Vetor: subterrânea como plataforma de resistências

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Subterrânea como plataforma de residências


© Atelier Subterrânea Distribuição gratuita, proibida a venda Free distribution, sale is prohibited Este catálogo acompanha a exposição VETOR, realizada entre 13 e 19 de junho, 2013, no Atelier Subterrânea (Av. Independência, 745/subsolo – Porto Alegre). This catalogue accompanies the exhibition VECTOR, which took place between June 13th and 29th, 2013, at the Atelier Subterrânea (Independência avenue, 745/basement – Porto Alegre)

DADOS INTERNACIONAIS DA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO – (CIP) V588

Vetor: subterrânea como plataforma de residências / Lilian Maus,(org.); Gabriel Netto, Guilherme Dable, Isabel Waquil, James Zortéa e Túlio Pinto, (co-orgs.); tradução de Jéssica Preuss; fotografias de Ícaro Lira, Luísa Nóbrega, Sara Lambranho, Anderson Astor, Joba Migliorin. – Porto Alegre: Panorama Crítico, 2013. 32 p. il. ISBN 978-85-63870-09-4 Catálogo bilíngue português/inglês do projeto de residências VETOR, da 9ª edição do Prêmio Rede Nacional – Funarte pelo Atelier Subterrânea, em 2013. 1. Artes visuais. 2. Residências artísticas. 3. Projeto de residências Vetor. 4. Atelier Subterrânea I. Maus, Lilian. II. Netto, Gabriel. III. Dable, Guilherme. IV. Waquil, Isabel. V. Zortéa,James. I.Pinto, Túlio. VII. Preuss, Jéssica. VIII. Lira, Ícaro. IX. Nóbrega, Luísa. X. Lambranho, Sara. XI. Astor, Anderson. XII. Migliorin, Joba. CDU: 7.039(084)

Bibliotecária Denise Selbach Machado – CRB 10/720


Subterrânea como plataforma de residências

Organização Organized by Lilian Maus Co-organização Co-organized by Gabriel Netto, Guilherme Dable, Isabel Waquil, James Zortéa, Túlio Pinto Editora Panorama crítico Published by Panorama crítico 1a Edição 1st Edition Porto Alegre, 2013


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Atelier Subterrânea | Projeto VETOR

Isabel Waquil e Lilian Maus

Desde que surgiu, em 2006, o Atelier Subterrânea tem como objetivo ativar uma rede de artistas, pesquisadores, curadores, colecionadores, produtores e demais públicos interessados em arte através de uma plataforma de projetos. Hoje, o Sub­ terrânea é um espaço independente de forte atuação em Porto Alegre, que busca expandir suas atividades, dentre elas exposições, conversas, cursos, lançamentos, palestras e residências artísticas para as demais regiões do país, a partir de parcerias e articulações em rede. Dentro deste percurso, o projeto Vetor começou a ser arquitetado. A ideia consistia em buscar, em diferentes cidades do interior do Rio Grande do Sul, novos pontos de conexão para expandir a rede de atuação e troca entre aqueles que têm o seu trabalho focado na arte contemporânea. Para estruturar o projeto, o mapa do Rio Grande do Sul foi segmentado e dividido entre o Pampa, a Serra e o Litoral. Através de um edital, foram abertas inscrições em âmbito nacional para a seleção de três propostas de residência artística, com duração de 30 dias, para os meses de março, abril e maio de 2013. Os projetos selecionados estabeleceram relações diferentes com as comunidades das regiões para as quais foram inscritos, de modo que fomentaram a produção artística em outros municípios do estado e atuaram como promotores desta descentralização que VETOR buscou desde o início. Ícaro Lira, do Ceará, foi selecionado para o Litoral, Luísa Nóbrega, de São Paulo, para a região do Pampa, e Sara Lambranho, de Mina Gerais, para a Serra.

Exposição no Atelier Subterrânea, junho de 2013 Exhibition at Atelier Subterrânea, June 2013 Fotos: Anderson Astor Photos: Anderson Astor

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Ícaro Lira (CE), em seu projeto, Náufrago, esteve centrado na ideia de trafegar por terras desconhecidas em busca de objetos em ruína. Iniciou a viagem por Tavares, passou por Mostardas, São José do Norte, Pelotas, Rio Grande e chegou ao extremo sul, no Chuí. O artista registrou o percurso através de fotografias e vídeos, produzindo cadernos de viagem e coletando objetos por meio dos quais é possível perceber a ação do tempo na oxidação, na fossilização, no craquelado da pintura e nas superfícies desgastadas. Esses objetos nos dão apenas pistas da trama desta viagem, que nos reporta a uma região atravessada por intempéries e naufrágios. A dimensão humana, em um litoral onde o abismo se confunde com a linha do horizonte, é apenas a do fragmento. Todo e qualquer gesto vertical na paisagem parece frágil e insustentável, como o farol caído de Bojuru, que pouco a pouco vem sendo engolido pela água do mar. Luísa Nóbrega (SP) frequentou os cultos da Igreja Deus é Amor desde o primeiro dia de residência em Bagé. Sua proposta inicial consistia em pesquisar a presença da voz e do corpo dentro do ritual evangélico. Na cidade fronteiriça, onde a presença da pecuária marca toda a história do município, a investigação se ampliou para as questões do sacrifício animal e do sangue, também presentes no discurso religioso. A rememoração discursiva do sangue divino, do cordeiro, da purificação, da devoção, entre outros elementos, levou a artista a um espaço de reflexão que já era circundado por realizações anteriores e que se tornou inevitável com a evidência verbal e contextual da residência em Bagé. Assim, uma série de performances e vídeos resultou da experiência no coração do Pampa. Um dos vídeos produzidos mostra, de maneira sutil e poética, um gesto que perpassa as culturas gaúcha e judaico-cristã carregado de simbolismo: o abate do carneiro. Em uma fazenda, a artista, vestida com uma camisa limpidamente branca, entra no abatedouro junto com o grupo de trabalhadores que habitualmente realiza o trabalho. O silêncio, resultante do corte no pescoço do animal, pesa sobre o registro e contrasta com a força da imagem. 6


