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Em um mês, reviramos a imensa Délhi, dormimos nos hotéis-palácios do Rajastão, percorremos os centros espirituais, conferimos os lindos cartões-postais. Acompanhe a nossa jornada por diferentes facetas de um dos países mais intensos e excitantes do mundo Por laura capanema Ilustrações DANIEL ALMEIDA Arte ana claudia crispim e ricardo marques


FOTO: Šgodong/keystone

Barba espessa e turbante colorido: muito prazer, senhor sikh


Em um mês, reviramos a imensa Délhi, dormimos nos hotéis-palácios do Rajastão, percorremos os centros espirituais, conferimos os lindos cartões-postais. Acompanhe a nossa jornada por diferentes facetas de um dos países mais intensos e excitantes do mundo Por laura capanema Ilustrações DANIEL ALMEIDA Arte ana claudia crispim e ricardo marques


Os 330 milhões de deuses podem ser azuis, ter oito braços, andar sobre leões, meditar na posição de lótus...

FOTO: taka/keystone

Índia


FOTO: dinodia/keystone

Vida boa de gado: a vaca ĂŠ sagradĂ­ssima, e ai de quem ousar mexer com ela


Índia

A nação que é a “mãe da história, avó da lenda e bisavó da tradição”, como descreveu o escritor americano Mark Twain, caminha sozinha desde que cortou o cordão umbilical britânico, em 1947. Um caldeirão com 1,2 bilhão de pessoas e 16 idiomas oficiais. E dá-lhe contradições: a maior democracia do mundo divide-se em milhares de castas, é milionária e miserável, tem gurus espiritualizados e materialistas, aeroportos moderníssimos e estradas caindo aos pedaços. Eles inventaram o Kama Sutra, mas proíbem o sexo no cinema, e têm mais celulares nas mãos do que banheiros em casa. Dona de uma sabedoria sedutora, cada vez mais solicitada por nós, ocidentais, a Índia já é o destino de wellness travel, ou “turismo de bem-estar”, que mais cresce no planeta, a 22% por ano. Para traduzir as mais belas experiências indianas, traçamos um roteiro que começou na capital, Délhi. Passou pelo Rajastão e seus deslumbrantes hotéis-palácios. Deu uma olhada nos centros de espiritualidade, os ashrams. E terminou na rota dos cartões-postais clássicos, como o todo-poderoso Taj Mahal e a desconcertante Varanasi. Saímos da viagem com a conclusão: a Índia é para ver não só de olhos bem abertos, mas arregalados. Ela testa a sua paciência e te ensina a tolerância. Dói, aperta, desparafusa. Mas visitá-la é ter a rara oportunidade de fazer uma viagem no tempo, de explorar uma das poucas culturas ancestrais a sobreviver. Namastê!


A complexa, intensa e megalomaníaca capital do país Rajastão: o estado colorido, cheio de palácios de marajás

A capital da ioga no planeta. O melhor lugar para relaxar

Parada mais do que obrigatória para conhecer o Taj Mahal

Espetáculos diários de fervor religioso à beira do rio Ganges

Sexo na parede é aqui: os famosos Templos do Kama Sutra

Aqui está o ashram da Amma, a famosa “guru do abraço”


Índia – délhi

Tudo começa na caótica, intensa e megalomaníaca capital do país. Bem-vindos a Délhi, a Grande

A

principal porta de entrada da Índia é um microcosmo perfeitinho do país. Bazares medievais e antigas fortalezas convivem com shoppings e prédios moderninhos. Ali vivem mulheres cobertas por panos coloridos, homens de barbas longas, jovens que estudam computação e falam “hey babe” com um turbante na cabeça – ou com um piercing bem dourado no nariz. A capital abriga todas as embaixadas e, embora receba muitos estrangeiros, não é uma cidade megacosmopolita, como Londres ou Hong Kong. Délhi é muito indiana. E, por estar no norte do país, a um “pulo” de quatro horas dos principais destinões (Agra, onde fica o Taj Mahal, e Jaipur, a capital do Rajastão), é pouco valorizada pelos turistas, que, sedentos pela Incredible India do interior, passam por ela correndo, quase raspando. Quer um conselho? Reserve pelo menos três dias para desbravar a artéria mais importante do país. Primeiro é preciso saber que são duas metades: a Velha Délhi, que guarda as heranças dos impérios pré-coloniais, e a Nova Délhi, onde os ingleses construíram, nas imediações da estrutura

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antiga, avenidas largas e ruas arborizadas. Esse segundo pedaço, meio britânico, meio hindu, surgiu em 1911 para substituir a antiga capital colonial, Calcutá, e segue como centro político da Índia independente e democrática. Na teoria, essas duas fatias juntas formam um bolo ciclópico de 16,7 milhões de pessoas. Na prática, é impossível dissociá-las, até mesmo geograficamente – não há fronteiras entre elas. É melhor então enxergar tudo como uma coisa só: ela é Délhi, a Grande. Além de ser um emaranhado de vias expressas interligadas a um bololô de becos milenares (ou seja, pouco convidativa para os pedestres), a metrópole tem atrações bem espalhadas. Dificilmente se traça um roteiro de exploração bairro a bairro. As grandes relíquias estão no norte e no sul, e os museus, no Centro. As compras? Em toda parte. E é assim que a coisa funciona. Por isso, explore o metrô, que tem boa cobertura, ou vá de autoriquixá (o carrinho, também batizado de tuk tuk, é um clássico do Sudeste Asiático). Táxi também é uma boa, e muita gente contrata um motorista para rodar o dia todo por uns US$ 25. E o trânsito? Ah, o trânsito... Aquele fluxo hipnotizante de veículos que seguem por todas as direções, no qual a lei máxima é sentar a mão na buzina. Abstraia os ruídos e as famílias de seis pessoas que dividem a mesma moto. E se jogue. A experiência é surreal. Duas regiões podem ser transcritas como as clássicas da hospedagem: Connaught Place, um círculo de lojas bem no centro do mapa, que guarda nos arredores hotéis chiquetês (reserve pela internet; há descontos generosos), e o bairro de Paharganj, ao norte, próximo da linha de trem, uma espécie de camelódromo barulhento e onde está a


FOTO: taka/keystone

Um clique milenar entre as colunas do Forte Vermelho


Índia – délhi

©2 Délhi também tem Bollywood nas paredes

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Tumba de Humayun, jeito de Taj ©4

O modernaço Templo de Lótus

Lojinha do Hauz Khaz Village ©5

Ô, abre alas que todo mundo quer passar

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O portão milenar do Qutb Minar, uma relíquia


