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quadrinho Conheça a história de Mahommah Baquaqua, a primeira autobiografia de um africano escravizado no Brasil. Publicado em 1854, nos EUA, o relato – que só agora está sendo traduzido para o português – foi peça-chave para conquistar apoiadores para a campanha abolicionista americana.

O que levava um africano a ser escravizado no século 19? Ser o elo mais fraco numa guerra tribal, cometer um ato criminoso (a punição era a escravidão) ou mesmo azar, se fosse pego por engano... Baquaqua foi capturado por volta de 1830 no seu país natal, o Benim. Enviado ao litoral, conheceu um dos monstros de seu tempo: o navio negreiro.

Arte DW Ribatski Reportagem Marcel Verrumo Design Inara Negrão Edição Tiago Jokura

Ainda não sei onde vivi o inferno de meus últimos dias na África.

Sentíamos cheiro de carne queimada.

Fontes Historiadores Paul Lovejoy, da Universidade de York, Canadá, Bruno Véras, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Marcus Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Nielson Bezerra, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Consultoria Paul Lovejoy, da Universidade de York, Canadá, e Bruno Véras, da Universidade Federal da Bahia.

54 super novembro 2015


quadrinho Conheça a história de Mahommah Baquaqua, a primeira autobiografia de um africano escravizado no Brasil. Publicado em 1854, nos EUA, o relato – que só agora está sendo traduzido para o português – foi peça-chave para conquistar apoiadores para a campanha abolicionista americana.

O que levava um africano a ser escravizado no século 19? Ser o elo mais fraco numa guerra tribal, cometer um ato criminoso (a punição era a escravidão) ou mesmo azar, se fosse pego por engano... Baquaqua foi capturado por volta de 1830 no seu país natal, o Benim. Enviado ao litoral, conheceu um dos monstros de seu tempo: o navio negreiro.

Arte DW Ribatski Reportagem Marcel Verrumo Design Inara Negrão Edição Tiago Jokura

Ainda não sei onde vivi o inferno de meus últimos dias na África.

Sentíamos cheiro de carne queimada.

Fontes Historiadores Paul Lovejoy, da Universidade de York, Canadá, Bruno Véras, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Marcus Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Nielson Bezerra, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Consultoria Paul Lovejoy, da Universidade de York, Canadá, e Bruno Véras, da Universidade Federal da Bahia.

54 super novembro 2015


Um a um, ele nos marcou como se fôssemos tampas de barris...

... e nos levou para o desconhecido.

Vi um navio e julguei ser um objeto de adoração do homem branco. Pensei que morreríamos ali mesmo.

Havia escravos de todas as partes do continente.

Desolado, desejei que o chão se abrisse diante de nossos pés e me lembrei de como era ser livre antes de parar ali.


Sou da cidade de Djougou, no Benim, por onde caravanas em busca de especiarias passavam.

Cresci no seio de uma família muçulmana. Quando adolescente, levei grãos ao nosso povo que lutava no front contra tribos inimigas.

Foi a primeira vez que fui preso e escravizado. mas fugi graças ao apoio de meu irmão.

Não tive a mesma sorte quando tentei furtar bebidas em Djougou... e Fui trazido como escravo até o Brasil.

Atravessamos o oceano comendo apenas espigas de milho cozidas…

No navio, Noite e dia eram iguais para nós. Ficamos desesperados com o sofrimento e a fadiga.

... e passando fome quando elas começaram a faltar.


Alguns foram jogados no mar antes de exalarem o último suspiro. O mesmo destino teve quem se rebelou devido à sede, doença ou angústia.

Já tínhamos perdido a noção do tempo quando chegamos a Pernambuco, no Brasil…

A escravidão de Baquaqua foi um processo ilegal. Em 1831, o regente Feijó – membro do governo provisório formado quando Dom Pedro 1º abdicou do trono – assinou uma lei instituindo que escravos trazidos ao Brasil a partir de então estariam livres. Baquaqua seria um deles, mas, para driblar a lei, foi desembarcado clandestinamente em uma região escondida de Pernambuco.

...e basta um navio negreiro aportar para a notícia espalhar-se como um rastilho de pólvora.

Há negros fortes para o trabalho na lavoura.

Preciso de uma negra que fale português e saiba cozinhar. Como eu era forte e aprendi a falar português no navio, logo fui comprado.

novembro 2015 super 57


Me puseram no trabalho pesado, a que ninguém era submetido a não ser cavalos e escravos.

Quando melhorei meu Português, comecei a vender pão na rua.

Se vendia tudo, meu senhor não reconhecia meu esforço. Se sobrava mercadoria, era açoitado.

Desiludido, um dia desviei o dinheiro do pão. Fui descoberto e apanhei mais ainda.


Esta é a última vez que vais me açoitar!

e fiquei com tanta raiva que me veio à cabeça a ideia de matá-lo.

Por fim, resolvi me afogar. Preferia morrer do que viver sendo escravo.

Isso me fez pensar que Deus ainda tinha planos guardados para mim.

Falhei.

Passado este dia, fui vendido a um senhor do Rio de Janeiro.

Vocês irão acompanhar a carga.

Um mercador contratou meus serviços para levar café para Nova York, nos EUA.

foi minha esperança. ouvi dizer que lá não tinha mais escravidão.


Na manhã de nossa partida, os ventos eram favoráveis à nossa ida e, no fundo, eu já me sentia livre.

Ainda No barco, um homem que falava inglês nos ensinava algumas palavras...

...e dizia que deveríamos fugir na primeira oportunidade.

Mas, quando aportamos, a polícia interveio e nem deixou que nosso senhor continuasse conosco...

Todos esses homens estão livres.

Mas eles são minha propriedade!


em nova york, já não existia mesmo escravidão. enquanto membros da prefeitura preparavam nosso julgamento, ficamos presos.

na prisão, fiz amigos americanos. eles diziam que dificilmente escaparíamos, porque os donos de escravos eram homens poderosos...

...e traçaram um plano para eu fugir dali de vez.

Livre, Baquaqua foi para Massachusetts e, depois, para o Haiti, onde ficou dois anos e conquistou legalmente a liberdade. De volta aos EUA, em 1854, publicou sua história para obter apoio na luta abolicionista. Suas últimas correspondências indicavam o sonho de retornar à África, mas não há registros de que tenha conseguido realizá-lo.

fim novembro 2015 super 61


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