A potência recai justamente sobre o caráter delicado: tudo é filmado através de uma fresta da porta que faz a mediação entre o interno e o externo. Ao final, artista sai com a camisa manchada com o sangue metaforicamente sacrifical que transita pelas questões investigadas. Sara Lambranho (MG) desenvolveu o projeto Notícias de Casa, a partir de um olhar para o micro que representa o macro. Realizada na Serra gaúcha, a proposta consistiu no vídeo homônimo que apresenta imagens em planos fechados do interior de moradias da região. A fragmentação de imagens se unifica em uma narrativa que discorre sobre o espaço urbano e seus interiores a partir da ressignificação dos objetos. Sem ter a intenção de revelar o que está sendo filmado, o registro ultrapassa o limite da moradia privada e passa a problematizar como as questões políticas, econômicas e comportamentais interferem na arquitetura e na composição urbana da região. O contato com os moradores também vem a ser essencial para o projeto, uma vez que ele se fundamenta com a dinâmica da aceitação dos moradores para que a câmera penetre no espaço reservado. Ao término de VETOR, os projetos foram exibidos em mostra em Porto Alegre, no Atelier Subterrânea, e, durante as residências, os artistas realizaram palestras e oficinas nas cidades onde trabalharam. Ícaro Lira participou de um bate-papo na Casa Paralela, em Pelotas, onde apresentou trabalhos que dialogavam com a proposta de sua residência no Litoral. Em Bagé, Luísa Nóbrega desenvolveu a oficina “Performance, mídia ritual, culto – intersecções possíveis”, em que abordou os pontos de encontro entre a arte e o ritual. Também em Bagé, Sara Lambranho realizou a palestra “O avesso das cidades – territórios da experiência”, propondo uma reflexão acerca da cidade em seu potencial expressivo. 7


Ícaro Lira

SEM TÍTULO, 2013 Untitled, 2013 Fotografia Digital Digital Photography Rio Grande, Praia do Cassino

SEM TÍTULO, 2013 Untitled, 2013 Fotografia Digital Digital Photography Bojuru

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SEM TÍTULO, 2013 Untitled, 2013 Instalação com objetos coletados Installation with collected objects Atelier Subterrânea Foto: Anderson Astor Photo: Anderson Astor


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SEM TĂ?TULO, 2013 Untitled, 2013 Fotografia Digital Digital Photography Bojuru

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SEM TĂ?TULO, 2013 Untitled, 2013 Fotografia Digital Digital Photography Bojuru

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Luísa Nobrega

O VERMELHO NÃO EXISTE, 2013 Registro de performance Recording performance Foto: Joba Migliorin Photo: Joba Migliorin

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gloria ao pai, gloria ao filho, glória ao espírito santo de deus/ mas graças a deus/ quem nos dá vitória/ é o nosso senhor/ e salvador/ Jesus cristo é chegado o momento das revelações, impossível não pensar que é a sua vez/ tem uma pessoa, tem uma pessoa aqui/ eles dizem/ eles dizem isso e então eu penso/ sou eu, sou eu/ e me sento à beirada do banco, quase trêmula/ indecisa diante desse deus que me interpela, que não me deixa pestanejar/ tem uma pessoa aqui que há um ano atrás nunca imaginaria que estaria sentada no banco dessa igreja/ sou eu, penso, sou eu/ você pensa que veio aqui por sua livre e espontânea vontade mas foi deus quem te chamou/ foi deus que te escolheu para estar aqui nessa hora/ ele te escolheu desde o ventre da tua mãe/ quando você sequer sabia que um dia teria esse nome/ deus quer falar contigo/ deus vai falar contigo em sonhos/ sentava quase sempre no mesmo banco/ da metade para trás da igreja, no lado das mulheres, não muito atrás/ o que fica, afinal, das nossas orações/ quando notaram que eu estava ali todos os dias/ as mulheres de rosa começaram a me sorrir me ajoelhava de costas para o altar/ testa inclinada sobre a madeira/ mãos entrecruzadas/ braços estendidos/ por vezes abençoada/ por vezes liberta/ exorcizada três vezes/ meu crânio jogado para trás por mãos embebidas em óleo/ vai abalar/ vai abalar/ quando Jesus vier o mundo/ vai abalar/ o dia todo meu ouvido ecoava aquelas canções/ os cantos desafinados/ as palmas fora do ritmo/ bato palmas até minha mão começar a vibrar/ bato palmas até minha mão começar a arder/ e então fico de pé e começo a repetir gloria gloria gloria e gloria gloria gloria gloria com os braços levantados e o queixo pendendo um pouco para trás/ digo gloria gloria gloria até começar a sentir um pouco de vertigem/ até que as silabas comecem a se embaralhar e depois retomem a firmeza endurecendo meus maxilares/ continuo a repetir e quando estou prestes a desfalecer é que encontro tudo isso talvez/ cada uma das minhas orações soa como um apelo/ não peço emprego, não peço uma casa não peço um carro não peço saúde para a minha família não peço livramento de doença nenhuma/ arrisco o quase-sacrilégio de não pedir coisa alguma/ que Ele faça da minha vida a sua obra e nada mais/ enquanto o pastor ora em línguas/ oh iadubistidiasolamalavaia dosjustiiodiçusabalaia/ oh sadumarotasamalaia/ arrisco uma ponte entre o meu deus vazio/escuro/corrosivo e aquele deus pai do filho embebido em sangue/ alguém pergunta se alguém quer aceitar Jesus cristo como seu único e verdadeiro salvador/ eu baixo os olhos e digo em silêncio que não não/

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Registro de processo na Igreja Pentecostal Deus é Amor, Bagé Recording Process in Pentecostal Church Deus É Amor, Bagé Foto: James Zortéa Photo: James Zortéa

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/eu quero ser/ eu quero ser/ um vaso novo/ quando eu receber meu milagre eu acho que nunca mais vou conseguir dormir/ oh senhor por favor me diga que a vida é mais que a vida/ eles pedem um emprego e um carro sem desconfiar que clamam pelo apocalipse/ oh deus também eu espero o momento do arrebatamento, sempre esperei/ mas quero arrebatamento e não essa vida eterna onde nenhuma comida tem mais sabor/ perdoe-me, só vejo na vida eterna uma morte disfarçada/ morte luminosa em que a nossa cabeça degolada cai para trás do corpo causando infinita vertigem/ será que a gente sente o ar frio entrando pescoço adentro, por dentro das vértebras, mesmo que não haja palavras que nos subam pela garganta cortada?/ oh, Wittgenstein diria que não – mas eu quero crer que sim, que sim, que sim/ como se pudesse assistir de longe meu corpo padecer em chamas/ como se pudesse me encantar com a chama luminosa e o infinito mistério do meu rosto derretido/ oh senhor, só mesmo tu para suportar sem estremecer a ânsia torpe do meu rosto afogueado/ oh senhor, como fazes para suportar sem repulsa o sorriso distorcido dos fieis em estado de graça, o agudo extremo das orações/ eu deixo o pastor tocar minha cabeça e jogá-la para trás até minhas vértebras cervicais estalarem todas/ no dia seguinte não vou poder voltar o rosto para a direita não vou poder voltar o rosto para a esquerda mas que me importa, que me importa que ele grite comigo se quando eu voltar para casa quem sabe eu esteja livre dos sonhos que me despertam pela madrugada/ liberta-a senhor, de todo o mal/ tantas vezes fui maldita, tantas vezes abençoada/ mas seja bênção, seja livramento, seja maldição, eu sinto aquele misto de temor e alivio a cada vez que o senhor me chama para o altar/ entre as muitas mãos levantadas, lá está a minha/ e eu esqueço de propósito a obviedade das revelações/ mas suspeito secretamente que cada um vai aos cultos à espera daquele momento em que deus enfim Luísa Nobrega

