PAJ2014 Visual Design de Materia ExamePME Startups

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CAPA Gestão

Startups O que aprender com elas As boas práticas que fazem pequenos negócios crescer muito rápido e que podem ser copiadas na sua empresa Bruno Vieira Feijó

N

um dos capítulos de O Chamado Selvagem, o escritor americano Jack London

descreve a trágica aventura de Mercedes, seu marido, Charles, e seu irmão Hal durante a Corrida do Ouro, no século 19. Quando foi procurar riquezas no Alasca, a família quis levar um pouco de tudo. Entre outros itens sem serventia estavam na bagagem louças, jogos de lençóis e vestidos. Sobrecarregado, o trenó se movia lentamente. A cada dia que passava, o grupo estava mais longe de chegar ao destino na data planejada. Começou a faltar comida. Os cães que puxavam o trenó foram os primeiros a passar fome — o que só diminuiu ainda mais o ritmo da viagem. A primavera alcançou-os

no meio do caminho. O final foi triste — ao atravessar um lago, o gelo, já fino, cedeu sob o peso da carga. A história de Mercedes, Charles e Hal é uma alegoria do que pode acontecer com empresas que carregam peso demais. Empreendedores que creem que o perigo não existe só porque seus negócios ainda são pequenos deveriam ficar atentos — ao levar seus vestidos, Mercedes não tinha noção de que eles ficariam mais pesados ao longo do caminho. O crescimento é bom, mas também traiçoeiro, pois com ele vêm mais controles e hierarquias. É possível uma pequena ou média empresa em expansão ser tão enxuta como as seis startups que aparecem a seguir? Não. Mas é possível copiar um pouco o jeito delas de ser.


CAPA Gestão

Startups O que aprender com elas As boas práticas que fazem pequenos negócios crescer muito rápido e que podem ser copiadas na sua empresa Bruno Vieira Feijó

N

um dos capítulos de O Chamado Selvagem, o escritor americano Jack London

descreve a trágica aventura de Mercedes, seu marido, Charles, e seu irmão Hal durante a Corrida do Ouro, no século 19. Quando foi procurar riquezas no Alasca, a família quis levar um pouco de tudo. Entre outros itens sem serventia estavam na bagagem louças, jogos de lençóis e vestidos. Sobrecarregado, o trenó se movia lentamente. A cada dia que passava, o grupo estava mais longe de chegar ao destino na data planejada. Começou a faltar comida. Os cães que puxavam o trenó foram os primeiros a passar fome — o que só diminuiu ainda mais o ritmo da viagem. A primavera alcançou-os

no meio do caminho. O final foi triste — ao atravessar um lago, o gelo, já fino, cedeu sob o peso da carga. A história de Mercedes, Charles e Hal é uma alegoria do que pode acontecer com empresas que carregam peso demais. Empreendedores que creem que o perigo não existe só porque seus negócios ainda são pequenos deveriam ficar atentos — ao levar seus vestidos, Mercedes não tinha noção de que eles ficariam mais pesados ao longo do caminho. O crescimento é bom, mas também traiçoeiro, pois com ele vêm mais controles e hierarquias. É possível uma pequena ou média empresa em expansão ser tão enxuta como as seis startups que aparecem a seguir? Não. Mas é possível copiar um pouco o jeito delas de ser.


MARCELO CORREA

CAPA Gest達o


Planejamento FAÇA AJUSTES RÁPIDOS E FREQUENTES Bruna Bittencourt

Emotion.me — Rio de Janeiro, RJ

→ Desenvolve uma ferramenta online que ajuda noivos a planejar o casamento O que fez Usou um mural onde são anotados os planos da empresa

