Entrevista
Balneário Camboriú, 19 de junho de 2010
O grande medo das pessoas é me perguntar se está tudo bem... E está tudo bem
n o s s a
(Julio Batschauer, ator, produtor, diretor de teatro-circo)
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g e n t e
Fernanda Schneider
roteironanda@pagina3.com.br
Fernanda Schneider
Nome – Julio Elyzio Batschauer (Juca) Idade – 38. Natural – Itajaí (SC) Em BC – Desde 1997 Estado civil – Casado com Potyra Najara Batschauer Filhos – Yoshabel,4; Julia, 12; Mateus, 15 e Amândia, 17 Formação – Superior incompleto em Turismo e Gestão de Lazer e Eventos Profissão – Ator, produtor, diretor, promotor de eventos Lazer – Antes era acampar. Hoje o trabalho é meu lazer Comida predileta – Lasanha Um bom livro – A Arte da Guerra (Sun Tzu) Um filme – A prova de Fogo Música- Popular Brasileira e Gospel O pior momento – Tirando o acidente, o de separação dos filhos. Com o acidente, os momentos ruins que batem, as lembranças O melhor momento – Dia do casamento Planos - Continuar atuando na parte de direção e criação com o grupo Ensamble e melhorar mais, ter mais independência, uma viagem para o exterior, é um plano que eu quero realizar ainda esse ano, um cruzeiro.
H
á muitos anos o artista Julio Batschauer, titular do Grupo Ensamble de Balneário Camboriú, é conhecido pela irreverência, desenvoltura e talento como ator de teatro e também nos malabares, perna de pau, trapézio, acrobacias várias, unindo as artes de teatro-circo. Foi treinando uma dessas acrobacias que Julio se acidentou gravemente ano passado e ficou tetraplégico.
JP3 - Há um ano você se acidentou e as pessoas perguntam muito por onde anda o Juca e por onde anda o grupo Ensamble... Julio - Depois do acidente, eu passei seis meses num processo de recuperação total, de ganhar força no diafragma para poder melhorar a respiração, a fala, a voz, reabilitação física no (hospital) Sara Kubitschek, em Belo Horizonte, e antes de eu ir para lá eu passei por diversas fases que uma pessoa com lesão medular passa, a de não querer ficar na cadeira de rodas, a fase de ficar na cama por que eu vou melhorar, eu vou melhorar... depois na cama foi melhor ficar na cadeira de rodas e melhor que ficar na cadeira de rodas seria ainda
andar de andador, depois de muleta e depois andar sozinho né? Teve a fase da depressão total, a fase do crepúsculo, de chorar no final da tarde que nem criança o tempo inteiro e não saber porque vinha aquela tristeza toda. Hoje tenho momentos semanais, às vezes quinzenais de reflexão, que bate uma tristeza, puxa, olha como era, olha como está agora, afinal de contas faz um ano, pouco tempo, passou rápido... para quem mexia só a cabeça e mal falava. Depois do mês de janeiro pensei, bom eu quero melhorar, mas não vou esperar melhorar para começar a trabalhar, vou começar a trabalhar e tentar melhorar, ficar com a mente ocupada. Foi pensando dessa forma
Na entrevista a seguir ele fala sobre planos, novas atividades, projetos do grupo, a dificuldade de se viver da arte por falta de apoio e mostra especialmente um lado seu que poucos conhecem, o que está por trás das cortinas dos palcos. Conta, sem perder o bom humor, como é se reerguer e manter esses planos e projetos em uma nova condição de vida.