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Sara Lambranho

NOTÍCIAS DE CASA Frame do vídeo, 3’42” Frame from video, 3’42” Desenho de som: Thelmo Cristovam Sound Design: Thelmo Cristovam Edição: Paulo Renato Pinheiro Editing: Paulo Renato Pinheiro

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SEM TÍTULO, 2013 Untitled, 2013 Fotografia Digital Digital Photography São Francisco de Paula

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SEM TÍTULO, 2013 Fotografia Digital Digital Photography São Francisco de Paula SOPRO, 2013 grafite sobre papel, 21cm x 28cm graphite on paper Foto: Anderson Astor Photo: Anderson Astor

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SEM TÍTULO, 2013 Fotografia Digital Digital Photography São Francisco de Paula


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“É de uma beleza espantosa. Como a morte, que é belíssima, mas também terrível.” Entrevista Ícaro Lira * por Isabel Waquil

IW: Como se deu o movimento da ideia do teu projeto para a prática? Ícaro Lira: O projeto inicial era bem aberto. Acho interessante da parte do Atelier Subterrânea apostar nesses projetos – no meu, no da Luísa Nóbrega e da Sara Lambranho – porque são projetos difíceis. São bem diferentes entre si, mas são difíceis por serem abertos: pode acontecer qualquer coisa. E a minha ideia inicial era vir pra cá e travar uma pesquisa, uma relação com essas cidades – a princípio as cidades da Lagoa dos Patos, Mostardas e Tavares – e com as pessoas dali. Rapidamente, essa ideia mudou. Quando eu vi que era uma região muito perto da fronteira me deu vontade de continuar a viagem descendo, até chegar nesse limite. Eu nunca tinha passado por uma fronteira do Brasil com nenhum outro país, era uma situação nova, e eu já tinha vontade de fazer um trabalho específico com fronteiras. IW: No teu projeto tu disseste que esta era uma proposta interdisciplinar, porque lidava com outras áreas do conhecimento. Esse diálogo aconteceu? IL: Sim. Dependendo da situação, com quem eu estava e onde eu estava, eu ia me disfarçando de uma coisa ou de outra. O projeto vai um pouco nesse sentido. Em alguns momentos, eu fui mais pelo viés da História, pesquisando da formação do lugar, da cidade, da colonização. Às vezes é uma pesquisa mais focada na arquitetura do lugar, outras vezes está mais para natureza... mas para isso eu não tinha muitas separações, tudo estava misturado em um olhar artístico. Essa interdisciplinaridade é um artifício usado em prol de um olhar artístico, de uma pesquisa visual. A História, Geografia, Política, Arqueologia, Sociologia são 20

ferramentas. Todas elas são vertentes para se entender o espaço. A arte talvez seja um pouco isso. Um lugar que, ao mesmo tempo, não é nada, mas onde você pode ser um pouco de qualquer coisa. IW: A tua produção é bem variada e depende sempre do andamento da tua residência. Na conversa reali­ zada na Casa Paralela isso até foi trazido ao debate, a questão da tua produção. O que tu trouxeste da viagem? Como foi o teu trabalho artístico para além da investigação? IL: Tem um caderno em que eu anotei tudo, tem as fotos e os vídeos. Também tem uma séri elo Nordeste, Norte, Centro-Oeste. Pelo Sudeste, claro, que é onde eu vivo, mas o Sul eu nunca tinha visitado. Então, acho que o VETOR tem, pra mim, esse lugar de fechar um trânsito por todas as regiões – 15 estados. Mas a produção é isso, é contínua. IW: A coleta dos objetos é uma parte muito signifi­ cativa do teu trabalho e talvez seja o lugar onde tua reflexão sobre estes espaços e percursos seja mais materializada. Como se deu esse processo? IL: Aparentemente pode ser aleatório, mas tem coisas que me interessam mais. O que são essas coisas e o que as une pode ser aleatório, mas posteriormente elas se organizam e se realocam na minha cabeça, ou no espaço expositivo, com uma ordem. Todos os objetos têm uma coisa de não interferência. É quase simplista, no sentido de deslocar aquilo para um outro espaço, e da forma que aquilo é composto: com uma foto, com um vídeo. Eu gosto de pensar na ideia de uma montagem cinematográfica. Tem uma ideia do Eisenstein, um cineasta russo do início do século passado, que é uma teoria de montagem bem simples, mas na época foi uma revolução: é a ideia de que se você pega duas imagens diferentes e você as justapõe – coloca uma do lado da outra – isso cria uma terceira imagem. Então


tem um pouco disso, de juntar coisas e criar a partir dessa justaposição. Essa é também um pouco da ideia de poesia do haikai japonês: você tem dois símbolos que juntos criam o significado de um terceiro símbolo, que quase sempre é algo relativo ao movimento. Então, estes objetos têm um pouco desse caráter, porque eles nunca estão sozinhos, sem­pre há os vídeos, fotos e cadernos, e os próprios res­ quícios de suas memórias. IW: Tem uma questão que se sobressai nas tuas fotos e objetos que é a presença da morte através do osso, da carcaça. Isso é recorrente nas coisas que tu trazes destes percursos, não só no VETOR. Tu já refletiste sobre isso ou é algo que ainda está no inconsciente e acaba acontecendo? IL: Não, é algo consciente a partir do momento em que eu olho e percebo que está em quase tudo, mas a busca em si não é consciente. É quase sempre um pós... Aquela coisa de você olhar de fora e dizer “Poxa, está aqui de novo”. Aí tem a questão do aleatório: é, mas não é, porque tem essa formação pessoal do que me constitui que acaba perpassando essas escolhas do que fotografar, de recolher objetos de interesses que eu tenho ali. Então, tem vários trabalhos em que a ideia de morte está presente. As ruínas também. A ideia de ruína

está presente em todos os trabalhos que eu fiz, de alguma forma. A ruína e, em paralelo, essas ideias do desterro, do êxodo, da migração. Às vezes essas coisas se encontram e se intercalam. IW: E na região em que tu estavas é possível ver que foi uma coisa bem forte essa presença da ruína, certo? Tanto que vocês visitaram a Vila Fantasma. IL: Sim! É uma região que tem uma natureza bem ameaçadora, porque é uma natureza que te coloca muitas limitações. Tanto que a estrada não sobrevive. Eles a reconstroem e a estrada se destrói sozinha. Ela não se sustenta. Mas isso é natural: se você tem uma casa e você a deixa fechada por anos, a natureza toma conta: bichos vão nascer, as plantas vão crescer, enfim. Então, por aquela região, há várias casas que foram tomadas pela areia. Por alguma razão – não sei se foi ambiental, se foi o Ibama, mas por alguma razão essas pessoas tiveram que deixar as suas casas e as construções foram tomadas pela natureza. Então, tem uma série de casas submersas na areia. Sem contar o mar, que também avança a cada ano. O vento também é terrível. Enfim, é bem impactante. É de uma beleza espantosa. Como a morte, que é belíssima, mas também terrível. Há esse paradoxo.

