Laços de Família

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Ao meu pai C창ndido e minha m찾e Maria C창ndida Que sempre preservaram acima de tudo A uni찾o familiar


PRESERVAÇÃO DA ESPÉCIE Gerações e gerações se encandeiam Na preservação de uma identidade Que não se manifesta apenas Pela Raça, pela Cor ...ou pelo Credo... São outras as razões que nos mantém unidos Tão profundas, tão complexas, Que nem sequer as conhecemos Mas, que por elas, nos ETERNIZAMOS !!! João Carlos Figueredo 2


A fotografia desta árvore foi selecionada pelo professor Victor Hugo, um artista em fotos e que, no seu entender, foi tirada por um dos melhores fotógrafos da natureza do mundo, Ansel Adams. Ela tem uma semelhança com nossa família. Vejam: Raízes fortes e profundas, como são as que herdamos de nossos pais, Seu Candinho e Da. Mariquinha; Inúmeros galhos garbosos como são seus filhos e netos; Harmoniosa, como sentimos entre nós todos; Um ar de grandeza, como grandes foram os seus feitos; Passividade, como sentimos em nossos coraçőes; Porque não dizer, também, de sua transparência; De religiosidade, como a que aprendemos desde a nossa infância; Por fim, para mim, esta é a verdadeira árvore de nossa gloriosa família Tem como base, a raiz profunda, deste glorioso casal

CANDIDO MAXIMO BALIEIRO MARIA CANDIDA BALIEIRO Que casal mais lindo do mundo ! Bodas de Ouro 19 de Junho de 1947 3


Papai, como sempre garboso, feliz por ter realizado com sua querida Maria Cândida um sonho. Nascido na longínqua Ayuroca, em Minas Gerais, onde nasceu seu primogênito Agenor e depois, em Igarapava, berço de toda família, plantando uma frondosa árvore, com inúmeros galhos, onde destacavam-se seus filhos, netos, bisnetos, trinetos, tataranetos, genros e noras. E, naturalmente, no final de sua vida junto com a mamãe, dizer em alto e bom som: DEVER CUMPRIDO, ABENÇOADO POR DEUS

Família unida 1938

Veja que linda fotografia

BODAS DE OURO DO PAPAI E MAMÃE - 1947 4


ORIGEM DO NOME BALIEIRO É feio copiar e colar, nem pensar. Mas quando a história é perfeita, como no caso levado ao meu conhecimento e que diz respeito à nossa história, na versão do nosso ilustríssimo vovô Marcelo Gandelman, o meio justifica o fim. Diz ele: BALIEIRO é uma história. A história dos Balieiro vem de longe, lá dos Açores. O que se sabe é que em sua origem são judeus, convertidos em cristãos novos, que se refugiaram nos Açores e lá foram trabalhar como agricultores. Nesta época os caçadores de baleias da Nova Inglaterra resolveram contratar os lavradores dos Açores. Naquele tempo diziam ter sido ótima mão de obra. Assim surgiram os “BALEEIROS” que adotaram esse nome como muitos outros judeus usaram para passarem por cristãos (eles costumavam usar nomes relacionados a profissão ou a árvores). Esta história foi registrada por padres na época da inquisição no“ LIVRO DAS CONFISSÕES” e por muito pouco não foi queimado. Assim, os Baleeiros começaram a se aventurar pelos oceanos, caçando baleias. Continuando a história, um membro mais aventureiro desta família, resolveu tentar a sorte no promissor e longínquo Brasil. E foi parar no Rio de Janeiro, mais precisamente em AYRUÓCA (região de Volta Redonda). Consta que este homem teve 3 filhos: um mais rebelde se revoltou contra a família e foi para a Serra da Bocaina, onde lá adotou o sobrenome de " Leite". Outro foi para a Bahia e lá expandiu a família e manteve o nome correto de Baleeiro. Neste ramo encontramos o famoso jurista Aliomar Baleeiro (baiano de nascimento) e o Padre Baleeiro, que foi secretário de Educação no governo do Dr. Adhemar de Barros. O terceiro filho ficou na região de Rezende (estado do Rio) e seus descendentes se espalharam pelo interior do Rio e São Paulo. Mas quando ainda estavam em Ayruóca o sobrenome Baleeiro foi registrado erroneamente como B A L I E I R O. Talvez pelo sotaque de quem compareceu ao cartório e assim começou toda nossa história. Na interpretação de Almeida Firmino , Ilha Maior, “Baleeiros açorianos, heróis sem nome, com um pé em terra e outro no mar, Enquanto esperam pelos grandes mamíferos, São agricultores, pastores, moleiros, tecelões, ferreiros”

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H I S T Ó R I A DOS B A L I E I R O S Contada por mim que sou caçula: Ataliba Balieiro, aos 86 aninhos. Contar a história de nossa família não é nada fácil. Não sei se vou conseguir. O meu objetivo, porém, partindo do princípio de que “para iniciar é preciso dar o primeiro passo”, lá vou eu com a cara e a coragem. MEUS PAIS, MEUS AVÓS - ERA UMA VEZ UM GATO XADREZ, nada disso...... Era uma vez um homem chamado Candido, depois conhecido por Seu “Candinho”. Ele nasceu há muito tempo, quando o Brasil ainda era Império, exatamente às 23 horas e 35 minutos, no dia 5 e setembro de 1874. Isto mesmo, mil oitocentos e setenta e quatro, antes da proclamação da República de 1889, na cidade fluminense de Rezende, perto da capital do Brasil, na época Rio Janeiro. Toda vez que uma criança nasce ela recebe um nome, sempre indicado pelos pais. Depois é batizada na Igreja, na pia batismal, onde o padre, sem pedir licença, sapeca água benta na cabecinha dela e passa óleo no seu peitinho e ainda põe um pouquinho de sal na sua boca. Depois o padre diz o nome dela, no caso CANDIDO, abençoando-a, em nome de Jesus. Pronto. Já tem um nome, que devidamente registrado passou a ser: CANDIDO MAXIMO BALIEIRO filho de FRANCISCO MAXIMO BALIEIRO e VENANCIA AUGUSTINHA DE ALMEIDA Que por ordem hereditária são avós paternos, ou vovô e vovó, dos filhos do Candinho e Dona Mariquinha. Depois eu conto quem é a Da. Mariquinha, esperem um pouco. Como eu ia contando, Candido, o papai Candinho, começou sua vidinha em Resende, onde seu pai Francisco botou ele (esquisito dizer botou ele, hoje a gente diz matriculou-o) na Escola Municipal de Rezende quando tinha apenas 7 anos. Mas era preciso pois, naquela época, quem não estudava ficava burro...isto é, não sabia ler nem escrever. E o pai do Candido, Sr. Francisco, não queria ter um filho burro (nem eu e nem você que está lendo esta história, não é verdade ?). Quando criança ele fazia suas artes como todas as crianças faziam, mas ele nunca me contou e assim eu não posso contar para vocês. Apenas imagino que eram mais ou menos iguais as que nós cometemos em nossa infância, para alegria, entre aspas, de nossos pais.

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E aí ele foi crescendo, estudando, trabalhando com seu pai e até como professor. Como conseguiu este título eu não sei, mas me contaram que ele era bom mesmo, e até ensinava as pessoas a escrever as letras do alfabeto e até números e cálculos. Vejam bem, tudo na areia, igual nos tempos antigos... Dizem que pegava um bambu, igual a uma bengala. Com ela ia escrevendo e ensinando as crianças, na areia. Bacana, não? Bem, vamos avançar um pouco no tempo. Passar da infância para a juventude. Quando ele tinha 18 anos costumava viajar de carroça, de charrete ou mesmo no lombo de um burro, que era o meio de transporte daquela época, para a vizinha cidade mineira de Ayruóca, onde ia visitar uns primos que moravam lá. Numa dessas viagens ficou conhecendo uma menina muito bonitinha chamada MARIA CANDIDA que devia ter mais ou menos uns 8 anos. 0 nome dela foi dado igualzinho e do mesmo modo do Candido, isto é, por seus pais: JOSÉ MARIANO DE ALMEIDA e IRIA CANDIDA DE ALMEIDA Que também por ordem, são avós maternos dos filhos de Da. Mariquinha e Seu Candinho. Eles que escolheram o nome de Maria Candida. Também foi batizada como o Candido, na pia batismal com água, óleo e sal e depois do batismo passou a se chamar MARIA CANDIDA DE ALMEIDA. Com o passar dos tempos ficou conhecida como MARIA CANDIDA DE ALMEIDA BALIEIRO. Assim como o Candido, Maria nasceu no tempo imperial, no dia 4 de março de 1884. Portanto, mais ou menos dez anos mais nova que ele. Com o correr dos anos e as constantes viagens do Candido para Rezende, cada vez mais ele admirava a Maria, com a qual já tinha tirado “umas linhas”. O tirar linhas, naquela época, era o mesmo que namorar. A maneira de “tirar linhas” era assim: andar no jardim ou rua principal, cada um em sentido contrário e assim, ao passar um pelo outro, cruzavam os olhos, brilhantes de alegria e às vezes davam até uma piscadinha, e dessa forma iniciavam o namoro e uma grande amor. Com a idade de 25 anos, mais ou menos, não aguentando mais ficar longe da sua querida, só tirando linha, o Candido pediu permissão ao seu pai, para conversar com ele sobre um assunto muito importante !!! -O que você quer dizer de tão importante? perguntou seu pai. -CASAMENTO. Respondeu nervoso o Candido. -CASAR , foi isto que eu ouvi? 7


Iria.

-Isto mesmo. Eu quero casar com a Maria, filha do Sr. José e Da.

Ele já estava com quase 25 anos e a Maria chegando aos 16. Estava na hora de resolverem a sua união. Para isso, o seu pai Francisco Balieiro, precisava ir a Ayruoca falar com os pais de Maria e pedir autorização para ele casar com ela. Depois de muita conversa, convenceu seu pai e lá foram os dois a caminho da casa dos Almeida. É bom esclarecer que naquela época eram os pais que resolviam sobre o casamento dos filhos. E o que eles decidiam, era lei. Tinha que obedecer e casar mesmo. No caso do Candido dependia apenas da concordância dos pais da Maria, pois ela concordava em casar ele. Lá chegando o Sr. Candido pediu licença ao Sr. José Mariano para uma conversa particular. E assim foi feito. Ele disse: - Sr. José Mariano, meu filho Candido tem vindo aqui na sua casa, onde agradeço te-lo recebido com muita consideração e nestas visitas ficou encantado com sua filha Maria, e é desejo dele casar-se com ela. Maria “me autorizou” a falar com seus pais, Sr. José e Da. Iria para escutar de viva voz se era do gosto deles o noivado. A resposta como não podia deixar de ser foi positiva, pois era de gosto deles a união da duas tradicionais famílias: Os Almeida e os Balieiro. Os noivos tiveram então autorização para namorar na sala de visita, na presença da mãe ou do pai, em dia e horário combinado. O casamento foi marcado para junho de 1897, na Igreja Matriz da cidade de Ayuroca. Felizes com a nova vida, celebrado o casamento, o casal foi morar na cidade de Ayruoca, município de Bocaina. No ano de 1898, no dia 24 de novembro, nasceu o primeiro filho do Candido e Maria. Era um menino e que seria no futuro a maior alegria de todos. Também recebeu os sacramentos do batismo com água benta, óleo e sal, confirmando seu nome A G E N O R e no Cartório de Registro Civil foi registrado como AGENOR BALIEIRO, filho de Candido Maximo Balieiro e Maria Candida de Almeida Balieiro. Os avôs e avós foram seus padrinhos. E a vida continuava. Felizes, ela no lar, ele no trabalho. Até que um dia, o Candido conversou com Maria para dizer que estava com vontade de mudar para a cidade de Igarapava, no Estado de São Paulo, onde tinha uns parentes e que a terra de lá era muito boa e a cidade acolhedora.

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Animados com a idéia da mudança, comunicaram sua decisão aos seus pais e arrumadas as malas, partiram para iniciar nova vida em nova terra. Depois de certo tempo, já acostumados na terra vermelha de Igarapava, convenceram, também os pais de Maria a se mudarem e assim uniram todos os familiares. A querida Igarapava, foi o berço da família Balieiro. Lá residiram os irmãos do Seu Candinho e Da. Mariquinha e onde nasceram seus demais filhos, que se bem me lembro são, por ordem de nascimento: AGENOR, primogênito, mineiro de nascimento, paulista de coração; RITA, mais conhecida como LlLI, continuando veio WALTER, mais conhecido como TOTINHO, depois nasceu o CANDIDO JR. que como os demais foi apelidado e conhecido por ZIZINHO, e depois dele, o BENEDITO, abreviado, DITO. Em seguida nasceu o FRANCISCO, o famoso e querido CHIQUITO, seguindo ainda por ordem, a DINORAH, mais conhecida como DINÁ. Ponto final em Igarapava. Melhor dizendo, quase ponto final, pois em 25 de Junho de 1922, para alegria e festas de todos, nasci EU, ATALIBA, nome que me foi dado pelo meu padrinho Ataliba Negrão, que era brancão, não tinha nada de negro e minha madrinha Lourdes. Depois eu conto a minha história. Eu era o caçula, mas para me tirar o “caçulismo" veio ao mundo minha querida irmãzinha TEREZINHA, nascida em 1924, que encerrou com chave de ouro a gloriosa família Balieiro (filhos do Candido e Maria Candida). Disse encerrou, mas somente contando com estes filhos ao longo da história, vieram seus netos, bisnetos, trinetos e tataranetos. Somando todos dava mais ou menos uns 300 galhos na frondosa árvore genealógica, tendo como raízes este louvado e amado casal CANDIDO MAXIMO BALIEIRO e MARIA CANDIDA ALMEIDA BALIEIRO. A família, depois de muitos anos, mudou-se para Pedregulho, cidade onde nasceu a Terezinha que infelizmente, para tristeza de todos, faleceu quando tinha apenas cinco aninhos, transferindo o seu título de caçula para mim, “Ataliba”. Isto em 1928, aproximadamente. Em rápidas palavras, está aí a família do pirlimpimpim; brincadeirinha, família do Seu Candinho e Da. Mariquinha. De todos que conheci são nove irmãos, mas por informações fidedignas, de fontes contraditórias a este total se acrescentaria mais 5, totalizando portanto 14 lindos e robustos irmãos, que iniciaram a formação da frondosa árvore genealógica dos BALIEIROS.

