidente que aconteceu, dá para dizer que hoje é mais seguro andar na ciclovia. Tem problemas, tem, temos feito críticas, muitas vezes públicas, como é a questão do estacionamento que “entra” na ciclovia, e que tem que ser resolvida. Ficamos em cima para que as coisas
O casal com as filhas Tathiana Valentina e Carla Christina, um sonho que se tornou realidade.
povo, do governo, de onde? Porque quando se fala em mudança de hábitos é complicado... anos atrás quando falaram em mexer no estacionamento na Av. do Estado para implantar ciclovias e foi um escândalo dos comerciantes... Carlos - Usando de novo a Holanda, os planejadores urbanos da época começaram a dificultar o uso do carro, planejar o sistema de maneira que para ir de A pra B de automóvel eles passaram a circular e não atravessar a cidade, era bem longe, e as ciclovias, e ônibus, -que é muito importante falar também-, iam direto, cortando caminho.
trocam porque não tem onde deixar, não podem levar para dentro da empresa, na garagem da obra, moto não pode, carro muito menos. A bicicleta leva ele da porta de casa até o local de trabalho, e nesse sentido é até melhor que o ônibus -aqui temos ônibus bons, mas sistema ruins, sem privilégio, competem de igual com os automóveis- e mesmo se funcionasse melhor, haveria o deslocamento, de casa pro terminal, do terminal pro trabalho. Eu vejo na bicicleta a melhor solução pra essas nossas distâncias, 8, 9 km, é perfeito.
JP3 - Os ônibus são importantes aliados da mobilidade urbana. Carlos - Sim, nós somos muito voltados para bicicletas, mas o ônibus é ainda o modal de transporte mais importante para nós. Lá foram as autoridades, o governo, que viram que não tinha mais solução, e procuraram alternativas para mobilidade urbana. Dificultar o uso do carro é a receita básica e funciona bem em qualquer cidade. Na medida que a pessoa vê que quem vai de ônibus, bicicleta ou até mesmo a pé, chega mais rápido, ela muda.
JP3 - Às vezes a pessoa se assusta quando escuta “9 quilômetros”, mas mesmo sedentária, em pouco tempo ela se adapta não? Carlos - Exatamente, as pessoas que começam a pedalar percebem a diferença no dia a dia, vai gradativamente aumentando, até que ela pedala 50, 60 km sem nenhuma dificuldade. Tem inúmeros benefícios que podia facilmente enumerar, basicamente saúde, menos poluição, custo mais baixo, a natureza toda agradece, da pessoa e a que está em volta.
JP3 - A falta de vagas de estacionamento já é um fator inibidor aqui na cidade não? Carlos - Nos países onde a bicicleta domina praticamente não existem mais locais públicos para estacionar automóveis, porque é um espaço público usado por uma pessoa física, veja bem, UMA pessoa. Os automóveis ocupam muito espaço, tanto em movimento, quanto parados, a gente pode citar como exemplo aqui em BC e Camboriú, eu converso muito com as pessoas que trabalham entre essas cidades. Trabalhadores da construção civil, domésticas, que hoje já têm renda para ter um automóvel, não
JP3 - ...tem a questão da interação com a cidade, a pé ou de bici você passa mais devagar, vê as pessoas, efetivamente. Carlos - Eu diria que a cidade sem automóveis se torna uma cidade humana, onde as pessoas se reencontram. Uma cidade só de automóveis é desumana, as pessoas ficam encarceradas dentro dos seus carros, até com medo do que se passa fora, mas quando essas barreiras caem, e elas estão andando a pé, pela rua, é muito mais fácil a interação. Eu sinto saudade daquele tempo que a gente andava pela rua, conversava, dava bom dia...hoje vai até buscar o filho
na escola de carro, ele também não cria o hábito de interagir com as pessoas... As cidades, historicamente, foram construídas para as pessoas e não para os automóveis, foi praticamente nos últimos 60, 70 anos que isso mudou, precisamos resgatar, sob pena de entrar num caos, que já vivemos algumas vezes aqui, com as pessoas dentro dos carros, nervosas, brigando por qualquer coisa, fazendo brigas sérias.. JP3 - BC facilita, é uma cidade boa para pedalar, sem muitas subidas, tudo próximo... Carlos - É, as pessoas deviam fazer um balanço, até 7 km -e isso não sou eu que estou dizendo, são as estatísticas-, a bicicleta é imbatível, não existe outro meio melhor. Aqui é difícil ter distância maior que essa, até de uma ponta pra outra de praia não passa disso, então não tem muito o que pensar... ela acha que é longe hoje porque está demorando muito de carro, se talvez fizesse a pé seria mais rápido.