*Entrevista gravada com o artista em Porto Alegre, no dia 5 de abril de 2013, ao término da residência na região do Litoral do Rio Grande do Sul.

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Um salto no absurdo Entrevista Luísa Nóbrega*

entre um corpo de miséria e um espírito que busca uma transcendência.

Por Isabel Waquil

IW: Tu frequentaste a igreja Deus É Amor todos os dias, durante o mês de residência, para realizar tua pesquisa. Tu enxergas a ida diária ao culto como um tipo de ação? LN: Sim, e não só era uma ação, como era a ação principal. As outras ações eram estudos, propostas que eu fiz a mim mesma para tentar entender coisas que eu estava pensando. Mas a performance que mais me interessava era esse período longo indo na igreja e seguindo suas regras. Nesse caso, seguir regras que não fui eu quem colocou. No fundo, acho que é esse tipo de ação que mais está me interessando agora: pensar a performance para além de uma apresentação para um público de arte. Claro, tem esse aspecto também, mas a performance também pode ter outra dimensão que é mais complexa e que faz com que o trabalho não entre só em uma lógica de produtividade. IW: Durante tua residência em Bagé, as perfor­ mances que tu propuseste começaram a apontar para um viés da resistência do corpo. Como foram os desenvolvimentos dessas ações? LN: A primeira ação que eu fiz foi de frente para um muro. Fiquei com os braços abertos em cruz até não agüentar mais. Durou cerca de uma hora. A outra ação foi no campo aberto, bem na paisagem do Pampa. Eu fiquei ali, no meio do mato, repetindo a palavra “Glória” sem parar. Eu não tinha ideia de quanto ia durar. Foram 7 horas, até que eu caí no chão. Acho que essas duas ações trabalham com a relação entre a fé e a resistência, a ideia de um corpo que tenta encontrar alguma espécie de transcendência, mas se depara com a sua própria fragilidade e com o colapso por vir. É uma dialética que eu acho que está muito presente no cristianismo: o embate 22

IW: Essas performances parecem não apenas surgir de um questionamento sobre o sacrifício, mas parecem ser sacrifícios por si só. Elas têm esse caráter pra ti? LN: Talvez. Dá pra ler assim, mas, ao mesmo tempo, eu estava pensando mais em um ato de fé. Acho que os atos de fé acabam passando muitas vezes por um sacrifício, mas o foco principal não é o sofrimento do corpo, mas a tentativa de transcendência. Algumas práticas da igreja, como a vigília, o jejum – práticas que têm a ver com as performances de resistência – são todas tentativas de sair dos limites pessoais, de propor outros tipos de experiência. Esbarram num limite físico, mas não é só isso. É um limite mental também. Mas o sacrifício mesmo, como tema, acho que aponta para outro lugar, que não é apenas esse da resistência, do martírio, mas tem a ver também com uma certa violência. Por exemplo, a questão do abate. Tem um assassinato ali, tem o elemento sangue, que é um outro lado da experiência do sagrado no qual tentei começar a mexer. IW: O fato de estar no Pampa influenciou a tua reflexão para esse lugar do sangue e do sacrifício? LN: Sim. Muito. Falando sobre o sacrifício, estando ali, era impossível fugir disso, porque a questão do abate está por toda a parte. É muito forte – as fazendas de gado, os ritos coletivos que se dão em torno de um animal, em geral um cordeiro, morto para ser comido. Em Bagé, as metáforas cristãs não eram metáforas, elas estavam ali na minha cara, na minha frente. Fiz tentativas de compreender o que é isso, por que o sangue está tão presente no discurso cristão. Eu precisava pensar sobre isso – mas o pensar, do ponto de vista de artista, é um pensar entrecruzado, contraditório, é pensar a partir de vários pontos de vista simultâneos. Ao mesmo tempo, eu estava tentando mexer nisso tudo com


muito cuidado, porque é muito fácil você usar o elemento do sangue e cair numa coisa até sensacionalista, de uma violência espetacular ou gratuita. Então eu tentei um jogo de distanciamento e aproximação. O ponto que me intriga é pensar como é que, nesse mundo pós-moderno, contemporâneo, etc, esses temas da crucificação, do sangue, continuam tão presentes. E se renovando. O que existe nesses símbolos e nessas imagens que faz com que eles perdurem? Em Bagé, essa presença era muito explícita. Era quase como se eu pudesse ver o sangue correndo embaixo das casas. IW: Isso lembra as imagens bíblicas, o mar de sangue. LN: Muito. O sangue está na Bíblia desde o princípio. Eu fiquei pensando muito sobre Caim e Abel. Os dois trazem presentes para Deus. Caim, que é agricultor, traz legumes e frutos da terra, e Abel mata um cordeiro. Deus prefere o sacrifício de Abel e fala: “A tua oferta chega até mim”. Ele provoca um jogo de inveja que faz com que Caim mate Abel. Então Deus fala: “O sangue do teu irmão clama e chega até mim”. Eu penso que é quase como se Caim tivesse sido obediente, porque no fim das contas ele faz a mesma coisa que o irmão fez: o sacrifício de sangue inocente. Esse sangue derramado é o que chega até Deus. Isso é interessante porque liga as questões do sangue e da voz. Tem a metáfora do sangue que clama, como se o sangue falasse com Deus. Isso é muito forte. No abate que filmei, eles penduram o cordeiro e cortam a garganta, por isso é uma morte silenciosa, mas o sangue vai escorrendo pelo pescoço, pela garganta, como se fosse uma voz que escorresse, que falasse. Não é só o falar, é o clamar.

