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Grande parte dos artigos publicados até hoje abordando o desempenho zootécnico da rã-touro, Rana catesbeiana, trazem resultados de experimentos conduzidos dentro de laboratórios, revelando assim a carência de informações sistematizadas vindas diretamente do dia-a-dia dos ranários comerciais. Para sorte dos ranicultores, acabam de ser divulgados os resultados de uma pesquisa conduzida pelos pesquisadores Samuel Lopes Lima, Alex Poeta Casali e Cláudio Angelo Agostinho, que avaliou a performance da rã-touro em três ranários comerciais. Além de índices zootécnicos atualizados, dentre os resultados desse trabalho, merecem destaque as tabelas de referência criadas para orientar o ranicultor na sua rotina da alimentação, tanto dos girinos como das rãs na recria.
A
pesquisa foi conduzida de março de 1997 a fevereiro de 2001, em três ranários localizados nos municípios de Anchieta (ES), Coimbra (MG) e em Visconde do Rio Branco (MG), onde as temperaturas médias anuais registraram 25, 20 e 24 oC, respectivamente. Em comum, os três ranários operam segundo o sistema anfigranja de criação intensiva de rãs, concebido por Samuel Lopes Lima e Cláudio Ângelo Agostinho. O sistema anfigranja caracteriza-se por suas técnicas de manejo sistematizadas para cada um dos setores da criação: reprodução, girinos e recria. Entretanto, segundo os autores, apesar de já ser de domínio público, o sistema encontra-se ainda em fase de consolidação tecnológica.
alimento é ofertado. Diariamente, pela manhã, antes da primeira alimentação, e no final da tarde, os resíduos são esgotados através de manobras no cotovelo roscável. As temperaturas da água dos tanques foram anotadas diariamente, sempre às 7:00, e a densidade utilizada em todos os tanques foi de dois litros de água para cada animal.
A Girinagem Os índices zootécnicos referentes ao desenvolvimento dos girinos, os mesmos que serviram de base para a elaboração da tabela Tanques de girinagem de um ranário em Anchieta-ES que estabelece o consumo diário de ração, foram extraídos do Os resultados do primeiro ano de monitoramento revelamonitoramento de vários lotes de girinos alojados em 83 tanques de ram mortalidades de 7,65%, ganho de peso diário de 0,10 g/dia e criação instalados nos três ranários, tendo sido realizadas biometrias conversão alimentar aparente de 1,69:1 (médias gerais). Melhorias periódicas em cerca de 249 mil girinos, até a metamorfose. introduzidas no manejo alimentar permitiram que, após quatro Os desenhos originais dos tanques de girinagem dos ranários anos, ao final do estudo, a mortalidade tenha caído para 5,9%; o seguiram as características descritas para o sistema anfigranja, ganho de peso diário se elevado para 0,11 g/dia; e a conversão entretanto, em cada um dos ranários, os tanques apresentavam alimentar caindo para 1,50:1. A tabela 1 apresenta os valores pequenas diferenças relacionadas a construção. Em decorrência, a máximo, mínimo e médio nas três unidades, e a tabela 2 apresenta primeira iniciativa dos pesquisadores para a realização da pesquisa os índices por faixa da peso (até 1 g; 1,1 a 5 g e acima de 5g). foi a correção dessas diferenças, no sentido de padronizar tais características e minimizar a ação das variáveis. São tanques Tabela 1 - Valores mínimos, máximos e médios dos índices zootécnicos de girinos de construídos em alvenaria, com o formato retangular, piso com rã-touro nas três unidades monitoradas inclinação central de 12%, confluindo para uma caixa de coleta de resíduos protegida com tela na parte superior, para evitar a fuga dos animais. Um cotovelo roscável é responsável pelo esgotamento total ou parcial da água, além de ter a função de manter o nível da coluna d’água do tanque. A alimentação de água se dá através de tubos de alta pressão, com entradas alternativas pela superfície ou pelo fundo, com orifícios na tubulação para propiciar jatos direcionados para a caixa de drenagem, auxiliando na retirada do material sedimentar (restos de ração, fezes e outros resíduos). O fluxo contínuo de água é paralisado por 20 a 30 minutos, no momento em que o Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2003
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Tabela 2 - Valores mínimos, máximos e médios dos índices zootécnicos por faixa de peso, de girinos de rã-touro de uma das unidades monitoradas
Recria
bores em sistema inundado encontraram ganho de peso diário de 2,22 g, conversão alimentar de 1,2:1 e mortalidade de 6%. Dados de desempenho de rã-touro em baias semelhantes ao “ranabox” foram divulgados em 1996 por pesquisadores mexicanos. Obtiveram animais com peso final de 105g após 175 dias de cultivo (ganho de peso 0,66 g/dia) e mortalidade de 35%, utilizando 525 rãs em densidade de 50/m 2.