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O contador desta história, pretende ilustrar com a fotografia do casal Candinho - Mariquinha, tirada em suas bodas de Ouro em Ribeirão Preto e aproveitar para incluir outras fotos da família para melhor conhecimento dos interessados. É bom eu fazer um resumo da família, senão vocês não vão entender nada. CANDIDO MAXIMO BALIEIRO Filho de Francisco Maximo Balieiro e Venancia Agustinha de Almeida MARIA CANDIDA BALIEIRO Filha de José Mariano de Almeida e Iria Candida de Almeida O casal CANDIDO MAXIMO BALIEIRO e MARIA CANDIDA BALIEIRO tiveram como filhos, noras e genros: Esposo/a AGENOR BALIEIRO------------------------------- -------- Isabel Silva Balieiro RITA BALlEIRO BARBOSA--------------------------Lamartine Belem Barbosa WALTER BALlEIRO---------------------------- ---------Isaura Santiago Balieiro CANDIDO MAXIMO BALlEIRO JUNIOR-----------Odila Moreira Balieiro BENEDITO BALIEIRO---------------------------------Auta Cavalcante Balieiro FRANCISCO XAVIER BALlEIRO----------------Vera F. Guimarães Balieiro DINORAH BALlEIRO--------------------------Ulisses Fernandino Figueiredo ATALIBA BALIEIRO-----------------------------1a. Neusa de Almeida Balieiro -----------------------------2ª. Maria Cecília A. S. Balieiro TEREZINHA BALIEIRO---------------------- --------solteira, falecida em 1928 Pensei e resolvi escrever alguns fatos ocorridos com todos os meus familiares contando um pouco a história de cada um, iniciando naturalmente pelo meu querido pai e minha mãe aos quais devo o que sou. Pelos ensinamentos recebidos, pelas maneiras que agiam, a alegria demonstrada nas reuniões de família, a solidariedade, a humildade, a religiosidade e paciência que bem demonstraram o seu caráter. Exemplo a ser seguido por todos nós, seus filhos, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos. Porque não dizer, por seus inúmeros amigos e companheiros inclusive seus genros e noras tão queridos. 10


Começo pelo:

Cacique da tribo – meu pai

CANDIDO MAXIMO BALIEIRO Papai Candinho não era chegado a fazer e receber carinho. Nem precisava. Sua maneira de olhar, o seu brilho, seu sorriso, escondidos, misturados, já refletiam a sua gratidão e alegria, sem dizer uma palavra. Do mesmo modo, sua repreensão aos que necessitavam ser punidos, não saiam de sua boca, mas no seu modo de olhar severo, compreendido de imediato. Me lembro muito bem, sentados à mesa de refeições eu, meus irmãos, como devíamos nos comportar, aguardando o final de seu recolhimento religioso, para em seguida sermos servidos. Aprendi com ele e minha mãe como me comportar, agir, e até a brincar. Não me lembro de ter recebido dele nenhum presente, diretamente. Sei que fazia por intermédio de outras pessoas. Fui ensinado a respeitar os mais velhos, não porque ele me aconselhava, mas pelo modo indireto que dizia. Meu pai era católico. Tudo para ele dependia da vontade de Deus. Fazia parte da Congregação do Coração de Jesus. Aqueles que usavam uma capa 11


vermelha e um faixa da mesma cor, com o emblema do coração de Jesus. Com ele e com minha mãe, assistiamos a missa dominical e de vez em quando a reza, que normalmente era à tarde, a qual minha mãe nunca faltava. Contarei depois um milagre que ela presenciou e justo comigo.!!! Estou misturando tudo. Agora é hora de escrever sobre meu querido pai. Ele foi um homem honesto e político. Acrescentei honesto porque hoje em dia é raro um político honesto! Era fazendeiro. Inicialmente dono da Fazenda Ressaca e posteriormente administrador de fazendas, sitiante, comerciante e contador. Entrou para a política sendo eleito prefeito de Igarapava e posteriormente em Pedregulho para onde se mudou. Em Igarapava, além de prefeito, foi presidente do Clube Recreativo no qual tinha um associado super querido e animado, seu filho Agenor, que contava com sua irriquieta irmã Lili, suas primas e primos, todos foliões. Por isto as festas eram constantes. Tinha até matinê dançante. Muita gente das cidades vizinhas. frequentava o Clube sob o comando do seu Presidente e Diretores, portanto na mais perfeita ordem. Meu pai tocava violão e tinha como parceiro o Tio Doca. Este era peça rara na família. Melhor do que ele, só ele mesmo. Mas como ia dizendo meu pai foi também meu professor de violão. Eu, na falta de outro parceiro, aprendi a acompanhar as valsinhas de autoria dele. Não sei como descrever as aulas, mas era mais ou menos assim: Ele dizia: - Segura bem o violão no pescoço, na frente, e os dedos atrás, nas cordas. O ritmo era aquele, mais ou menos assim: Quem quer pão, quem quer pão, quem quer pão...com feijão, e ia acompanhando o ritmo. Ficava de olho nele e toda vez que mudava de posição no violão, ele dava um sinal com a cabeça e lá ia eu no compasso da música. Era divertido... Quando eu era pequeno, no Sitio Pendura Saia, em Pedregulho, aprendi muita coisa, até capinar. Era costume pendurar as roupas para secar na frente da casa, num lindo espetáculo colorido, que fazia inveja aos mais conhecidos decoradores na época. Daí a razão do nome do Sitio. Meu pai ia para a plantação de café, onde os colonos trabalhavam e me ensinou a “puxar a enxada”. De lá meu pai me levava para o campo, para caçar cordonas e perdizes. Eu ficava quieto, olhando para ele enquanto preparava a espingarda e aguardava o cachorro levantar a ave. Era um tiro só. B U M e aí vinha o cachorro com a codorna na boca, entregando-a para meu pai. Assim aprendi a ter paciência, esperar pela amarração do cachorro, a ser perseverante na busca da caça. Tudo ensinado, na prática, pelo meu pai. Mas paciência mesmo era na 12


pescaria. Ficar parado, sem falar, quietão, com a varinha de pesca, aguardando o puxado do peixe. Era preciso muita paciência, como na vida, para conquistarmos nosso objetivo, como ele dizia. Na Revolução Paulista de 1932, meu pai era prefeito de Pedregulho. Soube que as tropas mineiras já estavam perto da Ponte do Rio Grande, que separava os estados de Minas e São Paulo, ameaçando invadir e entrar na cidade de Igarapava, com destino a São Paulo. É engraçado, mas demoraram a atravessá-la, com toda sua tropa fortemente armada, inclusive cavalaria. Com medo da reação dos paulistas com sua artilharia e com suas metralhadoras que na verdade eram apenas o forte som imitativo das matracas e alguns tiros de fusís e, ainda, o risco da ponte ser dinamitada, tão logo tentassem a travessia. Tudo ledo engano...atravesaram. Por isso mesmo, meu pai reuniu-se com os conselheiros da Prefeitura, fizeram um levantamento de todos os bens que tinha em dinheiro e documentos oficiais. Resolveram enviar meu pai para encontrar-se com o Prefeito de Franca, cidade paulista mais próxima, para entregar a ele a sacola e a pasta de documentos. Entretanto, e isto é verdade, o Prefeito de Franca não quis assumir tamanha responsabilidade e junto com meu pai foram até Ribeirão Preto para cumprirem sua missão. Qual não foi a surpresa deles, quando o Prefeito e Conselheiros de Ribeirão resolveram ir juntos para São Paulo no cumprimento de suas obrigações. E tal foi feito. Face a demora verificada corria a notícia, como ela corre sempre, que ele tinha sido preso pelas tropas inimigas, o que não era verdade. Dias depois ele apareceu são e salvo, com a alegria do dever cumprido, para nossa tranquilidade e salvou os bens públicos de sua cidade. A Revolução de 32, mesmo eu sendo um menino com 10 anos, me ensinou muita coisa. Mas contarei depois, quando falar de minhas artes! Um fato acontecido comigo, tendo meu pai como participante bem demonstrou a maneira sutil de chamar a atenção de um filho, por linhas indiretas! Quando iniciei minhas viagens como funcionário de um laboratório, no estado de Minas Gerais, costumava enviar meu itinerário para a mamãe e sempre mandava, por carta, notícias minhas e do meu trabalho. Com o passar do tempo, deixei de enviar novas notícias para ela. Não porque a tivesse esquecido, bem como ao papai e irmãos, simplesmente por achar que não havia necessidade. Um dia recebi uma carta do meu pai que entre outras coisas dava notícias de todos, e escreveu: 13


- SUA MÃE QUE O AMA GOSTARIA DE RECEBER NOTÍCIAS SUAS. UMA SIMPLES CARTINHA, GARANTO QUE ELA FICARIA MUITO ALEGRE E AGRADECIDA. Como me doeu aquele puxão de orelha. Peguei o primeira trem para Franca e lá fui eu para fazer uma surpresa para todos e especialmente para Da. Mariquinha. Valeu meu querido pai. A lição me comoveu muito. Era uma verdadeira aula real e prática de cobrar um compromisso, sem usar termos críticos e sem cobrança direta. Uma vez vi meu pai bravo, melhor dizendo, contrariado. Foi quando contei a ele que a minha professora tinha me batido com a régua, depois de ter chamado a minha atenção várias vezes. Meu pai me pegou pelo braço e lá fomos para o Grupo Escolar. Lá chegando, ele procurou o Diretor e pediu a ele que convocasse a professora para comparecer a sua presença, pois tinha um assunto importante a resolver. Reunidos, se bem me lembro, ele disse: - Sra. professora, este menino é meu filho de quem cuido e ensino e se merecer, também repreendo ou castigo. São obrigações primeiras dos pais. Entretanto, não outorguei estes direitos a terceiros. Apreciaria muito se a senhora me avisasse sobre as faltas por ele cometidas, para eu tomar as providências necessárias. Mas não posso aceitar que ninguém castigue meus filhos, pelas razões expostas. Muito obrigado pela sua compreensão e do Sr. Diretor. Disse boa tarde e saímos. Lembro do meu pai trabalhando em nossa casa em Franca. Ele ocupava um cômodo, que ficava entre a sala de visitas e a copa. Nesta época era contador (aquele que faz a contabilidade de terceiros). Usava um móvel alto, cuja tampa era grande e inclinada. Diziam que era chamada de “burra”, por guardar tantos livros, continuando burra. Sob esta tampa ele guardava os seus livros. Tinha um que nunca me esqueço. BORRADOR. Não sei se ele borrava. Ele me explicou que neste livro ele anotava todo o movimento da firma, recebimentos, pagamentos, tudo. Por exemplo: um fregues entregava o dinheiro para pagar sua dívida e lá no livro aparecia: dinheiro recebido do Joaquim para pagar sua divída de 5 metros de tecidos verde, de tantos reis. Naquela época o dinheiro era reis, em notas ou em moedas. Havia uma moeda de 400 reis que, por ser grandona, era chamada de quatrocentão. E deste livro ele passava para outro chamado Conta Corrente e tinha ainda o livro Caixa, Diário. Tudo isto ele me explicava e me ensinava. Foram minhas primeiras aulas de contabilidade e que muito me valeram no futuro. Durante o seu trabalho, no dia a dia, estando minha mãe ocupada 14


também com seus afazeres, mas atarentada com as brincadeiras e barulho das crianças (nóis como diziamos) pedia ajuda ao Candinho no sentido dele tomar as devidas providências com os meninos. Lembro muito bem, quando ele dizia: - Calma Mariquinha, isto logo vai passar. Em seguida fechava a sua mesa de trabalho, depois de guardar os seus livros na burra, vestia seu paletó e saía de mansinho dizendo que ia dar uma saidinha e voltaria logo, não deixando de dar aquele olhar tão conhecido por todos nós. Claro que a bagunça terminava para satisfação da mamãe. O fato demonstrava o sentido de repreensão do meu pai, sem usar de uma única palavra. Seu olhar dizia tudo. A trajetória da vida de meu pai foi longa e cheia de dificuldades, mas também de sucessos. Foi um homem que hoje chamaríamos de classe média alta e terminou sua vida gloriosa juntamente com sua esposa Mariquinha amparados por seus filhos e filhas e por último pela minha irmã Diná e meu cunhado e amigão Fernandino, durante vários anos. Teve sítio, armazém de secos e molhados em Pedregulho, onde fornecia para todos os moradores da cidade, inclusive para fazendeiros e sitiantes. Cobrava ora em dinheiro, a vista ou no fiadão para os sitiantes que pagavam suas contas na época das colheitas. Sofreu muito com a crise do café em 1929, que foi um quebradeira geral. Teve que suportar, embora perdendo muito. O armazém foi uma troca que papai fez de um sítio, ou fazenda. Deu no que deu. E o jeito era começar tudo de novo. Na época que era Prefeito de Pedregulho ele tinha uma central telefônica, onde meu irmão Dito trabalhava. Era interessante o sistema que funcionava só com ligações com fios. Por exemplo: você tinha um telefone em sua casa, pegava a manivela de chamar que fazia parte do aparelho e acionava várias vezes. Na Central a ligação era atendida pela telefonista. Aí você pedia para falar com fulano de tal que forçosamente tinha que ter também um telefone com fio. A Central manipulava na mesa, com cabos, enfiava a ponta de um deles no ponto do telefone a ser chamado. Tocava a manivela várias vezes e quando ouvia o sinal do outro lado, dizia: o Cel. Galdino quer falar com o senhor. Espere um pouco. Pegava outro cabo da mesa e ligava para o Cel. e quando este atendia falava para esperar, pois estava completando a ligação. Aí pegava outro cabo e tocava para a pessoa que estava esperando. Esta atendia e então falava. Fácil, não? Engraçado, se a gente na mesa telefônica quisesse escutar a conversa, era só entrar na linha e ouvia tudo. Não tinha segredo de justiça, nem bloqueio de telefone. 15


Além da caça e da pescaria, Seu Candinho aprovava e gostava de um joguinho de baralho junto com seus amigos e parentes. Nada de jogo a dinheiro o que era terminantemente proibido. Vigorava a famosa Lei do Pato. Normalmente o jogo era praticado aos domingos e feriados. A semana corrida era de segunda a sábado. Durante as sessões, a dona da casa servia um chá ou cafézinho com bolinhos. Não tinha esta de cerveja. A cerveja, só no bar e olhe lá! As crianças muito raramente podiam assistir ao jogo e quando chegava 7 da noite, era hora de recolher. Não adiantava reclamar. Ordem é ordem. Bença pai, boa noite para todos e lá iamos para o quarto de dormir. Papai era um festeiro de primeira ordem. Gostava de reuniões em família e de música, esta tocada por violões, cavaquinhos, violino, flautas, criando um verdadeiro grupo musical. Nunca faltava a sanfona, principalmente nas festas juninas. Dava gosto ver os fogos, naquela época. Os famosos foguetes, pega moleque, salta moleque, rodinha, estrelinhas, fogueiras e por último a famosa quadrilha, sendo meu pai um verdadeiro mestre e marcador. Até hoje ainda ouço sua voz dizendo: - Formar os pares, anauê, avancê dos homens, avancê das mulheres, travecê, tour (não sei como se escreve) mas era hora de dançar com o par, abraçados. Caminho da roça, aí vem chuva, olha a cobra no caminho, em seus lugares e por aí afora. Era gostoso. A criançada e eu também fazíamos nossa quadrilha a nosso modo. Às vezes o “baile” era em casa, na sala. Num aniversário de minha mãe, que era super recatada e acanhada, forçamos a barra e fizemos o seu Candinho e Da. Mariquinha dançarem uma valsa cantada por todos. Reminiscência de um passado feliz, como dizia meu pai. Nossas famílias, irmãos, tios, sobrinhos, netos, que se juntaram pelos laços matrimoniais acrescentaram ao sobrenome “Balieiro”. O sobrenome dos genros e noras, alicerçados num só núcleo, e em homenagem aos nossos ancestrais, continuaram mantendo viva a chama maior de nossa união, que se resume numa só palavra A M O R, brotado de nossos corações e o cercaram com todo carinho até os dias de hoje formando um grupo uno, indivisível. Eis que a nossa união, nossa solidariedade mútua, somada com a nossa compreensão, desprendimento, fez nascer o nosso querido BABA’S, iniciais de Balieiro e Barbosa, que foi batizado pelas mãos do seu Candinho e Da. 16


Mariquinha, Lamartine e Lili, sendo seus padrinhos, os seus filhos, que inscreveram por sua vez seus filhotes, daí nascendo esta gigantesca árvore genealógica, com o suporte das raízes fecundas de meu pai e minha mãe. Bem, chegou a vez da Da. Mariquinha.