FOTOs: ©1 CHRISTIAN GOUPI/keystone, ©2 JEREMY HORNER/CORBIS, ©3 SANJIT DAS/GETTY IMAGES, ©4 TAKA/KEYSTONE, ©5 AFP/GETTY IMAGES, ©6 DINODIA/KEYSTONE

maioria dos hostels. A avenida principal é a Rajpath, a Champs-Elysées local, que não tem lojas, mas um clone do Arco do Triunfo, o Portão da Índia (só os vendedores de vidrinhos de bolhas de sabão por ali valem a visita). O traçado de mais de 3 quilômetros, com gramado dos dois lados, termina no Palácio Presidencial. O edifício é um espólio dos britânicos, que investiram em “arquitetura inglesa clássica com motivos indianos”, como foi pedido ao arquitetão Edwin Lutyens, autor não só do edifício, mas do projeto de uma Nova Délhi inteira, empreitada que custou duas décadas para sair, o que fez Mahatma Gandhi, o herói de bengala da independência, chamá-la de “elefante branco”. Ali perto está a casa onde ele passou seus últimos 144 dias, antes de ser assassinado por um hinduísta fanático, em 1948.

330 milhões de deuses

Se a magnificência de uma cidade milenar se traduz por sua herança, é bom saber que aqui a maioria dos prédios tem estilo islâmico – leia-se colunas, arcos e cúpulas proeminentes –, legado dos antigos impérios muçulmanos. O monumento mais famoso, a Tumba de Humayun, reabriu em 2013 após cinco anos de reformas. Com arcos de arenito vermelho e jardins luxuriantes, foi construída em 1565 para abrigar o corpo do segundo imperador mogol, dinastia que regeu o norte da Índia entre os séculos 16 e 17. Serviu de inspiração para o Taj Mahal, que seria erguido quase 100 anos depois. Outra relíquia é o Qutb Minar, o mais alto minarete “único” do mundo, que tem ao lado a Quwwat-ul-Islam, mesquita construída com pedras de 27 templos hindus demolidos. Só que os pedreiros não ti-

nham o menor conhecimento de arquitetura islâmica. Imagina o resultado... Pois é, os templos hindus. Perto de tanta herança árabe, eles até parecem estrangeiros em casa. Antes de tirar os sapatos, é bom entender-se com o hinduísmo, a religião que dita as regras para 80,5% da população. São 330 milhões – sim, milhões – de deuses. Como dizia Sri Ramakrishna, um guru do século 19, “na Índia existem tantos deuses quanto os números de devotos”. O escritor inglês Geoff Dyer definiu o hinduísmo como a Disney das religiões, a única que tem divindades azuis com muitos braços, para não citar os que são mezzo animais, como Ganesha, o homem-elefante. Mas se familiarizar com o panteão hindu é fundamental, já que eles são onipresentes em estátuas, adesivos de carro, calendários de parede. É normal se estabanar e achá-los muito parecidos. (Dica: baixe o aplicativo Indian Gods para colar a qualquer hora.) Depois siga para o modernete Templo de Lótus, que ganhou prêmios de arquitetura por seu edifício que lembra a Opera House de Sydney. É lindo por fora, mas bem sem graça por dentro. Quem viaja com crianças deve chegar até o Akshardham, um parque temático high-tech, só que focado na espiritualidade e na cultura do país. Uma Disneylândia hindu de verdade. Mas o templo que mais me marcou não é hindu – é sikh, a religião dos barbudos que não vivem sem turbante (se o atendente do seu hotel for sikh, ele combinará a touca com o uniforme). Seus santuários são famosos por servir refeições gratuitas em quantidades generosas. Em Délhi, o templo fica perto do Connaught Place e é reconhecível de longe por sua enorme cúpula dourada. “É para mostrar onde tem comida”, disse-me um devoto de turbante azul-

ESTOU NO PARAÍSO? Não. A Índia pede jogo de cintura. Os serviços são lentos, a energia elétrica cai, os trens atrasam. Para evitar transtornos, muita gente vai de excursão, mas dá para se virar por conta própria, sim. Para usar o metrô (delhimetrorail.com), compre o cartão que dá três dias de viagens ilimitadas (US$ 5). A Délhi Tourism (delhitourism.gov.in) tem um city tour (US$ 1,50) em ônibus que saem diariamente de Connaught Place. qual é a língua? São 16 idiomas e centenas de dialetos (dizem que a cada 100 quilômetros percorridos a língua muda). O híndi, derivado do alfabeto sânscrito, é maioria (41%). Sim, fala-se inglês, só que nem tanto – a língua dos colonizadores é apenas para quem pode estudar.

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para comer “O Khan Market, um centro de lojas sofisticadas, tem também restaurantes incríveis. Prove as pizzas vegetarianas do Big Chill, o sorvete de coco caseiro do Mamagoto e o Dal Fried (um prato de lentilhas com pimentão verde) do The Chonas.”

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Shobhan Saxena Correspondente no Brasil do Times of India

balada e DRINqueS “A noite de Délhi é mais animada do que parece. O Monkey Bar é um gastropub elegante, com drinques alcoólicos apimentados. Para os embalos de um sábado a noite, indico o Striker Pub, e, para um encontro mais romântico, o bar Chez Nini.”

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Ajay Jain É fotógrafo, escritor, autor de guias de viagem da Índia e dono do Kuzum Café

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anil. Qualquer um pode ir lá comer com eles, desde que cubra a cabeça. Os sikhs são uma minoria de 1,9%, estimativa que soa estranha, porque eles estão em todos os lugares. Mas, em se falando de Índia, é um exército: 19 milhões.