“O Brasil é hoje o que a Holanda foi no pós-guerra”.
JP3 - E o medo do trânsito?
Carlos - Esse é o aspecto talvez mais cruel da questão, que inibe as pessoas de andar. Na verdade não é assim tão perigoso, as pessoas teriam que aprender a conviver com os automóveis, tomar alguns cuidados, algumas medidas de segurança, porque nós temos um grupo grande aqui que pedala, usa a bicicleta todos os dias para o trabalho, e é bem difícil de acontecer acidente na área urbana, mesmo com todas as dificuldades. Na medida que as dificuldades vão sendo superadas, vai ficando mais fácil, mas eu concordo que hoje para quem não está acostumado é assustador.
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Entrevista Fotos Arquivo Pessoal
O caminho frances de Santiago de Compostela foi o mais marcante
Em cada viagem, muitas histórias pra guardar
JP3 - As pessoas atribuem muito aos governos, mas parece que é mais uma responsabilidade coletiva não é? Do ciclista estar devidamente identificado como um personagem do trânsito, na maneira de trafegar e se posicionar, da iniciativa privada de oferecer facilidades para os funcionários... Carlos - Começa na iniciativa pública, melhorando as condições de circulação, para ônibus, bicicleta, outros meios, mas passa pela educação de todos, o respeito entre as pessoas. Temos observado com preocupação, e parece que esse respeito está cada vez menor, deveria estar evoluindo no coletivo. Eu diria até por uma falta de presença do Estado para fazer cumprir as leis básicas que regem a relação entre as pessoas todas, não vemos uma fiscalização mais efetiva na movimentação das pessoas, as situações de tráfego, não respeitam porque não ouvem um apito nem vêem ninguém anotando a placa. Não adianta toda sinalização do
mundo se não há fiscalização, isso é papel do Estado. O papel do cidadão: exercer sua cidadania, cobrando, mas também respeitando, isso vale para o ciclista também, para o pedestre... Principalmente o motorista, os condutores de veículos motorizados, carros e motos, a sociedade paga caro... Excesso de velocidade, convenções proibidas, excesso de velocidade, em cima da calçada, existe toda uma norma bem estabelecida e todo mundo devia conhecer. Cada um tem sua parte.
“Os automóveis ocupam muito espaço, tanto em movimento, quanto parados”.
JP3 – E quanto às empresas investir nisso, abrir espaço para quem usa bicicletas? Carlos - Sobre as empresas, acredito que na medida que usar mais, elas oferecem condições. Há dois anos tive um contato em Itajaí, pagavam auxílio transporte pra quem usava ônibus, e quem ia de bicicleta não ganhava nada, era uma empresa de uns 2 mil funcionários, foi feita uma aproximação com o
pessoal de Blumenau, Florianópolis e incentivaram o uso da bicicleta, hoje a metade dos funcionários já usa, melhores condições, remuneração, um bom local pra guardar. Em Camboriú também trabalhamos muito, são cidades irmãs, que integram o sistema de circulação entre as duas cidades, o convívio é diário, estamos sentindo um pouco mais de receptividade na prefeitura de Camboriú, começamos pelo lado turístico, e agora parece que existe a intenção de colocar paraciclos, pra quem vai fazer uma parada breve, pra ir ao banco por exemplo... e não tirar o lugar do pedestre, e sim dos carros, pegar uma ou duas vagas em locais estratéticos... JP3 – Cada passo é um grande avanço. Carlos - A gente percebe uma corrente a nível mundial, toda a mídia, propagandas, novelas, coloca a bici como vetor básico da mobilidade urbana, a gente tem esperança que BC esteja em breve melhor, a idéia é mais que dobrar a quilometragem, Camboriú também entrando, a prefeita se comprometeu publicamente, conversamos pessoalmente, em fazer pelo menos uma ciclovia entre o centro de Camboriú e a nova ponte do Barranco, que ali vai ser um local muito perigoso, hoje temos muitos ciclistas e automóveis, mais ou menos, com o novo acesso, o movimento de carros deve mais do que triplicar. JP3 – O Sr. citou que é bom que temos muito mais ciclovias, mas não seria mais adequado chamar as pessoas que usam na hora de planejar? Ainda existe esse distanciamento e isso afeta o resultado final, é só perceber quando um carro quer entrar numa rua, o ciclista vem de lá, de cá, os carros tem que olhar pra mil lados antes de entrar... está inseguro.
