VITALIDADE URBANA NO
BAIRRO SARANDI PLANO LOCAL PARA O BAIRRO SARANDI
Pâmela Calliari Milesi Arquitetura e Urbanismo | 2020/2 trabalho de conclusão de curso | pesquisa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design Graduação em Arquitetura e Urbanismo trabalho de conclusão de curso | 2020/2 | etapa de pesquisa
orientadoras Prof. Dra. Eugenia Aumond Kuhn Prof. Dra. Geisa Zanini Rorato
conteúdo Tema 4 Área
4
Problemática
5
Justificativa
5
Caracterização 6
Base cartográfica
6
Inserção urbana
7
Levantamento fotográfico
16
Condicionantes legais 18
Leis federais
18
Leis municipais
20
PDDUA
21
21
Demandas da população
Plano 22 Objetivos
22
Metodologia
22
23
Agentes envolvidos
Viabilidade
23
Diretrizes 24
Vivo, segura, sustentável e saudável
25
O outro na cidade
26
Uma experiência social
27
O espaço urbano
27
Bibliografia 28 Anexos 30 Histórico
30
“Um plano local pode ser entendido como um plano que, ao invés de abranger todo o limite do Município – como os planos diretores – ou mesmo toda a área urbana, concentra-se em estabelecer objetivos e definir diretrizes para o desenvolvimento físico-espacial de um bairro ou região de uma cidade. (...) Além disso, a limitação de área permite que maior atenção seja dada a aspectos que, em áreas maiores, seriam excessivamente complexos e/ ou demorados para serem trabalhados adequadamente, tais como a definição lote-a-lote das alturas das edificações ou o desenho de circulações e ambiências de espaços públicos.” (SABOYA, 2012). 1
TEMA O intuito do presente trabalho é desenvolver um Plano Local para o Bairro Sarandi. O objetivo é traçar um caminho para uma cidade viva, segura, sustentável e saudável. Para isso serão definidos parâmetros que atuem sobre os espaços públicos e privados, e ferramentas para desenvolver a ambiência dos espaços públicos e coletivos do bairro. A figura do plano local foi escolhida, pois nos planos gerais (a exemplo dos planos diretores) algumas questões são tratadas de forma genérica, visto que esses precisam dar conta de uma área maior, mais diversa e com situações urbanas variadas. Também, nesses planos, não se trabalha de forma aprofundada com o resultado espacial que suas regras vão gerar. Já no plano local, é possível delimitar objetivos e diretrizes relacionados com as características particulares do bairro, e, também direcionar as ambiências resultantes nesse espaço, olhando de forma mais aproximada para a região para entender e delinear o que se deseja dessa área e das suas relações espaciais.1
a área O Bairro Sarandi localiza-se na Zona Norte de Porto Alegre, faz a conexão da cidade com o Litoral Norte através da Freeway (BR-290), e tem divisas com os municípios de Canoas, Cachoeirinha e Alvorada. É um dos bairros mais populosos da cidade, com quase 60 mil habitantes (IBGE, 2010) e é o segundo bairro em extensão territorial, com 2.457 hectares. A densidade demográfica é de 24,30 habitantes por hectare2, mas, se descontadas as grandes parcelas de áreas não urbanizadas e não urbanizáveis (1.100 ha), a densidade chega a 43,99 habitantes por hectare.3 A região se desenvolveu na antiga Várzea do Gravataí, onde, durante o século XIX, era ocupada por estâncias de criação de gado, chácaras e tambos de leite. A partir do século XX passa a ser povoada com maior intensidade. Após 1945, quando o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense compra o terreno da Vila Caiu do Céu (onde pretendia construir seu estádio), o prefeito Ildo Meneghetti iniciou o saneamento da zona, com o objetivo de construir um bairro popular. Em 1952 surgem então as vilas Meneghetti e Leão. Ainda nos anos 50, com outros planos de loteamento, tanto pela Prefeitura Municipal como por empresas particulares, são instaladas as Vilas Parque, Elizabeth e Minuano.4 Há, entre as vilas que compõem o bairro, ocupações em processo de regularização. É uma região que dispõe de grande variedade de usos do solo, mas, embora tenha comércio e serviços, as atividades econômicas do bairro não absorvem a maioria de sua população, tendo em vista que o Sarandi é um dos bairros mais populosos da cidade. Por isso, boa parte de seus moradores trabalha nos bairros próximos, que concentram empresas de médio e grande porte.4 4 | Plano Local para o Bairro Sarandi
Segundo os dados do censo de 2010, a densidade bruta de Porto Alegre é de 28,37 habitantes por hectare. 2
Ainda com o desconto das áreas não ocupadas, a densidade do bairro é baixa. Como explica Jane Jacobs em Morte e Vida das Grandes Cidades, “As densidades são muito baixas, ou muito altas, quando impedem a diversidade urbana, em vez de a promover. (...) E o que é correto muda de acordo com as circunstâncias.”, então não há um valor de densidade ideal e generalizado, ainda assim, em um contexto urbano, o valor sugerido (Densidade, dispersão e forma urbana) seria passando dos 200 hab/ha, e estaria ligado a diversas questões, como geração de vitalidade urbana, redução de problemas de mobilidade, menor impacto negativo no meio ambiente, otimização de custos de abastecimento e manutenção de infraestruturas da cidade ao longo do tempo. 3
fonte: AHPAMV – Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho Dados Censo/IBGE 2000, disponível em: http://www.portoalegre.rs.gov.br (http://portoalegreemanalise.procempa. com.br/?regioes=53,0,0). Acesso em 15 de fevereiro de 2021. 4
problemática A Zona Norte de Porto Alegre é uma região em expansão, ainda com áreas urbanizáveis desocupadas. O Sarandi, apresenta um tecido fragmentado, tem áreas com ocupação consolidada, mas também áreas sendo loteadas ou ocupadas irregularmente. Devido a sua localização na Várzea do Gravataí, essas ocupações irregulares podem ser um problema não só para os moradores, mas também podem gerar um impacto ambiental negativo. O bairro, precisa prever seu crescimento de forma ordenada para que aconteça de forma saudável, tanto para a sua população quanto para o ambiente natural.