Q

uem chega à sede da Emotion.me — site que deve faturar 1,5 milhão de reais até o final do ano ajudando noivos a organizar o casamento — vê um grande quadro branco com dezenas de post-its coloridos. “Eis aqui o nosso planejamento”, diz Bruna Bittencourt, de 30 anos, que fundou a Emotion.me em 2012. O mural é dividido em nove partes. Cada uma, identificada por uma cor, representa algum aspecto do negócio, como perfil de clientes, canais de venda, parcerias, fontes de receitas, custos. Quem identifica um problema ou desafio deve fazer um breve relato num post-it e grudá-lo na área certa. Se um dos nove funcionários da empresa tiver uma sugestão para resolvê-lo, deve escrevê-la num post-it da mesma cor, assinar e colar ali. O responsável pela área procura quem fez a sugestão e pega detalhes. Como várias iniciativas podem ser encaminhadas dessa forma, reuniões longas não são comuns por lá. “Está tudo na parede”, diz Bruna. “É só olhar o mural para acompanhar o que está acontecendo.” Bruna está sempre em busca de mais receita — hoje, a maior parte vem de mensali-

dades que os noivos pagam por serviços como lista de presentes e confirmação de convidados. “Algum tempo atrás, preguei um post-it no mural com a ideia de que passássemos a indicar fornecedores para as festas dos noivos”, diz Bruna. Dias depois, houve uma reunião para falar dos rumos da empresa — receita era um dos itens da pauta. “A maior parte do tempo foi gasta para definir formatos de parceria”, afirma Bruna. “Quem tinha visto meu post-it teve tempo de pesquisar o assunto e fazer brainstormings sem que eu tivesse pedido.” Hoje, 30% das receitas vêm de comissões que os fornecedores pagam para a Emotion.me sempre que são contratados com a ajuda do site. O mural ajuda Bruna a identificar inconsistências num modelo de negócios que ainda está em fase de ajuste. Uma vez alguém propôs um acordo com blogueiras influentes — noivos que lessem os blogs seriam redirecionados à Emotion.me, que pagaria uma taxa às blogueiras. “A ideia não é ruim, mas dificilmente vai trazer as receitas que queremos no prazo que precisamos”, diz Bruna. “Tirei o post-it dali antes que virasse um projeto. Guardei a ideia para o momento certo.”

O CONCEITO Esses post-its grudados na parede receberam um nome que, em inglês, pode parecer complicado — Business Model Canvas (algo como “quadro do modelo de negócios”). São duas­as vantagens. Uma: as anotações são bem intuitivas. Outra: todo mundo pode ver. “Desse jeito, os problemas podem ser detectados mais depressa”, diz Cassiano Farani, da 99Canvas, consultoria de planejamento ágil.

Como Aplicar O sistema de post-its com problemas e soluções pode ser adaptado para ser colocado em prática por partes menores da companhia — um departamento, por exemplo. Seus funcionários podem usar o mural para colocar dúvidas e sugestões simples — as reuniões ficariam reservadas para assuntos que precisam de muita interação para ser tratados. Nos estágios iniciais do planejamento de um novo produto ou de uma unidade de negócios, o quadro também pode ser útil. Às vezes, a implantação enfrenta percalços de ordem prática. Quando se demora muito, os post-its podem começar a cair. Nesse caso, pode-se usar alfinetes num quadro de cortiça. Mas os alfinetes também podem cair. “O ideal é que nenhuma anotação fique mais de uma semana tomando poeira”, diz Farani. Fevereiro 2013 | Exame pme | 27


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Inovação

parta de uma ideia alheia em vez de começar do zero Carlos Souza

Veduca — São Paulo, SP

→ Mantém um site de educação online com aulas em vídeo O que fez Criou um sistema de busca de aulas inspirado no Google

28 | Exame pme | Fevereiro 2013

O CONCEITO Num mundo em que ficou extremamente difícil competir, é cada vez menos inteligente tentar ser criativo em tudo — e isso vale para empresas de todo tamanho. Nas últimas décadas, as empresas mais competitivas passaram a adotar técnicas de benchmarking. Elas consistem, basicamente, em identificar uma ou duas empresas que sejam excelentes num determinado aspecto e copiar ou adaptar as práticas que as tornam boas naquilo. Um empreendedor interessado em melhorar a distribuição, por exemplo, deveria tentar compreender como os refrigerantes da Coca-Cola e os cigarros da Souza Cruz podem ser encontrados num bar do beco de uma rua escondida. A inovação vem na hora de moldar a estrutura de uma ideia alheia ao negócio. “Há algumas vantagens em não ser pioneiro”, diz Diogo Dutra, da consultoria Grupo S1m. “Uma delas é estar numa posição mais favorável para enxergar o que não está funcionando no original.”

