Especial
Balneário Camboriú, 6 de fevereiro de 2010
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Guarda vidas: profissão nobre que requer mais atenção das autoridades e dos banhistas Fotos Fernanda Schneider
Por Fernanda Schneider
Balneário
Camboriú
até o fechamento dessa edição, não havia registrado nenhuma morte por afogamento durante a temporada, um fato que se atribui ao trabalho intenso de prevenção e ao maior número de pessoas trabalhando. “Felizmente os resultados aqui têm sido positivos, mas o mar também tem ajudado muito nesse verão. Os postos são bem localizados, BC está sinalizado com as bóias, temos um efetivo que varia de 32 a 46 guarda-vidas, já que o número reduz durante a semana”, diz o comandante do Corpo de Bombeiros César Assumpção.
Postos em condições ruins
A ‘pia’ de um dos postos: estrutura precária para trabalhar.
A reportagem esteve visitando os cinco postos na praia central para colher dados para a matéria. Um deles, o da Rua 1400, onde trabalham os militares, é o mais ‘arrumado’, foi
reformado há pouco, mas os outros estão feios, pintura descascando, escada enferrujada, parte externa pichada e duas coisas que chamaram atenção: só um deles tinha o guarda
corpo (ferro de proteção) e outro nem pia tinha, os rapazes improvisaram com um balde e uma grelha embaixo da torneira. Em outras praias de BC a situação é ainda pior. No Estaleiro, por exemplo, onde a própria comunidade construiu um ‘ponto alto’, eles precisam usar o restaurante vizinho para suas necessidades pessoais. O comandante dos Bombeiros de Itajaí, Onir Mocelin, ressalta que é preciso estrutura para manter os guarda vidas trabalhando. Em Taquaras, uma praia de tombo e não muito frequentada, mas que precisa de um posto guarda vidas no verão, existe a previsão de construir para o próximo ano, mas falta apoio. “Laranjeiras não possui guarda vidas porque não há registros de ocorrências, é uma praia abrigada. Taquarinhas é deserta, pouco frequentada, por isso também não possui posto. Tem que haver acordo com a prefeitura para reformarem e manterem esses postos, porque eles precisam de manutenção todo ano”, diz Mocelin. “A situação é bem complicada por aqui, ano passado falamos com o prefeito e ele ficou de fazer uma reforma nos postos salva
vidas, estamos aguardando. Os postos sofrem dois tipos de ações, a depreciação natural do tempo, a maresia e a depreciação humana, essa é demais, você nem imagina o que fazem”, completa o comandante dos Bombeiros de BC, César Assumpção. A reportagem procurou pelos responsáveis na prefeitura. Na Secretaria de Obras, indicaram para ligar para a polícia. Na Secretaria de Planejamento, o responsável estava viajando. Existe ainda uma outra questão, a dos direitos para os guarda vidas. Em BC se dividem em dois grupos, os que trabalham pelo Corpo de Bombeiros, em caráter de serviço voluntário e assinam um termo de adesão, possuem seguro para casos de invalidez ou morte; e os que trabalham pela Funsalvasc, fundação criada por um grupo de pessoas em 2000 com objetivo de melhorar as condições de trabalho dos guarda vidas que também recebe verba do estado, ganha salário mais baixo que os bombeiros e desde 2007 têm carteira assinada (sempre com duração de um ano), mas não têm todas
as garantias como os bombeiros, que são assegurados pelo governo do estado. A falta de guarda vidas o ano inteiro por aqui é assunto velho. Segundo o comandante Mocelin, eles serão mantidos na praia central o ano todo, em dias de maior movimento, como nos finais de semana. “Enquanto estávamos trabalhando, teve 100% de aproveitamento do serviço, não morreu ninguém durante o inverno, quando parou, morreram 4 pessoas. Se tem pessoal contratado o ano inteiro, tem condições de estar treinando o ano todo, estão trabalhando e tendo atividade física e no verão já são experientes e podem ensinar aos novos que entram. Tem muito cara bom que desistiu para trabalhar em outras coisas, tem um que foi ser garçom, o outro marinheiro, e assim por diante, porque não têm garantia de trabalho o ano inteiro”, diz Juliano Tonidande, vice presidente da Funsalvasc, que luta para que a contratação dos guarda vidas seja permanente, com os devidos direitos, o que também iria assegurar maior qualidade e segurança nos serviços prestados.