Pimenta e pechincha

Antes de embarcar na culinária, saiba que ali o negócio é muito, mas muito bem condimentado. Não é à toa que, para ser um chef, um indiano precisa, antes, ser um bom masalchi (misturador de especiarias). As mais ardentes, o cravo-da-índia e a pimenta, unem-se às aromáticas, como o cardamomo. Para evitar turbulências, recomenda-se que as primeiras refeições sejam feitas nos restaurantes dos hotéis, mais voltados ao paladar ocidental. E ninguém precisa se hospedar neles para isso. O Chor Bizarre, no térreo do Hotel Broadway, é especializado na culinária da Caxemira, bem menos apimentada, e serve um famoso purê de lentilhas. O Hotel Taj Mahal tem dois segredinhos: o premiado The Varq, de cozinha local, e o japonês Wasabi by Morimoto, que tem um bacalhau negro com missô delirante. Passado o período de adaptação, pule dos hotéis para o aclamado Punjabi by Nature, com menus vegetariano e carnívoro. Ah, essa história de que tudo na Índia é veggie é balela, muitos lugares servem carne de carneiro e frango. Mas, sim, a carne de vaca, considerada sagrada, é banida do menu hinduísta em muitos estados (incluindo Délhi), e desconfie muito se você topar com algum restaurante que venda. Uma visita ao coração da Velha Délhi deve começar na estação de metrô Chandni Chowk, e, antes de se perder sob mil fios elétricos retorcidos, encare

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mais duas heranças islâmicas lado a lado, o Forte Vermelho e a Jama Masjid, a maior mesquita da Índia, que tem um pátio para 25 mil pessoas. Depois negocie um passeio de riquixá (esse é no pedal) por não mais que US$ 3 e siga em frente. São ruelas inteiras dedicadas à venda de qualquer coisa, de vestidos de noiva que são tudo menos brancos a turbantes brilhantes (é normal que queiram te levar na loja do primo e na confeitaria do tio). Imperdível é provar o kebab do Karim’s, um pé sujo de 1913, onde normalmente torceríamos o nariz se não houvesse ali uma eterna fila de turistas. Vai com fé que é clássico. E tudo acaba em compras. As “mina pira” no Dilli Haat, o complexo de tendas com quadros, caixinhas pintadas a mão, bolsas remendadas, pashminas de seda... Nada disso sai por mais de US$ 20, mas há que ser fera na arte da pechincha. Arrematei uma gravura psicodélica por US$ 20, quando o preço inicial era de US$ 300. Mas o nome da vez é o Hauz Khas Village, que tem lojas, galerias de arte e cafés. O lugar é um burburinho meio hippie e meio hipster, que uma amiga definiu como uma mistura de Christiania, a vila autossuficiente da Dinamarca, com Moreré, na Bahia. Os destaques são uma loja que vende pôsteres antigos dos filmes de Bollywood, o restaurante Naivedyam, bom para provar a típica thali, travessa de alumínio com arroz e vegetais, e o Kuzum Café, onde os viajantes pagam quanto quiserem por uma xícara de chai, o chá com leite e especiarias. Foi lá que conheci Vicenzo, um italiano em sua sétima viagem à cidade, para onde volta sempre “porque nunca entende nada”. É que a Grande Délhi é assim: complexa. Ou milenar, mística e multifacetada. Como a Índia.

FOTOs: ©1 ARQUIVO PESSOAL, ©2 TAKA/KEYSTONE

Índia – délhi


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Vendinha típica e abençoada pelos deuses no Paharganj, o bairro dos mochileiros


Um breve respiro hedonista nos hotéis-palácios do Rajastão, o estado mais colorido do país

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até reducionista chamar o Rajastão de estado – aquilo é um mundo. Com 342 quilômetros quadrados, o lugar é um adorável clichê que ocupa o imaginário dos viajantes com seus palácios nababescos, elefantes ornamentados, encantadores de serpentes, bazares de tecidos. Ao longo dos 265 quilômetros que ligam Délhi a Jaipur, a capital rajastani, o cenário vai ficando desértico e os turbantes, mais ofuscantes. Para fazer o roteiro, fechei um pacote de cinco dias com carro e motorista por US$ 525 com a Cox & Kings, agência de Délhi. O tour percorre a tríade das cores: Jaipur, a cidade rosa, Jodhpur, a cidade azul, e Udaipur, a cidade dos lagos que poderia ser a cidade branca, o tom dominante de suas casinhas. Cada uma delas fica a uma média de cinco horas de estrada poeirenta. Além de visitá-las, eu queria me hospedar nos absurdamente lindos palácios dos marajás. Quem? Ah, os marajás. Corta. Um terço da Índia colonial era subdividido em 562 principados, boa parte no território do Rajastão. Cada pedaço ficava sob a tutela de um príncipe indiano, o maharaja. No livro Paixão

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Índia, o autor espanhol Javier Moro diz que “alguns eram cultos, outros sedutores, outros cruéis ou ascéticos, outros um pouco loucos, e quase todos excêntricos”. E dá-lhe excentricidade. Há o que mandou fazer um trem elétrico para circular em torno da mesa de jantar, outro comprou 270 automóveis de uma vez. A festa deles acabou com o colapso da colônia, em 1947. Alguns venderam suas mansões para grandes redes de hotéis, como Taj e Oberoi. O preço é salgado (a partir de US$ 250 a diária), mas até os mochileiros mais roots costumam “se dar a esse luxo” – eu conheci três. É a chance de viver in loco a vibe Mil e Uma Noites. Jaipur, a primeira cidade do meu roteiro, tem um desses palácios esplendorosos e um Centro onde todos os edifícios são pintados de rosa – vibe monocromática que se alastrou depois que os prédios públicos foram cobertos com a tonalidade. É um labirinto de vendedores de seda, engraxates e limpadores de orelha (!), estranho ofício local. Paguei US$ 3 por um pano de 6 metros, o sári, cujas mil utilidades foram explicadas pelo guia Sorab: vira um vestido sem precisar de alfinete, cobre a cabeça, protege do vento e ainda serve de toalha para enxugar os filhos. Depois de zanzar o dia todo, aterrissar no Rambagh Palace, antiga moradia do marajá Bawhani Singh, é um estrondo. Mobília de madeira, porcelanas pintadas a mão, papéis de parede com mandalas. Nada soa kitsch. É um genuíno palacete indiano, esteticamente fascinante para quem vem do Ocidente. Lá jantei cogumelos ao curry num prato folheado a ouro e descobri um bom vinho local, o Sula. O garçom contou que a trupe da novela Caminho das Índias ficou hospedada ali, em 2009. Passaram bem. Considerada por muitos uma ex-

FOTOs: ©1 laura capanema, ©2 mark hudson/flickr

Índia – o luxo


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Indianices na parede do Rambagh

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A majestosa piscina do Lake Palace

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Tudo azul em Jodhpur

tensão de Jaipur, de tão perto, a cidade de Amber tem um forte estonteante, o Amber Fort, com espelhinhos encravados nas paredes. Na parada seguinte, Jodhpur, é obrigatório ir ao forte Mehrangarh, com salas medievais restauradas de onde se vê a cidadela azul, cor usada para marcar as residências dos brâmanes, a mais elevada casta da hierarquia hindu. Mas os dois principais hotéis-palácios estavam lotados, e Sorab me carregou para a pensão Riddhi Siddhi, a US$ 8, com café. Claro, era de um parente dele. Desci uns patamares na escala hoteleira, mas dormi embaixo de um pôster holográfico de Ganesha. O último pit stop era Udaipur, a cidade dos três lagos. Udaipur. Se eu tivesse de escolher uma só parada no Rajastão, seria ela, a Veneza do Oriente. O centrinho é gos-