vista da Avenida Assis Brasil (fonte: Street View) Av. Alcídes Maia
vista da Avenida Alcides Maia (fonte: Street View) 300 Av. 21 de Abril
Image capture: Aug 2019
Segundo o Plano Municipal de Saneamento Básico de Porto Alegre (2013), a previsão para 2030 é que haja um aumento da população do bairro em 12%. O Sarandi já conta com acesso à infraestrutura básica, mas hoje grande parte das ocupações irregulares improvisa formas de acesso a ela. O único modelo de crescimento sustentável parte da garantia de segurança da população de quem já mora no bairro e do ambiente.
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vista da Avenida 21 de Abril (fonte: Street View) Av. Tolêdo Piza
Image capture: Mar 2019
justificativa
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Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul Google Street View
vista da Avenida Toledo Piza (fonte: Street View) Image capture: Apr 2019
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Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul
421 R. Domingos de Abreu
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vista da Rua Domingos de Abreu (fonte: Street View) 117 R. José Mendes
Image capture: Apr 2019
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Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul Google Street View
vista da Rua José Mendes (fonte: Street View) Image capture: Sep 2018
Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul1180
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R. Francisco de Medeiros
Google Street View
vista da Rua Francisco de Medeiros (fonte: Street View) Image capture: Apr 2017
Porto Alegre, State of Rio Grande1369 do Sul
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Av. Dique
Google Street View
vista da Avenida Dique (fonte: Street View) Image capture: Nov 2018
O plano local é uma ferramenta que pode ser importante para o planejamento urbano, mas ainda não é muito explorada no Brasil. Ele parte das diretrizes dadas pelo Plano Municipal, e pode desenvolver propostas mais completas. Além de determinar parâmetros mais precisos para as ocupações dos lotes, pode identificar potenciais e fragilidades mais facilmente nos locais que recebem esso olhar mais minucioso. A escolha do local está relacionada com a identificação de características que determinam um potencial do bairro: apresenta diversidade de ocupação, com residência, comércio, serviços, instituições, indústrias, etc; tem ocupação consolidada, mas tem potencial para densificação; tem acesso à infraestrutura urbana básica, embora ainda precise contemplar de forma plena a população; os moradores têm relações sociais fortes, com uma vida comunitária intensa, conta com agremiações, centros comunitários, etc; é um dos bairros mais populosos da cidade, e embora tenha postos de emprego no local, ainda está longe de absorver a maioria da população, o que gera um impacto na mobilidade de toda a cidade; é um bairro com população bastante heterogênea, tanto em etnia quanto em religiosidade (questão importante para vitalidade urbana). Com esses pontos, e somado ao ponto de vista sugerido por Jane Jacobs (1961), o mais sensato seria começar processos de renovação por regiões que contenham pelo menos um dos quatro fatores para vitalidade urbana, sendo eles: atender mais de uma função primária, ter quadras curtas, ter edifícios em idades e estados de conservação diferentes, e densidade suficiente de pessoas, para que o processo seja viável. O Sarandi não é completamente deficiente em nenhum desses pontos, portanto, teria grande potencial para iniciar esse processo e influenciar seu entorno a entrar em um ciclo virtuoso da vitalidade urbana. Pensar no Sarandi do futuro é importante para pensar na Porto Alegre do futuro, uma cidade compacta e eficiente, e sustentável.
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Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul Google Street View
tema | 5
CARACTERIZAÇÃO base cartográfica Rio Grande do Sul
Os mapas elaborados no QGis para as análises do bairro serão apresentados sobre uma base comum. Ela contém feições dos limites de Porto Alegre, de corpos d’água, das quadras da cidade, dos limites do Sarandi, e do contorno dos demais bairros da cidade. Os dados para as análises feitas nos mapas temáticos vieram de diversas fontes, disponibilizados pelo IBGE, SMAM, SMURB , EdificaPOA, ObservaPOA FEPAM, MMA, UFRGS, Google Satellite, entre outros. A feições estão divididas entre base e topo, para que os limites do Sarandi e dos demais bairros apareçam sobrepostos ao conteúdo do mapa, enquanto as outras feições apareçam como fundo. A seguir está ilustrado o mapa que servirá de base comum para os demais:
Porto Alegre
Sarandi
Canoas
Anchieta
Cachoeirinha
Sarandi
Santa Rosa de Lima
Alvorada Centro
6 | Plano Local para o Bairro Sarandi
canal ao norte da Av. Assis Brasil (fonte: acervo pessoal)
inserção urbana O Bairro Sarandi localiza-se na Zona Norte, é delimitado pelo Arroio Gravataí ao norte, pelo Bairro Anchieta ao oeste, pelos bairros Jardim Lindóia, São Sebastião, Jardim Itu, Passo das Pedras e Costa e Silva ao sul, e pelo Bairro Santa Rosa de Lima ao leste, além do limite municipal, na divisa com Alvorada. Conta com imensas áreas verdes não urbanizáveis e algumas áreas em processo de loteamento e ocupação. A área é cortada por uma rodovia federal e por corpos d’água perenes e intermitentes.