“Dificultar o uso do carro é a receita básica e funciona bem em qualquer cidade. Na medida que a pessoa vê que quem vai de ônibus, bicicleta ou até mesmo a pé, chega mais rápido, ela muda”. Carlos - Já cheguei a presenciar acidentes logo que foi aberta a ciclovia na Quarta Avenida, o motociclista entrou olhando só para um lado, e quando ele percebeu estava em cima, freou, foi pro chão. Ajudamos ele a levantar, mas realmente existe um não-planejamento, quando você libera uma via para o tráfego há toda uma responsabilidade envolvida, tem que informar o público das modificações, eu vejo ainda que temos deficiência no aspecto de sinalização, informação, liberação de vias que ainda não estão completamente prontas, tem que ser melhorado realmente. JP3 - O ciclista não teria que acompanhar o fluxo do trânsito? O que seria uma ciclovia modelo? Carlos - Não necessariamente, a ciclovia modelo tem que ter a separação física da via de tráfego de automóveis, ter sinalização horizontal e vertical e oferecer segurança para toda a circulação de tráfego. Tem uma coisa importante, quem está de automóvel tem que tomar um certo cuidado e quem tá de bicicleta também, se lembrar, parar, olhar... uma coisa que não é bem esclarecida é quem tem preferência nos cruzamentos: as ciclovias são sinalizadas de vermelho, quem tem preferência é a bicicleta, o próprio código de trânsito diz, se o pedestre está atravessando a rua você tem que parar, mesmo fora da faixa de segurança. Eu não sei se o centro de condutores não fala, ou se fala, é muito superficialmente, hoje mesmo eu vi, duas meninas vinham atravessando, o cara veio buzinando, gritando pra ir pra calçada e acelerando em cima. A coisa se resume a respeito, você tá numa direção de automóvel não pode ir avançando em cima das pessoas, pelo contrário, você tem que cuidar dessas pessoas. JP3 – E nas rodovias, andar de bicicleta é ainda mais perigoso. Carlos - Hoje não tem muitas diferenças, lá fora existem ciclovias que acompanham rodovias, são completamente isoladas, existem rodovias que você não pode acessar de bici, mas aí tem a segunda opção, e no trânsito urbano às vezes não tem muitas soluções, eu vi coisa na Europa,
muito mais difíceis do que aqui, porque as cidades são muito apertadas, antigas, como em Pamplona, na Espanha, é uma cidade medieval, um centro histórico, cercado de muralhas, os automóveis e pessoas circulam no mesmo espaço, não tem calçada, é no mesmo nível, e eles conseguem conviver. Vem um caminhãozinho de entrega, você toma um susto, mas ele para pra você passar e depois prossegue... JP3 – O problema é que aqui o trânsito está todo direcionado para o automóvel e isso vai ser complicado mudar. Carlos - Falando em nome da Associação e em meu nome, precisa ser bastante aperfeiçoado, mas temos que trabalhar a favor de que se faça, se erra tem que consertar, só não pode persistir no erro, seria muito ruim ver obras inacabadas ou só para constar. Está bem claro aqui que a prioridade ainda é o automóvel, a bicicleta é complementar, e nosso objetivo é que no futuro a prioridade seja o transporte coletivo e a bicicleta, os pedestres circularem, a acessibilidade... perdeu-se por exemplo, uma grande oportunidade de fazer as canaletas de ônibus, eu já ouvi ene explicações de autoridades, mas nenhuma convence, talvez faltou um pouco de coragem política, a gente sabe o que move a política é muito diferente do que move a necessidade das pessoas. No projeto inicial todas essas avenidas teriam uma faixa exclusiva pra ônibus, que foi substituída por estacionamento. Esse talvez tenha sido o pecado maior de tudo que está feito, temos toda uma infra estrutura pronta pra fazer isso rapidamente, mas é mais dinheiro público, modificações que poderiam ter sido feitas agora. Não se priorizou, aquele Desafio Intermodal ano passado ficou bem claro, é bom andar de ônibus aqui em BC, os carros são todos novos, tem horários até frequentes, mas tem que compartilhar com todo esse trânsito; é cristalino, você vê naquele engarrafamento medonho de BC pra Camboriú às seis horas da tarde, e de repente passa um ônibus ali bem confortável com ar condicionado e vai embora... No dia seguinte você vê de novo, e no terceiro você estará no ônibus. Por que