que venho superando, acredito muito em Deus, acho que existe um propósito para isso tudo, de repente pessoas talvez tenham que ver a minha vida como está hoje e como eu tenho encarado isso, pra dar valor, porque virou o pé na rua, tá reclamando... e eu era assim também, hoje fico pensando, depois desse acidente, não vai ter mais situação pra reclamar. Minha família e minha esposa Potyra seguram a onda do meu lado muito bem, a família junto dá um suporte muito bacana. O grupo segue fazendo a produção de alguns espetáculos, estamos todo sábado fazendo um Casamento Caipira, no Fazenda Park Hotel em Gaspar, fazemos eventos paralelos quando nos chamam. Tenho
alguns projetos, alguns espetáculos que escrevi depois do acidente e outros de antes, como ‘A volta ao mundo com a arte circense’, que estávamos preparando para o final de 2009, a idéia agora é colocar música ao vivo nesse espetáculo, para a música poder trabalhar junto com o número. Se der certo, a gente vai fazer isso ainda. Estou procurando atores para participar de um espetáculo que escrevi, o ‘Circo de Dois’ e continuo com o nosso pessoal, o Felipe, o Fabrício, a Kely, o Marcel, o Eduardo Hora, a Potyra, minhas duas filhas e algumas alunas da escola de circo. JP3 - Você tem trabalhado com sonorização, sonoplastia, essas atividades marcaram o
teu retorno para o trabalho? Julio – Sim, foi o meu retorno para a arte. Em fevereiro me ligaram de Rio do Sul, queriam que o grupo fizesse a volta às aulas. Aí usamos o que tínhamos na mão, o tecido, malabares, equilíbrio, fomos em cinco atuando, aí tinha que botar o som e eu disse, ‘ah, façam o som vocês’... mas eu tenho um aparelho, o trackball, que é um mouse, você mexe com a bola com a boca e clica com o rosto. Você conecta na entrada USB do computador e ali comanda o cursor. Na volta conversei muito com o elenco e agradeci, porque foi muito interessante eu poder ter feito a sonorização, fizemos um espetáculo com uma qualidade muito legal, o pessoal gostou muito.
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Balneário Camboriú, 19 de junho de 2010
Entrevista
“De repente pessoas talvez tenham que ver a minha vida como está hoje e como eu tenho encarado isso, pra dar valor, porque virou o pé na rua, tá reclamando...” JP3 - Hoje o que você pode seguir fazendo como antes? Um palhaço por exemplo na cadeira de rodas é difícil de ver e seria uma coisa diferente... Julio - É, com certeza, a minha idéia é atuar. Eu estou montando um espetáculo biográfico poético em que atuo, ainda não tem nome, mas vai falar de diversas fases da minha vida, que vou estar em cena sozinho, mas ainda penso nos dois lados, o bem, o mal, alguma coisa do tipo, seriam duas pessoas em cena comigo e que me conduzem aos pontos do palco. Estou planejando uns vôos também numa cadeirinha de paraquedismo, pretendo alçar vôo nesse espetáculo. Minha mãe me chama de doido, diz que eu tô doido e eu digo, mas vou quebrar o que agora? (rindo). Essa minha hiperatividade que eu já tinha, não conseguia ficar parado, ela continua, mas é mental, às vezes até me causa frustração, porque tem tantas coisas que quero fazer, mas dependo dos outros. JP3 - E a história da cadeira de rodas gigante, essa sim vai ser a tua grande estréia ao público agora dia 24 no Parajasc em Itajaí. Como é que está a tua expectativa em se expor nessa nova condição? Julio - Na realidade, depois de janeiro, antes até, em outubro, no ve mb ro, ainda tava naquele clima meio ruim, mas já tava saindo, fui ao teatro, na igreja, na praça, fui tomar sorvete, não aguentava mais ficar em casa. As pessoas passavam, olhavam, aquele olhar de estranhamento, amigos no shopping passavam por mim e faziam de conta que não me viam, outros paravam, perguntavam e eu sempre conto a história toda. Para falar a verdade eu não tenho muita vontade de voltar a atuar em vários espetáculos, meu desejo é ficar mais de fora, só que um amigo meu muito sacana, o tal do Jean Reinert, que também é cadeirante há vinte e poucos anos, me visitou no hospital, foi muito engraçado.. e me convidou para fazer a abertura do Parajasc. Eu respondi que podia dirigir o pessoal e ele disse que eu
Arquivo pessoal
Potyra faz surpresa no hospital: parceria que deu certo também na vida real.
