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O vasto mundo de Kátia
A senadora Kátia Abreu tem um histórico de superação, é a poderosa porta-voz do agronegócio, adora cantar, briga por seus desejos e não perde uma polêmica PATRÍCIA ZAIDAN / FOTOS ALEXANDRE SEVERO
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CLAUDIA
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O vasto mundo de Kátia
A senadora Kátia Abreu tem um histórico de superação, é a poderosa porta-voz do agronegócio, adora cantar, briga por seus desejos e não perde uma polêmica PATRÍCIA ZAIDAN / FOTOS ALEXANDRE SEVERO
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em que ter força na palavra, sangue no olho, convicção.” A frase é de Kátia Regina Abreu, 51 anos, senadora do PSD pelo Tocantins. Foi dita no terceiro dia de convivência com a reportagem de CLAUDIA, quando estava desarmada, longe do tom de discurso com que os políticos tratam temas públicos. Falava de si mesma, de como chegou aonde está. Naquela tarde de dezembro, na sua Fazenda Aliança, a 170 quilômetros de Palmas, o calor era enorme. Suada, sacolejando na caminhonete que corria entre eucaliptos, ela contou que só conheceu a terra ao ficar viúva. O fazendeiro era o marido. Na época da tragédia, Kátia tinha 25 anos e estudava psicologia na sua cidade, Goiânia. O avião que ele pilotava bateu de leve numa porteira, começou a perder combustível e se chocou num jatobá florido na manobra de retorno à pista. Kátia tinha dois meninos, de 1 e 4 anos, e estava grávida. Familiares sugeriram vender a propriedade. Mas por que aceitar opinião? “Saí da missa de sétimo dia com as crianças, de mala e cuia, direto para o campo.” Antes de dar a primeira ordem aos peões, juntou os cabelos e passou a tesoura na altura da nuca. Não era bom parecer bonita. Vacinou o gado, aprendeu sobre bicheira e aftosa. Perto de dar à luz, Kátia tomou um coice tentando marcar a ferro um bezerro nervoso. Caiu e levantou. Ninguém jamais a viu chorar. “Eu soluçava sozinha, toda noite, debaixo de um mamoeiro. Tinha um desejo doido de morrer, mas ele foi passando. Um ano depois, eu não queria morrer mais, não.”
As palavras-chave da senadora são: abrir mercado e propaganda. Em sua bela casa, numa chácara em Palmas, ela manda servir um inesquecível tambaqui assado. Horas antes, tinha falado do peixe numa TV local, incentivando o telespectador a começar a produzir: “Traz retorno financeiro e felicidade”. Outro item que incensa é o capim-dourado. Kátia levou bolsas, caixas e colares feitos com ele por artesãs do Jalapão para a presidenta Dilma Rousseff dar aos chefes de Estado na Rio+20. Seu principal feito, no entanto, ultrapassa o empresarial: Kátia sagrou-se porta-voz do poderoso Brasil rural. Desde 2008 na presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ela representa 5,3 milhões de empresários, que absorvem um terço da mão de obra do país e entregam 22,5% do que compõe o Produto Interno Bruto (PIB). A senadora é chamada ao Palácio do Planalto toda vez que o assunto é carne, soja, laranja, escoamento de mercadorias, exportação. “Kátia, o que querem os produtores?”, perguntou Dilma em junho de 2011, na primeira vez que puseram olho no olho. “Não votei nela, achei que seria um horror, mas Dilma surpreendeu com espírito público e habilidade para resolver problemas. Age como estadista, adota o que indicamos para o agronegócio, gostando ou não do setor”, afirma a líder ruralista, que não curte o título. “A palavra ruralista se desgastou. Remete ao coronelismo, à direita rançosa. O fazendeiro hoje usa tecnologia, discute sustentabilidade com a sociedade.” A relação entre Dilma e Kátia parecia improvável pela distância das biografias. A primeira vem da guerrilha; a senadora, do ideário liberal. Além disso, Kátia bateu pesado no ex-presidente Lula desde que se elegeu deputada, em 2006, “com 76 mil votos, o que lotaria o Maracanã”. Ela apareceu, nacionalmente, ao pular com os dois pés no peito da CPMF, imposto que Lula queria manter. Relatora de uma proposta de emenda, Kátia conseguiu extingui-lo.