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Por dentro do Amber Fort ©1

O centrinho rosado de Jaipur

toso de explorar, e há um complexo de palácios e museus de 20 mil metros quadrados. Quem se hospeda no Lake Palace, recorde no quesito belezade-hotel, tem acesso livre aos acervos. Majestoso, o Lake foi erguido no século 18 pelo marajá Jagar Singh II para flutuar estático no meio do lago Pichola. Só se chega de barco (a boa é ir no pôr do sol), e, uma vez ali, tudo é mágico: o jardim repleto de pássaros, o quarto com ofurô e óleos aromáticos, os funcionários que parecem adivinhar o que você quer da vida. No spa, testei a maravilhosa shirodhara, um óleo quente que cai por 40 minutos no meio da nossa testa. No último dia, folheei os livros do quarto e achei uma boa pensata do poeta inglês Rudyard Kipling: “A providência criou os marajás para oferecer um espetáculo ao mundo”.

o templo jainista No caminho entre Jodhpur e Udaipur, em Ranakpur, está um templo imperdível do século 15, o Adinath. Por fora, nada de mais. Por dentro, um esplendor. São impressionantes 1 444 pilares de mármore. Ele foi erguido por seguidores do jainismo, uma religião contemporânea do budismo, do século 6 a.C., mas bem mais radical. Os jainistas não comem nada de origem animal e arrancam os fios dos cabelos, um por um, num ritual doloroso. E pregam: “O que vale é o nosso interior”.

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Um giro pelo mundo dos ashrams. Ioga, meditação e gurus que dão abraços abençoados

A

expressão “efeito Índia” define o curioso fenômeno coletivo em que turistas saem pelo país colecionando xales coloridos, saias com estampas de elefante, calças à la Jeannie É um Gênio, sempre distribuindo “Namastês” (a saudação local). Para vêlos reunidos, basta pisar num ashram, centro de retiro espiritual onde qualquer gringo se veste como um local, come como um local, venera um guru local. Para além do lado insólito da coisa, os ashrams estão bem no centro da explosão de um tipo de turismo no qual o que se busca é uma jornada interior, às vezes mais espiritualizada, às vezes mais secular – mas quase sempre vista como uma oportunidade de respirar fundo, de aquietar a mente. Os ashrams alcançaram as cabeças ocidentais em 1968, quando os Beatles chegaram a Rishikesh, cidadezinha indiana aos pés do Himalaia. O mundo lá, na crista da contracultura. E John, Paul e Ringo, encabeçados por George, seguindo o guru Maharishi Mahesh Yogi, o nomão da meditação transcendental. A vida da maior banda do mundo em terras indianas deu em caos. 96

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Ringo debandou na segunda semana; Paul, no primeiro mês. John se empirulitou também – teria escrito a música Sexy Sadie para o guru, que se dizia celibatário, mas na prática não controlava seus instintos primitivos. Ainda assim, George insistiu em que a Índia, “com a ioga, a meditação e todas essas coisas”, abriu “a porta de sua consciência”. E o negócio explodiu: Rishikesh ganhou dezenas de ashrams e virou a capital da ioga. Maharishi morreu bilionário, em 2008. A Índia foi invadida por ocidentais. Steve Jobs e a escritora Liz Gilbert estiveram por lá, buscando boas inspirações para criar a empresa mais valiosa do mundo e um baita best-seller. E mais gente, muito mais gente. A motivação é quase sempre a mesma: olhar para dentro de si. O fato é que poucos voltam desencantados. É comum ouvir frases como “a experiência é transformadora”. Cada ashram é território de um guru com pregação, estilo e motivação particulares. Muitos levam vida simples e contemplativa, outros andam em carrões e defendem que a iluminação não depende de renúncia material. Há centros para todos os perfis de viajante. É possível achar ofertas de elevação em quartos cinco-estrelas, acomodações básicas com trabalhos comunitários e até propostas sexualmente liberalizantes, que pedem teste de HIV aos hóspedes e promovem meditações “ativas”. Muitos ashrams têm lojinhas de suvenires – pense em barbudos estampando barras de cereais, bolsas e shakes de emagrecimento. E não se limitam a Rishikesh – estão em todos os estados. A maioria fala de filosofia hindu, mas não segue religião específica. Juntos, são o sumo da nova espiritualidade, em que se montam combos particula-

FOTO: frederic soltan/corbis/latinstock

ÍNDIA espiritual


Fogo, flores e preces na cerim么nia Aarti, que rola todas as tardes na beira do Ganges, no ashram Parmath


Cores e signos carimbados

res de crenças, cultos, objetivos, expectativas. E até os ateus vão. Em Amritapuri, no estado do Kerala, no sul, passei uma tarde no centro de uma divindade feminina, a Amma, a famosa “Guru do Abraço”. Todo o seu poder estaria concentrado em sua maneira de segurar alguém nos braços. O ashram é um complexo de prédios de cor ocre perto do mar, e qualquer um pode chegar e pegar um quarto. A regra é “não recusar hospedagem a ninguém”. Entre as atividades, duas horas por dia de trabalho comunitário (lavar os pratos, servir os visitantes, organizar as filas do abraço), ioga, meditação e palestras sobre os benefícios das práticas. Todos se vestem de branco, e a imensa maioria é gringa, entre jovens, senhores e casais com bebês no carrinho. O ashram reúne mais de 2 mil pessoas 98

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Krishnas e Ganeshas holográficos à venda

O guru que é o cara do ashram Parmath

por dia, população que cresce em 40% quando a Amma está em casa. Dei sorte: ela estava lá. A superdedicação impressiona – há dias em que ela passa 15 horas abraçando os devotos. Fiquei duas na fila para ganhar o meu abraço, ao som de belíssimos cânticos. Não senti nada muito diferente. Mas, como é comum em grandes concentrações de fiéis, é uma experiência forte. Mas eu ainda queria me hospedar num ashram. Segui para Rishikesh, cidade dos Beatles. Lá fui para o Parmath Niketan, complexo de mais de mil quartos, que existe desde 1940 de frente para o Ganges (que por ali corre translúcido). O guru atual, o moderninho Pujya Swamiji, que tem mestrado em filosofia e fala diversas línguas, infelizmente não estava lá. A diária de US$ 8 garante acomodação simples com