Como Aplicar “O empreendedor deve incentivar a imitação para que os funcionários fiquem à vontade para sugerir algo com base na concorrência ou em outros mercados”, diz Dutra. Feito isso, o segundo passo é identificar as descobertas já feitas por outras empresas que venceram um desafio semelhante. Também pode ser interessante fazer brainstormings misturando ideias aparentemente desconexas. “Algumas inovações vêm de combinações que resultam em algo novo”, diz Dutra. A saga de Guerra nas Estrelas, por exemplo, é fruto de um misto de ficção científica e mitologia com histórias de filmes de samurais.

DANIELA TOVIANSKY

U

m dos maiores gastos do Veduca — um site que reúne centenas de aulas em vídeo de instituições como Universidade Harvard e Massachusetts Institute of Technology — é encomendar legendas em português para as lições gravadas. “Gastamos cerca de 1000 reais por aula com o serviço de tradução”, diz Carlos Souza, de 32 anos, fundador do Veduca. No ano passado, Souza teve uma ideia — aproveitar as legendas para oferecer aos alunos um sistema de busca que localizasse o momento em que determinada palavra aparece. “Temos um conteúdo riquíssimo em mais de 5 000 aulas, que só eram categorizadas manualmente e por temas centrais, como matemática e filosofia”, diz Souza. Souza se inspirou no Google para levar sua ideia adiante. “A missão do Google é organizar as informações do mundo e torná-las globalmente acessíveis e úteis”, diz Souza. “A nossa é catalogar os vídeos pela ordem que cada aluno julgue mais interessante.” Por enquanto, o Veduca conseguiu colocar no ar um sistema que lista as aulas na ordem em que o termo pesquisado é mais citado. Numa busca pelo nome Barack Obama, por exemplo, aparece em primeiro lugar uma aula do curso de ciências políticas da Universidade da Califórnia em que o presidente americano é citado 13 vezes. A ideia dos engenheiros e dos programadores do Veduca é continuar aperfeiçoando o sistema que organiza a listagem de aulas — num processo dinâmico parecido com o adotado pelo Google, que altera as regras de seu sistema de buscas mais de 500 vezes por ano. “Estamos acrescentando critérios que organizam as aulas por outros tipos de relevância”, diz Souza. “Uma delas considera o histórico de pesquisas do aluno.”



DANIELA TOVIANSKY

CAPA Gest達o


Produto

Não espere o momento de atingir a perfeição tallis gomes

easy taxi — São Paulo, SP

→ Desenvolve um aplicativo para celular que localiza o táxi mais próximo O que fez Liberou protótipos do serviço antes do lançamento oficial

E

m 2011, quando fundou a Easy Taxi, que faz um aplicativo para motoristas e usuá­rios de táxi, o publicitário Tallis Gomes, de 26 anos, deu aos funcionários uma ordem. Eles deveriam desenvolver o sistema no menor prazo possível. “A ferramenta poderia não funcionar 100% bem e ser meio ‘pelada’ ”, diz Gomes. Três semanas depois, ficou pronta uma primeira versão, que permite ao passageiro usar o celular para chamar o carro mais próximo, de um motorista também conectado ao sistema. O protótipo foi entregue para teste a 70 taxistas e passageiros. Eles deveriam usá-lo de graça, avisar o que estava faltando e reclamar do que não funcionasse direito. Dois meses mais tarde, foi trocado por uma segunda versão, que, quatro meses depois, deu lugar a uma terceira. Na quarta, o serviço foi para o mercado. “O projeto foi do zero ao lançamento em apenas sete meses”, diz Gomes. “Foi metade do que se tivéssemos feito tudo de uma vez.” Um exemplo de algo que foi melhorado é o botão usado pelos taxistas para aceitar ou recusar uma corrida. “Eles disseram que era difícil enxergá-lo à noite”, diz Gomes. “Agora, o botão fica bem no centro da tela.” A colaboração dos usuários também ajudou a Easy Taxi a descobrir logo que alguns dos recursos projetados inicialmente não tinham muita utilidade. Foi o caso da função para saber as condições do trânsito e encontrar rotas alternativas. “Eles precisavam de um dispositivo para aceitar ou recusar uma corrida que fosse fácil de usar, e só”, diz Gomes. “Mais do que isso só encareceria o produto.” Para os clientes, o produto imperfeito da Easy Taxi também foi útil. “Enquanto testava, consegui uma porção de corridas sem investir nada”, diz Antônio Bueno, taxista da cidade