“POR QUE TER PRECONCEITOEM FALAR?DINHEIRO É MUITO BOM E CONQUISTÁ-LO COM TRABALHO É GLORIOSO”
ESCALADA ESTUPENDA
De lá para cá, a senadora cresceu. Não gosta de dar o tamanho, mas o patrimônio aumentou. Ela toca tudo com os filhos, o deputado federal Irajá, 29 anos, e o vereador da capital Iratã, 26. Iana, 25, é universitária e não pensa no campo. Há esperanças de que Maria Eduarda, a neta de 10, se interesse. Em 2007, eram três fazendas e 10 mil cabeças de nelore (o marido deixou 3,5 mil). Kátia diz que vendeu o rebanho e, com o plantio de soja, está reformando o solo enfraquecido. “Em quatro anos, a área valerá 50% a mais e comportará muitos bois.” Até lá, ela completará 15 mil hectares de eucalipto, terá implantado uma agricultura de baixo carbono, integrando lavoura e pecuária. Os planos imediatos preveem a construção de três hotéis e a criação de tambaquis. “Peixe está dando muito dinheiro. Por que ter preconceito em falar? Dinheiro é bom, conquistá-lo com trabalho é glorioso”, diz. 1 30
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CARTA PARA DILMA
Como se aproximou da presidenta? Por meio de uma carta. Em 2009, ao saber que Dilma, então chefe da Casa Civil, estava com câncer, Kátia lhe escreveu. Pôs nas palavras – sempre as palavras – toda a crença na força que regenera, que leva à superação. Prometeu rezar pela ministra do governo que combatia. Dilma se comoveu, ligou, agradeceu. Dias depois, telefonou de novo. A proximidade de ambas permeou as conversas com a reportagem. Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucio-
Kátia no King Air, avião que a levou para a Fazenda Aliança. Ao enfrentar uma turbulência, buscou o apoio amigo de Moisés
nais, acionou Kátia pedindo ajuda na aprovação de um projeto. Dois dias antes, a senadora compareceu ao ato de anúncio, pela presidenta, de regras para os portos, que incluem a concessão de cinco públicos e permitem aos privados movimentar cargas de terceiros, barateando custos. “Quero um shopping de portos no Brasil. Grãos do Tocantins andam 2 mil quilômetros batendo carroceria até chegar ao navio. Temos pressa, o país precisa ajudar a alimentar o mundo.” Kátia contribuiu para o desenho das regras, falou várias vezes delas com Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil, de quem virou amiga.
NOVA MINISTRA?
No dia 19 de dezembro, Dilma foi a Palmas e diplomou 5 mil jovens do Pronatec, apoiado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, comandado por Kátia. No palanque, ela rasgou elogios à presidenta. Já arriscou até a saúde para atendê-la: “Eu saía de uma lipoaspiração e de uma cirurgia que une os músculos do abdome para
emagrecer e fui a Brasília”. Kátia passou mal e voltou ao hospital, em Goiânia, para se recuperar da recaída. Seu nome tem sido cotado para um ministério. “Todo partido sonha em ter espaço no governo. O PSD também. Mas me envergonharia em dizer à presidenta: ‘Olha, nos acomode aí ou não terá nosso apoio’. Isso é feio.” O que parece é não haver lugar no primeiro escalão. E ocupar, por exemplo, a pasta da Pesca ou dos Portos, seria diminuir a vitrine que Kátia já tem. Tomando um uisquinho com gelo antes do jantar, ela relembra o passado: aos 10, com os pais separados, “o dinheiro era curto, mas não faltava alegria”. Aos 19, conheceu, num bar, o marido, Irajá Silvestre. “Ele saiu do nada. Comprou um trator, desmatava áreas para fazendeiros em troca de um pedaço de terra”, diz. Fez 33 anos, elegeu-se presidenta do Sindicato Rural de Gurupi (TO). “Nunca pensei em me meter nisso.”
POLÊMICA E SEMPRE NA MÍDIA
Kátia foi tida como “a viúva do Irajá” por pouco tempo. “Eu trouxe a prática de inseminação artificial para Tocantins, movimentei leilões de gado, elevei o rebanho de 1,2 milhão de cabeças para 7 milhões.” Com a revolução, tornou-se presidenta da Federação da Agricultura. “Encarnei o capeta. Parava a rodovia em protesto contra os juros cobrados dos fazendeiros e assava boi no rolete na porta de frigorífico que pagava pouco pelo animal.” Chegando ao parlamento, midiática e eloquente, os colegas quiseram reduzi-la a um folclore e deram-lhe título de FEVEREIRO 2013
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Em seu escritório, em Tocantins, onde exibe uma foto com Pelé. Ao lado de Dilma, em Palmas: “A presidenta me surpreendeu”