IW: Geralmente, estas ações de resistência requerem um objetivo muito específico. Qual é a tua meta com ações do tipo de “Glória”, que exigem tanto do corpo? LN: Talvez essa seja uma das diferenças entre a performance religiosa e artística: muitas vezes os fieis se submetem a prova porque querem alguma coisa – um emprego, a cura de uma doença – enquanto eu não tenho nenhum objetivo com isso a não ser a experiência. Eu sinto que, nessas ações de longa duração, você estabelece uma relação completamente diferente com o seu corpo, é com­ pletamente diferente da relação do cotidiano. Há algo nessa experiência que tem a ver com a fé. Há um estado mental que você tem que criar para ser capaz de continuar e continuar a fazer uma ação que, em última instância, é inútil, sem um objetivo específico. Acho que, nas religiões, há algo que é um salto no absurdo – essa questão está em um livro do Kierkegaard. Ele fala sobre um lugar da fé que é o do absurdo. A performance tem um pouco disso, uma justificativa para que você possa fazer algo que não se justifica de maneira nenhuma, a não ser por um ato de vontade obstinado. Às vezes eu acho que a gente tende – e talvez a arte contemporânea puxe ainda mais para esse lado – a fazer trabalhos que se justifiquem muito, em que todos os aspectos sejam comunicáveis. Mas esses trabalhos têm dimensões incomunicáveis, aspectos sobre os quais não dá para falar. O mundo é cheio desses pontos cegos. Fazer ações como essa te coloca uma série de perguntas contraditórias. É difícil, porque quando o projeto termina, você não se tranqüiliza. Não é um trabalho que apazigua.

*Entrevista gravada com a artista no dia 17 de maio de 2013, em Porto Alegre, ao final da residência em Bagé, Rio Grande do Sul.

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Modos de habitar Entrevista Sara Lambranho* Por Isabel Waquil

IW: Os títulos dos teus trabalhos sempre remetem a um jogo de palavras que toma lugar na ação. Como se deu esta construção de sentido do nome do vídeo “Notícias de Casa”, que tu realizaste durante a resi­ dência de VETOR? Sara Lambranho: O nome do trabalho faz referência à experiência que vivo nas casas que visito e também ao que evoco desses lugares nas paisagens domésticas registradas em vídeo. É uma espécie de comentário que se relaciona com vários dos meus trabalhos, que trazem apontamentos quanto ao desenho das cidades e às tensões entre público e privado nos planos urbanísticos atuais. IW: O que te interessa neste desvio de significações dos objetos que tu propuseste em vídeo? SL: Penso nesse desvio como uma abertura de significados. Pego uma coisa que está dada, com determinada função, e proponho, nas imagens, situações em que elas são atra­ vessadas por novos sentidos. Quando comecei a viajar, não sabia o que ia encontrar, nem o tempo exato desses encontros. As imagens foram surgindo na medida em que as pessoas ficavam à vontade em me receber. E adição do vídeo dá notícias do que vivi através dessas paisagens, promovendo associações simbólicas entre esses fragmentos que captei nessas visitas. IW: Podemos dizer que, em parte, esta discussão conceitual do (re)significado dos objetos se origina no próprio jogo da representação no vídeo? SL: O trabalho propõe esse jogo entre as formas e seus possíveis significados. Algumas coisas se instauram mais pela força de uma imagem. Outras, pela associação entre 24

elas e o som que também foi captado nesses locais. O que as imagens sugerem tem influência do que vi e vivi nesse período. IW: Tua pesquisa não se centra em um tipo de mo­ radia, a investigação ocorre na diversidade. Notaste algo –seja objeto, seja característica– que costura esse cotidiano das moradias que tu pesquisaste na Serra gaúcha? SL: Quando comecei, tinha em mente visitar casas pertencentes a condições socioeconômicas distintas, mas, com o desenrolar do trabalho, vi que o mais interessante era que a deriva que propus não tivesse de fato nenhuma regra. Fiquei quase dez dias num mesmo bairro, me deixando levar pelo tempo que cada encontro ditava. Às vezes, eu ficava pra almoçar nas casas e voltava no dia seguinte. Aos poucos, iam me deixando entrar em cômodos que, durante o primeiro encontro, estavam fechados. Visitei muitas casas de madeira de influência alemã, com um forno no meio da casa. Notei também que, frequentemente, as pessoas se apropriavam não só de elementos naturais, como do mobiliário urbano para fazer suas casas. IW: Qual é o papel dos moradores dentro da pes­ quisa que tu desenvolves sobre estes lugares ha­ bitados? SL: O trabalho depende do interesse das pessoas por esse encontro. São, com frequência, momentos de muita intimidade, em que me contam suas estórias, falam sobre como veem o meu interesse, comentam sobre a casa e a cidade. Alguns deixam que eu entre e vão fazer outras coisas, não se importam muito. Outros querem saber o porquê do meu interesse pela casa deles. Vou mostrando as imagens que fiz antes e seguimos conversando. Alguns se animaram a ponto de dizerem querer assistir ao vídeo resultante de meu projeto, que estará em exibição na


exposição do VETOR, no Atelier Subterrânea, em Porto Alegre. Espero que apareçam mesmo! IW: A história da região da Serra é marcada por fortes fluxos migratórios. Isso de alguma forma re­fle­tiu na tua pesquisa, nos elementos que tu en­ contraste? SL: Vi muitas situações desse fluxo refletidas nos utensílios, na arquitetura. Em uma das casas, que era de madeira no estilo alemão, a mãe da família, que é amazonense, ninava o filho numa rede, que ficava por cima da cama, pra ele ficar mais quente e dormir com o balanço.

IW: Como a imaginação influiu sobre o teu processo, que lida com aspectos tão palpáveis do dia-a-dia? SL: Vejo que esse trabalho é também um momento de pesquisa do desenho das cidades e instaura algumas perguntas sobre a relação entre público e privado. No vídeo, na junção desses ambientes, aparece um lugar novo, com um tempo próprio, ditado pelo potencial inventivo que todos temos e a influência disso na relação com o entorno. A pesquisa que desenvolvo nesse trabalho revela modos de habitar e levanta questões acerca dos planos urbanísticos feitos a partir de especulações que são externas ao cotidiano das pessoas.

*Entrevista realizada por email com a artista, no dia 3 de junho de 2013, após a residência na Serra gaúcha.

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Palestra de Ícaro Lira na Casa Paralela, em Pelotas Talk by Icaro Lira at Casa Paralela, in Pelotas Foto: Lilian Maus Photo: Lilian Maus

Oficina “Performance, Mídia, Ritual, Culto: Intersecções Possíveis”, realizada por Luísa Nóbrega, em Bagé Workshop “Performance, media, ritual, cult: possible intersections” by Luísa Nóbrega, in Bagé Foto: Joba Migliorin Photo: Joba Migliorin

Palestra “O Avesso das Cidades: Territórios da Experiência, de Sara Lambranho, na Secretaria de Cultura de Bagé Talk entitled “The Reverse Cities: territories of experience”, by Sara Lambranho, in Bagé Foto: Joba Migliorin Photo: Joba Migliorin

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MAUSOLÉU Concepção: Luísa Nóbrega e Sara Lambranho Conception: Luísa Nóbrega and Sara Lambranho Performance: Luísa Nóbrega Foto: Ronai Rocha Photo: Ronai Rocha