Que olhar santo

MARIA CANDIDA BALIEIRO Não sei se saberei descrever minha querida mãe. São tantas as suas qualidades, como esposa, companheira, amiga, conselheira, prestativa, super trabalhadora, ótima cozinheira, religiosa a flor da pele, carola mesmo, com uma fé invejável, tendo Cristo como seu guia em tudo e por tudo. Além das inúmeras santas e anjos, fazia parte da Congregação de Maria, ou filhas de Maria, e entre outras inúmeras qualidades, a maior dela era a qualidade de SUPER MÃEZONA, irradiando fluidos de carinho e amor, compreensiva, tolerante. Ajudava a todos especialmente seus filhos e netos, aos quais nunca deixou de prestar sua prestimosa colaboração. Gostaria de ser poeta só para criar um poema dedicado a ela, mas como não sou, dedico-lhe todo o meu amor, meu coração cheio de amor filial e de profundo agradecimento por tudo que fez e se sacrificou por 17


mim, relevando minhas faltas, minhas “artes” . Fui muito arteiro, mas ela me ensinou a ser um homem de bem, sempre abençoado por Deus, que conheci por intermédio dela, e de sua fé inabalável. Vou contar alguns episódios que presenciei e que participei, tendo minha querida mãe como protagonista. Foi um exemplo de fé. Numa das muitas rezas que participei com ela, ora na qualidade de coroinha ou apenas como seu acompanhante, dei uma fugidinha da Igreja até a Casa Paroquial, ao lado, onde o Padre Luiz, “bendito padre Luiz”, tinha sua residência. Lá chegando resolvi tomar um cafezinho, com os bolinhos dele. Mas para isto tive que subir em cima do fogão para apanhar o bule de café. O fogão estava super quente, fervendo mesmo, e por descuido, escorreguei, derramando todo o café em minhas costas. Com o barulho a empregada me acudiu e imediatamente colocou óleo em minhas costas, para aliviar a dor e saiu correndo para avisar minha mãe do acontecido. Em vez da minha mãe sair às pressas para me acudir, penso eu, pediu a Jesus que nada de mal deveria acontecer comigo, tendo feito o seu pedido com verdadeiro exemplo de fé e confiança. Depois foi me buscar, levando-me para nossa casa. Lá chegando avisou meu pai do acontecido e levantou minha camisa para mostrar a queimadura e para sua surpresa, nem uma bolha havida surgido, estando minha pele como se nada tivesse acontecido. Minha mãe não perdeu a oportunidade para dizer que foi um milagre de JESUS.! Se foi milagre não posso afirmar, mas o ato serviu para me aproximar de Jesus, que até hoje me acompanha o tempo todo. Graças a Ele e a minha querida mãe carola. Na Revolução de 32, tendo meu Irmão Zizinho e seus primos se alistado para combater os invasores mineiros e gaúchos, minha mãe, embora com o coração dilacerado de dor, foi quem costurou a farda dele e de seus primos junto com outras amigas, numa demonstração de confiança e porque não dizer de patriotismo. Quando morávamos no Sítio Pindura Saia, minha mãe costumava ir a cidade de charrete ou de carro de boi. Numa destas viagens, sofreu um grave acidente que se contado hoje ninguém acreditaria. Ia voltando para o sítio no carro de boi, carregado de compras e também de madeiras, quando o mesmo tombou sofrendo Da. Marquinha fratura na clavícula e escoriações, estas tratadas com cataplasmo. É bom explicar o que é cataplasmo. Tratava-se de uma massa de angu bem quente, enrolado em palha de milho que era colocada na parte afetada, servindo ao mesmo para cura de pneumonia. Acontece que quem fazia as aplicaçães, exagerou no tempo de aplicação, que cozinhou o ombro de

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minha mãe, não tendo ela nem uma vez se queixado e, como ela disse, tratava-se da vontade de Deus. Estou relatando estes fatos para comprovar a grande fé que minha mãe tinha. Chegou até a insinuar a meu irmão Chiquito e depois a mim que o maior gosto dela era ter um filho padre. Nem ele e nem eu concordamos com a idéia. Apresentamos nossas razões, principalmente o Chiquito que na ocasião era congregado mariano, Não foi fácil!

Se não me engano nossa casa ficava na Rua Comandante Salgado, em frente a casa da família Scarabucci. Na mesma rua, atráz da Matriz de Franca, morava Lamartine, Lili e a filharada. O retrato nos mostra a casa atual, reformada, mantendo a mesma frente. A janelinha correspondia ao nosso quarto. Chiquito, Dito e eu, dormíamos lá, fora algum sobrinho, que dormia no colchão, no chão. Vou contar um fato que aconteceu conosco. Vindo de um baile, já de madrugada, resolvemos entrar pela janelinha para não acordar o papai. Foi um custo empurrar o Chiquito para dentro do quarto, pois ele tinha tomado umas e outras e não estava bom das pernas. Eis que a porta do quarto se abriu e apareceu o Seu Candinho, que calmamente, perguntou: - Não seria mais prático vocês entrarem pela porta da frente? Silêncio absoluto. Como diz o ditado, enfiamos a cabeça no meio das pernas... A paciência de minha mãe era fora de série. Na ocasião que morávamos em Franca, nossa casa tinha três quartos e um outro situado nos fundos, anexo a cozinha onde dormiam seus netos e, se não me 19


engano, eram uns três ou quatro. O quarto não tinha forro, ou melhor, tinha somente parte dele, assim mesmo de pano. Por isso mesmo, na preguiça de levantar para levar objetos para fora, estes eram jogados no forro, que, vez por outra, caia com tudo que estava armazenado. E aí vinha a defesa dos bagunceiros: a culpa é sua...minha não, é sua. E assim vai. Para acalmar, minha mãe dizia que ia dar um jeito, com a promessa de que não repetíssemos a dose. Promessa jurada, no ato. Mas a vida continuava, com forro ou sem forro. Lá também ficavam hospedados nossos primos com anuência de Da. Mariquinha. Haja paciência minha mãe. Com todo o trabalho da casa minha mãe ainda costurava para todos nós. Quantas vezes, chegando tarde da noite, lá estava a luzinha do quarto de costura acesa e minha mãe trabalhando. Não sei e não posso compreender a sua resistência. Diz ela que sua força vinha de Deus e Ele realmente atendia ao seu pedido. Quando precisava de um dinheirinho chorava as pitangas com minha mãe, que sempre recusava alegando não ter nem um vintém. Sugeria a ela pedir ao papai que nunca lhe negou e assim ganhava meu QUATROCENTÃO, moeda assim chamada como já afirmei, anteriormente, por ser grandona. Vou contar um fato que não devia. De vez em quando, convencia a mamãe a fazer uma “fezinha” no jogo do bicho. Aí ela me dava uma moedinha e com ela, eu ia matar o bicho. Para vocês que não conhecem o termo, matar o bicho é o mesmo que tomar umas e outras, entenderam ? Vou explicar melhor: tomar um aperitivo. No fim do dia avisava a mamãe que ela tinha ganho no "macaco". Ela não entendia nada, coitada. Mas autorizava a jogar, novamente, mas na "vaca". E assim ia. Até que um dia, com remorso, falei para a mamãe que estava proibido o jogo e se eu não podia ficar com o dinheirinho que ela tinha ganho, pois estava muito precisado. Claro que não negou... Como religiosa, sua maior alegria era nos ver bem arrumadinhos para acompanharmos a procissão, onde minha irmã Diná ia, vestida de Santa Terezinha, e ela até ficava parecida com a própria santa, cuja roupa era feita por Da. Marquinha. Nós também íamos de terninho, gravatinha, sapatinho, cabelos penteados, com vaselina, fitinhas e santinhos pendurados como colares. Papai ajudava, também bem vestido, carregando junto aos demais fiéis o Andor do Santo festejado, na ocasião. E lá iamos nós todos, cantando os 20


hinos apropriados e comemorando a data com grandes foguetes, que estouravam sobre nossas cabeças com enorme barulho. Era divertido. A vida da nossa mãe era a nossa própria vida. Que simplicidade, que ternura, que religiosidade, que paciência, quanto despreendimento. Como se conformava com o dia a dia, com suas mudanças de cidades, de casas e finalmente a aceitação de desfazer sua própria casa para morar alternativamente com seus filhos!!!!! Nem ela nem Seu Candinho nunca reclamaram de nada. Aceitavam a vida como ela se oferecia. Benditos sejam eles aos quais devotamos todo nosso amor, agradecimentos por tudo que fizeram e se dedicaram a nós. QUE EXEMPLO DE BEM VIVER Queira Deus que tenhamos assimilado um pouco do muito que ganhamos e aprendemos. Principalmente, que saibamos transmitir aos nossos filhos, parentes e amigos, um pouco da sabedoria deles, para a continuidade de nossa santa união, com amor sincero, despreendimento, solidariedade, fraternidade e sobretudo a graça de sabermos perdoar. Não sei mais o que dizer. Poderia ainda contar outra face de minha mãe, mas por mais que faça ainda é muito pouco do quanto a amei. Brincava às vezes com ela que eu era um predestinado filho dela e de Deus. E inventava a história da minha vinda ao mundo. Eu dizia que eles eram muito pobres e por caridade do dono da fazenda, conseguiram um lugar para morar, no paiol. Numa noite, para enfeitar mais a narrativa, numa noite enluarada, no dia 25 de Junho de 1922, nasceu uma criancinha bem morena a quem deram o nome de Ataliba. O lugar para registro do fato era a Fazenda Termópolis, da qual meu pai conseguiu emprego de administrador. Na realidade o que eu queria contar para minha mãe era que eu também nasci numa manjedoura, no meio das vacas, e tendo como berço a caminha de palha de milho! Por não ser verdade a minha invenção, minha mãe ficava uma arara, mas era gratificante ver o sorriso estampado em seu rosto apesar de ganhar, como castigo, um coque, na cabeça, o modo preferido dela de nos castigar. Mas estou misturando minha biografia. (Será este o nome certo?). Já que invadi sua área, vou acrescentar uma brincadeira que meu tio Doca, irmão da mamãe, fazia com ela, conhecedor de sua profunda fé em Deus. Ele entrava escondido em casa, com um turbante na cabeça e ao se aproximar dela dizia: 21


- Quieta Marquinha, estou tomado pelo Diabo. Vou dar um passe em você, para curá-la da sua carolice. Não preciso acrescentar a reação dela, embora sabendo tratar-se de uma brincadeira dele, mas obrigava o irmão a fazer o sinal da cruz e em seguida rezar um padre nosso. O que ele fazia com gosto, rindo muito. Este era o meu tio Doca, com quem muito aprendi. Minha mãe se vestia sempre com roupas simples, vestidos compridos, igual seu cabelo que ela sempre prendia. Abro um parênteses para dizer que só uma vez vi minha mãe de cabelos soltos bem compridos. Foi na ocasião da morte de minha querida irmãzinha Terezinha e o seu sofrimento me abalou profundamente. Mas como ela disse, seja feita a vontade de Deus. Continuando, ela sempre usava uma bolsa preta, onde estavam seus livros de orações e os terços e rosários. Nenhuma jóia, ou colar. Năo me lembro de tê-la visto maquiada, pintada ou com batom. Sempre usou um creme para a pele, muito conhecido na época e até hoje, creme Rugol (a propaganda é grátis) por isso mesmo tinha uma pele super macia. Seus presentes eram santinhos, e livros de orações, com dedicatória escrita com dificuldade, uma vez que tinha apenas as primeiras lições, pois naquela época havia muita dificuldade, principalmente por falta de escola. Não sei mas tenho comigo que o Seu Candinho deve ter ajudado muito Da. Marquinha nessa área. Como convivi pouco anos com minha mãe, guardo apenas recordaçőes da sua devoção católica. Participei de sua freqüência à lgreja, quer nas rezas da tarde ou nas festas religiosas, com as famosas procissőes, quando ela nos preparava com esmero para tais festividades. Lembro-me bem, quando ela estava vestindo minha irmã Diná para representar Santa Terezinha. Ela, de verdade, parecia mesmo com a Santa Milagrosa. Se pecava também cumpria muita penitência pelas minhas idas de madrugada, à Capelinha, lá em Franca. Ela ficava a uns oito quilômetros de nossa casa. Forçado pela insistência de minha mãe Mariquinha que havia feito novena, veja bem, novena, nove dias, de ir comungar na Capelinha. Quando não ia eu, ia meu irmão Chiquito...Tinhamos que sair às 6 horas da madrugada. Pra mim valeu, pois fiquei mais tempo com minha querida mãe...

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Veja a foto da capelinha com a frente ainda de terra, Igreja N.Sa. Aparecida, gentilmente cedida pelo meu querido sobrinho Ary Balieiro.

Brincadeiras à parte uma coisa ficou patente, gravado mesmo em nossos coraçőes. A fé que ela nos transmitiu e por ela, todos nós gravamos este sentimento cristão, que continuamos a ensinando a nossos filhos e netos. 23


Deixo minha mãe e meu pai, suas almas caridosas, que estão lá no céu, gozando as merecidas delícias do paraíso, para falar um pouco do muito que aprendi com meus irmãos. Começo pelo meu irmão mais velho:

AGENOR BALIEIRO Agenor faleceu em 2 de dezembro de 1939 com 41 anos, deixando Bebé viúva nos seus primaveris 38 anos de vida... Ficamos imaginando o que seria da família do Agenor e da Bebé em número de filhos; ele e ela na flor da idade, a época sem TV e quase sem rádio, uma cidade pacata, silenciosa, em sobressaltos e cheio de amor para dar... Certamente seríamos em 15 (?) ou mais irmãos. Dono de uma alegria muito grande em viver, Agenor contagiava a todos com suas brincadeiras. De uma delas eu me lembro: Agenor era caixa do Banco do Brasil, em Franca e, certa vez precisou tirar uma espinha do rosto. Feita a operação colocou um esparadrapo sobre o corte e foi trabalhar normalmente. É claro que o curativo despertou curiosidade de todos quando se aproximavam do caixa onde ele trabalhava e invariavelmente perguntavam o que havia acontecido, obrigando Agenor a dar a mesma resposta a todos. Pela quinta ou sexta vez, cansado de repetir a explicação, foi para a frente de uma máquina de escrever, descreveu o que tinha acontecido e pregou o papel com a explicação no vidro do caixa. Claro que causou muitas risadas... Bons tempos... Lindos tempos... (Ary Balieiro) 24


AGENOR BALIEIRO nasceu em Minas Gerais, no dia 22 de Novembro de 1898 no distrito da Bacaina de Ayuroca, conforme consta no Livro de Assento de Nascimento, no.04, folhas 130, termo n° 160, lavrado no Registro Civil, Bocaina de Minas, por Terezinha Nascimento Dalia, tabeliã substituta, vindo para Igarapava, São Paulo quando da mudança do Seu Candinho e Da. Marquinha. Iniciou seus estudos no Grupo Escolar de Igarapava e posteriormente no Ginásio do Estado. Sempre foi um aluno dedicado e amante da boa leitura. Eram seus companheiros, além de sua irmã LILI, seu par inseparável, e tendo o mesmo espírito alegre, seus primos. Dentre eles José Candido Balieiro Neto, apelidado de JUJU, e muitos outros, formando uma verdadeira família, com amizade e respeito. Naquela época Igarapava era uma cidade pequena, onde predominavam as famílias Balieiro, Almeida, Moreira e Diniz formando um grande núcleo famíliar, que cultivavam os mesmos sonhos, ideais, numa união fraterna e feliz. O Clube Recreativo era o ponto obrigatório da reunião da turma, com suas brincadeiras, jogos de salão, danças e sobretudo o famoso Carnaval. AGENOR, pelo seu espírito super alegre e irreverente comandava as festas. Em 1920, o corso era feito com charretes ou em um carro, o famoso carro bigode. Era assim chamado pois a mudança das marchas era feito com duas hastes horizontais e que mais parecia um bigode do que qualquer outra coisa. Para dar partida havia uma manivela colocada logo abaixo do radiador com um golpe forte na mesma, acionava o dínamo que dava sinal da partida. Nem sempre o carro pegava, sendo preciso nova manobra e, finalmente, para alegria de todos, soltava aquele ruído de motor e a conhecida fumaçeira. AGENOR iniciou seu trabalho com papai em Igarapava. Recebeu dele a responsabilidade dos serviços do Cartório de Notas e Registros durante alguns anos, até que esta função foi transferida para o seu tio JICA, José Candido Balieiro, irmão do Sr. Candinho. Um fato marcante e que bem desmonstrava a sua irreverência, digna de nota, foi a apresentação de sua namorada, Isabel de Paula e Silva, (BEBÉ) residente em Cachoeira Paulista, para os seus familiares, em Pedregulho. Ele era muito amigo do irmão da Bebé, o Pedro Paula e Silva que era farmacêutico naquela cidade. Gostava tanto do Agenor que um dia convidou-o a conhecer sua família em Cachoeira Paulista. O convite de pronto foi aceito pelo meu irmão Agenor. Só que o sr.