travessia ao norte da Av. Assis Brasil (fonte: acervo pessoal)
região ao sul da Av. Assis Brasil (fonte: acervo pessoal)
Além disso, a Avenida Sertório e a Avenida Assis Brasil também cruzam a área e são importantes para configurar o espaço urbano do bairro. Nesses eixos se concentram algumas atividades de maior escala, que funcionam como atratores para a área, como o supermercado BIG, a Cassol Centerlar, a Leroy Merlin, a FIERGS, o SENAI, a Ftec, etc. A Avenida Assis Brasil também divide a área com ocupação mais intensa do bairro em duas regiões (ver mapa de tecidos). A porção ao norte da avenida conta com construções baixas, no geral chegando ao máximo de quatro pavimentos. Nessa área aparecem mais ocupações provisórias e irregulares, com pior infraestrutura urbana - muitas vezes improvisada. A porção ao sul da avenida tem prédios em altura, condomínios fechados, algumas indústrias e transportadoras. Tem menor presença de ocupações irregulares e em condições precárias, e também enfrenta menos problemas com as condições da infraestrutura urbana. caracterização | 7
O tecido do Sarandi é bastante fragmentado (ainda poderia sofrer outras subdivisões dentro das áreas urbanizadas - o bairro é dividido em várias vilas, com as quais os moradores de identificam e se diferenciam, olhar mapa de vilas). Há uma grande área não ocupada que é dividida entre a Zona de Proteção do Ambiente Natural e uma zona que não é protegida por legislação, mas que está na várzea do Gravataí. A área ocupada tem três diferentes zonas, uma com ocupação gradual por grandes equipamentos, e duas áreas majoritariamente residenciais, separadas pela Avenida Assis Brasil.
Além da extensa área verde ao norte da Freeway, o bairro também conta com várias praças (essas sofrem com a falta de equipamentos e qualificação). O bairro tem boa quantidade de vegetação, com 76,55% de domicílios com arborização no entorno (Censo IBGE, 2010)..
8 | Plano Local para o Bairro Sarandi
Uma grande parcela do bairro está na região de Várzea do Gravataí, portanto é uma região que naturalmente passa por inundações periódicas devido às cheias do Rio. Para evitar que o Sarandi seja inundado periodicamente, foi construído um dique no entorno da região norte do bairro, onde há mais risco. O bairro está inserido majoritariamente na sub-bacia hidrográfica do Passo das Pedras, dentro da bacia hidrográfica do rio Gravataí, com contribuição de outras sub-bacias.
Há pouca declividade na região, e o bairro está em um nível topográfico baixo, principalmente ao norte, onde o bairro está muito próximo de corpos d’água e do nível do lençol freático (dificultando estratégias de drenagem urbana). Pode-se notar as linhas topográficas acumuladas na área de jusante, onde foi feito o dique para proteger a região norte do bairro de inundações (o que acaba expondo a ainda mais risco a população que constrói moradias irregularmente no entorno da região protegida pelo dique).
caracterização | 9
É possível notar a ocupação mais rarefeita ao sul da Avenida Assis Brasil e mais intensa ao norte. Também é possível ver manchas de grandes edificações em grandes lotes, onde estão edificações das atividades de maior escala do bairro, como a Coca-Cola, o BIG, e a Fiergs.
O bairro é majoritariamente residencial, com construções de pequeno porte, até quatro pavimento, mantendo esse perfil de ocupações baixas mesmo nos principais eixos comerciais. Se aproximando do extremo sul do bairro, no eixo da Avenida Baltazar de Oliveira Garcia é onde se concentram os prédios mais altos, e em condomínios residenciais.
10 | Plano Local para o Bairro Sarandi
caracterização | 11
O Sarandi é cortado por uma rodovia federal (BR-209) que conecta o município com o Litoral Norte, e está inserido na malha viária da cidade por importantes avenidas que o conectam com a região central da cidade.
O bairro está inserido no sistema de mobilidade urbana com diversas linhas de ônibus que passam por ali e com 329 paradas de ônibus (o bairro com mais paradas da cidade). Mas a situação das paradas de ônibus do bairro é precária, sem cobertura, área para descanso, iluminação, informações de linhas de ônibus.
12 | Plano Local para o Bairro Sarandi
população por gênero
responsável por domicílio
população por raça
anos de estudo dos responsáveis por domicílio
responsáveis por domicílio analfabetos
caracterização | 13
A maior parte da área urbanizada do bairro está dentro da zona 01 (predominantemente residencial), Com exceção da zona 99.99, todas as áreas dentro do bairro tem cota ideal de 75 m².
O índice de aproveitamento básico é de 1,3 em quase todo o território do bairro, exceto nas áreas de proteção do ambiente natural e nas áreas com regime especial.
14 | Plano Local para o Bairro Sarandi
A taxa de ocupação na área varia de 20%, nas áreas proteção do ambiente natural, até 75 a 90% na região de várzea do Gravataí que atualmente não apresenta ocupação e na região sul do bairro.
caracterização | 15
levantamento fotográfico - 08.02.2021
falta de infraestrutura, R. União (fonte: acervo pessoal)
calçamento irregular, Av. 21 de Abril (fonte: acervo pessoal)
vegetação abundante, R. Tôledo Piza (fonte: acervo pessoal) ocupações sobre o arroio, Av. Dique (fonte: acervo pessoal)
vista do arroio, da Av. Assis Brasil (fonte: acervo pessoal)
pracinha improvisada, Av. Dique (fonte: acervo pessoal)
acesso EMEB Liberato, Av. Dique (fonte: acervo pessoal)
16 | Plano Local para o Bairro Sarandi
falta de calçamento na Av. Assis Brasil (fonte: acervo pessoal)
No extremo norte do bairro, onde as ocupações irregulares se intensificam, há habitações dentro do leito do Arroio Gravataí (fonte: acervo pessoal).
Na parte sul do bairro obras recentes foram feitas na canalização do Arroio Gravataí. Foram elevadas barreiras em concreto para evitar que ele transborde quando chuvas intensas ocorrem (fonte: acervo pessoal).