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Subterrânea as a platform for residencies: VECTOR Subterrânea Atelier | VECTOR Project Isabel Waquil and Lilian Maus Ever since it first came about in 2006, the Subterrânea Atelier has had a goal to activate a network of artists, researchers, curators, collectors, producers and all other audiences interested in art through a platform for projects. Today, Subterrânea is an independent space with a strong presence in Porto Alegre, seeking to expand its activities, such as exhibitions, talks, classes, releases, lectures and residences to other regions in the country through networking and partnerships. During that process, the Vector project started to come together. The idea was to seek, in different cities in the countryside of Rio Grande do Sul, new connections to expand the exchange and performing network amongst those who focus their body of work in contemporary art. In structuring the project, the map of Rio Grande do Sul was divided between grasslands, mountain range and coast. Through a countrywide call for entries, we were to select 3 projects for 30 day long artistic residences, during the months of March, April and May 2013. The chosen projects established different relations with the communities in the regions for which they were registered, seeking to promote artistic output in different cities in the state and acting as enablers for this decentralization that VECTOR was seeking from the beginning. Ícaro Lira, from Ceará, was selected for the coast, Luísa Nóbrega, from São Paulo, for the grasslands, and Sara Lambranho, from Minas Gerais, for the mountain range. Ícaro Lira, from Ceará, was selected for the residence in the coast, during the month of March. His project Náufrago (Castaway) was centered around the idea of transiting through unknown lands seeking ruined objects. He started in the city of Tavares and went through Mostardas, São José do Norte, Pelotas and Rio Grande arriving at the deep south, in the bordering town of Chuí. The artist registered his journey through photography and video, creating travel journals and collecting objects that allow us to see the actions of time in oxidations, fossilization, the cracking of paint and worn out surfaces. These objects give us clues of the fabric of this trip, taking us to a region marked by adverse weather and shipwrecks. The human dimension, on a coastline where the abyss meets the horizon line, is only a fragmented one. Any vertical aspect of the landscape seems fragile and unsustainable, as the collapsed lighthouse in Bojuru that is being slowly eaten away by the sea. Luísa Nóbrega, from São Paulo, went to the Pentecostal church Deus é Amor since her first day of residence in Bagé. Her initial proposal consisted of researching the presence of voice and human body in the Evangelical ritual. In this bordering town, where the presence of cattle marks the story of the municipality, the investigation stretched towards the matters of animal sacrifice and blood, also present in the religious discourse. The religious recollection of

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divine blood, the lamb, purification and devotion amongst other elements took the artist to a place of reflection already touched upon in previous projects and that became impossible to avoid with verbal and contextual evidence during the residence in Bagé. Therefore, a series of performances and videos came from the experience in the heart of the southern grasslands. One of the videos produced in the residence shows, in a very subtle and poetic manner, a very symbolic gesture that spans the gaucho and Judeo-Christian cultures: the slaughter of a lamb. On a farm, the artist, wearing an impeccably white shirt, walks in the slaughterhouse with a group of workers that normally carry on that duty. The silence resulting from the slitting of the throat of the animal weighs over the recording and contrasts and power of the imagery. The potency falls over the delicate character itself: everything is shot through a crack on the door working as mediation between the internal and external. At the end, the artist leaves with her shirt tainted by the metaphorically sacrificial blood that runs through the matters investigated. Sara Lambranho, from Minas Gerais, developed the project Notícias de Casa (News from Home), from a look at the micro which represents the macro. Taking place in the state’s mountain range, the proposal consisted of a video of the same name that shows images of close-ups from the interior of homes in the region. The fragmentation of images is held together by a narrative regarding the urban space and its interiors from the resignifying of objects. With no intention to reveal what’s being shot, the filming goes beyond the private housing and questions how political, economical and behavioral matters interfere with the architecture and urban composition of the region. The contact with the dwellers was also essential for the project, as it relies on the house owner’s acceptance for the camera to enter their private spaces. At the end of VECTOR, the projects were shown in a program in Porto Alegre, at the Subterrânea Atelier and, during their residences, the artists took part in talks and workshops in the cities where they were developing their projects. Ícaro Lira participated in a talk at Casa Paralela, in the city of Pelotas, where he presented works that related to his residence in the coast. In Bagé, Luísa Nóbrega developed the workshop “Performance, media, ritual, cult – possible intersections”, tackling the common grounds between art and ritual. Also in Bagé, Sara Lambranho gave a talk entitled “The Reverse Cities – territories of experience”, proposing a reflection on the city’s expressive potential. ­— “It’s an appalling beauty. Like death ­– beautiful, but also horrible.” Interview with Ícaro Lira* By Isabel Waquil How did your project turn from an idea into reality? The initial project was very open. I think it’s interesting that the Atelier Subterrânea would invest in these projects – mine, Luísa Nóbrega’s and Sara


Lambranho’s – because they are complex projects. They are very different from one another, and are complex because they are open: anything could happen. And my original idea was to come here and do some research, to have a relation to those cities – initially the cities of Lagoa dos Patos, Mostardas and Tavares – and to the people there. That idea quickly changed. When I realized it was a region close to the border I wanted to keep going south, until I reached that limit. I had never crossed a border between Brazil and any other country, it was a new experience, and I already wanted to work specifically with borders before that. You mentioned in your project that this was an interdisciplinary proposal, as it dealt with different areas of knowledge. Did that dialogue happen? Yes. Depending on the situation, who I was with and where I was, I disguised myself in different ways. The project is like that in a way. Sometimes, I follow a more historical approach, researching how a place came about, the city, the colonization. Sometimes the research is more centered around the architecture of a place, sometimes it’s more about nature... but for this there were no separations, everything was part of the same artistic outlook. The interdisciplinary aspect is a device used in favor of a artistic outlook, of a visual research. The history, geography, politics, archeology and sociology are all tools. They are all different perspectives to understand the space. Art might be a bit of that. A place that is nothing, but at the same time you can be a little bit of anything. Your artistic output is very diverse and always relies on how your residence is going. At that conversation at Casa Paralela that was brought up – the question of your production. What did you get from your trip? How was your artistic work beyond the investigation? I have a notebook where I wrote everything, there are pictures and videos. There is also a series of letters that I’m not quite sure what’s going to happen to, but they span across all this. Actually, all those strategies – the notebook, the video, the photography, the letters, the objects – they pass by all these works, it’s a trajectory. Now, with VETOR, I’m closing a cycle, because the South was the only region I had never been to. I had done an ample research through the Northeast, North, Central West. The Southeast as well, of course, which is where I live, but I had never visited the South. So I believe VETOR has, for me, this meaning of ending my transiting through all the regions – 15 states. But the production is that, it’s continuous. Collecting objects is a very meaningful part of your work and it might be the area where your reflections on the spaces and trajectories is more visible. How did that process came about? It might seem random, but there are things that interest me more. What those things are and what unites them might be random, but then they rearrange and organize themselves inside my head, or in the exhibition room, in order. There’s a non interventionist side to all the objects. It’s almost simplistic, as it