tinha que atuar também. Esses tempos fomos contratados para fazer aqueles três dias de loucura no shopping, a Potyra foi para pintar as crianças, o Fabrício de perna de pau e eu conversei com o responsável no shopping e disse que tava afim de fazer uma cadeira de rodas gigante para fazer divulgação de eventos, caí na besteira de comentar isso com meu amigo Jean, ele adorou a idéia, então tá, vamos fazer. JP3 - Como é essa cadeira? Julio - Eu que projetei ela. Uma cadeira de rodas parecida com a minha, mas a roda tem 1,80m de altura. Aí vai ter um suporte e eu encaixo a minha cadeira nesse suporte, nessa base. E quem vai me empurrar é um perna de pau, eu vou estar sentado na cadeira vestido com uma perna de pau. A idéia é essa, um perna de pau com deficiência. Aí vão ter umas outras cenas, o espetáculo vai contar os 150 anos de história de Itajaí, os índios, a colonização e eu vou fazer também a entrada de um pescador peixeiro.
“Não vou tirar mais do meu bolso o dinheiro que uso agora para minha recuperação”
JP3 - Você falou antes sobre o tratamento das pessoas, você sente muita diferença na maneira como te tratam agora? Julio - Eu não acho que seja uma discriminação. Acho que
seja uma coisa assim ‘o que eu vou falar pra ele, vou perguntar se está tudo bem?’ Lá dentro da igreja mesmo vieram pessoas me dizer, ‘me desculpa não ter vindo falar com você antes, mas eu não sabia o que te dizer’. E eu respondi, ‘não diga nada, pergunta está tudo bem? E eu vou responder, sim, está tudo bem’. Porque o grande medo das pessoas é esse. Pra quem quebrou o pescoço e não morreu... Eu fiquei duas semanas em coma, 40 dias na UTI, qualquer momento podia piorar, dar uma infecção. Era um quadro muito grave, os médicos achavam que eu ia trazer a UTI pra casa, porque naquela situação dificilmente alguém sai do respirador (traqueostomia) e eu saí. JP3 - Como é que foi o acidente? Julio - Eu tava fazendo um salto duplo, num aparelho chamado báscula, jogava pra trás, num mortal. Eu e o Felipe estávamos desde fevereiro de 2009 treinando o duplo mortal, para um número que íamos apresentar no final do ano. Em dois meses já estávamos caindo em pé dentro do fosso (espécie de piscina de 2 metros cheia de espuma). Tava treinando tranquilo, caindo direito, decidi passar pro solo, tava super seguro. E naquele dia, a gente tava treinando só o salto simples e eu disse, ‘tá agora vamos finalizar com o duplo’. Dei um giro e meio e caí em cima da cabeça. Já tinha um problema de duas hérnias de disco na cervical por conta dos exercícios de força que eu fazia, já era um local meio enfraque-
cido. Quando caí, não perdi os sentidos, não parei de respirar, só parou do pescoço pra baixo. Na hora disse pro meu amigo ligar pro Samu, achava que tinha quebrado o pescoço. Não sentia mais nada no corpo, já sabia que tinha acontecido alguma coisa na medula, porque a gente trabalha com isso, tem conhecimento. Cada tombo que a gente levava no trampolim ou na cama elástica, nos treinos a gente dizia, ‘para tudo, mexe o dedinho do pé’, e a pessoa mexia e aí a gente via que tava passando estímulo. E nesse dia, eu tava com as minhas filhas Yoshabel e Julia, o Felipe tinha saído pra chamar o Samu, e eu dizia.. ‘fiquem calmas’. E elas diziam ‘a gente tá calma, mas tu não tá mexendo o pé..’ E eu perguntava, vou tentar mexer meu pé.. e não mexia. Perguntava, a minha perna tá esticada? ‘Não, tá dobrada, pai’. Devagarzinho, vai esticando, mas eu não sentia nada... JP3 - O que passa na cabeça nessa hora? Julio - Eu pensava que tinha que manter a calma delas para não se apavorarem, que precisava arrumar o espaço (Centro Olímpico do Bairro das Nações) senão a Fundação de Esportes ia brigar comigo. Aí eu dizia, ‘ó gente, guarda os colchões, tira a báscula de cima do tablado, dá uma varridinha no tapete, Felipe pega minha carteira da Unimed, filha dá um beijo, daqui a pouco a gente se vê’. E fui, mas sabia que era grave. JP3 - O grupo Ensamble existe desde a década de 80? Julio - É, um amigo, o Carlos Batista fundou o grupo em 85 em Itajaí, dois anos depois me conheceu, eu tinha 14 anos na época, em 91 ele sofreu um acidente e faleceu. O pai dele, seu Cidval, no dia do velório me disse ‘ passa lá na casa do meu filho e pega tudo que é do teatro, se quiser continuar o trabalho’, e eu continuei. Lutei muito, porque tinha experiência de palco, mas não de produção, de marcar espetáculos, de ganhar dinheiro... aí com 18 anos comecei a engrenar de novo, a montar espetáculos junto com o Edson Custodio, que era ator, hoje é professor de dança. Depois fui trabalhar no Barco Pirata em Balneário, depois no Beto Carrero, de perna de pau, aí parei de trabalhar, voltei. Vim pra Balneá-
rio e criei um curso do Ensamble. Mas foi um período meio negro, trabalhava um pouco, me perdia por causa da bebida, droga.. JP3 - Como é que foi essa fase? Julio – Consegui deixar o vício mesmo quando busquei Deus. Ouvia testemunhos e isso alimenta o espírito. Aí cheguei num limite e desafiei Deus, ‘se tu existe mesmo, vai me tirar essa vontade de usar droga, de beber’ e foi passando a cada dia, depois a cada semana e a cada mês. E hoje, parece que eu nunca usei nada. Consegui parar quando percebi que precisava parar e para isso corri atrás de um suporte espiritual. E hoje às vezes penso, poxa Deus me livrou disso tudo pra eu terminar assim numa cadeira de rodas? Minha maior vitória até agora foi conseguir assinar meu nome, ir no cartório reconhecer firma e assinar meu nome, porque até então todo mundo assinava tudo por mim. Consigo comer com um adaptador na minha mão, digitar, então são conquistas, aos poucos e claro que eu quero voltar a andar, mas quero trabalhar, viajar, continuar vivendo. JP3 - Você escreveu o espetáculo Circo de Dois, depois do acidente e está procurando atores para atuar. Fala um pouco sobre a peça e sobre essa busca por artistas. Julio - O Circo de Dois é um espetáculo que eu quero botar para circular nas escolas, teatros pelo estado, tomar proporções maiores, tem uma linguagem da mímica, que é universal. E o grupo que está trabalhando comigo hoje, tem outras ocupações também, por isso não puderam entrar nesse projeto de rodar as escolas. O espetáculo fala da história de dois artistas circenses com habilidades de perna de pau, malabares, equilíbrio, de cômico, palhaço, e que trabalham num circo pequeno, o dono é avarento, não paga, só dá almoço, janta e dormitório dentro da lona, então o pano de fundo é a questão dos artistas explorados, não fazendo alusão a nenhum, mas a gente sabe que na história do circo houve sempre os circos sem lona, ou de lona rasgada, muito pobres, mostrar essa dificuldade de correr atrás da bilheteria.
Entrevista
Balneário Camboriú, 19 de junho de 2010 Arquivo pessoal
Julio e alunos da escola de circo: falta apoio para seguir o projeto.
Dia dos Pais ano passado: carinho especial dos filhos e da esposa.