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Pedrinho, como era conhecido, fez a seguinte advertência ao Agenor, mais ou menos assim: - Olha lá, Agenor, pela nossa convivência, conheço suas conquistas como grande namorador. Vou leva-lo a conhecer minha família, desde que você não faça suas graças para minha irmã Isabel, que ainda é muito criança. Pedido aceito. Lá foram os dois para aquela cidade, onde divertiram-se, tendo sido respeitado o trato feito com o Agenor embora, de início, a Bebé foi a escolhida, pela sua delicadeza, sua timidez, e sua beleza, mas respeitado o acordo feito. Passado algum tempo, o Agenor confessou ao seu amigo que gostou demais da Bebé e gostaria de retribuir o seu gesto convidando-a a conhecer também a família dos Balieiros em Pedregulho. Dito e feito. Marcado o dia da chegada, qual não foi a surpresa de todos, quando na chegada do trem, na Estação da Mogiana, Bebé, ao descer, teve uma imensa e inesperada surpresa com os sons de uma grande banda de música, especialmente contratada pelo Agenor para recepcioná-la, sendo ele o grande maestro !!. Logo ela, com sua timidez e recato. Daí em diante, perdidamente apaixonados, foi marcado o seu noivado e o casamento celebrado decorridos apenas quatro meses do seu primeiro encontro. AGENOR casou-se em 1920, com Da. Bebé, Isabel Silva Balieiro e teve dez filhos. Verdade, dez filhos maravilhosos, talvez onze, pois morei muito tempo com eles e fui portanto mais um para receber os ensinamentos da verdade, da honestidade, da virtude, da compreensão,da fé, da esperança e de sua contagiante alegria. Ainda residindo em Igarapava Agenor e Bebé tiveram seu primeiro filho, THÉO no ano de 1921. Em 25 de junho de 1922, com seis meses de idade, me conheceu, seu tio Ataliba, que com seu nascimento,virei tio do meu primeiro sobrinho, com quem convivi durante longos e felizes anos. Meu irmão Agenor era uma pessoa humana, caridosa, trabalhadora, inteligente, cumpridora de seus deveres, e como não poderia deixar de ser, religioso, católico, tendo participado de inúmeras campanhas a favor da Igreja, que recebia doaçőes para ajudar os mais necessitados, naquela época. Seguindo o exemplo do nosso pai teve uma família numerosa, como já havia dito. Dez filhos a saber, pela ordem de nascimento: THÉO, MEIRE, CID, GIL, ARY, RUY, MARIA AUGUSTA, LURDINHA, HUGO e LUIZINHO, o raspa do tacho. É bem verdade que eu também poderia ser incluído no elenco, eis que durante vários anos morei e fui educado pelo meu irmão e Da. Bebé, tendo convivido com eles desde meus 10 26


anos até a data de sua morte, em 1939. Ele morreu muito moço, com 40 anos. Olha o Agenor aí com a Bebé e os dez herdeiros ( estou escondido atrás do Théo)

Tive portanto a alegria de receber os ensinamentos dele e da Bebé, e acima de tudo o carinho e amor, não só deles como de todos meus sobrinhos. Năo posso me furtar de contar o porquê da minha ida para Franca, para residir com meu irmão. Estava ele em visita ao nosso pai, em Pedregulho, no ano de 1933, quando soube que eu estava cursando o 3o ano no Grupo Escolar, já com a idade de 11 anos. Achou que era melhor me levar para Franca, a fim de me preparar para exame de admissão no Ginásio do Estado. Lá entregou para o professor David Ewbank a incumbência de me ensinar e orientar para o exame de admissão que, naquela época era obrigatório. Foi bom, porque recuperei o ano perdido no Grupo e ainda passei em 11o lugar no Ginásio e como prêmio fui morar com meus sobrinhos, na casa da Da. Bebé e do meu irmão Agenor. Tempo bom, bom mesmo, onde aprendi muito. Depois de Igarapava, já com filhos, com três filhos, se não me engano, Agenor foi morar em Campinas, onde tinha uma torrefação de café. Para lá também fui eu e meu irmão Zizinho, para terminar seu curso superior. Como Zizinho era muito dorminhoco, Agenor incumbiu seu filho Théo, para acordá-lo todos os dias, bem de manhã. Diga-se de 27


passagem, que era super difícil! Teve um dia que o Agenor obrigou o Zizinho a levantar na marra, sob pena de jogar um balde d’água na cama em que dormia. Como ele sabia que ele jogaria mesmo, a exemplo do que fez anteriormente, não teve dúvidas, pulou imediatamente e foi para a escola. Agenor sempre foi um ótimo cumpridor de sua obrigações e transmitia a todos o seu comportamento. De Campinas meu irmão foi morar em Franca , já como funcionário do Banco do Brasil.

Nesta casa em Franca tinhamos como vizinho um grande amigo do Agenor, Lopes de Mello fundador da famosa fábrica de calçados Samello. Lá ele foi recebido com muita alegria pelos amigos e parentes. Franca foi na realidade sua última morada. Conquistou, pelo seu gênio, seu modo de proceder, sua confiança e acima de tudo sua lealdade e solidariedade com todos, inumeros amigos, que eram para ele como verdadeiros irmãos, de toda classe social: pobres, remediados, ricos e de vários cultos religiosos. Participou de várias sociedade religiosas e recreativas. Foi presidente da Associação Recreativa de Franca, onde realizou grandes eventos, inclusive festas natalinas, carnaval e de formaturas das diversas escolas francanas. Na festa da escolha da rainha da sociedade Francana, teve a alegria de colocar a coroa na mais bela concorrente, sua querida filha Meire, Maria Isabel Balieiro. Lutava com dificuldade para sustentar sua grande 28


família e contava com a colaboração de seus amigos comerciantes, que facilitavam ao máximo suas compras. Às vezes cediam, por empréstimo durante um certo período, aparelhos de som, rádios, por exemplo. Lembro-me, que durante a copa do mundo, em 1938, meu irmão chegou com um radião, grande mesmo. Naquele tempo usavam válvulas de transmissão e, por isso mesmo, eles eram volumosos. Mas mesmo assim, para escutar a transmissão, era preciso silêncio absoluto e encostar bem o ouvido perto do alto falante. Naquela época não existia a mesada para os filhos, mesmo porque não sobrava dinheiro. Lembro-me de ter solicitado uma graninha ao meu irmão e este, ao negar, disse-me que poderia me arranjar um dinheiro, mas que eu teria que trabalhar com ele, como cobrador da Aliança da Bahia Capitalização. Aceitei o cargo de cobrador e com isto ganhava um dinheirinho. Foi minha primeira lição de trabalho com a ajuda e exemplo de meu mano Agenor. Agenor foi radioamador, no tempo do P Y, com o prefixo PY2KS, tendo seus companheiros de radio amadores, dentre outros, Lopes de Melo, seu vizinho de residência, o famoso alfaiate francano Francisco Simaro, e muitos outros cujos nomes não me recordo. Estudou muito, principa1mente no ramo de Direito, tendo cursado por correspondência várias matérias e com isto conseguiu vasto conhecimento jurídico. Era combativo e perseverante. Uma prova disto foi sua visita ao Presidente Getúlio Vargas, no Catete, para pleitear o auxílio para as famílias com grande número de filhos. Conseguiu porém, sem nunca saber, pois faleceu depois da promulgação da Lei, que beneficiava as famílias numerosas dentre elas a sua própria. Foram tantos os fatos passados com meu irmão que um deles ficou definitivamente marcado para todos nós. Foi o dia do seu falecimento. Ao ser noticiada sua morte, por um momento, a tristeza imensa de sua partida, depois a consolação pela demonstração de carinho e reconhecimento de todos, pela alegria que ele transmitiu em vida, agora demonstrada pelos seus amigos, tendo o comércio de um modo quase unânime cerrado suas portas e seu corpo foi transportado a pé até a sua última morada. Um livro seria pouco para fazer a biografia de meu irmão. Fica apenas o registro de alguns fatos passados e lembrados por mim, como uma singela homenagem a este grande homem, que foi um exemplo de 29


pai, filho, irmão e amigo e aos quais sempre demonstrou seu amor e solidariedade. Chegou agora a vez de falar da nossa querida irmã, LILI.

RITA BALIEIRO BARBOSA Falar que a família está em crise , desestruturada, aquela que quando serge um problema você vai procurar e percebe...que sumiu? Não é a nossa! Ao falar de nossa família, me comovo e sinto muitas saudades. Como falar de família sem lembrar os saudosos: vovô Cândido, Vovó Mariquinha, padrinho Agenor, madrinha Bebé. Tio Chiquito e Tia Vera, Tio Dito, Tio Totinho,Tia Isaura, Tia Oila? E como me reportar ao Lamartine e Lili, meus pais? A saudade bate forte, mas as boas lembranças ainda estão muito presentes. Cada uma delas nos remete ao passado com fatos engraçados, interessantes e alguns até estressantes. Lembrar do Lamartine é falar de um homem forte, educado, sério e formal (de terno, chapéu-panamá e cigarrinho de palha na mão) e que amava acima de si mesmo a sua Lili. Lili era seu oposto, alegre, falante, descontraída, sempre falando.... com a boca, com as mãos e principalmente com os olhos. E como aqueles olhos falavam... Um olhar e nós, seus filhos, saíamos devagarinho entendendo o recado. Ao mesmo tempo a doce Lili era a “ Rita Pimenta”. 30


Lili e Lamartine ambos tinham algo em comum e deixaram-nos como herança: a preocupação com o outro. -Qual de nós que os conheceram que não lhes ficou devendo um favorzinho? Neste momento de união e confraternização onde a nova geração se une à velha, baseada nos conceitos de nossos ancestrais, reafirmamos: A FAMÍLIA É VOCÊ! ABRAÇE-A E CURTA-A! (Terezinha Barbosa) Mais conhecida como LILI, até por ela, com fato comprovado. Vejam o que aconteceu. Ao receber na porta de sua residência o carteiro dos Correios, para entregar uma carta registrada com o nome do destinatário, RITA BARBOSA, de pronto recusou seu recebimento, alegando que em sua casa não morava ninguém com o nome de RITA...Mas que LILI será essa? Será que o Lamartine andou aprontando alguma? Pode uma coisa desta? Claro que sim, partindo da minha irmã Lili. Mas vamos contar um pouco do que sabemos desta maravilhosa mulher, seja como filha, mãe, esposa, irmã, tia, avó, bisavó. De qualquer jeito ela merece toda nossa gratidão por tudo que fez. Nasceu aos 17 dias do mês de abril do ano de 1901, dois anos depois do meu irmão Agenor, primogênita feminina do clâ dos Balieiro, na querida terra natal de quase todos nós, a inesquecível IGARAPAVA. Quase a beira do Rio Grande, divisa com Minas Gerais e vizinha de Sacramento, Minas, também foi a terra onde nasceu o Lamartine, seu querido esposo e meu cunhado. Não sei como foi a infância e juventude da Lili. Mas pelo gênio dela, irriquieta, ativa, inteligente e travessa, posso afirmar que ela deve ter dado muito trabalho para meus pais. Era a queridinha do Agenor e depois do Totinho e também do Zizinho, seus irmãos mais próximos. Tinha inúmeras primas e amigas, todas ou quase todas com o mesmo gênio dela, que juntas representavam um conjunto de mulheres bonitas, festeiras, fofoqueiras (por minha conta). Posso citar, sem desmerecer as demais, como suas íntimas amigas a Alcina Junqueira (mãe de minhas primas Percy e Neide), além do Zé, a morena Terra, Hermantina, Biela Almeida casada com o Dr. Pirajá, dos quais tenho ótimas histórias, Lourdes Negrão (minha madrinha de batismo). Com o perdão da palavra, um bando de mulheres bonitas, simpáticas, super alegres, que animavam todas as festas, que não eram poucas, além do famoso Carnaval. 31


Na verdade elas eram uma verdadeira festa, esbanjando sorrisos, aqueles gritinhos próprios das mocinhas e até umas gostosas risadas. Acho que o único momento de quietude era na Igreja, assim mesmo, de vez em quando, sentia-se o sorriso matreiro e escondido, ou então, aquele olhar para o namorado que lá estava para rezar, orar e tirar umas linhas ....com todo respeito ao bom Jesus. Não é preciso dizer que minha querida Lili era uma participante de primeira grandeza, mesmo sabendo que Da. Mariquinha dava-lhe o merecido castigo, tal como, três padrenossos e três ave-marias, para aliviar os pecados.

LAMARTINE Vejam que expressão mais pura e alegre deste grande homem. Minha irmã conheceu seu namorado, o Lamartine Belém Barbosa (não era o famoso autor e cantor Lamartine Babo, Lalá) por intemédio de sua convivência e amizade com meu mano Totinho, amizade esta que continuou até o fim de suas vidas. Eram, na realidade, dois irmãos, ambos de temperamento tímido, não digo envergonhados, mas bem recatados. Talvez por isso mesmo tenham sido tão amigos. Olha aí os dois picando fumo para seus cigarrinhos de palha, numa famosa pescaria. 32


Não sei como ele conseguiu conquistar minha irmã Lili. Temperamentos completamente diferentes, de um lado a sapeca e de outro o sossegado e tranquilo. Dizem que os dois pólos, positivo e negativo, se atraem e aí está a confirmação da famosa fórmula. Mas a atração foi bem maior, pois ambos se apaixonaram e caíram na rede do cupido, coroada com sua união, que durou mais de 50 anos. Acho que os dois estão no Céu, ele por sua compreensão e paciência e ela por encontrar um porto seguro e permanente, mas que não mudou em nadinha a sua maneira de ser e de agir. A vida deles não foi fácil. Lutaram muito no início. Ao comentar a trajetória do meu cunhado, o famoso Lamartine, vocês irão conhecer um pouco do muito que ele fez por toda nossa família, aí incluindo os Balieiro e os Barbosa. Dessa união dos Balieiros e Barbosas nasceu o BABA’s, do qual, por ser hoje o mais velho da tribo, com muito orgulho, sou o Presidente, melhor dizendo, o PAGÉ destes índios lutadores e competentes. Mas estava falando da minha irmã Lili e não posso encerrar este capítulo, sem contar a versão que ela dava, com respeito a minha infância. Diz ela que eu gostava muito de me esconder. Talvez pela minha timidez ou vergonha? Não sei dizer o que era, mas que eu gostava de dar umas fugidinhas e me esconder, isso gostava. 33