Em muitas partes do bairro não há infraestrutura urbana básica, como calçamento regularizado, há ruas em que sequer é reservado um espaço para calçada, com a porta das casas dando direto para a rua (fonte: acervo pessoal).
caracterização | 17
CONDICIONANTES LEGAIS legislação federal • Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta Estatuto da Cidade (arts. 182 e 183 da Constituição Federal), estabelece diretrizes gerais da política urbana. Art. 2º diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
O Plano Local busca garantir que os direitos descritos no Estatuto da Cidade sejam ofertados plenamente à população. Por lidar com questões mais tangíveis para a população, o planejamento setorial pode aproximar a população e promover uma maior participação da comunidade no desenvolvimento territorial.
Art. 3º compete à União: III - promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico, das calçadas, dos passeios públicos, do mobiliário urbano e dos demais espaços de uso público; Art. 4º serão utilizados, entre outros instrumentos: III – planejamento municipal, em especial: g) planos, programas e projetos setoriais;
A União é a responsável pela iniciativa de promover melhorias, utilizando os instrumentos previstos.
Previsão de planos e projetos setoriais dentro do planejamento municipal.
• Lei nº12.651, de 25 de maio de 2012, que institui o Novo Código Florestal Brasileiro. Revoga o Código Florestal Brasileiro de 1965 e define que a proteção do meio ambiente natural é obrigação do proprietário mediante a manutenção de espaços protegidos de propriedade privada, divididos entre Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL). Determina que as áreas de preservação permanente somente poderão ser ocupadas em casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Caso contrário, o proprietário dessas áreas tem como dever preservá-las. Há também regulamentações de órgãos comprometidos para que as leis sejam cumpridas, como é o caso do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e do Ministério do Meio Ambiente.
18 | Plano Local para o Bairro Sarandi
O Sarandi tem APPs sendo ocupadas por habitações, esses casos e a viabilidade da manutenção dessas ocupações devem ser analisadas. Deve-se considerar a condição de moradia dessa população e o impacto ambiental que isso causa para propor soluções que tenham o menor impacto negativo possível na vida desses habitantes.
• Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Segundo o Professor Fernando Dornelles, doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (PPGRHSA/ IPH/UFRGS), um dos problemas mais graves em relação às questões de gerenciamento de águas para o Sarandi está diretamente ligada à gestão de resíduos sólidos. Essa legislação fala justamente da responsabilidade compartilhada entre os entes governo, empresas e sociedade em lidar com os resíduos sólidos. Embora haja legislação que prevê mecanismos e previsão de resposabilização para infrações, o problema permanece.
A regularização fundiária urbana era regida pela lei no 11.977/09 (MCMV).
Estabelece diretrizes à gestão integrada e ao gerenciamento ambiental adequado dos resíduos sólidos. Propõe regras para o cumprimento de seus objetivos em amplitude nacional e interpreta a responsabilidade como compartilhada entre governo, empresas e sociedade. Prevê a prevenção e a redução na geração de resíduos, tendo como proposta a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto de instrumentos para propiciar o aumento da reciclagem e da reutilização dos resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e pode ser reciclado ou reaproveitado) e a destinação ambientalmente adequada dos rejeitos (aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado). Na prática, define que todo resíduo deverá ser processado apropriadamente antes da destinação final e que o infrator está sujeito a penas passíveis, inclusive, de prisão. • Lei n° 13.465, de 11 de julho de 2017, que dispõe sobre a Regularização Fundiária Rural e Urbana. Regularização fundiária é o conjunto de medidas urbanísticas, ambientais e sociais previstas em lei que visam a regularização de assentamentos irregulares e a titulação dos respectivos ocupantes, visando garantir o direito à moradia, o integral desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A nova lei da REURB divide em três categorias: REURB-S (interesse social), custeada pelo Estado, REURB-E (interesse específico), com contrapartida e contratada e custeada pelos beneficiários, e REURB-I (inominada).
Essa legislação permite a regularização de conjuntos habitacionais e cortiços sem o Habite-se. Também houve a dispensa da obrigatoriedade de que os núcleos urbanos se situem nas áreas demarcadas como ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social, sem a necessidade de condicionar a regulação ao zoneamento.
Em loteamentos em Área de Preservação Permanente, deverão ser feitos estudos de impacto ambiental, e as áreas fora da APP poderão ter seus projetos aprovados e registrados separadamente. Quando houver ocupação de APPs, o estudo deve comprovar que as intervenções implicam na melhoria das condições ambientais. O mínimo de 15 metros das bordas dos rios permanecem não edificáveis. A Secretaria de Patrimônio da União pode atuar de duas formas: direta ou indireta. Direta: transfere o direito sobre o imóvel ou ainda autoriza o uso ao beneficiário final da política pública. Indireta: transfere o imóvel de sua propriedade para um agente intermediário, como o município, que o recebe para promover ações necessárias para a titulação do beneficiário final.
condicionantes legais | 19
legislação municipal • Portaria no 1.141/GM5, de 8 de dezembro de 1987, que dispõe sobre Zonas de Proteção e Aprova o Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromos.
O Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromos (PBZPA) determina as áreas de interesse nesse contexto, e dá limites de altura para as edificações construídas ou reformadas dentro dos diferentes margens que ele delimita.1 O Sarandi está quase integralmente dentro da área de interesse do Aeroporto Internacional Salgado Filho, sendo que apenas uma parcela da área não edificável do bairro não está contida. Superfície Horizontal Interna Dentro dessa zona o limite de altura é constante. Imóvel inserido na Superfície Horizontal Interna, sendo construções novas ou reformas com acréscimo na altura deverão observar altitude máxima de 49 metros no topo da edificação.
Superfície Cônica Na superfície cônica o limite de altura aumenta quanto mais se afasta da região Superfície Horizontal Interna. Altitude máxima permitida para o imóvel na área mais próxima do aeroporto: 49 metros. Altitude máxima permitida para o imóvel na última faixa da área de interesse: 105 metros.