JP3 - Vocês nunca passaram por esse tipo de experiência com circo? Julio - Não, a minha idéia foi sempre voltada para o circo moderno, falo do Cirque Du Soleil, porque é a referência que se tem, mas existem o Circo Tholl, em Pelotas (RS), o Le Cirque... são circos modernos, que mesclam teatro, dança e circo, sempre tem uma história como pano de fundo, não é só um número isolado.
que íamos fechar um convênio com a prefeitura, montamos a associação para a verba poder entrar, iria se tornar Escola Municipal de Arte Circense, que atenderia 160 alunos, mas o prefeito estava remanejando ainda os funcionários, acabou atrasando. Tive que parar, não dava mais sem apoio, e em junho me acidentei. Agora estamos esperando 2011 para ver o que acontece, de repente até algum empresário mesmo comprar uma lona pra gente montar aqui na rua Peru e retomar as atividades.
tural de Expansão Social da Arte), que engloba outros grupos de música, dança, e queremos trazer mais gente pra poder realizar mais eventos através da associação. E recebi uma noticia boa semana passada, de que o prefeito já autorizou a verba para o festival, mas como é ano político, a verba não pode sair para a associação, então quem vai realizar é a Fundação Cultural em parceria com a associação, acho que vai ser na Praça da Bíblia. Mas é bom que realizem, a gente quer botar o negócio pra funcionar. Até ano retrasado, a gente pagou para trabalhar.
“Procuro pessoas com habilidades de teatro ou circo para atuar no Circo de Dois”
JP3 - E para o Circo de Dois, algum r e q u i sito para as pessoas que se interessarem? Julio - Procuro pessoas com alguma experiência em teatro ou habilidades circenses, porque se tiver habilidade em circo, a gente ensina o teatro e vice versa. E a disponibilidade para fazer um trabalho semanal ou para festival também. Os interessados podem entrar em contato pelo juliobatschauer@yahoo.com.br ou pelo 9148-1981/4108-0878.
JP3 - A idéia é estrear esse espetáculo no Festival de Arte Circense, em Balneário, fim do ano. Esse festival foi vocês que idealizaram há algum tempo... Julio - Isso. Idealizamos em 2008, fizemos a primeira edição. Em 2009 seria a segunda, mas eu sofri o acidente e agora retomamos. Naquela época tivemos apoio da prefeitura e pagamos muita coisa, porque não tínhamos associação e a prefeitura não podia dar dinheiro para um grupo de produção com fins lucrativos. No inicio de 2009, montamos a ACESARTE (Associação Cul-
JP3 - E a escola de Teatro e Circo, a lona no bairro das Nações que atendia crianças carentes, como ficou esse projeto? Julio - Começamos a escola em 2004 no Instituto de Psicologia Sentir, em 2005 viemos pra lona (recursos próprios, no final da rua Peru). Em 2007, rasgou a lona toda, aí conseguimos uma verba do estado através de uma outra associação que usamos como canal, a ABECAF (Associação Beneficente Educativa Cultural Assistência à Família), de Balneário Camboriú, e que na verdade esse canal foi um casamento, porque eles atendiam pais dos nossos alunos que precisavam de ajuda, alguns bebiam, brigavam e recebiam essa assistência social. A gente recebeu uma verba do estado em 2008, terminamos o ano com 60 alunos. No inicio de 2009, comecei a trabalhar de graça, com 30 alunos, esperando a verba para colocar mais alunos, por-
JP3 - O grupo sempre batalhou muito por apoio. E em Balneário mesmo, onde não temos nem um teatro funcionando, é mais difícil ainda. Como você vê essa questão da dificuldade de se viver da arte aqui? Julio - É complicado viver de arte sem apoio de um patrocínio, agora tem as leis de incentivo à cultura, que já melhorou bastante. A gente está lutando por um Fundo Municipal e um Fundo Estadual de Cultura, para nós, os produtores, não precisarmos mais correr atrás em cada loja, pedir, fazer a captação. Que as empresas paguem seus impostos como deve ser e que o governo separe um percentual desses impostos para repassar aos projetos. Porque senão a gente faz o trabalho artístico, tem que captar verba, às vezes não consegue e o trabalho pára por falta de dinheiro. A gente tem um certo apoio, na gestão anterior tínhamos também, nessa o Torto (Eduardo Meneghelli, presidente da Fundação Cultural de BC) tem feito um bom trabalho, sempre nos chamam para participar do Brique. A gente precisa de um teatro municipal, mas que precisa de um lugar pelo menos do tamanho de Itajaí, não 300 lugares como esse nosso (cuja constru-