Uma vez nosso pai, o comerciante Candinho, pediu a ela para tomar conta do irmãozinho querido (eu), pois ele precisava sair e não queria fechar a loja. Naquela época as portas abriam em V de tal forma que quando abertas criavam um espaço fechado entre elas. Pois bem, num dado momento, enquanto a Lili atendia uma cliente e amigas, não deu outra, corri e me escondi no vão da porta. Passado algum tempo a minha irmã deu pelo meu sumiço e começou a me chamar desesperadamente, com o intuito de me encontrar antes de papai chegar. Movimentou o mundo, clientes e amigos, incluive nossa prima Pequetita que fazia companhia para ela, na loja. Dizia ela chorando: - Cadê o Ataliba meu Deus? Aavançava um pouco e acrescentava: - Você vai ver quando eu te pegar...Lá tava eu escondidinho e lá fiquei até a hora de fechar a loja. Aí não tive dúvida, voei para fora e ela voou mais do que eu e o resto vocês já podem entender. Sofri mas valeu...HÁ HÁ HÁ HÁ.( parece o Galvim do Jornal do Estadão...) Moravam inicialmente em Igarapava, depois em Pedregulho, na cidade e, posteriormente na Fazenda Baguaçu do Sr. André. Um fazendão! Lá tinha de tudo, predominando o famoso cafesal, com milhares de pés, em franca produção. Por isso mesmo, existia a colonia dos trabalhadores, o armazém para seu abastecimento, farmácia, escola, além das casas do administrador, na época, o sr. Pedro Guizelini, pai do Zé, nosso primo. Havia também a mansão do proprietário, ainda a casa do contador, no caso, meu cunhado Lamartine e em anexo a escola, onde cheguei a freqüentar, por ocasião da revolução de 1932. Era uma casa provisória, uma vez que foi aproveitada na época da revolução e por isto deixava muito a desejar. Tinha um quarto provisório, onde ficavam seus sobrinhos, e eu no meio. Nos dava muito medo, principalmente quando ouvíamos o barulho dos ratos correndo no forro da casa. E principalmente a noite, quando a força (luz) era desligada, para não servir de pistas para os inimigos. Mas, o que fazer? Guerra é guerra. Foi nesta época que a Lili e Lamartine nos abrigaram, com muito carinho, juntamente com seus filhos pequenos, dentre eles o Luiz, meu companheirinho em tudo, principalmente nas artes. Uma delas era subir nas mangueiras, que formavam um círculo. Subiamos em seus galhos e lá de cima passavamos de um para outro; circundando as mangueiras. De vez em quando despencavamos lá de cima. Foi assim que uma vez o Luiz (apelidado de Gatão) sofreu fratura num dos braços por conta de uma queda. 34


Terminada a revolução, com a tristeza de nossa derrota, e a normalização da vida, o casal Lamartine e Lili foram morar em Franca, onde ficaram vários anos. Ele na sua profissão de contador, ainda do Sr. André e a Lili com a assistência e educação de seus filhos, que com o passar dos anos somavam sete filhos. Por ordem, Tereza, Luiz, Milton, Lourdes, Geraldo, Cidinha e Toninho, (o Geraldo faleceu em Franca, ainda criança). Mudaram-se posteriormente para Ribeirão Preto onde passaram a residir. Em Ribeirão Preto a família mudou-se para a famosa Chácara Santa Rita, que registrou os melhores momentos de toda nossa família, com suas alegres festas, principalmente no Natal e Fim de Ano, onde nos reuniamos, todos os parentes e alguns amigos. Mal contando aproximadamente eram 200 foliões. Em cada cidade que moraram, tinham uma grande história para contar. Vale a pena relembrar algumas delas como por exemplo a supervisão do casal Lamartine e Lili na criação dos famosos teatrinhos, sendo nós os artistas, cada um com sua interpretação e disputa entre dois grupos. Assim proceguiu até lotearem a chácara. Como infraestrutura para o nosso teatro tínhamos um salão de festas enorme, com cozinha, e churrasqueira, palco para os nossos shows, camarins preparados para os dois grupos participantes. Até a mesa julgadora dos atos apresentados, com votos e classificação, sendo participantes da mesa, meus pais, Seu Candinho Da. Mariquinha, futuramente meus irmãos, Totinho, Zizinho, minha irmã Lili, como não poderia deixar de ser e supervisionando tudo, o Lamartine. Que lembranças inesquecíveis! Vou relatar alguns episódios: A apresentação do par Luiz Pedro, como Zé Carioca e Maria Helena, fantasiados de preto, exigindo um samba requebrado, carioca legítimo, o par fantástico do casal Paulo Barbosa e Taninha, numa exibição perfeita de bailado clássico, o querido e saudoso Nélio, com sua bunda postiça, perdida antes da apresentação e exigida como condição " sine qua non " para o seu ato. A bailarina Carmem Miranda, na pessoa da Cecília e da Bia, que foram um sucesso, eu mesmo, modéstia a parte, representando a nova Carmem Miranda, usando sua prória fantasia e o Fred Astaire, com a bengalinha, que foi usada para outros movimentos e contra os contrários, o queridão Walter e Tereza, a gloriosa Diva, Osmar, as crianças, enfim, todos num espetáculo digno da mais alta categoria, 35


tendo merecido nota dez dos jurados, por unanimidade para todos os lados. A famosa disputa do mais perfeito futebol dos famosos craques como Carlinhos, Fernando, Miltinho, Zé Ricardo e Augusto. Os atores acima não deixavam nada a desejar, mesmo comparando com o famoso time brasileiro, no campeonato mundial de futebol. E a taça? Que taça! Como eram muitas, foi dada uma a cada um representado no ato pelo copo, já cheiinho de chope. E, aí sim foi feita a melhor demonstração dos não menos famosos beberrões na disputa pelos mil litros de chope, geladinho que dava dó. Só de falar, me dá água na boca e como diz o Luizinho Balieiro, cospe para não misturar. Nossas reuniőes sob a presidência do querido Lamartine, marcaram época, não só para nós como para todos os amigos que sempre nos prestigiaram com sua presença. A saudade mata a gente, a saudade é dor pungente. Mas a lembrança revive a gente. Viver é recordar o passado principalmente o nosso, abençoado por Deus. Festas sempre foram motivo de alegria para a Lili. Năo importa o dia, o lugar ou a hora. No dia de seu aniversário, em São Paulo, reunimos num famoso restaurante italiano, onde a certa altura, todos acompanhávamos a música e o ritmo batendo tampas de panelas. E não é que a Lili se entusiasmou. Sem seu conhecimento pedimos ao mestre, que tocasse a música que dizia o nome dela. Hi, Lilly, hi Lilly, hi lo. Ao ouví-la, com sorriso nos lábios, dançou comigo no meio do bar ao som não só da música como de todos nós presentes, filhos, irmãos netos, sobrinhos e amigos. Aí ela me perguntou baixinho; - Como é que eles sabiam que era dia do meu aniversário? -Ah! Dona Lili. Deus sabia. Por ora chega. Se lembrar outros fatos, contarei oportunamente. Agora é a vez, por ordem de idade, do meu querido irmão TOTINHO. Costumavamos chamá-lo tanto de Totinho que esquecíamos seu próprio nome.

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WALTER BALIEIRO O Tio Totinho é uma referência bem forte na minha vida porque, durante grande parte de minha infância, eu morei pertinho da casa dele, e ia muito lá visitá-lo e minha madrinha Isaura. Eu ficava fascinado com o equipamento de rádio-amador, e com as histórias das redes de rádio para socorrer pessoas em trajédias, arrumar remédios difíceis, enfim, para ajuda mútua. Mas, já adulto, vim a trabalhar com ele, e lembro de algumas coisas bem características: sua seriedade no trabalho, sua linda letra, o meticuloso cuidado com que controlava os recebimentos da imobiliária. Lembro, por exemplo, que o Seu Tuffy só aceitava a prestação de contas se tivesse sido conferida pelo Seu Walter. Por isso, estranhei, certo dia, quando ele veio me passar um contrato para a instalação da rede de água do Jardim Portinari, que deveria ser paga em seis parcelas, dizendo assim: - Ari Pedro, este contrato aqui eu fiz em doze parcelas, porque eu conheço bem o Sr. Antônio. - Tá bom tio, o senhor fez, tá feito. Mas fiquei com a pulga atrás da orelha: o Tio Totinho favorecendo um amigo? Não combinava, de jeito nenhum. Só que eu não queria perguntar para ele, porque ele podia pensar que eu não tinha gostado, e também porque ele era meio severo, sei lá só sei que fiquei intimidado e deixei para lá. Muito tempo depois, eu estava comprando um picolé de coco queimado daqueles de carrinho e, conversa vai conversa vem, falei meu 37


nome para o picolezeiro. Então ele perguntou se eu conhecia a Balieiro Imóveis, e eu disse que era da minha família e tal. Ele falou que só tinha conseguido construir sua casinha por causa dos Balieiros, e que nunca ia esquecer que, quando ele (Seu Antônio) teve que pagar a rede de água do Jardim Portinari, se não fosse o Seu Walter ter feito em doze parcelas, nunca ia conseguir. Daí eu saquei que quando o tio disse que conhecia, ele não estava falando de favorecimento, mas de conhecimento mesmo, daqueles humanos, dos bons! (Ari Pedro Balieiro Filho) Nascido aos onze dias do mês de dezembro do ano de 1903, em Igarapava. Casado com Isaura Santiago Balieiro, a famosa tia ISAURA, uma santa mulher. Não teve filho biológico, mas os teve por adoção fraterna, todos nós, irmãos e sobrinhos menores, destacando-se a Lurdinha, filha do Agenor e Bebé a qual dedicaram todo carinho e amor, até seu último e triste dia, ainda criança, tinha apenas 10 anos. Foi uma dolorosa provação que passaram. Posteriormente, tiveram mais dois filhos adotivos, a Mariazinha e o Toninho, com os quais convivi com muita alegria. Eles eram filhos do casal Manoel e Alzira (esta irmã da Isaura) e que lutavam com certa dificuldade e aos poucos foram cedendo a guarda dos menores para o Totinho e Isaura. Mudaram-se de Franca para Belo Horizonte, já com os dois filhos que receberam todo o carinho e amor, além do cuidado em seus estudos e orientação profissional. Toninho optou por trabalhar como motorista profissional, por conta própria. Casou-se com uma mineira tendo dado três netos aos seus pais adotivos. Mariazinha casouse com o Benjamin e teve também duas filhas e um filho que desfrutaram da companhia dos avós, em Franca, onde residiram, dando a eles todo o seu amor. Fiz no dia de seu aniversário, como homenagem póstuma. Disse o que sentia e sinto pelo meu querido irmão e que tomo a liberdade de transcrever.

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Dia do Tio Totinho 11 de dezembro de 1905 O dia em que TIO TOTINHO nasceu, meu querido irmão e por incrível que pareça até hoje vive comigo. Não morreu. Sinto-o sempre ao meu lado, acompanhando-me com seu olhar manso e tranquilo, ainda ensinando-me as coisas mais lindas deste mundo, com sua maneira de falar peculiar, meiga, simples e, sobretudo recheada de amor, puro amor. Nunca, durante os anos de nossa convivência, desde minha infância, lá no sitio do “Pindura Saia”, e em nossa querida cidade de Pedregulho, recebi qualquer pedido de retribuição de troca de favores, por qualquer ato seu, por menor que fosse. Era totalmente despretensioso, nunca buscou o pedido de agradecimento, do “muito obrigado”... Sua maior alegria, tenho absoluta certeza, era ver a família se seus entes queridos, na mais perfeita harmonia, em paz sempre abençoada por Deus. Não preciso dizer de suas qualidades. E as tenho guardadas em meu coração e tenho a certeza de que todos seus irmãos, sobrinhos, filhos, netos e demais parentes – inclusive seus inúmeros amigos – conhecem de sobra quanto ele era respeitado, amado e quanto nos ajudou. Não existe um só momento de sua vida que não estivesse ligado à família, principalmente aos nossos pais, que o conhecendo melhor que todos nós, nele depositaram todo a sua confiança delegando a ele toda a imensa responsabilidade de nos dirigir e orientar. Ensinaram ao filho, mas com ele também aprenderam. Desta transferência de valores morais e espirituais, transformaram-no no nosso mestre, amigo e protetor, em todos os momentos alegres ou tristes de nossas vidas. Foi um comandante corajoso à sua maneira e que não dava ordens, mas as demonstrava com suas atitudes honestas e puras, que permanecem guardadas até hoje em nossas lembranças. Por isso é que eu disse: - Tio Totinho, meu irmão não morreu. Está aqui, agora, a meu lado, comemorando os seus 93 anos. Só que desta vez orando por nós, lá do céu, ao lado de sua querida companheira Tia Isaura e de todos que lá se encontram, festejando esta data tão querida. Motivo este que dei o nome de “Dia do Tio Totinho” a esta data. Como presente de aniversário, ele me pediu para transmitir, na sua fala mansa e gostosa, a todos que o ajudaram, principalmente nos últimos anos de sua vida, a sua imensa gratidão por tudo o que fizeram por ele... 39


Só mesmo um grande homem, justo, caridoso no extremo, amigo, honesto, puro e cristão poderia ter a grandeza de fazer este pedido de agradecimento, quando a recíproca é a verdadeira. Nós é que agradecemos a ele, nosso irmão e amigo e não sabemos como expressar a nossa imensa e eterna gratidão por sua alma generosa e querida. Mas, como você pediu, e seu pedido é uma ordem, não por você, mas por mim, expresso aqui meu sincero agradecimento e gratidão a todos os meus irmãos, sobrinhos, tios, parentes e amigos, pela solidariedade carinhosa e espontânea, criando uma verdadeira corrente de amor, que possibilitou Tio Totinho, viver os últimos dias de sua vida, cercado de amparo, carinho e amor. Que Deus, todo poderoso, retribua a todos, da melhor maneira que julgar, tudo que fizeram por ele e por via indireta, a mim também. Amo-os do fundo do meu coração Tio Taliba 11/12/98 Minha convivência com ele foi de conhecimentos, sob todos os aspectos. Um verdadeiro ensinamento de vida. Aprendi a ser compreensivo, paciente, justo, além dos conhecimentos comerciais, de trabalho, de respeito ao próximo e, acima de tudo de ser humano, valorizando as pessoas de qualquer classe e a ser justo e honesto. Enfim, tive uma aula do mundo em que vivemos. Já havia muito aprendido com meu pai e com meu irmão. Consegui melhor entender e compreender todas as coisas, por menores que fossem. Enfim, tive a melhor formação, vamos dizer, pós-graduação. Foi um aprendizado não só de palavras, mas principalmente de fatos, de atitudes que me marcaram muito. Seus ensinamento não foi só para mim, mas para todos que com ele conviveram, em qualquer área, humana e social. Testemunhos colhidos de meus irmãos, meus sobrinhos, de parentes, amigos e dos próprios patrões a quem serviu com excessivo cuidado e honestidade, são provas eloqüentes de sua personalidade humana. Um exemplo de amor que todos aprenderam, como o modo de cuidar da sua querida esposa Isaura, seu carinho, seu respeito e dedicação durante sua longa vida e sua enfermidade. Uma verdadeira prova de amor e humanidade. Nunca, em nenhum momento, a desamparou, sempre com aquele sorrizinho em seus lábios, querendo dizer que ela estava sempre melhorando. 40


Năo há palavras que possam descrever todas as suas qualidades demonstradas em toda sua vida, a ela Isaura particularmente e a todos nós que dele colhemos todos os frutos de sua sabedoria de bem viver. Poderia citar muitos fatos de nossa feliz convivência. Mas, gravei dois para demonstrar o quanto julgava ser justo e honesto. Trabalhávamos para a mesma firma, sendo ele gerente geral digamos assim, e eu gerente de vendas e propaganda. Evidentemente com salários diferenciados pelos cargos. Mandei-lhe um comunicado que iria deixar o meu emprego, visto ter um outro negócio em vista. Ele não teve dúvida e compreendeu que eu estava a procura de cargo melhor, com salário a altura e de imediato fez-me uma oferta. Como trabalhávamos por igual, embora em cargos diferentes o certo era somarmos nossos rendimentos e repartí-los por dois que, no seu entendimento, seria mais justo. Ele abriria mão de parte do seu rendimento para igualar com os meus. Evidente, que não concordei com sua proposta, alegando que na realidade estava procurando me dedicar a outro ramo de atividade, onde teria oportunidade de melhoria financeira. Para sua tranqüilidade informei que não mudaria de Belo Horizonte e sendo assim, concordou e me desejou na nova atividade todo sucesso e realização. Um outro fato marcante ocorreu na época de meu primeiro casamento. Sabendo que eu não tinha condições financeiras para instalar minha residência, sem meu conhecimento, mudou-se de onde residia, deixando sua casa inteiramente mobiliada, com todos seus pertences e utensílios. Foi o melhor presente que recebi. Não pelo imóvel em si, mas por sua atitude desinteressada, com a única finalidade de me dar condiçőes para iniciar uma nova vida. Quando saíamos de férias, juntamente com outros sobrinhos, íamos para o seu sítio, em Pedregulho, sabendo que a convivência, para a Isaura, não era fácil. Não por ela, mas por nossas brincadeiras de crianças e que refletiam na ordem de sua casa, uma vez que ela sempre cuidou exemplarmente de tudo, com a mais perfeita ordem e higiene. Tínhamos, por isto, obrigação de colaborar com ela, sem nenhuma reclamação, sob pena de sermos repreendidos. Aí, mais uma vez, intervia o Totinho, com aquele seu jeito peculiar. Filho exemplar, ajudante constante de nosso pai, o qual acompanhou e ajudou durante toda sua vida, em todos os seus ramos de negócios. Por ser muito sincero tinha muitos amigos, destacando-se um muito especial, o Celso. Seu companheiro e ajudante em tudo. Foi levado para Belo Horizonte, com sua família, e a ele foi atribuído um cargo na 41


firma em que trabalhava junto comigo. Como se diz na gíria "ele era pau para toda obra". Não poderia deixar de mencionar meu grande amigo e cunhado Lamartine com o qual Totinho conviveu, não só na mocidade como até seus últimos dias. Ambos tinham uma coisa em comum: eram tímidos, sinceros, mas nem por isso submissos. A exemplo do nosso pai, Totinho também foi Prefeito da cidade de Pedregulho, onde atuou com dignidade, sabedoria e bucando sempre o progresso da cidade, tendo contribuido para sua elevação de comarca. Pelo exposto vocês já podem avaliar quem era, quem foi e será sempre nosso líder. A ele, com muita justiça e honra, tiramos o nosso chapéu, descobrindo nossas cabeças para sermos abençoados por ele, lá do Céu. Ah! que saudades do meu querido irmão e mestre... E lá vem outro irmão, o POETA.