do Rio de Janeiro. A empresa tem hoje mais de 5 000 taxistas cadastrados, que pagam 2 reais por corrida. “Os clientes são taxistas independentes, que não contam com central telefônica e aparelhos de rádio”, diz Gomes.

O CONCEITO O que a Easy Taxi fez tem o nome de “produto mínimo viável”. Primeiro, a empresa faz um protótipo (também chamado de beta), libera o uso a um grupo de clientes em potencial e observa o que acontece. Conforme for, mais funções são acrescentadas. Recursos que se mostram pouco úteis são extintos. O que fica é continuamente melhorado até chegar ao lançamento oficial. “O custo da evolução por etapas é menor do que o de uma pesquisa de mercado tradicional”, diz Edson Rigonatti, sócio da paulista Astella, gestora de recursos que investe em startups. “É também muito mais rápido do que levar meses construindo um produto completo e só no final saber que os clientes não gostaram.”

Como Aplicar Empresas de tecnologia, como as de softwares e sites, são candidatas naturais a aproveitar o produto mínimo viável — em comparação com outros produtos, não é tão complicado modificar um software em pleno voo. Mas é possível adaptar a ideia. Vamos imaginar que uma empresa que faz tintas vai fabricar pincéis. Pintores que já usam a tinta poderiam testar protótipos de pincéis. Com o relato deles, a empresa faria novas versões, que seriam testadas novamente — e assim por diante, até chegar a um pincel definitivo. Em troca, os pintores poderiam receber pincéis de graça no lançamento oficial. Fevereiro 2013 | Exame pme | 31


CAPA Gestão

FINANÇAS Tenha métricas para O QUE IMPORTA Guilherme Reitz

AXADO — Florianópolis, SC

→ Mantém um serviço online que faz cotação de preços de frete entre transportadoras O que fez Instaurou uma rotina para analisar os indicadores mensalmente

32 | Exame pme | Fevereiro 2013

O CONCEITO Para que a empresa tenha lucro, os custos sempre devem ser menores do que as receitas. Isso parece óbvio — e é. O problema é que muitos empreendedores erram ao fazer essas contas, seja por desconsiderar parte dos custos da produção, seja por contar com o dinheiro de vendas que ainda não foram pagas. Mesmo quando acertam os cálculos, alguns falham ao não acompanhar com fre­ quência os indicadores financeiros — e podem perceber tarde demais que a rentabilidade desejada não será alcançada. Nas start­ ups, isso costuma ser fatal. “Uma startup que não mantenha indicadores financeiros precisos e não controle os custos dificilmente encontra investidores, e o projeto pode nem sair do papel”, diz Cássio Spina, diretor da Anjos do Brasil, associação que reúne investidores em empresas nascentes.

Como Aplicar Pelo menos uma vez por semana, o empreen­ dedor deve revisar quatro números que compõem uma espécie de fotografia do desempenho do negócio — os custos, as receitas, o fluxo de caixa e a inadimplência. Esses indicadores básicos precisam ser comparados às projeções para a empresa. Assim, o empreendedor poderá saber rapidamente se o desempenho de algum desses índices está abaixo do previsto, identificar os motivos e procurar uma solução para o problema. “É importante que esse acompanhamento seja feito com regularidade”, afirma Spina. “Só assim o empreendedor pode descobrir o que impede sua empresa de alcançar as metas planejadas e tomar uma atitude a tempo de tentar reverter esse quadro.”