ção está parada há mais de um ano), porque financeiramente para grupos maiores não funciona, não comporta. JP3 - Os circos modernos, que você citou antes, como o Cirque du Soleil, são muito caros, muita gente não pode pagar, qual o caminho do circo? Julio - Acho que tem que ter esses circos, os modernos, o circo rico, mas a questão do preço se torna inacessível mesmo. É muita verba federal para um ingresso muito caro. Tinha quer ter uma política pública de fazer a inclusão do circo na sociedade para as crianças. A gente tem um exemplo muito legal de Escola Municipal de Arte Circense, em Campo Mourão (PR), que foi o que eu quis implantar aqui, que leva o circo gratuito para a cidade inteira, porque é mantido pela prefeitura. O próprio Festival que a gente fez no ano retra sado tinha essa intenção, era super acessível, acho que R$ 5,00 adulto e R$ 2,50 pra criança, esse ano pretendemos ter mais subsídio para conseguir levar o espetáculo que vai estar na lona, lá para o pátio da escola também. O critério de seleção para os grupos que vão participar do festival inclui dança, teatro e circo e Balneário Camboriú é uma das cidades que mais recebe turistas no estado. Usamos a praça Tamandaré no festival em 2008, mas fomos proibidos de panfletar na rua, na praia, de colocar um carro de som anunciando, a cidade tava lotada e a gente tinha na lona onde cabiam 500 pessoas, a presença de 50, 100.
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JP3 - É uma questão cultural também, essa falta de incentivo ... Julio - É. Falta abertura, apoio. Abrir o leque de oportunidades. Hoje as pessoas ligam para gente pra pedir eventos, conseguimos trilhar um caminho legal, temos uma clientela que nos chama para trabalhar, inclusive a prefeitura. Mas eu fiquei mais de fora, porque eu precisava fazer o meu trabalho, o que eu queria fazer e não o que os outros deixavam eu fazer. Tenho um grupo que faz as suas produções, independente da ajuda da prefeitura. Só que hoje se eu não tiver ajuda, não vou fazer, não vou tirar mais do meu bolso o dinheiro que uso agora para remédios, tratamento, para minha recuperação. É uma pena, porque tem tantas coisas que a gente quer fazer, mas não tem apoio. JP3 - Quer colocar mais alguma coisa? Julio – Quero dizer que hoje tiro um aprendizado muito legal, que é a valorização das pequenas coisas, o que muita gente não tem. Até o fato de pegar um copo e tomar água é importante. Pra quem não tem nenhuma deficiência, é natural, pegar a caneta e escrever.. às vezes até abre o papel de bala e deixa o papel cair no chão. E se você não conseguisse pegar uma bala pra colocar na tua boca? As pessoas têm que valorizar essas pequenas coisas. Eu era muito desordeiro e hoje eu fico parado, literalmente e fico analisando tudo. Acho que essa coisa da cultura, turismo, saúde, educação tem que ser ordenado. Costumo dizer que enquanto a cultura, educação, turismo e saúde não caminharem juntos, não funciona. O turista tem que vir pra cá, se precisar de um atendimento de saúde, tem que ter um bom atendimento, se quiser ver artecultura, tem que ver de qualidade, tem que ter educação das pessoas que atendem, para que seja recíproco, senão vamos ter sempre aquele monte de gente que vem, liga o som alto, faz bagunça. O que mais faço agora é pensar e penso muito nessas questões.
“A gente tem um exemplo legal de Escola Municipal de Arte Circense, em Campo Mourão que foi o que eu quis implantar aqui”