musa e rainha. “Diziam que eu era a Ivete Sangalo do Congresso. Não liguei.” O bloco ruralista, que ela passou a liderar ali, contava com 178 parlamentares em 2012. Sua atuação é também polêmica. Ambientalistas têm nela uma inimiga. Na tramitação do Código Florestal, a Fundação SOS Mata Atlântica pôs na internet uma lista de parlamentares considerados “exterminadores do futuro” por defenderem “a anistia ao desmatador e a redução da área de proteção ambiental”. Kátia ocupou o topo da lista. “Fiquei possessa. Liguei para o Trabuco (Luiz Carlos), presidente do Bradesco, que financia a ONG, e disse: ‘Então você coloca dinheiro numa campanha para me arrasar? Se 1 32
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continuar no ar, peço para os produtores fecharem as contas no banco’. Ele ouviu.” O presidente da SOS Mata Atlântica, Roberto Klabin, dá outra versão: “Essa senhora é arrogante. Nosso patrocinador, com quem plantamos 30 milhões de árvores, não pressionou. Tiramos do ar porque radicais opinavam na lista, e isso nos renderia processos. Mudamos a tática, pedindo para Dilma vetar. Mas o Código foi aprovado, quem perdeu foi o Brasil”. A senadora deu o troco, ainda, ao Greenpeace, que lhe ofereceu uma faixa de “Miss Desmatamento”. “Entrei na Justiça e ganhei.” Afiou o verbo também contra a mulher do contraventor Carlinhos Cachoeira, investigado por relações suspeitas com políticos e empresas. Andressa Mendonça havia dito que o marido dera dinheiro à campanha eleitoral e que existia um dossiê contra a senadora. “Ela faz parte de uma nova dupla, Cachoeira e Cascata, por ser mentirosa”, retrucou Kátia, que a interpelou na Justiça. Ela é boa no contra-ataque: contratou uma assessoria de imprensa em Londres para abrir espaço na mídia internacional. “Toda vez que querem saber sobre a Amazônia e os impactos do agronegócio nos biomas, só entrevistam ONGs que se opõem a nós.” Reportagens sobre Kátia saíram nos jornais Financial Times, L’Express e The Washington Post. No Brasil, é colunista da Folha de S. Paulo. Entre seus temas, estão os índios. “Não sou contra eles. Meus filhos têm nomes indígenas. Mas acho a Funai (Fundação Nacional do Índio) muito intrometida. Em vez de defendê-los, ela os imobiliza e isola”, afirma. Kátia encomendou ao instituto Datafolha uma pesquisa para saber o que desejam os índios. “Diferentemente do que crê a Funai, eles querem chuveiro quente, carro, TV, escola para os filhos.” Para escrever seus artigos, conta com um “grupo de pensantes”, do qual fazem parte Roberto Brant, ex-ministro, e Paulo Delgado, ex-deputado do PT. Em novembro, ela abriu um escritório da CNA em Pequim, para azeitar negócios entre Brasil e China. “Estou apaixonada por Pequim”, declara. Passou lá as férias de janeiro estudando inglês. Um cômodo de casa guarda quinquilharias coloridas “made in China”. São taças, castiçais e flores com que compõe lindas mesas. “Adoro dar festas e bailes à fantasia. Uma vez, num aniversário meu, vesti roupas dos anos 1960 e entrei numa lambretinha”, conta. É afinada ao cantar. Mandava sucessos de Roberto Carlos em saraus de Brasília. “Quem gostava de cantar comigo? O Demóstenes (Torres, banido do Senado por envolvimento com Cachoeira).” Na festa de fim de ano da Federação, em Palmas, ela entoou com Marciano, o parceiro de João Mineiro, morto em 2012, a canção Ainda Ontem Chorei de Saudade, de Moacyr Franco. Depois, anunciou: “Vou cantar meu hit, Mulheres, de Martinho da Vila”. Ela diz que gosta dele e de Amy Winehouse. “Música me alegra”, resume. Tanta alegria e nenhum par? “Não tive tempo para casar
Foto com Dilma, Roberto Carlos/Divulgação
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de novo”, responde. “Mas namorei muito.” Quanto a nomes, é discreta: “Só digo que os ex permanecem meus amigos”. No rol estaria o vice-presidente da República, Michel Temer. Hoje, a figura mais próxima da senadora é o engenheiro agrônomo Moisés Pinto Gomes. Em 2011, funcionário da Agência Nacional de Águas (ANA), foi cedido ao gabinete dela. Agora preside o Instituto CNA. Ao ouvi-la descrever a fixação biológica de nitrogênio, que nutre as plantas e não agride o meio ambiente – assunto aprendido com ele –, Gomes comenta: “Kátia pega rápido. Ainda vai dar lições para a equipe toda”.
TENSÃO NO AR
Ela se apoiou em Moisés durante uma turbulência no voo que levou a equipe de reportagem à fazenda. O piloto do King Air avisou que o problema se intensificaria. Atrás vinha, em outra aeronave, o primogênito, Irajá. Se há algo que mexe com Kátia, é avião. Do celular, pediu para o filho voltar para o aeroporto, mas ele não ouviu. Já no solo, não tirou o olho da pista de terra. Só sossegou quando o deputado, um moreno bonito, a abraçou. “Filhinho da mamãe, meu bebê, que bom que você chegou!”
Animação na festa de fim de ano: cerveja gelada e canja com o sertanejo Marciano. Abaixo, relax em sua casa, dentro de uma chácara em Palmas
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