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“já tive muitas crises”
Na Grécia, berço da civilização e atualmente mergulhada em problemas econômicos, Paulo Coelho fala de amor, superação e filosofia Por nelson liano jr. Fotos sergio zalis
Aos pés do Templo de Hefesto, nas ruínas de Ágora, Paulo Coelho reflete sobre os caminhos da humanidade
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tenas, março. O inverno está terminando. O tradicional céu azul mediterrâneo dá lugar às últimas sombras invernais em tons cinzas que precedem a primavera europeia. É nesse clima que o autor brasi-
leiro mais famoso do mundo chega à capital grega vindo de Genebra, na Suíça, onde reside, para receber uma centena de privilegiados amigos dos mais distintos lugares do mundo para a celebração do Dia de São José. Uma festa que Paulo Coelho, 65, realiza há 27 anos. Paulo se viu especialmente inspirado e influenciado pela atmosfera de Atenas, cidade repleta de mitos divinos e histórias filosóficas que serviram de arquétipos para o desenvolvimento social da humanidade. Nos três dias em que permaneceu na capital, o escritor fez referências aos acontecimentos milenares da mitologia grega entre seus amigos e em entrevistas que concedeu.
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Paulo Coelho
Paulo Coelho posa com o Panteão grego ao fundo
“A Grécia tem um lugar especial no meu coração. Admiro muito esta cultura, berço da civilização e do conhecimento” Para o escritor brasileiro, a viagem – que acontece tanto no plano interior quanto no exterior – abre as portas para o autoconhecimento e a superação dos problemas cotidianos. Para ilustrar o que pensa, Paulo cita A Odisseia, de Ulysses, em sua épica viagem de retorno à Ilha de Ítaca, onde sua amada Penélope o esperava fiando e desfiando
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uma tapeçaria. Mas o autor prefere explicar o mito de Ulysses por meio do poema do escritor grego contemporâneo Constantino Kaváfis: Se partires um dia rumo à Ítaca, faça votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras, repleto de saber. Nem monstros, nem ciclopes, nem o coléri-
O escritor na entrada do Odeon de Herodes Ático, um antigo anfiteatro ao sul da Acrópole
co Poseidon te intimidem... Se achas que a ilha de Ítaca é pobre. Tu te tornaste sábio, um homem de experiência. E, agora, sabes o que significa a busca e o retorno. “Esse poema resume vários aspectos importantes das nossas vidas. A sua simbologia está em várias obras literárias. Como no meu livro O Alquimista, por exemplo, em que o personagem empreende uma busca e acaba encontrando o tesouro no seu retorno. É a experiência gerada pela viagem o maior tesouro. Cada um tem a própria viagem, um caminho a percorrer. Cada um de nós tem seus monstros e seus ciclopes dentro da alma para vencer. Assim, muitos amigos vieram à Grécia para a minha festa, e o caminho é muito longo até aqui. Mas, no retorno a Ítaca de cada um, existe o conhecimento do contato com essa cultura milenar fantástica”, explicou Paulo ao falar sobre a escolha de Atenas para a comemoração.
O cenário da celebração O 19 de março, Dia de São José, quase coincidiu com o fim do Carnaval grego neste ano, que terminou na segundafeira (18), feriado nacional, conhecido como Dia da Purificação. Os restaurantes ainda estavam decorados com alegorias e as pessoas caminhavam pelas ruas de Atenas fantasiadas. Na Grécia, a festa dura três semanas, mas está longe da mobilização que acontece no Brasil. As manifestações acontecem sutilmente em meio ao cotidiano de trabalho. Paulo visitou as principais atrações históricas do lugar acompanhado de amigos e fãs de diferentes países. “A Grécia tem um lugar especial no meu coração. Admiro muito essa cultura, berço da civilização e do conhecimento. As pessoas esquecem que o povo grego tem uma história profunda, que transcende este momento de crise econômi-
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Paulo Coelho
Um Evzone, membro da guarda presidencial grega, com a tradicional saia chamada fustanela
Moças fantasiadas pelas ruas de Atenas, durante o Carnaval grego, que dura três semanas
ca. Então, realizando a festa que homenageia meu santo padroeiro aqui, encontrei uma maneira para falar bem do país” explicou o escritor.