FOTOs: laura capanema

Em Rishikesh: indianinhas muito bem-vestidas de deusas


três refeições diárias, e pode-se ficar quantos dias se desejar. Um papel no mural da recepção informa a programação, bem parecida com a do ashram da Amma. Mas ali havia mais indianos, e o esquema era “liberal” – sem trabalho comunitário nem obrigação de participar de tudo. Frequentei as aulas de meditação da tarde (a primeira sessão do dia, 5 da manhã, era cedo demais). A dedicação de alguns impressionava: tinha gente que ficava três, quatro, cinco horas em posição de lótus. Eles faziam o “om” e pareciam voar num tapete mágico. Não consegui a proeza, mas gostei da vibe de paz. Só me incomodava com o cartaz que pedia “silêncio absoluto” no refeitório. Uma mudez desconcertante, em que só se escutava o barulhinho das colheres dos estrangeiros batendo nos pratos de metal (os india-

nos comiam com as mãos). Outro cartaz com a foto de Krishna pedia para não desperdiçarmos comida diária: pão, arroz, lentilha e legumes cozidos. Alguns meditavam até depois de comer, ali mesmo. No último dia fiz uma pequena enquete para saber por que as pessoas estavam lá. Falei com nove. A resposta “Quero me conectar comigo mesmo (a)” foi dita cinco vezes. Aksel, indiano de Bangalore, completou: “Cada alma é potencialmente divina, e temos de aprender isso”. Maria, uma inglesa, disse que “estava feliz, mas não aguentava mais o banho de balde”. Às 21 horas as luzes se apagavam e os hóspedes se recolhiam. Ao fim, três dias dormindo cedo e meditando me fizeram bem, é claro. Mas é preciso mais tempo, e mais dedicação, para sentir os efeitos reais daquele planeta.

experiência ananda

FOTO: divulgação

Um spa cinco-estrelas. Ou um ashram sem guru No meio da cordilheira, 40 minutos morro acima de Rishikesh, está o Ananda at Himalayas (anandaspa.com; diárias desde US$ 400), o único spa da Índia que é também um destino – as pessoas se deslocam horrores só para ficar lá. Oprah Winfrey já foi duas vezes, Michael Moore fez um detox, Rick Martin tinha acabado de ir embora quando eu cheguei. Não é apenas um spa: é um imenso resort com um cardápio de ioga, meditação, alongamento, palestras sobre a cultura hindu e mil terapias holísticas num entorno ver-

OLHA O TREM Vale muito fazer pelo menos um trecho da Índia de trem. Os indianos dizem que a melhor herança dos ingleses foram seus 63 mil quilômetros de ferrovias (a quarta maior malha do mundo). Sem elas, o país pararia. Os turistas costumam viajar de primeira classe, que não sai caro. Compre passagens no hotel ou em agências de viagens. Os guichês das estações são bem confusos. Há também o Maharaja’s Express (maharajasexpress-india.com), um trem de luxo com mordomo que passa por várias cidades. Compre pelo site.

Vai uma massagenzinha a quatro mãos aí? de busão e avião

de de babar. O grande momento são as massagens, como a Ananda Fusion, mistura de técnicas orientais que incluem óleos aromáticos e paninhos quentes, e a Abhyanga a quatro mãos, essa coisa fantástica aí da foto. A experiência do Ananda é como estar em um ashram ultraconfortável, mas sem guru. Porém, a vibe é... de iluminação total.

Também dá pra rodar tudo de ônibus. Pesquise com a RedBus (redbus.in), ótima buscadora online. Para voar, considere a Jet Airways, a melhor companhia aérea do país, seguida da Air India e da IndiGo.

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Do Taj Mahal à intensa Varanasi, com um pit stop no meio do caminho, nos Templos do Kama Sutra

“É

a coisa mais bonita que eu já vi. Estou estupefata. É assim que se diz quando a gente perde o ar?”, disse a professora de ioga paulista Aryta Garcia, ao passar pela porta de ferro que traz a primeira vista dele, do todopoderoso... “Taj Mahaaal, Taj Mahaaal!” O monumento mais famoso da Índia é visitado por 99,9% dos viajantes que vão a turismo, por motivos bem justos. A fala de Aryta me lembrou a cena do filme Quem Quer Ser um Milionário? (2008), de Danny Boyle, quando o protagonista Jamal e seu amigo Salim, ainda pequenos, são cuspidos para fora do trem e acordam na cidade de Agra, bem de frente para o Taj. “Isso é o paraíso?”, perguntam-se. Por muito tempo pensei que cair de cara para o mausoléu seria uma licença cinematográfica, mas, uma vez em Agra, tudo faz sentido. Opulento, no alto de uma colina, ele é visto de vários pontos da cidade. Depois, na sequência da cena, a dupla resolve ficar por lá fazendo bicos como guias e sai contando mil cascatas para os visitantes. Nada mais real: dá-lhe guias que explicam tudo errado. Pra não cair nessa, siga o nosso tour guiado.

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A história real é a da música do Jorge Ben – o mausoléu de mármore branco foi erguido pelo imperador Shah Jahan em homenagem à sua mulher preferida, Muntaz Mahal, que morreu ao dar à luz o 14º filho do casal, em 1630. Para abrigar o corpo, ele foi à luta para construir um palácio estonteante. Mandou comprar pedras preciosas para incrustar nas paredes, contratou 20 mil operários. O Taj Mahal levou 16 anos para ser finalizado (entre 1632 e 1648). O resultado? Uma obra de arte, uma simetria perfeita, uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno, a única razão a atrair 3 milhões de turistas por ano até a sem graça cidade de Agra, a 210 quilômetros de Délhi. Hoje o casal jaz junto, em uma cripta sob a cúpula branca. Visite o Taj ao amanhecer, quando ele é tingido de rosa e há menos turistas. Cuidado com a sexta, o único dia em que fecha. Deite na grama, vá lá dentro ver as inscrições do Alcorão nas paredes e tenha paciência para tirar a foto perfeita. Todas as minhas tentativas saíram com papagaios de pirata, mas não faltam fotógrafos semiprofissionais que conseguem excluir a multidão dos fundos e ainda te entregam na saída um book com dez fotos impressas por US$ 15. A cidade tem também o imperdível Forte de Agra, um complexo de construções palacianas com mil salões e pátios. Há ainda um grande tanque de mármore que, reza a lenda, era cheio com milhares de pétalas de rosas para o banho perfumado da imperatriz. A experiência é completa com pernoite no Oberoi Amarvilas, um hotel dos deuses a 600 metros do Taj, que premia os hóspedes com uma vista do monumento de todas as janelas, em todos os quartos. Coisa de filme.