dislocates something to a different space, and the way in which it is composed: with a picture, with a video. I like to think about the idea of a cinematic editing. Eisenstein, a Russian filmmaker from the beginning of the last century, has this idea, a very basic theory in editing, but rather revolutionary at the time: it’s the idea that if you take two different images and juxtapose them – put one before the other – that creates a third image. So there’s a bit of that, putting things together and creating something from this juxtaposition. It’s also a little of the idea of poetry from the Japanese Haikai: you have two symbols that together will create a third symbol, almost always something relating to movement. So these objects have some of that, because they are never alone, there’s always the videos, pictures and notebooks, and the vestige of their memories. Something that’s visible in both your photography and the objects is the presence of death through bones, carcasses. That is a recurring theme with the things you brought from your travels, not only in VETOR. Have you thought about that or is it something unconscious that just happens? No, it’s something conscious from the time I look around and realize it’s in almost everything, but the search itself is not conscious. It’s almost always afterwards... When you look from a distance and say “Well, it’s here again”. So there’s the issue of randomness: it is, but it isn’t, because there’s this personal side of what constitutes who I am that ends up passing through my choices of what to photograph, of collecting objects that I am interested in. So there are various works in which the idea of death is present. Ruins as well. The idea of ruins is present in every work I have done, in a way. Together with ruin, the ideas of banishment, exodus and migration. Sometimes those things meet and mix together. And we can see that in the region where you were, this presence of ruins was a very strong thing, right? You even visited a ghost town. Yes! It’s a region that has a very menacing nature, because it’s a nature that limits you a lot. To the point where even the road can’t survive. They rebuild it and the road destroys itself. It can’t live. But that’s natural: if you have a house and you leave it closed for years, nature will take over: animals will be born, plants will grow and so on. So in that area there are many houses that were taken over by the sand. For some reason – I don’t know if it was environmental, if it was Ibama (the Brazilian Institute for the Environment and Renewable Natural Resources), but for some reason those people had to leave their houses and the structures were taken over by nature. So, there’s a series of houses submerged in the sand. Not to mention the sea levels, rising every year. The wind is also terrible. Anyway, it’s very impressive. It’s an appalling beauty. Like death – beautiful, but also horrible. *This interview was recorded on April 5th, 2013, in Porto Alegre, after the artist’s residence on the coast of Rio Grande do Sul.

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A leap into the absurd Interview with Luísa Nóbrega* By Isabel Waquil You went to the Pentecostal Church Deus É Amor every day during your residence month for your research. Do you see going to church every day as a kind of action? Yes, and it wasn’t just an action, it was the main action. The other actions were studies, proposals I made to myself in trying to understand things that I was thinking about. But if I’m talking about this project, the performance that interested me more was this long period of going to church and following their rules. In this case, following rules that I did not set for myself. Deep down, I think that for the relation between my work and performances this would be the kind of action that interests me the most, which consists in thinking of performance as something more than just a presentation for the artistic audience. So of course there’s that, but performance also has a different dimension that is more complex and that keeps the artwork that I’m proposing from being just productivity. During your residence in Bagé, the performances you proposed started to go towards a bodily resistance aspect. How was the process of developing these performances? The first action was facing a wall. It consisted of me keeping my arms up in a cross position for as long as I could. It lasted for about an hour. The other action was on an open field, in the South’s characteristic grasslands. I stood there in backwoods saying the word “glory”, nonstop. I had no idea for how long it was going to last. It lasted for 7 hours, until I collapsed. I think those two actions deal with the relation between faith and resistance, the idea of a body that tries to find a transcendence, an ascension. That means it also deals with fragility and collapse; a dialectic I believe is very present in Christianity. It’s a matter of a body in misery and this spirit that leads to transcendence. Those performances seem to not only come from the questioning of sacrifice, but to be sacrifices themselves. Do they have the same meaning to you? Maybe. You could see it like that, but at the same time, I was thinking more about an act of faith. I think acts of faith usually end up going through sacrifices, but that was not the main focus. It’s an attempt to transcend this corporeal suffering. I also see that in church practices such as vigil or fasting – practices that have to do with those performances – they are all attempts at testing personal limits, allowing yourself to have different kinds of experiences. It’s very physical, but not only that – it’s mental as well. We seek this matter of spirituality. But sacrifice itself, as a theme, also points in a different direction, not only of resistance and martyrdom but also of how it relates to violence. The question of slaughter, for example. There is a murder going on there, and I think that points to blood, another side of the sacred I want to work with.

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Did being in the Southern grasslands have any influence in gearing your reflection towards blood and sacrifice? Yes. A lot. It’s impossible to separate the idea of sacrifice from everything else because the slaughter is everywhere. It’s very powerful – the farms, the region. The collective animal rites. A slaughtered lamb to be eaten. In Bagé, metaphors were not metaphors, they were right there in front of me. There were attempts to understand what that is, why is blood so present in this discourse. I needed to think about that – but thinking from the artist’s point of view is to think in an entwined manner, to think about many possibilities. At the same time, I was handling this matter very carefully, because it’s very easy to use this discourse of the blood and end up with something sensationalist about violence. It was a play on distancing and approaching. The point is to think about how, in a postmodern, contemporary world, these issues of crucifiction and blood are still so present, and renewing themselves. What about this symbol and this place makes them last like this? In Bagé, this presence was very clear. It was almost as if I could see the blood running underneath the houses. That brings to mind the biblical imagery, the sea of blood. Yes, very much so. Blood is in the bible from the start. I thought about Cain and Abel a lot. They both bring presents to God. Cain, a farmer, brings vegetables and the fruits of the earth, and Abel kills a lamb. God prefers Abel’s sacrifice saying his offering has reached Him. So He stimulates the envy that drives Cain to murder Abel. So when God says “Your brother’s blood calls and reaches me”, I think it’s as if Cain had been obedient, doing the same thing his brother did – the sacrifice of innocent blood, and that blood that was shed is what reaches God. That’s interesting because it links the blood to the voice. There’s a metaphor of the blood calling, as if blood spoke to God. That is very powerful. In the slaughter that I filmed they hang up the lamb and slice it’s throat. It’s a silent act, but the blood runs across the neck, through its throat like a voice that flows, that talks. It’s not just the talking, but the calling. Usually the resistance actions require a very specific goal. What is your goal with actions such as “Glory”, that demand so much from your body? That might be one of the differences between the religious performance and the artistic performance. I have no goals except for experiencing things. But when you’re dealing with experiencing resistance actions the goal is to see what’s going to happen. I feel that in these long lasting actions, you establish a whole new relationship with your body, it’s absolutely different from daily life. There’s another moment in the experience that has to do with faith. It’s a mental state that you have to create to be able to go on with an action that is ultimately useless, without a specific goal. I think that in religion there’s something like a leap into the absurd – this is something Kierkegaard talks about in one of his books. He talks about the place of the absurd in faith. Performance has some of that, a reason to do something unreasonable, only because of an act of tenacity. Sometimes I think we tend to – and contemporary art might go in that direction – do work that’s highly justifiable, whose aspects are entirely