Vencendo a crise Indagado se seus livros podem ajudar os europeus a superar a crise econômica, Paulo pondera: “Não sei se meus livros têm alguma mensagem. Eu escrevo para refletir sobre minha alma. Em uma crise, as pessoas enfrentam a si próprias. As crises não são só exteriores. Eu mesmo já tive muitas crises. Mas neste momento é preciso se indagar como vencer os obstáculos. Na realidade, as crises despertam uma coisa fundamental no ser humano, a criatividade. As pessoas passam a ser mais criativas para se fortalecer e sobreviver”.
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“As crises despertam uma coisa fundamental no ser humano, a criatividade. As pessoas passam a ser mais criativas para se fortalecer e sobreviver”, acredita o escritor
“Não sei se meus livros têm alguma mensagem. escrevo para refletir sobre a minha alma. Em uma crise, as pessoas enfrentam a si próprias”
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Paulo Coelho
“Pode-se fazer tudo e conquistar todas as coisas, Mas sem o amor não há vitória. Ele é a coisa mais importante da vida” tavam que haviam deuses desconhecidos que se misturavam às pessoas. Espertamente, São Paulo disse que o Deus do qual falava era justamente o Desconhecido. E assim conquistou vários fiéis”, contou o escritor.
O berço da democracia
Paulo caminha pela Acrópole. No alto, o Templo de Atena Nike
Há dois anos, o autor viveu um momento difícil em sua vida ao descobrir que tinha problemas cardíacos e precisou fazer uma cirurgia para colocar dois stents. “Tinha consciência de que poderia morrer. Mas o que queria saber era se eu morreria bem. Sempre combati o bom combate e mantive a fé, uma frase que foi dita por São Paulo naquelas pedras que estão ali, próximas à Acrópole. A maior lição que a gente recebe em situações extremas é manter-se no seu caminho.”
No caminho dos deuses Ao visitar a Acrópole, um dos monumentos mais antigos da humanidade, construída em honra à deusa Atena, o escritor refletiu sobre os primeiros passos do cristianismo. “A primeira vez que chegou a Atenas falando de um único Deus, São Paulo foi expulso pelos gregos. Mas retornou anos depois e utilizou a mitologia grega para passar sua mensagem. Além do panteão divino, os gregos acredi-
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Desde os tempos em que ainda viajava como hippie pelo mundo, Paulo esteve muitas vezes na Grécia. Ao caminhar pelas ruínas de Ágora, no sopé da colina onde está a Acrópole, ele se emociona. “A verdadeira filosofia acontecia aqui em Atenas há milênios: as pessoas se reuniam nesta Praça de Ágora para debater os problemas da vida. Desses diálogos nasceu a filosofia, a sociologia e, o mais importante, a democracia, que ainda é o sistema político mais avançado que temos no planeta”, refletiu. Mas o autor faz uma ressalva: “O medo, a ansiedade, a necessidade de estar numa zona de conforto são questões que incomodam as pessoas no mundo moderno. Eu faço indagações a mim mesmo sobre esses temas. Procuro respostas de como encontrar o caminho para fazer as transformações necessárias. É sobre isso que escrevo.” Nessa dinâmica reflexiva entre a filosofia, a experiência humana e o cotidiano, Paulo cita um frase do pensador grego Heraclito de Éfeso: Ninguém pisa duas vezes no mesmo rio. “Isso mostra que tudo está em transformação.” Também há um outro aspecto da milenar cultura grega que Paulo utilizou em seu livro Onze Minutos: Eros, Filos e Ágape. Três conceitos relacionados ao amor. “Pode-se fazer tudo e conquistar todas as coisas. Mas sem o amor não há vitória. Os gregos criaram um conceito completo sobre a coisa mais importante da vida que é o amor. Eros, o amor físico, Filos, o conhecimento, e Ágape o amor puro e transcendental, como o de Jesus em sua jornada para iluminar a humanidade.”