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“O que move a política é muito diferente do que move a necessidade das pessoas”. as motocicletas estão crescendo numa proporção assustadora? Os carros estão parados e eles estão indo, mesmo que naquela fila suicida, mas indo, andando, furando todo mundo, correndo risco, arriscando a vida dos outros, cometendo infrações corriqueiras, que já são aceitas. Tem que ser fácil andar de ônibus, já deveriam contemplar esse sistema, nossos velhos bondindinhos já não são mais compatíveis, são grandes, lentos, desconfortáveis e atrapalham demais o trânsito... JP3 – A não ser que se fizesse aquele ‘retorno’... Carlos - É, se tivesse um corredor exclusivo, mas do jeito que estão hoje no meio do tráfego, parando em qualquer lugar, desordenadamente... eu sou fã do bondindinho, desde a época que ele era feito com caminhão de exército, quem é mais antigo lembra... um caminhão do exército que puxava uma carreta... JP3 – Quando começou a se interessar por bicicleta? Carlos - Quando eu ganhei minha primeira bicicleta eu morava no interior de SC, estudava próximo de casa, a uns 3 kms, mas quando fui pro ginásio, era uns 8 km de casa, e aí meu pai me deu a primeira bicicleta pra ir a aula todos os dias. Éramos um grupo de amigos, dali nunca mais parou... só foi modificando os modelos. Então, na época foi o que eu chamo de um grito de liberdade, quando eu vi que podia sair sozinho, ir pra onde eu quisesse sozinho... percebi...“opa, sou livre”. JP3 – A bicicleta como ferramenta de esporte nunca? Carlos - Não, só agora nos veteranos, sempre fui mais pela socialização, a bicicleta tem mais esse fator, conhece mais pessoas, faz amizades. Em 2005 teve um encontro de cicloturismo em Timbó, tinha acabado de voltar de um circuito na Europa, e ficamos encantados aqui com o Vale Europeu, e começamos a pensar numa opção aqui para nossa região. Passou um ano, dois, até que fizemos em 2008, e foi um fiasco, porque foi no dia daquela enchente... Mas a semente foi plantada e em 2009 fomos chamados pra estabelecer esse circuito entre os 11 municípios da Amfri, e fizemos com muito sucesso. Hoje temos muitos turistas visitando, e está cada
O casal está programando voltar a Santiago de Compostela, com as filhas
vez mais interessante. Tudo isso começa a mostrar a cidade, BC não precisa de muitas propagandas... mas as outras cidades sim. JP3 - Às vezes a pessoa se engana com a imagem da cidade, acha que aqui só tem balada e praia, comércio... em volta tem muito pra conhecer... Carlos - É, a mídia é a principal parceria nesse sentido, mostrar o que tem em volta. A iniciativa privada também tem que se mexer, que é diretamente envolvid. Temos atraído gente, o turismo rural de Camboriú era sempre uma utopia, mas está acontecendo, as pessoas estão ávidas... poderia ser melhor trabalhado, distribuir nas agências de turismo... Muitas pessoas gostam de fazer turismo com bicicleta, mas muitas vezes ela não pode trazer... hoje não temos nenhum lugar que alugue bicicletas, por exemplo. Não é uma coisa isolada, ela quer um local para alugar, mas quer saber os roteiros que tem pra fazer, onde pode ficar... Isso tá faltando aqui. JP3 - Você também é um adepto das viagens de bicicleta.