FOTO: adrian pope/getty images

índia – cartões-postais


Olha ele aĂ­, todo-poderoso, majestoso e cor-de-rosa


ÍNDIA – cartÕES-postais

Tudo é luz em Varanasi

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Banho sagradíssimo no Ganges ©4

Mudrá, o gesto milenar ©5

As figurinhas de Khajuraho ©6

Pira funerária em Varanasi

Peregrinos se jogam nas águas abençoadas


FOTOs: ©1 miles ertman/keystone, ©2 jan fritz/keystone, ©3 taka/keystone, ©4 dinodia/keystine, ©5 tim graham/keystone, ©6 danita delimont/kesytone

Sexo nas paredes

São sete horas de trem de Agra a Khajuraho, cidade isolada na Índia Central e com apenas 8 mil habitantes. Mas foi a localização remota que ajudou a salvar seu maior patrimônio, o conjunto de templos “eróticos” do século 10 – obra de seguidores do tantrismo, religião que acreditava no erotismo como caminho para o divino. Dos 85 templos originais, restam 22. A maior parte foi destruída ao longo dos séculos, por ter figuras humanas e animais em posições sexuais. Hoje os desenhos são apenas 3% das esculturas, e é comum encontrar turistas decepcionados por ver tão poucas imagens eróticas. É meio estranho pensar nesse passado, em uma Índia hoje cheia de costumes rígidos, com casamentos arranjados e mulheres que pagam dote aos noivos. Herança da moral implantada por invasores muçulmanos e, mais tarde, colonizadores ingleses. Só há uma coisa para fazer em Khajuraho: visitar esses santuários, apelidados de “Templos do Kama Sutra”, alusão ao manual de 64 posições sexuais escrito no século 3 por sacerdotes e traduzido para o inglês em 1883. Na porta dos templos, o próprio Kama Sutra é mato: custa US$ 2, mas é um livrinho vermelho fajuto. É melhor deixar para comprar nas livrarias de Délhi um melhor, para justificar à estante que você trouxe “lá da Índia”.

Na terra do Ganges

“Varanasi é para os fortes”, dizem os viajantes pelo caminho. Eles se referem à antiga Benares, a mais sagrada das sete cidades sagradas do hinduísmo – uma Meca local, no nordeste do país. É uma das mais antigas ocupações do mundo (calcula-se que tenha mais de 2 500

anos), repleta de vacas, cachorros abandonados, iogues na mesma posição há dias, ascetas untados de cinza (os famosos sadhus, homens santos que vivem de doações) e piras funerárias que se acendem na boca do Ganges. E o Ganges ali é diferente do de Rishikesh: é um rio imundo que protagoniza espetáculos diários de fervor religioso, de gente que mergulha da cabeça aos pés em busca de purificação, já que lá está seu ponto mais sagrado. Ter as cinzas jogadas ali é um passaporte para o melhor dos céus. Ou para a consciência eterna. Para mim, Varanasi ganhou o prêmio no quesito feiura urbana. De fato, um lugar aonde se vai para morrer – ou celebrar a morte – não pode ser esplendoroso. Mas há uma beleza ali. A presença dos turistas não modifica a ordem natural dos rituais. Varanasi sempre foi assim. E há coisas importantes a fazer por lá, como visitar os ghats (escadarias na beira do rio) ao amanhecer e ver as cerimônias de cremação ao entardecer. De longe, não avistamos detalhes dos corpos cremados, mas dá para sacar a naturalidade com que tudo acontece. Ninguém chora, e o corpo queima por mais de três horas, até que se jogam as primeiras cinzas no rio (às vezes pedaços de ossos inteiros). Quem fica mais por lá vai a fábricas de pashminas (Índia afora se fala dos “tecidos de Benares”), ao Templo Dourado, por fora, já que os estrangeiros não entram, e a Sarnath, uma cidadezinha próxima e sagrada para os budistas, onde Buda pregou pela primeira vez. Varanasi é religiosa até o osso. Como George Harrisson disse: “As pessoas lá têm uma força espiritual tremenda, que não acho que exista em qualquer outro lugar”. Nem é preciso conhecer o mundo inteiro para concordar com ele.

infinita highwaY As estradas indianas podem até ser reprocháveis, mas é bom encará-las para entender a atmosfera do país: abra alas para a vaca passar e veja caminhões ultracoloridos, plantações cheias de espantalhos (sim, eles existem) e peregrinações de religiosos que fazem a pé o mesmo percurso que você. E os vilarejos vão se emendando uns nos outros, deixando poucos espaços vazios no país em que a população passa de 1 bilhão. a melhor vista Para imergir de corpo e alma em Varanasi, hospede-se ao pé do Ganges. O classudo Ganges View (hotelgangesview. com; desde US$ 75), no ghat Asi, é um ícone, com decoração indianíssima e uma vista de babar. Só não aceita cartão.

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PEQUENO MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA ÍNDIA SOZINHA? evite!

V

ira e mexe sai nos noticiários algum caso de estupro coletivo no país. A autora desta reportagem não teve problemas, mas é preciso tomar cuidado. Os indianos olham muito e mexem, sim, principalmente com mulheres que viajam sozinhas. Se for o seu caso, prefira zanzar com um guia e evite shorts, saias curtas, regatas e sair à noite sem companhia. Táxi na rua, nem pensar. Em Délhi, há uma empresa de disque-táxi só para mulheres, a Sakha (91/99991-93004, sakhaconsultingwings.com).

COMPRAS Cada região tem sua especialidade

A

principal dica é: se você topar com algo que mexeu com seu ímpeto consumista, compre, porque é improvável que você ache o mesmo item em outros cantos do país. No Rajastão, vá de turbantes, tapetes e joias (Jaipur é famosa por seus centros de lapidação de diamantes, rubis e esmeraldas). Em Agra, vale dar uma olhada nos objetos de mármore branco, decorados com pedras. Em Varanasi, busque as sedas, sempre maravilhosas. Em Délhi, a boa são as bolsas, estatuetas e quinquilharias, mas também há empórios, bazares e shoppings de luxo que reúnem belas amostras do que há em outros estados.

fique de olho • Papel higiênico é uma raridade; por isso, tenha sempre lenços de papel à mão. • Negocie o preço antes de contratar qualquer serviço, principalmente se for um passeio de riquixá e autoriquixá (ainda assim o motorista pode querer cobrar um preço diferente no final).