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O guarda vidas tem o dever de prevenir e servir de espécie de ‘guardião’ dos banhistas, uma jornada que a princípio pode parecer fácil, ficam a maior parte do tempo sentados em seus postos. Mas é dali, do alto do posto, que eles têm a dura missão de não descuidar por nenhum momento das centenas de pessoas que estão no mar. Missão essa que torna-se muito mais difícil quando os banhistas não colaboram. Todos os entrevistados, sem restrição, se queixaram de um mesmo problema, o descaso por parte de muitos banhistas quando são comunicados sobre os perigos que estão correndo.
‘Homens sentem vergonha de pedir ajuda’ No começo de dezembro passado, um turista que tinha se afogado na praia central chamou atenção de quem estava por perto. De longe, vinha um salva vidas calmo, as pessoas pediam que ele se apressasse e ele respondia que era apenas uma brincadeira, porque aquele rapaz não estava na água, não tinha como ter se afogado. E não tinha mesmo. O turista, que devia ter uns vinte e poucos anos combinou com um grupo de amigos de ‘brincar de se afogar’, depois levantou, deu pulinhos e um monte de risadas, o que parou a praia. Esses turistas não devem voltar tão cedo, alguns surfistas indignados e parte de banhistas que estavam por ali partiram pra cima mesmo e expulsaram literalmente a socos e ponta pés os rapazes. O guarda vidas em questão era Jonatan Batista Paziani, 28 anos e 12 na profissão e conta que o turista já havia pedido permissão para fazer uma ‘simulação’ com os amigos, e ele disse que não, que se quisesse deveria pedir autorização no posto central e que em geral, cabe aos próprios salva vidas realizarem esse tipo de simulações. Mesmo assim os turistas levaram a brincadeira à frente, “pareciam mesmo atores, fizeram até boca a boca
Fernanda Schneider
Jonatan orienta um grupo de excursão que entra no mar bem próximo da bandeira vermelha.
de verdade”, lembra Jonatan, que de início foi xingado pelos banhistas que estavam por ali e depois recebeu pedidos de desculpas. Cenas como essas são mais comuns do que se
pensa, uma brincadeira de extremo mau gosto, que desvia a atenção do salva vidas e pode até impedir que naquele momento alguém que realmente esteja precisando de
ajuda seja salvo. Jonatan diz que com o trabalho de prevenção, conversa e educação, as pessoas aceitam bem, mas muitas não respeitam os guarda vidas, homens
em geral sentem vergonha de pedir ajuda, “mesmo morrendo, ele tá se entregando, cansado, você tira ele e bota o pé no chão, a primeira coisa que fala é ‘tira a mão de mim, tô legal’, nem agradece”. As mulheres pedem mais socorro, sentem que estão em perigo e começam a gritar, pedir socorro, o cabelo cai no rosto,ela não quer mais saber da estética. Homem abusa, muitos a gente chama de herói covarde, traz a namorada, aquela que já tem receio do mar, ela confia nele, os dois caem numa corrente, ele vê que estão se afogando. A primeira coisa que ele vai soltar? Ela”,conta Jonatan, que lembra do primeiro resgate que fez em sua profissão e o que mais marcou até hoje. “A criança ficou meia hora debaixo da água, encontramos o corpinho dela boiando lá fora, na primeira insuflada que dei começou a gemer, recuperamos na faixa de areia, ficou 48 horas no hospital e sobreviveu. Hoje tem 15 anos, esses tempos deu um tapinha nas minhas costas, tá maior que eu. Uma vida vale muito, você entregar uma pessoa viva para a família, não tem preço”.
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Ele tem 40 anos de praia e se orgulha de ter salvado tantas vidas. Ela, única mulher no efetivo em BC esse ano, diz que com treino, as mulheres são igualmente capazes de salvar vidas.