Tabela 4 - Valores mínimos, máximos e médios dos índices zootécnicos de rã-touro nas fases inicial, crescimento e terminação, no Setor de Recria de duas das unidades monitoradas
Na fase de recria a mortalidade média foi de 12%; o ganho de peso médio foi de 1,2 g/dia e a conversão alimentar média de 1,4:1. Os resultados desta avaliação confirmaram a tendência das avaliações realizadas pelos criadores do sistema ao longo dos últimos anos, mas demonstraram melhoria nos valores de conversão alimentar de 2:1 para 1,4:1, o que representa redução nos custos da produção. Segundo os autores da pesquisa, a exemplo do que ocorreu com os girinos, tal redução se deveu não somente à melhoria na qualidade das rações oferecidas atualmente, mas, principalmente, aos benefícios dos ajustes efetuados no manejo de rotina, com a correta oferta do alimento. A tabela 3 apresenta os valores máximos, mínimos e médios das três unidades. A tabela 4 apresenta os respectivos índices zootécnicos por faixa etária (inicial – até 50 g); crescimento (51 a 110g) e terminação (acima de 110g) de duas unidades. A comparação com outros sistemas de criação (confinamento, baia inundada e ranabox) fica prejudicada, em razão das poucas informações disponíveis na literatura a respeito do desempenho zootécnico das rãs nesses sistemas. Pesquisadores do Instituto de Pesca de SP, a frente o Dr. Dorival Fontanello, realizaram, em 1993, uma comparação entre os sistemas anfigranja, confinamento, tanque ilha e gaiolas, simultaneamente em um mesmo local, demonstrando resultados inferiores aos obtidos nesta avaliação feita nos ranários comerciais. Os resultados dos pesquisadores do IP para as baias do sistema anfigranja foram: mortalidades de 28,92% na fase inicial, e 6,32% na fase de crescimento/terminação: ganho de peso de 109,57g em 112 dias (0,97 g/dia). Índices zootécnicos disponíveis para as baias inundadas são encontrados nos experimentos feitos pela Dr. Silvia Mello quando utilizou seis lotes de rãs, durante 85 dias e encontrou mortalidade de 37,4%, ganho de peso médio 159,20 (1,87 g/dia) e conversão alimentar média de 1,5:1. Estudos realizados por Carnevia e cola-
As tabelas de alimentação
O acompanhamento realizado por quatro anos junto aos ranários comerciais, permitiu aos pesquisadores a confecção de tabelas precisas de referências para o manejo alimentar, um importante instrumento para que o ranicultor efetue eficazmente o manejo de rotina de sua criação. Na fase de engorda de girinos, a única tabela de referência disponível foi obtida em laboratório, com animais até 5 gramas, criados em temperatura constante (25oC). A nova tabela elaborada pelos pesquisadores a partir das observações dos três ranários, considera quantidades distintas de ração para um mesmo lote, segundo a temperatura da água no momento da alimentação, que pode variar de18 a 29 ºC (Tabela 5). Para efetuar o cálculo da ração que deverá ser oferecida, a primeira coisa a fazer é consultar o termômetro para saber qual a temperatura da água dos tanques. A segunda informação é saber o peso médio dos girinos, obtido por amostragem, em cada tanque, e a periodicidade da amostragem não deve ser superior a uma semana Quando ultrapassam duas gramas de peso, os animais já suportam o manejo até a balança, para se obter o Tabela 3 - Valores mínimos, máximos e médios dos índices zootécnicos de rã-touro, no setor de peso de um grupo de no mínimo dez animais. recria, nas três unidades monitoradas Quanto mais heterogêneo o tamanho dos animais em um determinado tanque, maior o número de animais para se obter uma média confiável. A terceira informação necessária para o cálculo, é o número de animais alojados no tanque. Dai a importância das anotações do número de animais mortos durante todo o período da criação. Se o ranicultor fez a contagem correta do número de girinos alojados inicialmente, basta reduzir o número de mortes ocorridas no período, para saber o número atualizado.
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Com as informações em Tabela 6 - Tabela de Alimentação: Percentual de Alimento Oferecido em Relação às Faixas de Peso Médio, de Rã-touro, Criada no Sistema Anfigranja. mãos, basta consultar na tabela 5 os valores de temperatura e o peso médio, para encontrar o percentual correspondente. Calcula-se a biomassa, ou o peso total dos animais alojados (numero de animais x peso médio), e multiplica-se o valor pelo percentual correspondente da tabela. O resultado é a quantidade de ração a ser oferecida por dia, sobra de pelo menos 5% da quantidade oferecida, é uma que deve ser oferecida gradualmente, no mínimo em quatro boa medida. Segundo os pesquisadores, o problema nesta fase começa pela eficiência do comedouro (seu desenho ou configuração) e sua distribuição por todo o piso das baias. Existem vários modelos, nem todos eficientes. Seja TABELA 5 - Valores de Referência para o Cálculo de Alimentação de Girinos em Função do Peso Médio (g.) e da Temperatura da Água do tanque (ºC), segundo qual for o tipo de instalação do ranário, a dificuldade do técnicas de manejo do Sistema Anfigranja, de acordo com o percentual de ranicultor é saber se a quantidade que está sendo oferecida consumo estimado. é a esperada. Para tal ele deve se orientar pela tabela 6, elaborada a partir dos quatro anos de pesquisas nos ranários comerciais estudados. O consumo nesta fase também é influenciado pelas variações da temperatura ambiente, porém de forma mais agressiva que os girinos, pois a água tem uma inércia térmica maior que o ar. Na prática a tabela deve servir como referência para o produtor, que deve mesmo ficar atento diariamente no percentual de sobra do alimento nos comedouros. Os resultados da pesquisa desenvolvida por Samuel Lopes Lima, Alex Poeta Casali e Cláudio Angelo Agostinho foram publicados na na Revista Brasileira de Zootecnia Volume 32, n.3, p.505-511; e 512-518 2003). Os interessados em receber o arquivo PDF original podem solicitar através do e-mail samuel@ufv.br
parcelas. Em temperaturas mais elevadas, e, quando o peso médio for superior a 10 gramas, as parcelas devem ser de no mínimo sete vezes ao dia. Segundo os pesquisadores Samuel Lopes Lima, Alex Poeta Casali e Cláudio Angelo Agostinho, nas baias de recria o manejo alimentar é relativamente fácil, bastando que seja oferecida uma quantidade tal, que possibilite saciar a fome dos animais. Se o cocho ou comedouro ficar limpo rapidamente e as rãs ainda permanecem ao seu redor, é um indicativo que estão aguardando mais comida. Uma
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