CANDIDO MAXIMO BALIEIRO JUNIOR

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Lembras-te do nosso tempo de estudantes Tempo feliz, em que nossos corações Batiam alegres em peitos amantes Vivendo e sonhando num mar de ilusões Recordo-me ainda bem quando partiste Pela vez primeira em busca do saber Ao despedir-me de ti fiquei tão triste... Quantas saudades havia eu de sofrer! Já na estação, enquanto se despediam De ti, tuas amiguinhas aos abraços Um último adeus meus lábios te diziam Enquanto o trem saindo ganhava espaço Dos teus olhos duas lágrimas corriam E o meu coração tornava-se em pedaços (18/12/1930) Também conhecido por Zizinho, apelido dado não por ter as qualidades do nosso famoso Zizinho da Seleção Brasileira, pois não era chegado a este esporte. Vejam vocês, o que aconteceu com ele numa famosa disputa entre o PEC (Pedregulho Esporte Club) e o BAC (Baguassu Atlético Clube) na famosa partida visando o troféu do melhor clube da região. Por falta de um meia direita, abro um parênteses para explicar para a turma mais nova da família, que antigamente os times eram formados com a seguinte escalação: no gol, como o nome indica estava lá o golguista, na defesa, dois beques, na intermediária, três alfes, esquerdo, direito e meio e na ponta 5 jogadores, ponta esquerda, meia esquerda, ponta direita, meia direita e no centro o centerfur (em ingles, centerfour). Os jogadores caprichavam na sua aparência, até usavam vaselina no cabelo, que o deixava duro e mais preto. Dado o apito inicial, lá ia o PEC para o ataque, tendo o centerfur direito dado uma bola alta para o meia direita, no caso o Ziza, que saltou o mais que pode e conseguiu cabecear a bola para o centro. É gol do PEC. Alegria da torcida, uns 20 mais ou menos, mas logo parou para atendimento do meia, que caiu no campo, meio desmaiado, pelo forte impacto da cabeçada, numa bola cobertão, feita de couro de bexiga de boi ou de porco, e costurada também em tiras de couro e dura feito uma pedra. Lá foi o Ziza para fora com a 43


paralização da partida, mas substituído pelo Chicão. Deste dia em diante, o Ziza nunca mais jogou futebol, sendo seu esporte predileto na época, o pingue-pongue ou a bolinha de gude. Estes fatos me foram contados pelo Dico, diga-se de passagem, considerado o maior mentiroso de nossa família. Qualquer dúvida é só perguntar a ele. Brincadeira a parte, era um grande poeta. Não conheci a maioria delas, mas tenho comigo uma denominada “recordando” escrita em 18 de Dezembro de 1930 terminando assim: Enquanto o trem saindo ganhava espaço Dos teus olhos, duas lágrimas corriam, E o meu coração tomava-se em pedaço... Namorou, noivou, fez poesias e casou com a Odila, na fazenda que era administrada pelo seu pai Miltão, em Colina, estado de São Paulo. Fui ao seu casamento juntamente com o meu pai, minha mãe e Dito, meu irmão, que por sinal passou mal durante toda a longa viagem, inclusive com travessia de balsa. Fui e não vi os noivos se casarem. Também, pudera, marcaram o casamento para as seis horas da madrugada. Pode uma coisa desta? Mas eles tinha razão, pois precisavam, tomar o trem bem cedo, para chegarem em Guaxupé a tempo de ir para o trabalho. Da sua união com Odila tiveram quatro meninas. Por ordem de nascimento vinha Maria Helena, Celia Maria, Elza Maria e Maria Auxiliadora. Todas casadas, respectivamente, com Luiz Pedro Marcelo, José Carlos e Gastão. Deus achou por bem levar a nossa querida Elza para juntar-se a ele, a seus pais, inclusive ao Vovô Candinho e Da. Mariquinha, no melhor momento de sua vida, quando esbanjava saúde e alegria, contagiando a todos nós, que embora muito tristes, nos consolamos com a vontade de Deus. Vejam as meninas naquela época:

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Meu bom irmão Zizinho fez uma gloriosa carreira no Banco do Brasil. Exerceu suas funçőes como escriturário em Guaxupé, depois em Franca e como gerente em Ituverava, São Paulo, Rancharia ou Vacaria, não me lembro, Rio Grande do Sul. Ficou lá pouco tempo, pois não aguentava o frio de lá, terrinha gelada. Foi transferido para a Agência da Penha, na Capital de São Paulo e finalmente para Belo Horizonte, em Minas, como inspetor do Banco do Brasil (Sumoc, hoje Banco Central). Era super organizado. Para se ter uma idéia, somente na sua atividade como radio amador, classe A, da Labre, tinha anotado em suas fichas, todos os ”QSOs”. Para quem não conhece o termo, trata-se de comunicado de recebimento, de conversa, entre os demais radio amadores, além do Livro de Registro. Quem desejasse saber o nome do colega, de seus familiares, bastava chamar o ilustre colega Zizinho para receber as devidas informaçőes. Lembro-me, uma vez, quando perguntei a ele quantos QSOs fizemos, isto é, conversamos pelo rádio, fui surpreendido com um número enorme, com detalhes de quem estava conosco, dia, hora, tudo, tudo registrado. Aí veio a celebre pergunta: - Você tem todas as anotações? Não tive dúvidas e respondi que sim e bem baixinho para ele não ouvir, só que as registrei na cabeça. ...mentalmente... fichas ??? levei um zerão. Era um apaixonado pelo radioamadorismo. Ia juntamente com a Odila em todas as reuniőes, eventos, passeios, etc. Criou, em 1947 a rodada dos Balieiros, composta por ele, eu, Totinho, Chiquito, 45


Fernandinho. Em 1973 juntou-se ao grupo Marcelo e Célia. Quem adorava nossas conversas eram o Seu Candinho e Da. Marquinha. Me lembro da primeira vez que a mamãe pegou o microfone, colocou-o no ouvido como se fosse telefone. Que tempo bom, hein? Meu irmão era super relacionado, tanto no meio bancário, entre os colegas, na sua vida social e na vida labreana, quando chegou a ser presidente da Labre na região de Ribeirão Preto. Recebeu inúmeras homenagens, merecidamente. Juntos, ele e Odila, contribuíram não só aos familiares, como as sociedades beneficentes durante toda sua vida. Eram associados da sociedade São Vicente de Paula, onde participavam sempre quando solicitados. Pai e esposo exemplar. Chegou a hora de apresentar mais um Balieiro, de mão cheia, meu irmão DITO. Olhem só que sorriso discreto, mas sincero que ele tinha. Vejam o que o redator do Baba’s escreveu sobre ele.

BENEDITO BALIEIRO 46


As portas da casa do Tio Dito e Tia Auta nunca se fecharam, pelo contrário, sempre estiveram abertas para a família, amigos, conhecidos e até para estranhos. A amabilidade e o coração aberto deste casal tão querido fez com que muita gente jamais se esquecessem deles. Pela sua casa passavam amigos dos filhos, sobrinhos (Tia Auta mimava tanto, que até esquentava a cama para os moleques que chegavam altas oras no frio, de um baile), anãs amigas e até o Dico!! E a carne de panela da Tia Auta?? Quem não se lembra? A mesa cheia, muita conversa, muita ajuda e muitas lembranças. È bom demais fazer parte de uma família que reúne pessoas de tão bom caráter como o Tio Dito, um exemplo a ser seguido ( um sobrinho ) Nascido aos treze dias do mês de janeiro do ano de 1910, também na cidade de Igarapava. Fez seus estudos no Grupo Escolar sob forte fiscalização da Da. Mariquinha, pois não queria saber de escola e por conseqüência, nem estudar, mas apenas brincar, caçar rolinhas, enfim, ficar no bem bom. Tinha por obrigação ajudar a mamãe e o papai em seus afazeres. Mudou-se para Pedregulho onde iniciou seu verdadeiro trabalho, como funcionário da Empresa Telefônica, de propriedade do papai. Aprendeu a atender as ligações dos assinantes, quase todos parentes, que na época deviam ser uns trinta assinantes o que já dava um trabalhinho. A agência da empresa era na residência do seu titular, ou seja, do papai. Por isto, o atendimento também era feito a noite, muito raramente. Os telefones eram interligados da casa do assinante até a central por fios, usando-se os postes da rede elétrica. Antes de continuar a historinha do Dito, gostaria de mostrar a sua foto quando deveria ter uns 10 aninhos. Ao seu lado está o Zizinho, depois o Totinho, em seguida a Lili, (que estragou a sua figura na foto) e meu irmão mais velho, Agenor, Mamãe e Papai. (Olha só que granfino, com colete, gravata, cabelinho pretinho e bigode).

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Com a transferência do papai para Franca, lá foi o DITO, que continuava relutando em estudar, mas aos trancos e barrancos conseguiu uma vaga no colégio profissional, para o horário noturno. Trabalhou em algumas empresas. Seu último emprego foi como gerente de um bar. Foi uma época difícil para ele. Tinha que madrugar e só voltava do trabalho à noite. Morávamos todos juntos, Chiquito, eu, Diná, ele, além de dois netos, fora os primos. Era uma casa divertida. Nessa época o Dito já tinha uma namorada firme, a AUTA Cavalcante, que o mimava até demais. Ainda noivos, ela que preparava o banho para o Dito, exigente na temperatura da água. Ora estava fria, e lá vinha mais água quente. Esquentou demais! Mas tinha a querida Auta para acalmar o menino. Por isto e outras coisas, tornou-se a esposa querida do meu irmão. Já nesta época, conseguiu ser admitido no Banco do Brasil, onde meu irmão Agenor era caixa. E aí as coisas começaram a melhorar. Inclusive para a família. Foi trasferido para Ribeirão Preto, onde com a ajuda da Auta, excelente costureira e disputada por seu trabalho, conseguiram comprar uma casa e assim a vida continuou. Já com 5 filhos, sendo as caçulas gêmeas. Vejam uma foto da família dele, com o futuro genro Dr. Françola, apaixonadíssimo pela Ana Maria.

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Veja como o Dito está orgulhoso ao lado da Auta. De pé, a esquerda, o Agenor, depois da Auta, a Rita, em seguida a Ana Maria e seu noivo Françola, na frente da Rita o Fernando e em seguida as gêmeas, Claudia e Maria do Carmo. Meu irmão era um homem simples, trabalhador, honesto, e respeitado. Era severo na educação das crianças. Com toda sua bondade e da Auta, nunca descuidou de suas obrigações com os filhos. Poderia até acrescentar que ele tinha ciúme deles. Marcava hora para chegar em casa, mas antes já estava no jardim a espera das "crianças", inclusive da noiva e por isto mesmo era respeitado e todos sentiam grande amor por ter um pai generoso e extremamente amoroso. Deixou-nos também muito cedo, após uma longa enfermidade sempre assistido por todos, especialmente por sua companheira de todas as horas. Lembro-me dele, quando jogava baralho com seu Candinho, de quem era parceiro, e das broncas que levava do papai na hipótese de uma bobeada. Mas nunca desistiram de ser parceiros. Não tinha vícios. Como todos nós, era católico. Pela minha profissão de viajante, pouco convivi com ele na minha mocidade, o que sinto até hoje. Mas cada um, nesta vida, tem seu caminho e ele tem que percorrer. Encerro, com saudades do meu irmão e de Auta, que não aguentou ficar longe deles e juntos certamente estão, lá do céu e de lá dirigindo seus filhos, netos, irmãos e amigos. Adivinhem quem vem aí ? Nosso querido tio CHIQUITO

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FRANCISCO XAVIER BALIEIRO Chiquito nunca se foi, ele está em todas, com todos e com seu eterno bom-humor. Suas histórias encheriam páginas e páginas de um livro divertidíssimo e altamente didático, porque o Chiquito era boa pessoa, pai presente, amigo como ninguém, um gentleman, alegre, espirituoso, carinhoso, contador de estórias, enfim: impressindível! Mesmo ele aqui, presente com a gente e dando apoio para tudo, sentimos falta de sua presença física, de sua tosse, de seu olhar, do seu jeito tão marcante. Ninguém tem as histórias que o Chiquito colecionou durante sua vida, das atoladas na areia da Ilha Comprida, das inúmeras vezes que se perdia (mas não perdia o bom-humor), dos foguetes (Da.Vera vivia preocupada!), de suas músicas, de suas aventuras nas pescarias e nas viagens (demorou 3 dias para chegar em Belo Horizonte carregando uma coruja empalhada que chegou ao seu sofrido destino com a cabeça despencada) e o tal do frango ao molho pardo que um dia em São Paulo ele experimentou, gostou e resolveu num belo domingo levar toda a família para um inesquecível almoço. Conclusão: foram domingos e mais domingos em busca do tal restaurante que ele nunca mais encontrou, assim sempre acabavam na primeira churrascaria que aparecesse no caminho. Chiquito sempre foi assim: “no stress” . E quantas lições de vida , e que vida passada a limpo e com nota 10! 50