MICHEL TEO SIN

N

o início de fevereiro, o catarinense Guilherme Reitz, de 27 anos, parou para analisar os indicadores financeiros de sua empresa, a Axado — uma espécie de BuscaPé que faz a cotação de preços de fretes. É um ritual que se repete pelo menos uma vez por mês, quando ele e os sócios se dedicam a verificar se os custos do negócio estão sob controle e se a geração de receitas acontece na velocidade prevista. “Percebi que as vendas estavam crescendo mais vagarosamente que o planejado”, afirma Reitz. Se as receitas não recuperassem o ritmo de expansão, a rentabilidade da Axado cairia, comprometendo os resultados. Em busca dos motivos, os sócios descobriram que o problema estava no departamento comercial. A Axado costuma manter uma equipe de seis vendedores, responsáveis por captar e cadastrar novas transportadoras no site. Cada transportadora paga uma taxa para ter seu nome listado no site da Axado. No começo do ano, dois vendedores pediram demissão. Reitz demorou um mês para contratar seus substitutos, quando o normal seria ter a equipe novamente completa em menos de duas semanas. Como havia menos transportadoras entrando no site, o crescimento das receitas perdeu força. “Depois de ver os números escancarados, ficou muito fácil entender o que estava acontecendo”, afirma Reitz. “Não tínhamos noção sobre como a falta de dois vendedores afetaria os resultados.” Reitz acelerou a contratação dos vendedores para recompor a equipe. Para tentar compensar o tempo e o dinheiro perdidos, ele reviu as metas de cada funcionário do departamento comercial. Em 2013, a estimativa é que o faturamento da Axado chegue a 10 milhões de reais.


Fevereiro 2013 | Exame pme | 33


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Networking

construa uma boa rede de contatos Álvaro Viana

Alta Geotecnia — Rio de Janeiro, RJ

→ Presta serviços de medição de riscos ambientais para obras de infraestrutura O que fez Pediu a colegas de mestrado para ser apresentado a clientes

Q

uando fundou a Alta Geotecnia, em 2010, o engenheiro Álvaro Viana, de 33 anos, enfrentou um dilema comum a empreendedores que acabam de montar o primeiro negócio com pouco dinheiro — para gerar receitas é preciso ter clientes, mas para ter clientes é preciso investir em marketing e prospecção. “Comecei a ligar para todo mundo que conhecia para apresentar a empresa”, diz Viana. Nos dois primeiros anos, cerca de 90% dos clientes vieram por indicação de conhecidos. “No primeiro ano, o único investimento em mar­ ke­­ting que pude fazer foi montar um site”, diz Viana. “A Alta só se tornou viável por causa de minhas amizades.” A Alta presta serviços de análise de riscos ambientais em obras de infraestrutura, como construção de pontes, estradas e abertura de túneis. A maioria dos contatos para os quais Viana ligou era de ex-colegas da Lupatech — fabricante de equipamentos para o setor de petróleo e gás, onde ele havia trabalhado anteriormente — e do mestrado em geotecnia, que ele cursara na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

34 | Exame pme | Fevereiro 2013

O contrato mais importante fechado no primeiro ano foi a indicação de uma colega de mestrado de Viana. “Ela conhecia o nosso trabalho e indicou a Alta para o consórcio de uma obra que representou 70% de nosso faturamento”, diz Viana. A Alta ficou responsável pela análise dos riscos ambientais da construção de um duto para escoar o minério de ferro extraído pelo Grupo Votorantim, em Minas Gerais, para o porto de Ilhéus, na Bahia. “Se não fosse por essa indicação, dificilmente conseguiríamos participar de um projeto tão grande com tão pouco tempo de vida empresarial”, diz Viana. Qual é a diferença entre ser apresentado a um potencial cliente e bater em sua porta por conta própria? “Presume-se que o interlocutor conheça as partes o bastante para saber o que uma delas pode oferecer à outra”, diz Cássio Spina, diretor da Anjos do Brasil, associação que reúne investidores em empresas nascentes. Outro princípio do net­ working é que a empresa indicada vem com uma espécie de certificado por parte de quem indica. “Quem me faz sugestões já costuma apontar os pontos fortes e os fracos da empresa indicada”, diz Spina.