Lenços de seda pura de Varanasi; caixinha de chá e porta-copo dourado e espelhado de Jaipur; estatueta do Ganesha, bolsas ultracoloridas e porta-copos pintados a mão de Délhi

• Motoristas de riquixá e guias raramente têm troco para notas de 500 ou 1 000 rúpias. O ideal é ter sempre notas de 50 rúpias ou menores. • Pechinche sempre, para tudo. Os descontos podem chegar a 80%!


Comida

• Regra alimentar número 1: coma apenas alimentos cozidos e evite saladas. Frutas, só as que você mesmo puder descascar.

• A principal causa de diarreias é a água contaminada. Beba só mineral de garrafa e certifique-se do lacre. Na • Ao viajar pelo país, leve dúvida, vá de água com gás. biscoitos, suco de caixinha • Evite comprar iogurtes em e o que mais for industriabarracas de rua; é normal lizado. A comida servida adicionarem água comum. no trem nem sempre é

confiável, e isso inclui a primeira classe; em aviões, é comum o lanche vir apimentado. E, claro, evite comer nas paradas de beira de estrada.

Mas não é preciso levar do Brasil; eles são vendidos em qualquer farmácia.

• Se for comer com as mãos, use só a direita. A mão esquerda é a • Tenha sempre álcool em que os indianos usam no banheiro para se gel na mochila. Até os locais têm esse hábito; afinal, limpar e, portanto, é eles comem com as mãos. considerada impura.

Vai se hospedar em ashrams?

É

recomendável levar despertador para evitar perder as atividades (ninguém vem chamar), lanterna, adaptador de tomada universal, travesseiro (alguns ashrams nem fornecem) e um cobertor leve (todos têm roupa de cama, mas nem sempre é suficiente, principalmente em Rishikesh nos meses de janeiro e fevereiro, quando os termômetros podem marcar 10 °C à noite).

fotos still: carlos bessa

Saiba que... • Se precisar de um hospital em Délhi, aposte no Apollo (apollohospdelhi. com) e no Max (maxheal thcare.in), onde os médicos falam bem inglês. • Indianos não respeitam fila. Se deixar qualquer espaço na sua frente, alguém vai se enfiar.

• Assaltos são quase inexistentes, mas é bom tomar muito cuidado com furtos em trens, principalmente com mochilas de mão. • Se não quiser entrar descalço nos templos, leve meias, de preferência velhas, porque com certeza elas ficarão imundas.

PARA LER A Índia em relatos fascinantes • Os Indianos (Contexto), da carioca Florência Costa, traz um mergulho na história, cultura e filosofia do país, onde a jornalista morou por seis anos. • Karmatopia (Civilização Brasileira), de Karla Monteiro, narra os 195 dias em que a jornalista mineira cruzou o país passando por hostels e ashrams. • Nove Vidas (Companhia das Letras), de William Dalrymple, relata a vida de prostitutas sagradas, monjas jainistas e outros sete personagens indianos fascinantes.


Índia

Polo sobre elefante no luxuoso Rambagh Palace, em Jaipur, e a vista inacreditável do Taj Mahal da janela do Hotel Oberoi Amarvilas, em Agra

quando ir A melhor época é de outubro a março, quando o tempo está seco e a temperatura, mais amena (apenas no extremo norte estará muito frio). Janeiro e fevereiro são os meses mais cheios de turistas. De abril a junho as temperaturas chegam facilmente aos 45 o C, e as famosas chuvas de monções, vindas do sul, vão de junho a setembro, época em que chove muito, quase todos os dias. E mais: a Índia tem festivais lindíssimos e utracoloridos que seguem o calendário lunar, e vale muito tentar casar a sua viagem com algum. Os mais famosos são o Festival das Luzes, o Diwali (o próximo cai a partir de 23/10), e o Festival das Cores, o Holi (agora só em 2015, em 6/3).

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A rúpia é a moeda nacional. Leve dinheiro em dólar e troque por rúpias nas casas de câmbio. Até o fechamento desta edição, cada 60 rúpias valiam US$ 1.

documentos Brasileiros precisam de visto. Pode-se solicitar via correio, enviando a documentação por Sedex (o Consulado da Índia em São Paulo, inclusive, só atende dessa forma). Informações do passo a passo com o Consulado (11/3171-0340, cpv@india consulate.org.br) ou com a Embaixada (61/3248-4006, lc@indianembassy.org.br), em Brasília. Eles respondem por e-mail. É imprescindível ter o certificado internacional de vacinação contra febre amarela.

ÍNDIA >91 Délhi >11 ficar

Em Connaught Place, o Metropolitan (hotelmet delhi.com; desde US$ 85) é um hotel business com spa premiado, e o The Park (newdelhi.theparkhotels.

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com; desde US$ 77), um cinco-estrelas design com quartos amplos. O mais famoso é o Taj Mahal Hotel (tajhotels.com; desde US$ 190, sem café da manhã), um gigante de 294 quartos com decoração clássica e dois restaurantes incríveis, o The Varq e o Wasabi by Morimoto, citados nesta reportagem. Em Velha Délhi, o Hotel Broadway (hotelbroadwaydelhi.com; desde US$ 39) tem bom custo/benefício, com camas king-size e o famoso restaurante Chor Bizarre no térreo. Na região mochileira de Paharganj, considere o Amax Inn (hote lamax.com; desde US$ 15), limpo e com rooftop no terraço, e o Ajay (ajaygues thouse.com; desde US$ 15), que tem quartos com arcondicionado.