Nós todos ainda temos muito o que aprender com o eterno Chiquito que não sai de nossos corações. Obrigada por tanta vida, obrigada por tudo (Sua fã Ana Vera) Nascido no dia 3 de dezembro de 1915, em Igarapava, cidade berço de quase toda nossa família. Lá cresceu e de lá, em 1924 mudou-se para Pedregulho, ano em que nasceu nossa irmã Terezinha. Estudou no Grupo Escolar e fez companhia para mim, quando ingressei no Grupo e só fiquei na classe junto com ele até me “desmamar”. Foi morar em Franca, na casa do nosso irmão Agenor. Em 1933 fez exame de admissão no Ginásio, onde se formou em 1938. Foi líder estudantil. Já brigava pelos seus direitos, inclusive com o diretor do Ginásio, Prof. Olivio, que havia proibido na área interna do colégio, a conversa de alunos com suas colegas. Aí pisou no calo dele, pois nessa época tinha começado a namorar a Vera, que seria sua futura esposa. Já que não podia namorar dentro do Ginásio, combinou com seus colegas de namorar na escadaria da frente, que dava entrada para a Diretoria. Uma afronta ao Prof. Olivio. Francisco Xavier Balieiro, Chiquito, meu irmão, meu mestre, meu conselheiro, cujas qualidades eu procurei enquadrar no meu ser, para me assemelhar um pouco a ele. Tenho tantas histórias para contar, das quais sempre tem um fundo de verdade e lição de vida. Foi um lutador. Jamais fugiu de qualquer batalha. Sabia ganhar, mas sabia também perder, daí o seu incontestável valor. Foi um exemplo para todos nós. Em nossa longa convivência, nem uma vez me criticou. Apenas escutava e dizia-me para meditar e compreender, por mim mesmo, o que estava acontecendo. Sugeria com isto, uma consciente confissão. Uma “mea culpa”, se fosse o caso. Era humano e um mestre, pai e filho, irmão. Se existe a escola da vida meu irmão era um mestre consagrado. Seus professores, seus pais, terrestres, Seu Candinho e Da. Mariquinha e o pai eterno, lá do céu. Sua escola, a escola da vida, bem comprometida e aproveitada. Seu sonho maior, uma família unida e feliz. Não era um santo, mas um homem de bem e de bom caráter. Sua ausência, uma falta irreparável. Como líder e presidente do Centro Estudantil ele participou de greves e promoveu algumas delas, sempre defendendo os direitos dos 51


colegas. Fez o Tiro de Guerra e depois do juramento à bandeira, pela sua conclusão, herdei dele parte do uniforme, reformado pela mamãe e o quepe, que mais parecia um pinicão na minha cabeça. Fazer o quê, caçula é para isso! Começou a trabalhar na Casa Bancária Higino Caleiro como escriturário e depois de certo período, naturalmente ganhando mais, me autorizou a tomar um cafezinho no bar do David, pondo os gastos em sua conta. Pensei e fui verificar, levando meu saudoso amigo Bi Seixas comigo. Lá chegando pedi com a pose de quem tá com tudo, dois cafezinhos com pão e manteiga. Exagerei, mas era uma experiência: – Põe na conta do Chiquito. E não é que deu certo! Não deu outra. No dia seguinte fui com o Bi e duas meninas e lá pedimos a mesma coisa. Falei para por na conta do Chiquito. Até que um dia eu e o Bi resolvemos pedir um chopinho, ou melhor, dois, um para ele e outro para mim. Falei novamente para por na conta do Chiquito. Aí o David avisou meu irmão que suspendeu a ordem dada. Nada sabendo a dupla Bi e eu repetimos a mesma dose, pedimos os dois chopinhos para por na conta do Chiquito. Só que a ordem tinha sido suspensa pelo meu irmão. Aí a coisa “pretejou”! Segura a conta que volto logo para pagar OK. No dia seguinte procurei o Chiquito e ele me disse que estava meio apertado, por isso suspendeu a conta. Também eles tinham exagerado mesmo. Perguntamos como iríamos pagar a conta e ele nos consolou dizendo que esta última ele pagaria. Tirou-nos do sufoco. Continuando a história do Chiquito, convidado para trabalhar em Marília, na Casa Bancária Almeida, do tio Galdino (que no futuro se transformou neste fabuloso Bradesco), lá foi meu irmão para assumir seu novo cargo. Não tenho certeza absoluta, mas como Bauru ficava pertinho de Marília e tinha uma faculdade de direito, meu irmão aproveitou a oportunidade e iniciou seus estudos acadêmicos tendo se formado bacharel em direito, melhor dizendo, advogado. Quando a saudade da VERA batia mais forte, aproveitava feriado prolongado e lá ia meu irmão, de trem, para Franca. Era necessário fazer baldeação em Itirapina. Uma vez, pegou o trem errado na estação, sendo obrigado a voltar para Marília, e assim só chegando um dia depois. Pequeno atraso, se considerado outros que teve, como na famosa viagem que fez de Franca a Belo Horizonte em visita aos manos. Levou só três dias. É bem verdade que a Vera, já acostumada com estes pequenos atrasos, preparava as refeições para as crianças comerem na viagem. 52


Levava uma bacia de banho e dava banho nas crianças quando o carro parava perto de algum riacho. Ô vida boa. Nem ele nem a Vera esquentavam a cabeça. De Marília, tendo já casado com a Vera, mudaram-se para Ribeirão Preto. Foi professor na Faculdade de Ribeirão, onde exerceu também a profissão de advogado. Continuando suas mudanças, lá foi ele para São Paulo, prestando assistência jurídica à firma Imotec, do colega Alcyr De Maria, irmão do Tequinho, casado com minha sobrinha e afilhada Maria Augusta. Em São Paulo, eu fui estagiário no escritório de advocacia Balieiro De Maria. Iniciei meu trabalho sob a orientação do Dr. Francisco Xavier Balieiro e continuei meu trabalho seguindo sempre sua orientação. Foi um mestre. Senti muito a sua mudança para Ribeirão Preto. E sua família? Como era sob a batuta de Chiquito e Vera? INVEJÁVEL. Desde os primeiros anos até os dias de hoje, já casados com filhos e até netos. Vejam quem são os mafiosos, num retrato tirado para o Baba’s, onde encontramos os filhos do Chiquito; Francisco Jr, Candido Neto, Paulo Eugênio, Augusto, Luiz Henrique e o sobrinho Maurício, filho da Verinha, representando A MÁFIA.

Dá gosto de ver o sorriso deles, naquele abraço... 53


Que a vida deles continue assim, sob a benção de Deus... O Chiquito era tão conhecido e querido em Franca que para sair com ele do Banco Scatena, onde era gerente, para ir tomar um cafezinho, de verdade cafezinho, era difícil. De momento em momento, vinha um amigo comprimentá-lo, trocar uma idéia, pedir um conselho. Só mesmo arrastando-o chegaríamos a um bar. Uma vez fomos pescar, num rancho, perto do Rio Grande e levamos os filhos menores dele, Chicão e Candido, que deveriam ter entre 6 e 8 anos. Já conhecendo bem meu irmão, indaguei se ele sabia mesmo o lugar do rancho e se não seria melhor deixar as crianças. Estou ouvindo ainda sua resposta: - O Zé, (ele me apelidou assim) você acha que eu iria levar meus filhos para lugar desconhecido? - Fica na sua e vamos pegar a tralha (varas, lanterna, roupas, lancheira das crianças, etc) e vamos que vamos. Na descida da serra, já meio tarde, perguntei se ele etava no caminho certo. - O Zé segura aí que logo chegaremos na beira do rio e no rancho. Descemos mais um pouco, em estrada de terra e a chuva chegou. Aí meu irmão falou: - Olha lá Zé, o ranchinho. - Que rancho? Perguntei. - Logo ali depois da descida. Finalmente chegamos, com a chuva aumentando. Descemos do carro e vi na frente um ranchinho, se é que poderia chamar aquilo de rancho, baixinho, coberto de sapé. Um horror! Assim mesmo desembarcamos e com muito custo colocamos os meninos no “rancho”. Arrumamos do melhor jeito possível nossa tralha e fomos ver, mais de perto o rio que não era o Grande. Com a chuva castigando, ficamos com a lanterna aguardando a estiada, quando ouvimos barulho de motor de uma lancha. Aí não me aguentei e gritei: - Oi amigo, estamos acampados aqui. Graças a Deus escutamos a lancha encostando e de lá saíram dois senhores, sendo que logo um foi dizendo: -Ô Chiquito, o que veio fazer aqui neste ranchinho? Bom, não preciso dizer mais nada, mas conclui que realmente meu irmão era bem conhecido, até no meio do mato. Aí não deu outra, seus amigos nos levaram para a lancha e em seguida estavamos na casa deles e que casa meu Deus. Linda, com todo conforto e super organizada, 54


contando com o caloroso abraço que recebemos. Aí o Chiquito não perdeu a vez e disse: Não disse Zé, que o rancho é bom? Nem precisei responder. Só sei que voltamos com seus amigos até o carro do Chiquito, que teve que ser arrastado para sair da ribançeira. Na volta meu irmão, com aquele sorriso peculiar me perguntou se não tinha valido a aventura. Se não valeria um golezinho da branquinha. Como esta, tive imensa alegria em outras viagens a procura de ranchinhos, que deixaram grande saudade e recordações do meu querido irmão. Um fato que não posso deixar de registrar. Esteve internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, gravemente enfermo. Sofreu duas delicadas cirurgias, mas mesmo assim, convenceu seu médico de liberá-lo para uma viagem a Ribeirão, a fim de assistir a cerimônia de casamento de seu caçula, Luiz Henrique. A liberação foi concedida desde que viajasse deitado e voltasse em seguida para o hospital. Arranjamos o carro especial, com banco tipo leito, e lá foi meu irmão, com sondas e curativos, para cumprir sua promessa. Lá chegando foi assistido pela sua filha Cristina, que era médica e lhe prestou toda assistência, até seu regresso para São Paulo. O sorriso estampado em seu rosto, quando embarcou, não pode ser descrito, era um momento de suprema alegria. Faleceu, pouco depois e posso dizer por ele: “DEVER CUMPRIDO, MEU QUERIDO IRMÃO” Seguindo a ordem dos meu irmãos, por data de nascimento e por galho nesta árvore maravinhosa, nasce uma linda menina, xodó de todos e muito querida, a minha irmã DINAH. Olha a carinha dela refletida no retrato tirado no dia da sua formatura de professora.

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DINAH BALIEIRO Dinah, a caçula mulher da tribo – dengosa e cheia dos “ais” – chegou, vencedora de suas lutas, ao bisavosato, sempre com seu fiel escudeiro Fernandino a seu lado. Hoje, do alto dos seus 82 anos, ainda comanda seu pequeno clã pelo telefone, como fazia Da. Mariquinha, antenada com tudo e com todos, buscando as novidades que ela tanto preza. ( Maria do Carmo) Quase da minha idade, só dois anos mais velha, Dinah Balieiro, nasceu no dia primeiro de fevereiro de 1920, na famosa cidade paulista de Igarapava. Iniciou seus estudos no Grupo Escolar desta cidade e continuou no Grupo Escolar de Pedregulho. Endossando as palavras de sua filha Carmo, sobre Dinah, gostaria de acrescentar alguns fatos importantes de sua vida, como estudante, professora e dona de casa. Apoiou e dedicou muito carinho, juntamente com o cunhado e amigão Fernandino ao papai e mamãe, desde a época que resolveram fechar definitivamente a casa deles. Inicialmente, como já havia dito, o Seu Candinho e Da. Mariquinha iniciaram um roteiro pelas casas de seus filhos, todos eles, começando 56


com o Totinho, depois a Lili, o Zizinho, Dito, Chiquito, Dinah e finalmente comigo, em Belo Horizonte. Dái em diante a Dinah não largou mais do casal. Moraram em Lençóis Paulista, Tupã, Dracena, São Paulo e por último em Ribeirão, onde faleceram. Foi inicialmente uma turnê maravilhosa para todos nós. Usamos e abusamos do convívio deles. Mamãe com sua bolsinha preta, com seus terços e livros de reza e papai com uma valisinha, (diminutivo de valise - que era uma malinha) onde ele carregava seus remédios e apretrechos para fazer seus cigarrinhos de palha. Como gostavam de passear! Era só você abrir a porta do carro e o papai já entrava, perguntando: - A máquina tá boa? Onde nós vamos? Aí, íamos passear. Fernandinho e Dinah foram os que mais ficaram com o casal. Eram de uma assistência total. Fernandinho então era seu companheirão, ouvindo e falando sobre os mais diversos assuntos, inclusive política. Mas, antes de casar, na juventude, minha irmã era paparicada por todos os seus irmãos, inclusive eu, verdadeiro guarda-costas dela. Acho que tinha ciúme de minha irmã, principalmente com seus namorados, não escapando nem o Fernandino. Como professora, andou passando uns maus bocados, pois conseguiu sua primeira nomeação para lecionar no Grupo Escolar rural, cuja fazenda ficava entre Franca e Batatais. Ela tinha que madrugar para pegar a jardineira que a levava até a porteira da fazenda, onde já a aguardava um aluno, contando com a assistência das vacas, bois e bezerrinhos. O menino dizia para a professora para não ter medo não. Que as vacas eram mansas e era só não correr. Mesmo assim a “fessora” tremia de medo. Tinha uma vaquinha que de vez em quando chamava a Dinah, mais ou menos assim: DINNNNNNN- ÁÁÁÁÁÁÁÁ. Brincadeirinha.... Encontrou em sua vida um companheiro, amigão, que a adorava e fazia tudo por ela. ULYSSES Fernandino Figueiredo, um homem na verdadeira expressão da palavra, caráter impoluto, trabalhador, bancário do Banco do Estado de São Paulo, onde fez carreira, merecidamente, terminando como Inspetor de Agências. Designado para verificar algumas agências, mesmo fora de São Paulo, quantas vezes me disse do seu sofrimento, quando tinha que determinar pelo seu fechamento. Mas 57


nunca se queixou. Guardava seus problemas, mesmo porque não queria preocupar Dinah. Assim como todos os Balieiros, minha irmã também gostava de uma festinha em família. Quando estava mais animada, fazia questão de puxar o cordão carregando uma vassoura, como estandarte. Sofreu muito com o falecimento do papai e mamãe, e sentiu demais a falta deles, acostumada com sua presença durante vários anos de íntima convivência e posteriormente com a falta do Fernandino, seu braço direito, sua âncora, sua segurança. Ainda bem que tiveram três filhos maravilhosos. Maria do Carmo, João Carlos e Maria Lucia, a Lucinha, que por sua vez lhe deram vários netinhos, que lhes deram e dão imensa alegria. Não parou ainda, pois como disse a Carmo, continua controlando por telefone a família, querendo saber de tudo, tim tim por tim tim. Finalizo dizendo: - Dinah, minha querida irmã, estamos caminhando para o apito final, desta partida, com todos seus trancos e barrancos, amenizados pelo amor que recebemos de todos e estou esperançoso que o juiz celeste nos conceda uma boa prorrogação, para marcarmos, no final, aquele golaço glorioso de final de partida. Agora chega senão eu choro... Chegou a minha vez....

ATALIBA BALIEIRO 58


De pescador a carteiro nos Estados Unidos, de animador de festas a advogado, de festeiro a vô coruja, quem senão e somente o Ataliba, o caçula de oito irmãos, o arteiro quando moleque (ainda é até hoje!). Dançar é com ele mesmo, jogar é com ele mesmo, ele é mesmo tudo de bom! Alegre em pessoa, tiozão, maridão, paizão, vozão (cuida até dos nenês...). E as histórias de suas pescarias, quantas foram até hoje? Quantas mais serão?? 80 anos? Para ele é fichinha, tem muito pela frente, para a sorte de todos nós. Representante mor da animação ele está aqui para incorporar todo o estilo de vida dos Balieiros, que não tem tempo quente, pois a vida é para ser vivida, e muito bem, afinal estamos aqui para sermos felizes. E Ataliba é o mais fiel exemplo de que ser feliz é sempre possível ( Verinha, 2001) Como é do conhecimento de todos eu, ATALIBA BALIEIRO, nasci no dia 25 (vaca no bicho) de junho de 1922 na cidade e comarca de Igarapava, na fazenda das Termópilas e como descrevi para Da. Mariquinha, num paiol, num berço de palha de milho, cercado de vacas, bois, cabritos, elefantes, gorila, e todo o resto da bicharada, em noite enluarada. Por esta mentira levei uns bons coques de minha mãe. Na realidade foi numa fazenda, onde meu pai era administrador. Acho melhor ser entrevistado, pois assim terei maior facilidade de responder às perguntas. Desde que não sejam indiscretas. Vamos lá. Grau escolar? Grupo Escolar de Pedregulho, depois na escola rural da fazenda Baguaçu, até o terceiro ano. Não tive prazer de receber meu primeiro diploma. Pulei o quarto ano para fazer exame de admissão, no Ginásio do Estado, anexo a Escola Normal de Franca. Também não recebi, o que seria meu segundo diploma, pois levei bomba no quinto ano, na matéria de desenho, obrigatória naquele ano. Foi uma grande injustiça, pois a matéria era de livre escolha do aluno. Mesmo um colega me dando cola não consegui, pois tinha que desenhar uma escada em perspectiva, com 90 graus por 120 sei lá... Desenhei então dois riscos e escrevi embaixo: ESCADA

EM PERSPECTIVA

Escada em perspectiva?