O CONCEITO Uma boa agenda é útil para todo mundo, mas para um empreendedor é absolutamente indispensável. Como uma empresa pequena ou média não tem tantos recursos quanto uma grande, é preciso contar com a ajuda de outras pessoas. “Você pode não ter uma informação importante para seu negócio, mas precisa ter um conhecido que é colega de um amigo que sabe quem tem”, diz Spina. “Num mundo em que todos estão cada vez mais interligados, não há desculpa para um empreendedor não construir seu networking.”

Como Aplicar Procure um grupo de empreendedores que estejam dispostos a compartilhar seus contatos — recentemente, surgiram diversos em várias regiões do país. Nos encontros, eles conversam sobre ideias e desafios com o intuito de conhecer pessoas que os ajudem com conselhos, parcerias ou capital. Participe de palestras e cursos — muita gente vai nesses eventos apenas para conhecer em­ preen­dedores interessantes. Tome um cuidado: uma rede de contatos numerosa não se traduz, necessariamente, numa agenda útil — seus contatos são bons quando os contatos deles são influentes. “Uma rede qualificada pressupõe diversidade e convivência”, diz Spina. “Do contrário, é só uma lista.”


Marcelo Correa


RAPHAEL GUNTHER

CAPA Gest達o


Pessoas

incentive OS FUNCIONÁRIOS A TOMAR DECISÕES DANIEL Scandian

MadeiraMadeira — Curitiba, PR

→ Vende material de construção pela internet O que fez Definiu critérios para que os funcionários tomem decisões sozinhos

A

central telefônica de atendimento é uma área estratégica para a paranaense MadeiraMadeira, loja online de material de construção e acabamento. “Cerca de 60% dos clientes só fecham a compra depois de tirar dúvidas com a gente”, diz Daniel Scandian, de 33 anos, sócio da empresa. Fundada em 2009, a MadeiraMadeira cresceu muito depressa — em 2012, estima-se que o faturamento tenha ultrapassado 30 milhões de reais. As dificuldades comuns no comércio eletrônico vieram com o crescimento. O cliente pode não receber a mercadoria porque ela foi roubada no meio do caminho. Também não é incomum chegar algo diferente do que ele pediu — ou acha que pediu. Quando isso acontece na MadeiraMadeira, o cliente liga para a central de atendimento para tentar resolver seu problema. A solução frequentemente depende de alguém tomar uma decisão que pode acarretar custos extras — como uma taxa de urgência para enviar uma remessa ao cliente que está com a obra parada. “Antes, eu me envolvia com a história de cada consumidor”, diz Scandian. “Coisas que só eu podia fazer, como contratar executivos, ficavam atrasadas.” Scandian montou um processo que dá mais autonomia aos funcionários na hora de tomar decisões. Os atendentes podem resolver problemas que envolvam até 1 000 reais. Acima disso, eles devem consultar o gerente, que tem autorização para assinar gastos de até 6 000 reais. Se o valor for mais elevado, o caso vai parar na mesa do diretor da central de atendimento. “Eu só tenho de arbitrar sobre despesas maiores que 8 000 reais”, diz Scandian. “Conseguimos resolver 90% das reclamações no mesmo dia.” Está dando tão

certo que Scandian adaptou o processo para todas as áreas da MadeiraMadeira — e amarrou tudo com um programa de bônus e participação nos resultados. “Os funcionários que demonstram capacidade para tomar boas­decisões podem ser promovidos ou até mesmo vir a ser sócios com o tempo”, diz ele.

O CONCEITO Delegar é uma das coisas mais difíceis — como evitar que tudo fique parado e, ao mesmo tempo, ter alguma certeza de que as pessoas estão tomando as melhores decisões possíveis? “É preciso um processo que distribua responsabilidades e poderes ao longo da hierarquia”, diz Aníbal Messa, diretor da Temasek Holdings, que investe em startups. “Apenas os casos muito específicos devem chegar à mesa do empreendedor, para que ele possa cuidar dos rumos da empresa.”