20 | Plano Local para o Bairro Sarandi
O PBZPA conta ainda com outras zonas, porém são descritas apenas as que estão contidas dentro da área do projeto e são relevantes para o mesmo. 1
PDDUA • Lei complementar nº 434, de 1 de dezembro de 1999, que institui o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre. Título I - Dos princípios Art. 1º Tem como princípio o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, garantindo: O plano local tem como princípio a democratização da cidade, a qualificação urbana e seu acesso equitativo, redução de desigualdades e de exclusão social e espacial, diversificação dos usos do bairro e redistribuição justa da terra como ferramente para realizar esses objetivos. Está em consonância com os princípios do PDDUA.
I - a gestão democrática, participativa e descentralizada; II - a promoção da qualidade de vida e do ambiente, reduzindo as desigualdades e a exclusão social; IV - o enriquecimento cultural da cidade pela diversificação, atratividade e competitividade; VII - o fortalecimento da regulação pública sobre o solo urbano mediante a utilização de instrumentos redistributivos da renda urbana e da terra e controle sobre o uso e ocupação do espaço da cidade;
demandas da população fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre e IBGE - Censo Demográfico de 2010, disponível em: <portoalegreemanalise.procempa.com. br/?regiao=6_1_0>. Acesso em 13 de fevereiro de 2021. 2
3
fonte: dados ObservaPOA, disponível em: <http://portoalegreemanalise. procempa.com.br/?regiao=6_1_0>. Acesso em 13 de fevereiro de 2021.
O Orçamento Participativo tem uma regionalização própria. O Sarandi está incluído na região Norte, que inclui ele e o bairro Santa Rosa de Lima, ela possui 95.044 habitantes, representando 6,75% da população de Porto Alegre. Sua área é de 30,051 km², o que configura 6,32% da área do município, com sua densidade demográfica sendo de 3.162,75 habitantes por km². A taxa de analfabetismo é de 3,50% e o rendimento médio dos responsáveis por domicílio de 2,48 salários mínimos.2 A demanda mais importante para a Região Norte, segundo o levantamento do número de demandas solicitadas no Orçamento Participativo é o saneamento básico, que tem 41 registros entre 2011 e 2016 - dados disponíveis mais recentes. Esse valor é mais que o dobro que a segunda categoria de demanda (com 20 registros). As áreas que aparecem em maior frequência são educação, saúde, habitação e assistência social, além dessas, demandas de cultura, pavimentação e iluminação, e áreas de lazer apareceram, porém com menor frequência. demandas da população da Região Norte no Orçamento Participativo entre 2011 e 2016 3
condicionantes legais | 21
PLANO objetivos O produto principal do presente trabalho é o Plano Local do Bairro Sarandi. Também há a intenção de se desenvolver uma metodologia para a elaboração do conteúdo de um plano local, tanto com a referência de experiências que se aproximem desse instrumento no Brasil, quanto com a leitura de como ele se aplicaria na realidade brasileira, porém com base na na sua aplicação em outros países, onde essa ferramenta está mais consolidada. O plano local poderá revisar o regime urbanístico do bairro e o zoneamento, se for julgado necessário (considerando que o PDDUA está passando por uma revisão e esses índices podem ser alterados); conterá um regime tipológico, que dará diretrizes de como deve ser a ambiência do espaço público e das interfaces entre o público e o privado; determinará etapas e prazos à implementação da intervenção; definirá, conjuntamente com o regime tipológico, materiais a serem utilizados, vegetação adequada, princípios de projeto a serem aplicados; redesenhará vias para que elas estejam de acordo com os princípios dos projetos e do plano, e para que tenham como resultado a ambiência pretendida. É uma proposta para olhar o espaço urbano do local para o regional, entender qual o resultado espacial que se espera e se deseja de acordo com as características específicas da área, e, a partir disso, determinar regras, para que esses objetivos sejam atingidos. É possível que essa ferramenta não seja tão popular, ou que não se trabalhe tanto com essa perspectiva no Brasil porque ainda é necessário resolver problemas mais fundamentais de planejamento, como oferta de infraestrutura básica para população, mas essas questões não deixarão de estar presentes no trabalho.
O diagnóstico para o desenvolvimento do projeto está relacionado com a etapa de pesquisa do TCC. O levantamento de dados e análises feitas nos capítulos de Caracterização e de Condicionantes Legais correspondem e a leitura técnica e de legislação vigente que exerce influência no produto do plano. 1
O formulário é dividido em quatro partes. A primeira parte busca identificar 2
quem está respondendo o questionário, com perguntas sobre faixa etária, gênero, raça, religião, deficiências físicas e escolaridade. A segunda parte procura entender o perfil sócio-econômico da pessoa, questões sobre tamanho do núcleo familiar, renda, posse do imóvel em que reside e sua condição e posse de veículo aparecem nessa parte. A terceira parte da pesquisa busca entender qual a relação da pessoa com o bairro, se mora, estuda ou trabalha no bairro (tanto no presente como no passado), ou se tem alguma outra relação. E a última etapa tem questões sobre a vivência e percepção do local. Carvalho (2020) também esclarece a importância dos efeitos do ponto de vista do bem-estar da população, “Os efeitos dos investimentos em infraestrutura básica são ainda mais evidentes do que seus impactos sobre o crescimento econômico, já que oferecem o acesso a serviços essenciais como saneamento, transporte, eletricidade e moradia ou mesmo educação e saúde. No caso brasileiro, lacunas e desigualdades históricas no acesso à infraestrutura tornam-se ainda mais visíveis sob o impacto da pandemia.” 3
metodologia A metodologia para desenvolver o exercício, até o momento, tem uma estrutura similar - no princípio - com a de um plano urbanístico. Segue de um levantamento de dados, para diagnóstico1, e depois a definição de diretrizes e objetivos. Mas o Plano Local difere nos produtos, por focar no resultado espacial, estabelece um regime volumétrico mais estrito e mais palpável (no sentido dos seus resultados), dá diretrizes de projeto para praças, vias, parques, interfaces entre público e privado, etc., determina etapas e prazos a serem cumpridos, e também indica soluções para infraestrutura local, pautando a integração dos sistemas. Para ilustrar as diretrizes, algumas áreas terão um esboço aproximado, demonstrando ambiência, mas sem a elaboração de projeto - afinal o plano local seria uma escala intermediária entre o planejamento urbano e o projeto. 22 | Plano Local para o Bairro Sarandi
A participação popular, que deveria corresponder a oficinas e encontros com a população para solidificar o diagnóstico e dar um horizonte para a elaboração das propostas não será feita como se espera. Isso se dá por dois motivos: por esse ser o desenvolvimento de um exercício teórico (portanto levaria em consideração uma mobilização social que não resultaria em ações efetivas, o que pode causar frustração na população e descrença na esfera pública de poder); além disso, a não participação em espaços de participação popular do bairro já consolidadas não será feita devido à pandemia de COVID-19. Assim, a forma encontrada para que a população pudesse participar do experimento, cientes de ser apenas um exercício, e sem exposição a risco de contaminação pelo COVID-19, será através de um formulário online2 e entrevistas individuais.