communicable. But there are incommunicable aspects to those works, aspects that can’t be discussed. The world is full of blind spots. So ultimately in these performances you ask yourself interesting questions, such as “for how long can the body take this?”. But it’s hard, because it’s not a pacifying work. *This interview was recorded on May 17th, 2013, in Porto Alegre, after the artist’s residence in Bagé, Rio Grande do Sul. ­— Ways of Inhabiting Interview with Sara Lambranho* IW: The title of your works always refer to a play on words taking place in the action. How did the construction of the meaning for the title of the video “News from Home” that you made during your residence for VECTOR come about? Sara Lambranho: The name of this work refers to what I experience in the houses that I visit and also to what I gather from these places in the domestic landscapes captured in the video. It’s a sort of commentary that relates to many of my works, pointing towards a commentary on the shape of the cities and the tensions between the public and the private in the current urban plan. IW: What interests you in this detour of signification of the objects that you proposed in this video? SL: I see this detour as a sort of opening of meanings. I take something that’s given, with a specific purpose, and I propose situations in which they are allowed to take on new meanings through images. When I started traveling, I didn’t know what I was going to find, or for how long those encounters would last. The images started to come about as people were more comfortable having me. And adding the video shows what I have lived through those landscapes, promoting symbolic associations between the fragments captured in those visits. IW: We could say that, in part, the conceptual discussion of resignify­ ing objects comes from the play on representing in the video itself? SL: The work proposes this play on form and their possible meanings. Some things establish themselves through the strength of their image. Others, through the association between them and the sound captured in those places. What the images suggest is influenced by what I saw and lived in that period.

days, being guided by the time each encounter would take me. Sometimes I would stay at a house for lunch and would come back on the next day. Slowly, I was allowed into rooms that, upon first meeting them, were closed to me. I visited many wooden houses influenced by German architecture, with the oven in the center of the house. I also realised that, frequently, people would take not only natural elements but also urban furniture to build their houses. IW: What is the role of the inhabitants in the research you developed about these inhabited places? SL: The work relies on the interest of people in this encounter. Frequently there are very personal moments, where they tell me their stories, talk about how they see my interest, comment on the house and the city. Some let me in and go do their thing, they don’t care much. Others want to know why I am interested in their house. I show the footage I have so far and we keep talking. Some were interested enough to tell me they wanted to watch the final video, that will be in the exhibition VECTOR, at the Subterrânea Atelier, in Porto Alegre. I hope they really show up! IW: The history of the mountain range area is marked by a strong flow of migration. Did that reflect on your research in any way, in the ele­ ments you found? SL: I saw much of this flow reflected in the utensils, in the architecture. In one of the houses, a wooden German style house, the mother, who was from Amazonia, was singing her son to sleep on a hammock over the bed, to keep him warmer and to have him fall asleep with the swing. IW: How did imagination influence your process, which deals with such palpable aspects of daily life? SL: I see this work also as a moment of research in the shape of cities and it poses some questions regarding the relationship between the public and the private. In the merging of these environments a new place appears in the video, with its own time, dictated by the ingenious potential that we all have and the influence it has on our surroundings. The research that I develop in this work reveals ways of inhabiting and raises questions regarding the urban plans developed through speculations that are external to the daily reality of people. *The artist was interviewed via email on June 3rd, 2013, after a residency in the mountain range in Rio Grande do Sul.

IW: Your research is not centered around any particular kind of dwell­ ing, the investigation happens in a place of diversity. Did you notice anything – be it an object or a characteristic – that’s common between the homes you visited in the state’s mountain range? SL: When I started, the plan was to visit households in different socioeconomic conditions, but as things progressed I realised it would be more interesting if the dérive had no rules at all. I was in the same neighborhood for almost 10

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Créditos do Projeto Project Credits Gestão Cultural Cultural Management Atelier Subterrânea ­– Gabriel Netto, Guilherme Dable, James Zortéa, Lilian Maus, Túlio Pinto Coordenação de Produção Production Coordinator Lilian Maus Assistência de Produção Production Assistants Isabel Waquil, Túlio Pinto Captura e edição de vídeo Video Recording and Editing James Zortéa Captura e edição de som Sound Recording and Editing Marcelo Armani Montagem Installation Alexandre Moreira Website James Zortéa, Isabel Waquil Assessoria de Imprensa Press Officer Isabel Waquil Projeto Gráfico Graphic design Carolina Veiga, Gabriel Netto Produção Gráfica Graphic Production Guilherme Dable Fotografias Photography Anderson Astor, James Zortéa, Joba Migliorin, Lilian Maus, Ronai Rocha Revisão de português Proofreading Lúcia Navarro, Maria José Leivas Waquil Tradução Translation Jéssica Preuss – Terceira Margem

Agradecimentos Thanks to André Severo, Adriana Gonçalves (Coordenadora do Centro Histórico Vila de Santa Thereza Vila Santa Thereza Historic Centre Coordinator), Batista (Hotel Parque da Lagoa Parque da Lagoa Hotel), Bernard Belisário, Beatriz Lemos, Bernardo Mosqueira, Breno Silva, Bruna Lambranho, Bruno Jacomino, Carol Ramisch, Casa Paralela, Cristiane Leyes Rodrigues (Matadouro São Martins mos, Bernardo Mosqueira, Breno Silva, Bruna Lambranho, Bruno Jacomino, Carol Ramisch, Casa Paralela, Cristiane Leyes Rodrigues (São Martins Slaughterhouse)), Daniel Acosta, Daniella Menegotto, Deyson Gilbert, Dr. Manif Curi, Jorge (Unidade de Dialise/Nefro Rim Bagé Dialysis Unit/Nefro Rim Bagé), Giovani Andreoli, Enilson Moura, Estevão Stumpf, Felipe Maus, Marcos Silva, Maria Helena Bernardes, Mario Fontanive, Martina Moura, Mayra Redin, Olavo Ramisch, Paula Borghi, Paulo Renato Pinheiro, Pedro de Blanco (Estância Minuano), Pena Cabreira, Rebeca Stumm (Arte#OcupaSM), Ricardo de Souza Lopes (Pousada Chácara das Roseiras Chácara das Roseiras Inn), Rodrigo John, Rodrigo Migliorin, Santiago Rueda, Sala PF Gastal, Sapiran Brito, Selma Vargas, Thelmo Cristovam, Tula Anagnostopoulos, Vitor Butkus.

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