Nada de sexo frágil Para Itamê Baptista, 24, única mulher que trabalha hoje em Balneário Camboriú, é preciso estar em forma, “o curso é muito físico, corrida, natação, mas nada que as mulheres não consigam fazer, é totalmente possível. Me elogiam na praia pelo fato de eu ser guarda vidas, principalmente as mulheres, já vieram me perguntar se eu consigo salvar e respondo que a gente
recebe treinamento para isso. Tem um militar que sempre fala que não se escolhe vítima, pode ser uma pessoa muito obesa, um homem muito forte, se você vê a ocorrência, vai e com técnica e treinamento a gente consegue”.
‘É prevenção em cima de prevenção’ “Já tive que resgatar três vítimas do mar, quase morri, mas tirei as três, e o cidadão que
eu salvei veio me pagar, eu disse que não, assim você vai me ofender, nós estamos aqui por amor à profissão”, lembra Dalmiro Coelho, 59 anos e 40 deles dedicados ao trabalho de guarda vidas, que se orgulha de ‘nunca ter escapado nada da mão’. Ele conta que quando começou na década de 70 e por muito tempo ainda o trabalho era mais difícil, porque a estrutura era precária. “Naquela época trabalhava só com nadadeira, hoje tem o ‘life
156 inscritos, 21 novos guarda vidas esse ano
Pedro Elias
belt’ (flutuador), mais gente para trabalhar, naquela época era difícil, a gente não tinha estrutura nenhuma, morria mais gente inclusive”. Dalmiro diz que a grande dificuldade é lidar com as pessoas que não respeitam a sinalização e o próprio serviço que ele faz. “Eles chegam e entram, e é aquela coisa, não sabe nadar, tem a bandeira sinalizando local perigoso, eles entram. Quando vejo alguém entrando
ali na 2000, 1401 (ruas centrais da cidade), que são pontos críticos, caiu, tem a força da água, o guarda vidas pode ir caminhando, correndo devagarinho para transportar a vítima, porque eles não voltam. E lá quando dá, é três, quatro, cinco, porque um vai ajudar o outro e acaba ficando também. É prevenção em cima de prevenção, mas não respeitam, a gente tira, eles voltam”.
Conheça as bandeiras e respeite
Placas que a Funsalvasc criou esse ano: prevenção é a palavra de ordem. Formatura dos guarda vidas dessa temporada: é preciso ser rápido e ter boa resistência.
Dos 156 inscritos para trabalhar como guarda vidas em Balneário Camboriú, apenas 100 compareceram no dia da prova inicial e 50 começaram de fato o curso. Destes, 21 se formaram, o restante não estava apto o suficiente ou desistiu. As informações são do soldado Batista, um dos instrutores do curso de capacitação, que tem duração de seis semanas. Para passar no curso é
necessário de início conseguir nadar 500 metros em menos de 11 minutos. Os inscritos recebem treinamento de primeiros socorros, recuperação de afogados, retirada de água, além de treinamento físico (corrida e natação) e aulas teóricas sobre legislação marítima e prevenção. Os próximos passos são novamente nadar 500 metros em menos de 11 minutos, corrida de 1600 metros em até sete minutos e simulação de
resgate de vítima (com um peso) abaixo de 1 minuto e meio (25 metros de ida e 25 de volta), mais a prova de entrada e saída na zona de rebentação, finalizando com prova teórica e prática de recuperação de afogados. Vale lembrar que todos os guarda vidas que estão na profissão há anos também passam por testes a fim de avaliar se continuam aptos na agilidade de salvar vidas.
A bandeira que sinaliza a situação do mar em si é a que está no posto e pode ser diferente da que está na beira do mar.Por exemplo, se a bandeira no posto está verde, é porque o mar está tranquilo, não oferece riscos. Mas se está amarela no posto, requer atenção, pode ter pontos seguros e outros perigosos, por isso a importância de prestar atenção. Se a bandeira vermelha está na beira do mar, sinaliza que exatamente naquele local forma-se uma corrente e que oferece grande risco ao ba-
nhista. “Quando o repuxo é muito largo, a gente passa uma fita zebrada amarrada em bambus e mesmo assim tem os que passam por baixo da fita e entram. A recomendação é para que as pessoas se afastem dos locais que a gente sinaliza com bandeira vermelha e faixa zebrada, que não é faixa pra carnaval, é local perigoso mesmo. É importante pedir orientação sempre que preciso e orientar também as pessoas que estão em volta, isso ajuda bastante”, encerrou o guarda vidas Jonatan Paziani.