agentes envolvidos A intervenção deve ser realizada sob a coordenação do Poder Público, podendo ser desenvolvida pelo próprio Poder Público ou por instituições de ensino e escritórios que atuem na área. Deve contar com a participação durante o processo de moradores, usuários e agentes comunitários do local, além da colaboração de secretarias municipais de Porto Alegre. A execução do plano se viabiliza através da prefeitura municipal, de empresas prestadoras de serviços públicos, secretarias municipais, dos proprietários de lotes, e da iniciativa privada.
viabilidade O investimento para o plano deve vir majoritariamente do poder público. Para as intervenções graduais e em menor escala se espera que sejam viabilizadas (ao menos parcialmente) através do aumento de densidade - proposto pelo plano -, que incrementaria a arrecadação de impostos. O investimento com quantia mais significativa seria em obras de infraestrutura urbana. Esse valor também viria do Estado, e existem vários motivos para incentivar o investimento público em infraestrutura, pois ele trás muitos retornos para a economia, ainda mais no contexto atual da busca de recuperação econômica. A economista Laura Carvalho (2020) explica que “Apesar de muitas promessas, nenhuma retomada da economia costuma vir puxada por investimentos privados. As empresas só decidem expandir a capacidade produtiva, investindo em novas máquinas e equipamentos, quando veem a demanda crescer. Da mesma forma, o consumo também depende do próprio crescimento da renda. Por isso, a recuperação em situação de crise exige a injeção de algum componente autônomo de gasto. (...) Daí a importância de um motor estatal como o dos investimentos em infraestrutura”. A crise deve ser enfrentada com uma postura anticíclica, caso contrário ela apenas é intensificada, portanto o Estado deve assumir a postura de investidor, para incentivar a mudança do cenário econômico. Essa visão se aplica na perspectiva de crise, mas também a realidade de cidade precarizada, onde o governo deve compreender seu papel e investir para que ela prospere.3 projeto | 23
DIRETRIZES O caminho para produção de um espaço com vitalidade urbana, inclusivo e que vá ao encontro do desenvolvimento sustentável precisa ser pensado a partir de várias perspectivas para que se possa compreender a realidade, e então, não apresentará uma fórmula única ou simples. A ideia é trazer uma sugestão de caminho para esses objetivos. Acredito que seja uma questão de analisar a realidade material e produzir conhecimento para alterá-la a partir dela mesma. E, como ela não é simples, as respostas para modificá-la também não poderão ser. As diretrizes gerais do plano, como já apresentadas, são: um bairro vivo, seguro, saudável e sustentável. Mas não se limitam a isso, é necessário pensar em qual visão deve ser adotada para obedecer essas diretrizes, como elas serão lidas e alcançadas: uma cidade segura para quem? saudável como?, por exemplo.1 Somado a essas questões, esse local, que segue essas diretrizes, não pode ser ofertado apenas a uma parcela da população, ou à turistas. É fundamental que, para que ele seja verdadeiramente o que se propõe, seja feito por todos e acessível a todos. É claro que o planejamento urbano, em qualquer escala que se trabalhe, não pode resolver todos os problemas da cidade, mas todas as ferramentas desenvolvidas no presente trabalho se propõem a considerar três fatores: a) A realidade é complexa, por isso os problemas da cidade também são complexos, mas compreender a cidade assim, não significa admitir suas falhas e a impossibilidade de eliminá-las, significa procurar alterar a realidade compreendendo ela, para que as mudanças sejam efetivas e positivas - que as proposições de mudanças sejam uma síntese da relação entre realidade que se tem e a que se deseja. Além disso, significa construir as outras mudanças necessárias paralelamente com demais ferramentas além do planejamento urbano, pois a realidade deve ser alterada, mas algumas questões exigem mudanças estruturais; b) “A cidade é uma obra coletiva”, como disse Raquel Rolnik (1988), e ela deve permanecer assim. Dentro de uma perspectiva democrática, a cidade deve ser construída coletivamente e as suas alterações devem dizer respeito à sua população e o seu direito à cidade. Então, para que a cidade não saia das mãos de quem verdadeiramente pertence, a participação popular é fundamental na construção de propostas relevantes. c) O melhoramento das condições urbanas e habitacionais não pode vir desacompanhado de políticas que previnam a gentrificação, porque o que se propõe não é reformar uma parcela de cidade e a por à venda.2 O objetivo de definir esses pontos é que mudanças que se propõem a fazerem alterações positivas no bairro não sejam responsáveis por trazer intensas repercussões negativas para a dinâmica urbana e para sua população. 24 | Plano Local para o Bairro Sarandi
Como Vainer (2000) exemplifica no texto Pátria, Empresa e Mercadoria, parte de A Cidade do Pensamento Único: “Nunca é demais lembrar que a oferta de uma imagem de cidade segura não necessariamente depende de que a cidade seja, de fato, segura para os que nela habitam; sempre é possível criar cordões de isolamento e áreas de segurança para os visitantes.” 1
Dois comentários são interessantes de serem trazidos, Maricato e Vainer, em A Cidade do Pensamento Único falam 2