COMER E passear Dê um rolê pela Rajpath, a avenidona que liga o Portão da Índia ao Palácio Presidencial. Ali também está o ótimo Museu Nacional (nationalmuseumindia. gov.in; US$ 5), que abraça

a história milenar do país. Não perca a Galeria de Arte Moderna (ngmaindia. gov.in; US$ 2,50) e o Gandhi Smriti (gandhismriti. gov.in), o memorial que guarda a casa onde Gandhi passou seus últimos 144 dias. Entre as relíquias, vá à Tumba de Humayun (Mathura Road; US$ 4), mausoléu que inspirou o Taj Mahal, e ao minarete Qtub Minar (Mehrauli, US$ 4). Não perca o modernete Templo de Lótus (bahaihouseofworship.in), que fica ao lado de um belo templo em homenagem a Krishna, o ISKCON (iskcon delhi.com). Perto de Connaught Place está o imponente Gurudwara Bangla Sahib (dsgmc.in), o templo dos sikhs. Para degustar bons quitutes, considere o Punjabi by Nature (46117000) ou o Bukhara (26112233). O veggie Nayvediam (2696-0426) fica no Hauz Khaz Village (hauzkhas village.in), o complexo de lojas que tem cafés vintage, como o Kunzum (kunzum. com/travelcafe). No coração da Velha Délhi, depois

de visitar o Forte Vermelho e a maior mesquita da Índia, a Jama Masjid, dê uma volta de riquixá pelas ruelas e prove o kebab do Karim’s (Gali Kababyan). Para compras, o Dilli Haat (dillihaat. net.in) e o State Emporium (Baba Kharak Singh Marg) têm tendas com artefatos coloridos de todos os estados. O Khan Market (khanmarket.com) é o reduto das lojas mais chiques (e tem ótimos restaurantes). Nos arredores de Délhi está o Akshardham (akshardham. com), um parque temático high-tech focado na história e na cultura do país.

Jaipur >141 ficar

O Rambagh Palace (tajho tels.com; desde US$ 250) é um palácio com papéis de parede com mandalas, mobiliário clássico indiano e um restaurante com pratos folheados a ouro. O Pearl Palace (hotelpearlpalace. com; desde US$ 16) tem desde quartos mais simples até luxuosos por bons preços, além de um excelente restaurante no terraço.

FOTOs: divulgação

dinheiro


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A típica thali (travessa) com quitutes indianos em potinhos de alumínio e mural da Sala de Oração do memorial Gandhi Smriti, em Délhi

COMER E passear

COMER E passear

O centro histórico é imperdível e pede uma parada para o almoço no Ganesh Restaurant (Nehru Bazaar). O Mojari (Shiv Heera Marg) é um lindo bazar de sapatos rajastanis. Nos arredores da cidade, o Amber Fort (US$ 3,35) é visita mais do que obrigatória.

O grande sightseeing é o Mehrangarh Fort (mehran garh.org), que oferece uma vista especial da cidade azul. Jante no Indique (Pal Haveli), que serve pratos típicos do norte feitos no forno tandoor. O Umaid Bhawan Palace (US$ 1) continua abrigando um marajá, mas funciona também como museu.

Jodhpur >291

FOTOs: ©1 laura capanema, ©2 jürgen wolf/flickr

ficar

A Raas (raasjodhpur.com; desde US$ 285), luxuosa mansão-butique que mais parece um castelo por fora, é o destaque. Mas a cidade é cheia de acomodações baratas – tem cerca de 100 hostels. Bem localizado, o Govind Hotel (govindho tel.com; desde US$ 12) é famoso entre os viajantes, pois tem um café charmosinho no terraço (o pôr do sol é bem concorrido). Longe do Centro, a pensão superbudget Riddhi Siddhi (riddhisiddhibha wan.com; desde US$ 8), onde se hospedou nossa repórter, é uma legítima casa de indianos que recebem superbem os turistas.

Rishikesh >135 ficar

Na capital da ioga, quase todos ficam em ashrams. O Parmath Niketan (par math.com; US$ 8), de frente para o Ganges, tem mais de mil quartos. Entre os mais populares, o Omkarananda (iyengarioga.in; US$ 25) é superconcorrido pelas aulas de ioga da suíça Usha Devi, e o Dayananda (dayananda.org; US$ 25), o mais popular entre os braUdaipur >294 ficar sileiros. Todos têm três reO Taj Lake Palace (tajho feições incluídas. Reserve tels.com; desde US$ 285) com ao menos um mês de é um palácio de babar, antecedência. de frente para o lago. O spa tem boa carta de te- COMER E passear rapias. Uma opção barata Café é no Devraj Coffee é o Kumbha Palace (hote Corner, que também serlkumbhapalace.com; desde ve sopas. O Little Buddha US$ 9), que tem jardim, wi-fi Café, com vista para o grátis e dez quartos amplos. Ganges, é boa opção para comidas internacionais.

COMER E passear O City Palace (eternal mewar.in) é um complexo de palácios e museus, o maior do Rajastão. Visite o templo Jagdish e faça uma refeição no Millets of Mewar (milletsofmewar. com), que tem boas pizzas.

Agra >562 ficar

O Oberoi Amarvilas (obe roihotels.com; desde US$ 385) é o mais famoso, com vista para o Taj de todos os quartos, enquanto o N.Homestay (nhomes

tay.com; desde US$ 30) é o como chegar melhor bed & breakfast. Entre as companhias aéreas que levam para Délhi, a Etihad (etihad.com) faz esCOMER E passear Além do Taj Mahal (US$ cala em Abu Dhabi, desde R$ 12), o Forte de Agra (US$ 3021, e a Emirates (emirates. 5) pede uma visita. Os me- com) leva via Dubai, por R$ lhores restaurantes são o 5300. A Turkish (turkishairliDasaprakash (dasaprakash nes.com) para em Istambul, group.com) e o Princh of desde US$ 2 303. Spice (princhofspice.in). A 40 quilômetros está a ci- quem leva dadela de Fatehpur Sikri, Com a Raidho (raidho. relíquia do período mogol. com.br), a maior especialista em Índia do país, são nove noites em Délhi, JaiVaranasi >542 COMER E passear pur, Agra, Khajuraho e VaDeve-se circular bastan- ranasi. O pacote com aéreo te pelos ghats (escadarias à e bons hotéis custa desde beira do Ganges), em espe- US$ 3 902. Curtinho, o rocial o Manikarnika, onde teiro da Investur (investur. ocorre a maioria das cre- com.br) tem duas noites mações. Para comer, vá ao em Délhi, duas em Jaipur Keshari (14-8 Godaulia), e duas em Agra e sai por com mais de 40 tipos de US$ 1 030 (sem aéreo). Para pratos com curry, e à cafe- quem quer luxo, a Interteria Open Hand (openhan point (interpoint.com.br) donline.com), que serve tem nove noites passando bons cafés, pães e muffins. pelas mesmas cidades mais O Blue Lassi é uma ca- Udaipur por US$ 5 607 (sem sa de iogurtes bem famo- aéreo). A Latitudes (latitu sa. Nas compras, o Baba des.com.br) tem uma viaBlacksheep (babablack gem temática de ioga. As sheep.com) é boa opção 15 noites são na região do para lenços de seda pura e Rajastão e custam desde pashminas estampadas. US$ 4 790 (sem aéreo). viagem e turismo  julho 2014

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