anos... estamos planejando atravessar o deserto do Atacama nos dois passos mais altos lá, a Cordilheira dos Andes, saindo de Salta pelo Passo de Rama, e voltar pelo Passo de São Francisco onde tem o vulcão mais alto do mundo. São lugares fantásticos. JP3 - Que local mais marcou? Carlos - O deserto. O Caminho de Santiago fizemos o caminho francês, o caminho da costa norte e o caminho português. O francês é o mais marcante, mexe um pouquinho com a gente, conseguiu mexer com o Fernando (Baumann), chegou diferente...e vocês conhecem a figura, uma das pessoas mais organizadas, agendadas que a gente conhece. “São 13 dias, e não pode passar”...no terceiro dia percebemos, “a gente não vai terminar...”. “Não tem problema”, ele disse. Mudou bastante... o caminho faz isso com as pessoas, e não tem nenhuma mágica ou misticismo, é a vida mais simples mesmo, você tem que se preocupar com o que vai comer, onde vai dormir, e a sua bagagem. E com as dificuldades, lógico.
“A cidade sem automóveis se torna uma cidade humana onde as pessoas se reencontram”.
Carlos - As viagens começaram em 2005, pequenas viagens por aqui, uma coisa bem amadora, ia pra Itapema, Nova Trento, bicicleta simples, mochila amarrada no bagageiro, depois fomos aperfeiçoando quando vimos um modelo diferente de viagem em Santiago de Compostela, e logo depois o encontro nacional de cicloturismo. A partir dali viajamos bastante, todos os
JP3 – O Sr. mudou sua vida depois que voltou?
Carlos - Eu estava morando na praia, apartamento, tinha aquela vida tranquila, dar uma voltinha de bicicleta...Quando voltei as paredes apertaram, em 2006 fomos morar em Camboriú numa casa, isso foi consequência direta... Tem uma história, a Malu e eu estamos casados há 16 anos, até 13 anos não tivemos filhos, não
O espaço sinalizado é ferramenta essencial na vida do ciclista
que estivéssemos tentando evitar...ela tinha problemas sérios... em 2007 trabalhamos como hospitaleiros num albergue em Compostela e depois fizemos uma parte do Caminho, e quando a gente estava no Francês, de manhã cedo apareceu um peregrino espanhol com 2 meninas numa bicicleta, uma cadeirinha na frente, uma atrás, um reboque. A Malu olhou pras meninas e saiu lágrimas dos olhos, olhou pra mim e disse: “Será que nunca vou ser mãe”. E eu falei, pede pra Santiago. Ela pediu com muita fé, ele atendeu na medida, isso era setembro de 2007, em junho de 2008 ela ficou grávida da Valentina, e um ano depois ela estava grávida da Carla Christina, não tomamos cuidado porque era tão difícil... Vamos lá agora, agradecer, porque foi uma resposta. Um susto, dois sustos, hoje estamos criando duas meninas que parecem quase gêmeas, foi o evento mais importante que a bicicleta trouxe pra nossa vida, e eu conheci a Malu andando de bicicleta. JP3 - Quantas horas por dia dedica pra bicicleta? Carlos - Pra andar de bicicleta às vezes nem consigo, mas ela tá sempre na agenda, tem ocupado muito a vida desse aposentado, ao invés de jogar dominó na praia, lendo jornal, sentado em
casa... Tem tornado a vida dinâmica, me sinto muito bem. JP3 - Bicicleta sempre foi considerada uma coisa de pobre, e aqui tem a questão do status dos carros... Carlos - Veja bem, BC é uma cidade tipo uma vitrine para as vaidades humanas, todos esperam uma grande festa que acaba nunca acontecendo, veja na virada do ano, usam a Atlântica para desfilar carrões, roupas de marca, é uma coisa um pouco vazia, acredito que à medida que vamos evoluindo como ser humano vai percebendo que isso é muito relativo... o automóvel pode ser um bom parceiro, pode ser usado, mas ele como símbolo de status, pra minha geração não representa mais nada, e olha que quem não tinha carro tava fora do contexto... a tendência é isso se dissolver. A Associação está voltada para isso, turismo e mobilidade urbana, mostrar que pode ser um bom instrumento, como veículo no dia a dia e pra se divertir. Em breve a bicicleta deve ser o veículo principal não por opção, mas por contingência, diante do caos urbano... seria legal trabalhar que isso não chegasse a acontecer. Tem um grupo grande que já está praticando isso, mostrar que existe um outro caminho.