sobre questões diferentes mas que se interseccionam. Maricato (2000) faz o seguinte questionamento: “até que ponto é possível insistir na estratégia das elites urbanas brasileiras, de produzir um cenário de modernidade ou, agora, de pós-modernidade, em uma ilha, cercada pela não cidade?”, não se pode deixar cair na armadilha de melhoramentos com um objetivo estético para a produção de um cenário, é fundamental que esse desenvolvimento esteja alinhado a inclusão social. E Vainer (2000), explica que, dentro da visão de cidade-mercadoria, “a cidade não é apenas uma mercadoria mas também, e sobretudo, uma mercadoria de luxo, destinada a um grupo de elite de potenciais compradores: capital internacional, visitantes e usuários solváveis”. Em sua crítica, está claro que é isso que a cidade não pode ser. As mudanças motivadas pelo desejo de atrair capital, transfiguram a pobreza e a miséria em questões estéticas, um “problema paisagístico”, dentre outras questões. O planejamento e as qualificações urbanas não podem se limitar a essa crueldade, por isso há importância nas políticas públicas, para que a cidade seja inclusiva e participativa.
viva, segura, sustentável e saudável “A vida em toda a sua diversidade se desdobra diante de nós quando estamos a pé.” - Jan Gehl Esses quatro objetivos são o resultado da volta da preocupação com a dimensão humana no planejamento urbano, que exige uma melhoria na qualidade de vida urbana. Jan Gehl (2015) comenta que os recursos necessários para mudanças nesse sentido são modestos - se comparados com outros investimentos sociais - e trazem benefícios enormes.
510 R. Viêira da Silva
vista da Praça Oliveira Rolim (fonte: Street View)
Uma cidade viva tem mais pessoas caminhando e permanecendo nos espaços públicos, com mais oportunidades sociais e culturais. Com mais pessoas nas ruas, a cidade se torna mais segura, mais pessoas se sentem confortáveis para fazerem trajetos de forma ativa. Com mais pessoas optando por métodos de locomoção alternativos a carros, a economia e o meio ambiente se beneficiam. E a sociedade mais ativa reduz o potencial de problemas de saúde, torna a cidade mais saudável. Tornar a cidade caminhável, convidativa para o pedestre e ciclista, ofertar transporte público de qualidade, gera um ciclo virtuoso, a saúde da população, a economia e o meio ambiente melhoram juntos, e continuam impulsionando mais melhora entre si. O Sarandi tem potencial para a produção de espaços públicos agradáveis e articulados. Atualmente, apesar de ter várias praças, a maioria desses espaços transmite uma sensação de abandono. Fica clara a falta de investimento em espaços públicos, e, em alguns casos a própria população é impelida a tomar uma atitude através de ferramentas disponíveis. É o caso da praça construída pelos moradores na Avenida Dique, que conta com canteiros e bancos improvisados. Além disso, as ruas do bairro, que são calmas mas com uma pequena e agradável movimentação constante (durante o dia), o são apesar da falta de infraestrutura. Em muitas partes não há calçamento (o que pode ser visto até na própria Avenida Assis Brasil, com registro no levantamento fotográfico), acessibilidade, ciclovias (que existem, principalmente na região ao sul da Avenida Assis Brasil, e ainda assim são escassas). O Sarandi não convida os seus moradores a estarem nas ruas, mas fica claro que eles querem estar. Image capture: Apr 2019
Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul Google Street View
praça improvisada na Avenida Dique (fonte: acervo pessoal)
© 2021 Google
Partindo da ideia de convidar a população ao deslocamento coletivo ou ativo, está associada a ideia de propor uma cidade compacta (sem verticalização intensa). Densificar a ocupação da cidade tornaria o sistema de transporte mais eficiente, viabilizaria economicamente obras de infraestrutura urbana, mas também produziria vários outros benefícios. Especificamente, para o Sarandi, um dos objetivos é tornar possível remoções de moradores em situação de risco e realocá-los (com aluguel social, cota para HIS, etc) para locais seguros dentro do próprio bairro, não rompendo o tecido social construído. Assim a densidade populacional aumenta, com inclusão social e em uma região inserida no sistema de transporte coletivo, integrada à cidade. diretrizes | 25
o outro na cidade “Em uma sociedade em que o racismo está presente na vida cotidiana, as instituições que não tratarem de maneira ativa e como um problema a desigualdade racial irão facilmente reproduzir práticas racistas.” - Silvio Almeida Um ambiente que dificulta a convivência pacífica entre desconhecidos pode potencializar a diversos tipos de discriminação, social, racial, LGBTQfóbica, etc. Segundo Jacobs (1961), “Urbanizar ou reurbanizar metrópoles cujas ruas sejam inseguras e cuja população deva optar entre partilhar muito ou não partilhar nada pode tornar muito mais difícil para as cidades norte-americanas superar a discriminação, sejam quais forem as iniciativas empreendidas”. Além disso, segundo Almeida (2018), entendendo a ação estrututal do racismo, é necessário que se criem práticas efetivas para combatê-lo - de modo geral, é necessário que hajam práticas para combater todos os modelos de opressão, principalmente dentro do sistema econômico vigente, que tende a capitalizar com essas violências. “Em uma sociedade em que o racismo está presente na vida cotidiana, as instituições que não tratarem de maneira ativa e como um problema a desigualdade racial irão facilmente reproduzir práticas racistas já tidas como “normais” em toda a sociedade. É o que geralmente acontece nos governos, empresas e escolas em que não há espaços ou mecanismos institucionais para tratar de conflitos raciais e sexuais.” Assim, o autor sugere que “Se o racismo é inerente à ordem social, a única forma de uma instituição combatê-lo é por meio da implementação de práticas antirracistas efetivas”. O comentário é feito no âmbito de instituições e empresas, portanto pode-se interpretar que não se aplicaria a uma ferramenta de planejamento urbano. Porém, se se é compreendida a natureza estrutural das opressões na sociedade capitalista, depreende-se que é necessário pensar em formas de combatê-las, em todos os âmbitos. Silvio Almeida (2018) aponta que “O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre “pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição”. Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente, torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas, econômicas e urbanas. É necessário não apenas não produzir segregação, mas agir para impedir a marginalização do “outro”: priorizar negros, mulheres e transsexuais em ações de aluguel social, realocações, etc; oferecer um ambiente urbano vivo e seguro para que essas pessoas não precisem se preocupar com a violência direcionada especialmente a elas; oferecer espaços de acolhimento para população vulnerável; proporcionar acesso a serviços básicos e segurança da habitação e da posse. O espaço urbano deve ser receptivo e diverso, para que todas as pessoas possam se sentir confortáveis, seguras e incluídas nele.3 26 | Plano Local para o Bairro Sarandi
Acredito que um espaço urbano vivo, seguro, sustentável e saudável - e com mecanismos que evitem a segregação sócio-espacial - possa promover uma redução de desigualdades históricas, mas especificamente uma cidade segura para grupos marginalizados com certeza produz uma cidade mais segura para todos. 3
uma experiência social Um espaço que promova local de encontro e interação entre pessoas diferentes, a figura do “outro” deixa de ser uma ameaça, que pode, inclusive, deixar de ser um desconhecido. 4
Jan Gehl diz que as atividades de ver e ouvir são as formas de contato que mais podem influenciar o planejamento urbano. Segundo ele, “A questão é importante porque esses contatos passivos - de ver e ouvir funcionam como pano de fundo e como trampolim para outras formas de contato. Através da observação, do ouvir e experienciar os outros, juntamos informações sobre as pessoas e a sociedade em torno de nós”. A cidade é um local de encontro, e ela deve ser vivida coletivamente, então papel do planejamento e do urbanismo é proporcionar o espaço para que essas interações aconteçam, que as pessoas desejem estar no espaço de ver e ouvir, principalmente desconhecidos.4 A cidade também deve garantir um espaço para grandes encontros, debates, manifestações, protestos, etc. Ela é uma arena, e deve oferecer espaços físicos para que haja “acesso e oportunidade de expressão de todos os grupos da sociedade e liberdade para atividades alternativas” (GEHL, 2015). Aproximar pessoas diferentes com interesses variados torna a cidade mais atrativa, interessante e viva. Sobre isso Gehl diz que “O interesse público determina as regras do jogo no espaço comum da cidade e assim ajuda a garantir às pessoas as oportunidades para o intercâmbio de mensagens pessoais, culturais e políticas”.
o espaço urbano “Se ao cabo de todo esse esforço a cidade se apresenta monótona, incaracterística ou amorfa, ela não cumpre a sua missão.” Além da descrição mais ampla das diretrizes que influenciam o trabalho no tema do espaço urbano, alguns outros argumentos mais pormenorizados já estão presentes como orientação. Questões relacionadas a dimensões, proporções, irregularidades de planta, ocupação de espaços abertos, escala humana, campo social de visão, etc. Essas ideias tem fundamentação em diversos autores, que serão guia para as propostas de ambiência. Nesse quesito, além dos autores já citados no trabalho - Jane Jacobs, Jan Gehl e Gordon Cullen - o livro A Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos, de Camilo Sitte, também é referência, embora com ressalvas. O livro trás análises interessantes do uso de praças e como projetá-las, mas também faz recomendações que não estão alinhadas com o modelo de cidade abordada aqui, e que diverge das outras referências. 5
- Gordon Cullen A principal referência para a concepção das diretrizes de ambientação dos espaços públicos será o livro Paisagem Urbana, de Gordon Cullen (1971). O livro avalia como a cidade pode impactar visualmente os seus habitantes, e explica que o conjunto de suas edificações possui um poder de atração visual. Segundo o autor “Existe, sem dúvida alguma, uma arte do relacionamento, tal como existe uma arte arquitetônica. O seu objetivo é a reunião dos elementos que concorrem para a criação de um ambiente, desde os edifícios aos anúncios e ao tráfego, passando pelas árvores, pela água, por toda natureza enfim, e entretecendo esses elementos de maneira a despertarem emoção ou interesse.” A intenção é trabalhar com essas substâncias para criar espaços urbanos que despertem atração e interesse. Cullen adiciona a ideia de não criar uma forma para o aglomerado urbano ou meio ambiente, defendendo o bom uso da flexibilidade da solução científica para que não se “entronque” a arte do relacionamento. Ele diz que “Apenas se deseja descobrir meios que permitam manobrar dentro dos limites da tolerância”. Considerando isso, o objetivo não é projetar as áreas públicas e interfaces entre público e privado. A intenção é direcionar os projetos, mas permitindo a manobra dentro das diretrizes, assim, evitando a monotonia - que poderia surgir de um projeto total e único -, afinal a cidade tem valor também pela sua diversidade.5 diretrizes | 27
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ANEXOS histórico escolar
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