Como Aplicar O primeiro passo é identificar, entre os aspectos mais sensíveis do negócio, aqueles que requerem algum tipo de decisão. Depois, montar um sistema que defina responsabilidades e limites para cada cargo. Um exemplo hipotético: o dono de uma rede de locadoras pode dar autonomia aos gerentes de loja para que comprem por mês até dez cópias de um mesmo título sem precisar de uma autorização do departamento de compras — desde que o filme esteja entre os dez mais procurados. Se os graus de autonomia para os cargos estiverem corretos, a empresa não vai virar uma bagunça nem ficar engessada demais. “O processo de decisão precisa ser revisto periodicamente para acompanhar o desenvolvimento da empresa”, diz Messa. Fevereiro 2013 | Exame pme | 37


CAPA Gestão

Não tenha medo de errar

A gestora de um fundo do Vale do Silício diz que o aprendizado do empreendedor depende de cometer uma série de falhas

A

brasileira Bedy Yang, de 34 anos, faz parte da americana 500 Startups, um misto de aceleradora de empresas e fundo

de investimento, que aplica de 50 000 a 250 000 dólares em start­ups de vários países, incluindo o Brasil. Parte do trabalho de Bedy é intermediar os contatos entre investidores americanos e empreendedores brasileiros. Nos últimos três anos, a companhia já investiu em oito startups no Brasil. Fundada por Dave McClure, investidor-anjo que já trabalhou em empresas como Intel, Microsoft e Facebook, a 500 Startups é considerada uma das aceleradoras mais ativas do Vale do Silício. De seu escritório em Mountain View, na Califórnia, Bedy concedeu a seguinte entrevista a Exame PME.

EXAME PME Como as empresas do Vale do Silício enfrentam o dilema de crescer sem perder as vantagens dos pequenos negócios, como agilidade e flexibilidade?

BEDY YANG Quando o negócio cresce, é inevitável ter de estruturar processos e hierarquias. Senão, perde-se o controle. Por outro lado, a empresa fica mais engessada. Por isso, cada vez que se cogitar a criação de um novo controle, cabe ao empreendedor e seus

38 | Exame pme | Fevereiro 2013

sócios questionarem: é imprescindível? Vale a pena? Qual o número mínimo de funcionários e de investimento que esse controle precisa para funcionar bem? Pode até ser que o novo processo seja aparentemente sensato e barato de manter. Mas o tempo que se perde tentando administrá-lo pode consumir uma energia preciosa. Além disso, é preciso verificar, periodicamente, se os processos já criados ainda fazem sentido e eliminar aqueles que não funcionam tão bem.

No Vale do Silício não se incentiva que o plano de um novo negócio seja detalhado demais. Por quê?

Os empreendedores muitas vezes confundem plano de negócios com livro de receitas e não entendem que ele é apenas uma coleção de hipóteses não comprovadas. Só é possível planejar e prever muitos detalhes quanto existe um longo histórico de operação. Quando se está lançando uma empresa, uma unidade de negócios ou uma linha de produtos que se propõe a ser diferente dos padrões preexistentes, tudo é muito incerto. Nesses casos, a recomendação é colocar logo o produto para ser testado no mercado. Quantos clientes em potencial são necessários para testar um produto?

A maioria dos produtos não precisa ser testada por tantas pessoas quanto se imagina. Alguns acham que dez é pouco para uma amostra. Mas, se todas as dez recusarem o produto logo de cara, por que não é suficiente para os primeiros experimentos? Se você quiser 100, 1 000 ou 1 milhão de pessoas, terá primeiro que começar juntando dez.


SUA EMPRESA está engessada?

Responda ao teste e descubra se sua gestão permite a agilidade e a flexibilidade de uma startup ou se está mais para a rigidez de uma corporação relação a decisões do dia 1qualEm a dia e que demandam rapidez, situação se aproxima mais

O que vocês recomendam a empreen­­­de­do­­res que têm medo de errar?

Não se pode ter medo de errar, pois errar é inerente ao aprendizado. Os investidores ame­ricanos entendem que o sucesso vem após uma série de falhas. Uma boa ideia executada por gente ruim pode não dar em nada, mas uma ideia ruim nas mãos de bons profissionais pode ser um ponto de partida para algo novo e melhor. Por isso, o empreen­ dedor não precisa se envergonhar por ter conduzido um projeto que não deu certo. Como isso funciona no Brasil?