120 POR

90 GRAUS VISTA DE FRENTE 59


Nota ZERO. Ah, se te pego professor... Mas não fui o único. Por solidariedade outros cinco foram reprovados. Só que eles prestaram segunda chamada e eu dancei. Com vergonha (parece mentira mas eu era vergonhoso) de enfrentar nova turma no ginásio, convenci meu pai a me levar para São Paulo, onde trabalharia, com a promessa de continuuar os estudos. Dito e feito. Meu primeiro emprego no Laboratório Xavier. Estudei no Anglo Latino, à noite. Mas abandonei e fiquei novamente sem meu terceiro diploma. Depois de velho, já com 45 anos meus sobrinhos Théo, Cid e Candido me convenceram a prestar vestibular na Faculdade de Direito de Bragança Paulista. E não adiantou minhas negativas e razões apresentadas, inclusive afirmando que “burro velho não pega canga”. Tive que fazer o madureza para completar meu currículo ginasial e depois enfrentar o vestibular. Desta vez não só entrei como concluí o curso. Saí formado bacharel. Festas com o recebimento do famoso canudo, juntamente com o Candido, Théo e Cid. Formávamos, na faculdade, a bancada de Franca, na opinião do ilustre professor Amaury. Antes da segunda pergunta preciso explicar a razão do meu diploma. Chama-se CECÍLIA. Minha colega e querida esposa. Foi amor a primeira vista que lhe dediquei desde o primeiro dia que a vi. Lembrome bem, na escadaria da faculdade, onde vislumbrei aquela loira, com fita de veludo preta nos seus cabelos, e por ela me apaixonei e verdade seja dita, a amo e amarei até o fim de minha vida. Veja a foto. Não era para me apaixonar?

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Fiz até letra e música para ela, nos anos de 1969, que é cantada por todos nós, em nossas famosas reuniões. Vejam: Profunda tristeza, Tristeza sem fim, Não sei se é dela, Não sei se é de mim, Que vida engraçada, A vida é assim, Gosto tanto dela, E ela de mim. Que ingratidão, Do coração, Tão longe dela, (bis) Tão perto de mim (bis) Depois de casado, completei a música e letra, escrevendo nove versos: Mas no dia de nossa união, Sorriu de novo, meu coração, Quanta alegria, quanta emoção, Eu e você, você e eu, Por isso eu digo, mais uma vez, Quanto eu te amo, amor, Como eu te amo. (bis) O que é a vida? -A vida é uma escada de sete degraus: Nascer, crescer, estudar, trabalhar, casar, aposentar, morrer. E como enfrentar os degraus? -Vivendo e acreditando, tendo fé inabalável. Com um objetivo maior, lutando por ele, com perseverança e esperança. Não tem outra solução. A não ser que você morra antes. Pelo que escreveu, você foi um moleque arteiro? A quem você puxou? -Sei lá. Deve ser aquele velho ditado, a ocasião faz o ladrão...sem roubar. Coisa da cabeça de criança, que faz antes de pensar. Como diz o caipira, colocar o carro na frente dos bois. Um exemplo! 61


-Você está me cutucando, mas vai lá com o perdão de todos. Estava em casa, acompanhando a novena, que as famílias faziam um dia em cada casa, ao entardecer e depois das rezas, ladainhas, novas orações etc. Vinham os pedidos pelas almas, por exemplo: uma ave-maria para a alma de fulano de tal. Em seguida outro pedido, idêntico, só que era para outra alma. E assim ia e não acabava nunca, até que uma hora eu pedi para fazer também um pedido. Aí mamãe falou com carinho para que fizesse o meu pedido. Soltei a bomba. Uma ave-maria para acabar logo com esta reza. Foi um Deus nos acuda e se não sou ligeiro a coisa ia acabar mal para mim. Mas a reza também acabou. Falei antes de pensar e levei meus coques e penitência de seis ave-marias e seis padre nossos. Como é seu curriculo profissional? -Bom, grande e complicado. -Bem, comecei a trabalhar aos sete ou oito anos de idade. Fui contratado junto com Mario Diniz, meu primo e amigão, pelo Luiz, seu irmão para trabalharmos meio período no salão se sinuca que ele tinha em Pedregulho. Tinha só uma mesa. Nosso salário? Ter duas partidas de sinuca, de graça, sem prejuízo dos fregueses e sem atrapalhar nossos estudos. Durou pouco, pois o salão não tinha movimento, para nossa alegria e o Luiz fechou a loja, para nossa tristeza. O segundo, se é que pode se chamar de emprego, foi como cobrador da Aliança da Bahia Capitalização, do qual meu irmão Agenor era representante, e que me dava um dinheirinho que eu aplicava nas entradas de cinema e com pipocas. Isto em 1938. O terceiro, já foi em São Paulo, em 1941. Fui contratado pelo Laboratório Xavier como auxiliar de escritório, como datilógrafo. Escrevia super bem, mas também ajudava em outros serviços, pois não gostava de ficar parado. Meu primeiro salário era de 400 cruzeiros (esperava ganhar no mínimo 700). Com este salário pagava 280 de pensão, 70 de colégio, 20 para a lavadeira e 30 para as pingas. Mas valeu! Na pensão tínhamos um grupo de amigos, uma verdadeira família. Lembro muito do Roquinho, de sua mãe Da. Maria, do seu pai, separado, Antonio Constantino. Ele era bibliotecário da Faculdade São Francisco. Lembro-me também de Eládio, com seu pai, maestro da sinfônica e outros. Era feliz, apesar da pouca grana. Fiz parte do conjunto Bandeirantes do som. Fazíamos serestas. Pois bem. Já como secretário do Dr. Antonio Xavier, que escrevia seus trabalhos a mão, cuja letra era difícil de decifrar, meu salário aumentou como aumentou também o valor da pensão. Tudo aumentou,

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até a dose da “mardita” (sofisticadamente falando aguardente finíssima de cana) subiu. Continuando, consegui, em 1942 a nomeação para viajante do laboratório. Para a zona norte e zona oeste de Minas. Insisti para o cargo, pois naquela época era costume dos viajantes granharem um carro para seu trabalho. Só que não ganhei, pois logo em seguida começou a guerra e meu Coupê preto Chevrolet transformou-se em trens, ônibus, jardineiras. Para se ter idéia, a R.M.V. (Rede Mineira de Viação) era chamada de “ Ruim Mas Vai e para surpresa... ela ía. O que valeu e muito, foi o salário. Naquela época, passei a ganhar 600 cruzeiros, todas as despesas de condução, uma ótima comissão sobre as vendas, além de prêmios, sendo que, modéstia parte, bati o recorde de vendas no Brasil. Nesta altura, por nossa indicação, o laboratório abriu um depósito, filial, em Belo Horizonte. O meu irmão Walter, o Totinho, foi indicado para assumir o posto de gerente geral e eu fui promovido como gerente de propaganda e vendas para todo o território. Nossa filial foi considerada modelo para futuras filiais no Brasil, graças a brilhante administração do Totinho. Em 1951, depois de dez anos de trabalho, com estabilidade no emprego,convenci meu irmão e pedi demissão do laboratório, com a promessa de não mudar de Belo Horizonte. Aceitei a proposta de ser sócio do meu colega e amigo Romeu Bastos Braga, criando a Sociedade Comercial de Máquinas Ltda Socoma, com sede em Belo Horizonte. Trabalhamos sob o lema da cooperação mútua, e sobretudo nossa fraterna amizade. Crescemos. Fui bem sucedido, mas deixei com certo pesar a sociedade. Em 1956, fui convidado pelo meu sobrinho Luiz para auxiliá-lo em sua firma em São Paulo, alegando precisar de um homem de confiança para ajudá-lo. Depois de tudo acertado e também pensando em ficar junto com meus pais aceitei o convite. Trabalhamos muito, e tivemos sucesso. Em 1960, constituímos a firma para lançar um Clube de Campo em Itapevi, numa fazenda com setenta alqueires. Fui eleito tesoureiro e posteriormente com a saída do Luiz, assumi a superintendência. Foi muito difícil. Trabalhoso mesmo. Foram anos de muita luta e pouco rendimento. Foram dez anos. Vendemos a totalidade das ações e aí enfrentei uma luta brava. Fui vendedor de balas, uma tarefa árdua, depois como representante de fábrica de calçados de Franca e Igarapava. Finalmente como gerente de uma firma importadora de produtos químicos. Prolabor, do velho amigo Caetano Batagliese. Com ele consegui me equilibrar financeiramente, isto em 1967, até 1971, qundo 63


terminei meu curso de Direito. Durante este período, fui também corretor de imóveis, sindicalizado no Creci, sob n. 1922, ano do meu nascimento. Esta profissão me ajudou muito. Em 1973, já casado com a Cecília, montamos a nossa firma de corretagem, com o nome Aires Balieiro. Estávamos começando e com esperança, mas com pouca renda. Novamente fui convidado pelo Luiz para ajudá-lo na Bandeirantes, o que me garantia salário bom e mesmo contrariando a Cecília, que não se confirmava em fechar o escritório, mas pensando na nossa tranquilidade financeira, aceitei. Lamentavelmente, o Luiz adoeceu, o que me segurou na sua firma até a sua partida, depois de um longo sofrimento, mas com uma férrea vontade de viver e trabalhar. Foi um exemplo para todos nós. Depois de sua morte, iniciei novamente meu trabalho com a imobiliária, contando com força, entusiasmo e ajuda da Cecília e também como advogado até minha segunda aposentadoria de trabalho em 1994 (a primeira foi em 1977, pelo INSS). Mudamos para Tatui no referido ano onde estamos gozando as delícias da vida do interior numa cidade dominada pela música. Para não ficar a toa fui contratado pela Cecília para alguns afazeres tendo como lema a frase que diz: sujou, lavou, mas para mim menos a roupa suja, panelas e faxina. Além disso continuo exercendo minha profissão de advogado, atualmente até dando assistência aos idosos como eu. Você esta no fim da história da familia dos Balieiros, o que gostaria de acrecentar ? Melhor não acrescentar mais nada, pois são tantas as coisas que gostaria de contar que não caberia neste livro. Seria um verdadeira floresta. E sobre você mesmo, por exemplo, sua famila ? Bem, são tantas as coisas que conquistei na vida e uma delas foi a união de nossa familia. Eu, Cecilia, meus filhos Mario Sergio, Paulo Sergio, Maria Silvia, (que queria por toda maneira ser adotada para ter o sobrenome de Balieiro, o que conseguiu), Sueli que foi adotada pela Cecília desde a época em que ela era professora, ainda solteira, confirmada com muita alegria por mim. Finalmente tenho a Maria de Lourdes filha adotiva do meu primeiro casamento. Vejam minha foto e a da Cecília com meus filhos. Não são lindos ?

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Seu sonho e ideal? Antes de responder sua pergunta, gostaria de contar um sonho que tive, aos 10 anos de idade e por ele você já pode ter uma pequena idéia do meu sonho. Contei ao papai que tinha tido um sonho muito bonito e perguntei se ele queria ouvir. Ele disse para contar tudo direitinho, tim tim por tim tim. Sonhei que tinha construído um prédio bem alto, grandão mesmo. Embaixo, no térreo, era do papai e da mamãe. Tinha de tudo. Até uma sala de música e um lugar para meu pai por a burra. Tinha também um quintalzinho, para sua horta e até uma capelinha para mamãe rezar. No andar de cima ficava o Agenor e Bebé e a filharada, mais em cima, a Lili com o Lamartine e assim por diante acomodando todos meus irmãos. Fiz mais três andares para abrigar nossos tios e o Dico, que iria contar suas estórias. Preciso dizer mais alguma coisa sobre meu sonho e meu ideal ? Meu ideal é ver nossa família sempre unida. Sei que as divergências surgem e são naturais, mas sei também que podemos superá-las mesmo com algum sacrifício, perdoando-nos mutuamente sempre almejando um bem maior que é a união familiar. No meu entender bastam apenas um pouco de compreensão e resignação. Assim teremos sempre dias cheios de paz e alegria, sob a proteção divina. Tenho dito, FIM.

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E como fazer a árvore genealógica? - Pretendo fazer daqui para frente. Já que iniciei com as raízes, com meu pai e minha mãe, os galhos com meus irmãos, incluir na árvore os ramos e raminhos,as flores dos netos bisnetos, trinetos e tataranetos.Vamos lá. FOTOS Como vocês tiveram a oportunidade de ver, não foi nada fácil elaborar este trabalho, principalmene pelos números de galhos, ramos, brotos, folhas e no final, embora ainda poucas, as flores. Acredito que chegamos a quase trezentos componentes desta árvore genealógica. Certamente devo ter cometido enganos na sua elaboração, por omissão e troca de nomes, em sua filiação. Mas tenho certeza que a bondade sempre generosa de vocês, suprirá estas faltas. O mesmo poderá ter acontecido ao narrar a história sobre a nossa família, desde os remotos tempos do seu Candinho e Da. Mariquinha, a contar desde a data do seu nascimento, em l874, portanto a l33 anos ! É tempo pra burro, na fala de nosso caipira. Mas valeu. Pelo menos para mim, que revivi um passado gostoso da minha vida. E´ como se eu estivesse ao lado dos meus irmãos, meus sobrinhos, meus tios, dos inesquecíveis cunhados e noras, com os quais formei minha pessoa, meu caráter, extraindo deles tudo que de melhor me ofereceram, incluindo as suas irreverências. Sem falar dos meus queridos e adoráveis netinhos e bisnetos, que tanta alegria nos traz, a mim e Cecília, nos momentos de nosso convívio, principalmente nas datas dos aniversariantes, sem falar das festas de Natal, com nosso querido e velho PAPAI NOEL. Modéstia a parte, estou realizado. Sei que vocês já estão cansados desta história, mas antes de terminar tenho um pedido a fazer. NÃO

DEIXEM

NUNCA

ESTA

CHAMA

MARAVILHOSA,

SAGRADA, CHEIA DE CARINHO E AMOR, E ACIMA DE TUDO, DA NOSSA UNIÃO SE APAGAR . MANTENHA-A SEMPE ACESA, PARA QUE ELA POSSA SEMPRE ILUMINAR E AQUECER NOSSOS LARE E NOSSOS CORAÇÕES. 66


Considero que todo o esforço á válido. Me ensinaram que uma das coisas da vida é saber compreender e, por isto mesmo, perdoar. Um outro pedido (estou ficando pidão). Conte sempre aos pequenos, filhos, netos, bisnetos, trinetos e ao pequeninos tataranetos a história de nossa família, principalmente da nossa união, para que eles possam, no futuro, prosseguir o nosso trabalho, que é feito, de coração, de amor e de união. Encerro meu trabalho enviando a vocês AQUELE ABRAÇO Família Balieiro continua rindo Família Balieiro, continua sendo Família Balieiro, sempre no compasso Alô, Alô, minha gente – aquele abraço Alô a todos os parentes – aquele abraço Alô, Alô , minha gente, aquele abraço! Alô, a todos os presentes – aquele abraço! A gente continua balançando a pança E aumentando a prole, e continuando a raça E continua sendo feliz Balieiro Alô, Alô, seu Candinho – Velho guerreiro Alô, Alô, Mariquinha, a companheira Alô, Alô, seus pequenos, velho passado Alô, Alô. aos mais novos, aquele abraço ! A galera lá da Franca – aquele abraço ! Todos de Ribeirão Preto – aquele abraço ! Ponta a ponta do planeta – aquele abraço ! Balieiro em todo mundo tem o mesmo traço Ser alegre e festivo em pouco espaço Quem sabe de nós é Deus ( é claro )– aquele abraço Pra vocês não esquecerem – aquele abraço! A familia por inteiro – aquele abraço ! Todo o Baba ´s em São Paulo AQUELE ABRAÇO !!! 67


Vejam agora algumas fotografias ligadas a nossa famĂ­lia. Elas por si se explicam.

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