No Brasil, ainda se comenta muito sobre o sucesso das empresas e pouco sobre os erros e as lições aprendidas em suas trajetórias. Seria interessante que os empreendedores brasileiros viessem mais a público para dizer onde erraram e por que erraram. Nos Estados Unidos, existe até um evento para isso, o FailCon. É um espaço em que empreendedores bem-sucedidos contam suas histórias de fracasso para inspirar os mais jovens. Mas simplesmente abraçar os erros seria tão estúpido quanto ignorá-los. Há um jeito de controlar as falhas?

O desafio de quem tenta usar os erros a seu favor é impedir que um passo em falso contamine o restante do negócio ou ponha a empresa em dificuldades ainda maiores. Por mais contraditório que possa parecer, existe um jeito certo de errar. Aqui no Vale do Silício se ouve muito a expressão “fail fast” (falhar rapidamente). O mais importante desse conceito é o empreendedor saber quando é hora de abandonar uma ideia e seguir adiante. Para isso, é preciso estabelecer métricas e prazos para alcançá-las. Não deu certo dentro do prazo estipulado? Parta logo para outra, em vez de teimar contra a realidade.

da realidade de seu negócio? | A | As decisões são tomadas por um grupo de funcionários que se reúnem periodicamente | B | Os gestores têm autonomia total, ainda que isso implique, às vezes, decisões erradas | C | Prefiro que todas as decisões e as assinaturas de contratos passem por minha autorização

Como você incentiva os 2 funcionários a cumprir metas? | A | O cumprimento de metas

é levado em consideração para futuras promoções de cargo | B | Ofereço participação nos lucros, comissões ou bônus a quem atinge ou supera os objetivos | C | Os funcionários que se destacam podem se tornar sócios Em média, quanto tempo 3 demora cada reunião? | A | Até 30 minutos | B | De 30 minutos a 1 hora | C | Mais de 1 hora

De que modo você fica 4 sabendo das necessidades e reclamações dos clientes?

| A | Monitoro todos os contatos com os clientes e faço visitas àqueles mais importantes | B | Uma vez por mês, em média, peço um relatório consolidado de todos os contatos feitos por eles | C | Peço aos chefes para me informarem apenas dos casos que julguarem necessários Ao pensar no crescimento 5 da empresa, com qual destas situações você se identifica mais?

| A | Prefiro ter uma pequena parte de um negócio maior a ter a maior parte de um negócio menor | B | Não cogito vender nenhuma parte da empresa para um investidor e quero deixá-la para os meus filhos | C | Aceito sócios com habilidades complementares à minha, desde que eu mantenha o controle

Quanto tempo dura o intervalo 6 entre o lançamento de novos modelos ou novas versões de seus produtos e serviços? | A | De um a dois meses | B | De três a quatro meses | C | Mais de quatro meses

Como você acompanha 7 os indicadores financeiros da empresa?

| A | Verifico o fluxo de caixa (contas a pagar e a receber) todos os dias | B | Acompanho todas as métricas do negócio por meio de relatórios impressos periodicamente | C | Acompanho quase todas as métricas com sistemas que mostram as informações em tempo real

PONTOS

Some os pontos de acordo com as alternativas assinaladas 1 2 3 4 5 6 7 | A | 2 1 3 3 3 3 1 | B | 3 2 2 2 1 2 2 | C | 1 3 1 1 2 1 3

RESULTADO até 11 pontos A administração parece centralizada demais em você. É necessário correr um pouco mais de riscos e delegar parte da decisões — ou será difícil o negócio tomar o impulso necessário e crescer em todo o seu potencial. de 12 a 16 pontos Os funcionários têm autonomia para resolver pequenos problemas e propor ideias. No entanto, sem sua presença eles parecem ter pouca liberdade para fechar negócios ou tomar decisões importantes. A partir de 17 pontos Você parece aplicar os métodos de gestão de uma startup — o que deve ajudar a deixar os funcionários mais preparados para reagir rapidamente à concorrência. Agora, prepare-os para que eles tomem decisões cada vez mais acertadas.

Fontes Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil; Edson Rigonatti, diretor da Astella Investimentos; e Diogo Dutra, sócio da consultoria Grupo S1m

Fevereiro 2013 | Exame pme | 39


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